COMO APRENDER?

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Pense que aprender é como plantar uma árvore. O que precisamos? Sementes e ferramentas para o plantio? Sim! Mas não é só isso. Ter as sementes e as ferramentas para o plantio não é suficiente, pois igualmente importante são um terreno propício e um clima propício (que influenciará na qualidade do terreno). Com isso, podemos dizer que:

   “SEMENTES JOGADAS EM TERRENO INFÉRTIL NÃO BROTAM!”

Em uma primeira analogia, podemos dizer que o terreno é VOCÊ MESMO e as sementes, o CONHECIMENTO recebido. Já em uma segunda analogia, podemos dizer que o terreno é o AMBIENTE no qual você está inserido (pessoas com quem você se relaciona) e as sementes, o seu ESFORÇO. Disso se tira duas conclusões:

(1) O conhecimento não brotará se você mesmo não estiver verdadeiramente receptivo a ele;

(2) Não adianta estar em um ambiente fértil sem esforço individual de sua parte, mas seu esforço individual não terá resultado em um ambiente infértil;

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Sendo assim essa primeira parte visa preparar o TERRENO (você mesmo e o seu ambiente) para o aprendizado da língua japonesa. Ela será talvez A MAIS IMPORTANTE para o seu aprendizado! E se necessário, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da área da saúde mental.

“Fraqueza não é reconhecer que temos um problema e procurar por ajuda. Fraqueza é saber que temos partes destruídas dentro de nós e, para não sofrer sozinhos, querer destruir física e/ou emocionalmente os outros”

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Você perceberá que muitas coisas expostas nesta seção são óbvias, mas fechamos os olhos para elas porque queremos que as pessoas e o mundo sejam como massinha de modelar nas nossas mãos.

Não são!

Há fatores que podemos controlar, mas há muitos outros que são incontroláveis!

Leia cada parte atentamente, reflita e comece a sua jornada na língua japonesa!

I. UMA MÁQUINA CHAMADA “CÉREBRO”

Parece óbvio, mas se desejamos potencializar nosso aprendizado, primeiro precisamos entender como nosso cérebro seleciona as informações que guardará. O primeiro ponto é que nosso cérebro (e consequentemente nossa memória) é muito seletivo. Podemos traçar um paralelo entre a memória e a unidade de armazenamento de um computador: para manter o sistema saudável, de tempos em tempos fazemos limpezas descartando aquilo que pouco utilizamos ou não precisamos mais para dar lugar a coisas que nos serão úteis e também para otimizar o processamento dessas coisas, não é mesmo? E eis aqui o critério do nosso cérebro para selecionar as informações que guardará: a IMPORTÂNCIA.

Não se sabe ainda qual a capacidade de armazenamento do cérebro. O que sabemos é que ele é a parte do corpo que sozinha consome mais energia. Por essa razão, ele não gosta de gastar energia sem propósito. Ele descarta constantemente informações que considera irrelevantes para que nos concentremos e tenhamos energia para fazer as coisas que nos ajudarão de fato no mundo real.

Mesmo que não percebamos, nosso cérebro ainda age de forma muito primitiva, isto é, para ele é como se nós ainda vivêssemos em ambiente selvagem. Ele quer que guardemos energia e nos foquemos na sobrevivência. Ele quer que fiquemos atentos para possíveis ameaças de predadores e guardemos energia para fugir ou mesmo lutar contra esses predadores. Ele quer que guardemos energia para as tarefas diárias necessárias para a sobrevivência (hoje relativamente simples, mas pesadas nos tempos primitivos). No ambiente selvagem precisávamos de muita energia para caçar, plantar, procurar por abrigo devido ao clima, etc. Segundo apontam especialistas em um estudo publicado na revista cientifica “Neuropsychologia”, “a conservação de energia foi essencial para a sobrevivência dos seres humanos, pois nos permitiu ser mais eficientes na busca por comida e abrigo, na competição por parceiros sexuais e na prevenção de predadores”. Eis, então, um dos fatores que o cérebro utiliza para avaliar a importância de algo: A (NECESSIDADE DE) SOBREVIVÊNCIA.

Agora, de forma geral como o homem primitivo foi tendo consciência daquilo que era bom ou ruim para a manutenção de sua vida? A resposta é: baseado na sensação que um ato e/ou o resultado deste trazia. Por exemplo, todos nós sabemos que precisamos beber água para sobreviver. Porém, não é qualquer água. Nós sabemos que há uma diferença enorme entre beber água tratada e beber água suja, pois as sensações e os resultados são diferentes, não é mesmo? Beber água suja é muito desagradável (tem um gosto ruim), além de poder adoecer a pessoa (resultado ruim). Perceba que não bebemos água suja em sã consciência, ao passo que constantemente bebemos água tratada, pois ela nos dá uma sensação agradável, além de saciar a sede e hidratar o corpo (resultado bom). Em outras palavras: tendemos repetir o que nos traz boas sensações e/ou resultados bons e rejeitar aquilo que nos traz sensações e/ou resultados ruins (fugir da dor e buscar o prazer). Eis, então, outro fator que o cérebro utiliza para avaliar a importância de algo: O PRAZER (SEJA DO ATO, SEJA DO RESULTADO).

Podemos esquematizar da seguinte forma:

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Obviamente, o prazer ou o desprazer se estendem as nossas emoções, isto é, ações que geram em nós emoções prazerosas tendem a ser aprendidas e repetidas com mais facilidade (busca do prazer). Já as ações que geram em nós emoções desprazerosas são aprendidas com mais facilidade também, mas como sinal de perigo. Por isso, em vez de repetidas, tendem a ser repelidas (fuga da dor). Um exemplo prático deste mecanismo é que tendemos a nos aproximar de pessoas agradáveis e que nos acolhem, por causa da segurança e prazer emocional que elas nos proporcionam, e nos afastar de pessoas tóxicas, por causa do desprazer emocional que elas nos causam.

Com o que vimos até aqui, podemos concluir que nosso cérebro possui a capacidade de se adaptar ao ambiente no qual está inserido de acordo com a importância das informações (estímulos) que vai recebendo. Ele guarda essas informações importantes, criando assim um banco de dados de experiências passadas, para analisar o presente, fazer associações daquilo que presenciamos agora com o que já sabemos e tentar prever o que pode acontecer, a fim de preservar a nossa vida e para que possamos viver da melhor forma possível dentro de nosso ambiente. Observe a ilustração a seguir:

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Aliás, como o cérebro funciona como uma máquina de coleta, análise de dados e previsões visando a nossa sobrevivência da melhor forma possível dentro do ambiente, acredita-se que os sonhos sejam como que um simulador no qual o cérebro tenta executar essa função de forma “mais viva”. Isso nos possibilitaria lidar melhor com as experiências já vividas (como se fosse uma terapia), auxiliaria a nossa criatividade e, consequentemente, a nossa capacidade de resolver problemas atuais e nos apresentaria futuros possíveis e como lidar com eles. Não é raro nos depararmos com casos de pessoas que tiveram ideias muito boas inspiradas por algum sonho que tiveram.

Vale também destacar uma questão que divide opiniões: dada a característica do cérebro de se adaptar aos estímulos do ambiente, o ser humano seria como uma folha em branco ao nascer?

Há duas respostas extremamente opostas para essa questão, sendo que uns dizem que SIM, somos uma folha em branco ao nascer, e outros dizem que NÃO, afirmando que já nascemos totalmente programados, determinados para algo. Porém, os dois extremos parecem estar errados. Sabemos, por exemplo, que os traços de personalidade são fortemente influenciados pelo genótipo. Por outro lado, quanto mais se estuda o cérebro, mais ficamos impressionados com sua capacidade de responder às mudanças sensoriais (estímulos do ambiente). No fim das contas, nosso cérebro parece usar uma interessante mistura de características inatas (a “herança genética” de cada um que nos predispõe para algo) com influências ambientais (estímulos).

Ainda precisamos considerar uma característica extremamente importante: o fator IMPORTÂNCIA nem sempre será uma constante. Em outras palavras, o grau de importância de uma mesma ação poderá variar conforme diversos fatores. Fazendo uma analogia, um guarda-chuva não terá sempre a mesma importância. Em dias de chuva, ele é um objeto importante, mas em dias ensolarados, não, podendo até mesmo se tornar um fardo (ele ocupa o espaço de outro objeto que seria mais proveitoso). Facilmente percebemos que com ações acontece algo semelhante. Há uma infinidade de ações que podemos executar e também uma infinidade de contextos diferentes, o que impactará na importância da ação.

II. CALCULANDO O CUSTO-BENEFÍCIO

Como o nosso cérebro não gosta de gastar energia sem propósito, ele possui o chamado “Sistema de Recompensas”, que é um sistema que constantemente “calcula” o custo-benefício (a importância) das ações baseado em três fatores:

➩ Recompensa (positiva ou negativa, alta ou baixa);

➩ Esforço (quantidade de energia necessária);

➩ Distância (se é uma recompensa imediata ou a curto, médio ou longo prazo).

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Por exemplo, beber água estando no meio do deserto é muito importante! Como se torna uma ação diretamente relacionada à necessidade de sobrevivência, a recompensa é muito alta (e necessária). Neste caso, o cérebro entenderá que esforço e distância têm menor relevância, pois o importante é beber água. Por isso, estaremos dispostos a fazer mais esforço e a gastar mais tempo para encontrar água. Em contrapartida, estando no conforto de casa, pode ser que estejamos fazendo coisas mais agradáveis do que saciar a sede em si (assistindo a uma partida de futebol, por exemplo). Saciar a sede, então, torna-se menos importante. Para alguns, é preferível deixar a sede esperar a perder um lance da partida, tendo que levantar do sofá e ir buscar água na geladeira (esforço e distância maiores). Neste caso, assistir a cada lance da partida é mais importante, o prazer é maior (e imediato) e o esforço e distância, menores (custo-benefício melhor em relação a saciar a sede).

A este combustível que nos move em direção a uma recompensa se dá o nome de MOTIVAÇÃO. Podemos dizer que a motivação varia conforme a importância que atribuímos a uma ação ao longo do tempo.

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Algumas abordagens apontam 3 ou 5 forças que se relacionam e que vão interferir na IMPORTÂNCIA que damos a alguma ação e consequentemente na motivação para executá-la. São elas:

POSSE: é o desejo de possuir coisas. Isso pode incluir bens materiais, como carros, casas e roupas, ou bens imateriais, como conhecimento, habilidades e relacionamentos. A posse pode fornecer uma sensação de segurança, status e satisfação;

PRESTIGIO: é o desejo de ser admirado e respeitado pelos outros. Isso pode ser obtido por meio de realizações, riqueza, beleza ou outros atributos valorizados pela sociedade. O prestígio pode proporcionar uma sensação de autoestima, significado e pertencimento;

PODER: é o desejo de controlar os outros ou o ambiente ao seu redor. Isso pode ser obtido por meio de dinheiro, posição social, força física ou outros meios. O poder pode proporcionar uma sensação de controle, segurança e realização;

PRAZER: é o desejo de experimentar sensações agradáveis. Isso pode incluir comida, sexo, música ou qualquer outra coisa que traga prazer. O prazer pode proporcionar uma sensação de felicidade, satisfação e relaxamento;

PRESSÃO: é o desejo de evitar consequências negativas. Isso pode incluir a pressão para se conformar com as expectativas sociais, a pressão para ter sucesso ou a pressão para evitar o fracasso. A pressão pode ser uma força poderosa, levando as pessoas a fazer coisas não diretamente ligadas aos seus interesses. Por exemplo, uma pessoa que não gosta de estudar, vê-se pressionada a estudar para uma prova somente para evitar uma consequência negativa (nota baixa), já que não pode evitar fazer a prova.

Pode-se, ainda,  levantar três fatores que influenciarão fortemente na motivação. São eles:

(1) Necessidade de Autonomia: melhor fazer algo por vontade e iniciativa próprias do que por obrigação ou pressão. As pessoas tendem a se envolver mais e com maior entusiasmo em atividades nas quais têm a liberdade de escolher, planejar e tomar decisões;

(2) Necessidade de Competência: quem não gosta de sentir que consegue? A sensação de capacidade e progresso é muito importante. Quando as pessoas têm a oportunidade de desenvolver suas habilidades e sentir que estão progredindo, isso fortalece sua confiança e motivação intrínseca. É desmotivador enfrentar tarefas que parecem insuperáveis ou desafios para os quais não se possui as habilidades necessárias;

(3) Necessidade de Pertencimento: quem não fica mais feliz quando se sente parte de um grupo? A necessidade de pertencer a um grupo ou comunidade é inerente à natureza humana. Sentir-se parte de algo maior, onde se compartilham interesses e objetivos comuns, é extremamente importante. Grupos de estudo, colaborações em projetos e interações sociais positivas contribuem para a satisfação dessa necessidade e, consequentemente, para uma experiência de aprendizado mais gratificante.

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De alguma forma, essas cinco forças e essas três necessidades aumentam a nossa chance de sobreviver da melhor forma possível e minimizam os riscos. Também, como podemos perceber, aquilo que nos faz dar IMPORTÂNCIA a uma ação pode ter aspectos tanto positivos como negativos, duradouros ou passageiros. Nesta linha, muito interessante são os conceitos de objetivo AUTOCONCORDANTE e objetivo DISCORDANTE trazidos por Flora Victoria, a Embaixadora da Felicidade e mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia:

Objetivos autoconcordantes são aqueles que são próprios de sua natureza, da sua essência e vem do seu interior!

Como exemplo, uma criança pode inspirar-se na medicina por alimentar o sonho em poder salvar vidas ou por ter passado por alguma experiência positiva com um médico que curou uma doença!

Desta forma o objetivo de tornar-se um médico, motiva o estudo pelo funcionamento do corpo humana, a busca do conhecimento e a dedicação aos estudos para tornar-se um médico!

Os objetivos discordantes são aqueles que nos influenciam a fazer algo por culpa, imposição social ou mesmo por vergonha. Como por exemplo, estudar por obrigação dos pais ou fazer uma faculdade por interesse dos pais.

Neste caso o objetivo pode até ser cumprido e alcançado com êxito e mérito, porém não vem do interior, da essência ou mesmo da vontade própria! A sensação de realização e satisfação não influencia no seu estado psicológico de conquista e vitória!

Como mencionamos anteriormente, nosso cérebro ainda age de forma muito primitiva, isto é, para ele é como se nós ainda vivêssemos em ambiente selvagem. Isso é compreensível, já que, considerando toda a história humana, o homem viveu grande parte de sua existência em ambiente selvagem. A vida moderna representa uma nova e mínima parte da história humana.

Levando em conta essa mudança drástica de ambiente, nasce um problema: na selva o homem tinha uma vida muito mais simples, no sentido de que ele só precisava se preocupar com as suas necessidades mais básicas e com coisas imediatas, como a alimentação para hoje ou para amanhã, por exemplo. Por outro lado, o estilo de vida moderno apresenta uma sobrecarga de estímulos, uma grande quantidade de opções e possibilidades. Na selva, o homem se preocupava basicamente com as coisas a curto prazo e a vida moderna nos obriga a pensar no curto, médio e longo prazo!

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O neurocientista Eslen Delanogare afirma que o nosso cérebro “não foi constituído para viver em um ambiente com tanto estímulo” . Em um mundo moderno com novos desafios, nosso cérebro ainda não se atualizou e continua recorrendo a soluções antigas e ultrapassadas. Por causa disso, nosso cérebro ainda tende a dar prioridade a recompensas que tenham três características:

➩ Que seja rápida;

➩ Que seja alta;

➩ Que exija o menor esforço.

Por esta razão tudo que for fácil, muito recompensador e rápido terá a nossa preferência. Aliás, pode-se dizer que as plataformas começaram a usar essa característica primitiva do cérebro, oferecendo vídeos curtos, em grande quantidade e de fácil acesso. Essa característica do nosso cérebro também explica o motivo de perdemos a motivação facilmente diante de tarefas cuja recompensa esteja longe e indeterminada, afinal na selva o homem não tinha e nem precisava ter muitos objetivos e aspirações.

Perceba também que o fator importância de uma ação (e a consequente motivação para executá-la) em muitos casos tem um aspecto fortemente individual. Conforme o exemplo citado, entre saciar a sede e assistir a partida de futebol, a escolha não é óbvia; o custo-benefício de uma mesma ação varia de pessoa para pessoa.

III. PENSAMENTOS SAUDÁVEIS

A importância que atribuímos a uma tarefa e a motivação para executá-la dependerão muito do nosso sistema de crenças, da nossa visão de mundo. Basicamente, são princípios e valores individuais que formamos (ou aceitamos) com base naquilo que vivemos, ouvimos e sobre os quais refletimos. É a partir dessa visão de mundo que analisamos a nós mesmos, os outros e o mundo.

O problema reside no fato de que, independentemente se esses princípios e valores são objetivamente bons ou equivocados, costumamos nos apegar ferozmente a eles. Costumamos questionar princípios e valores dos outros, mas, para nós, os nossos estão sempre corretos, sendo eles a regra padrão que deve ser seguido por todos.

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Isso acontece por conta do instinto de sobrevivência. O primeiro aspecto é que o cérebro gosta de certezas. Do ponto de vista da sobrevivência, não são as coisas certas que nos ameaçam, mas sim a incerteza e o desconhecido. Por exemplo, se uma pessoa sabe que dentro de uma garrafa de água há veneno, ela não tomará. Porém, se não souber (ausência de conhecimento), ela acabará tomando e perderá a vida. Portanto, como o cérebro gosta de certezas para que se sinta mais seguro, tendemos a buscar aquilo que confirme as nossas crenças e valores e ignorar, repudiar ou distorcer aquilo que gera questionamentos acerca de nossas crenças e valores.  

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Outro aspecto ligado ao instinto de sobrevivência (e a nossa segurança) é que nós sabemos, embora dificilmente admitamos, que não somos autossuficientes e que precisamos da colaboração dos outros para sobreviver da melhor forma possível. E para que os outros se aproximem e permaneçam conosco, é preciso de certa forma que tenhamos uma boa fama, sejamos prestigiados pelos outros. Ora, admitir estar equivocado é como revelar uma vulnerabilidade que pode prejudicar o nosso prestígio. Por isso, tendemos a esconder nossas vulnerabilidades e a nos apresentar como pessoas infalíveis, seja com relação às ideias ou ações, tendo uma justificativa mirabolante para tudo e não admitindo ser contrariado.  

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E esse apego às próprias crenças e valores fica ainda mais forte quando nossas crenças e valores são validados pelos outros. Validação é uma forma de se sentir prestigiado e de obter prestígio! Nesse quesito as redes sociais exercem uma influência grande, pois se antes do surgimento delas não era tão fácil encontrar validação dado o universo restrito de pessoas com quem podíamos interagir, com a diversidade e o grande número de usuários presente nas redes sociais agora é possível encontrar validação para qualquer tipo de coisa, seja ela boa ou ruim. Os algoritmos das redes sociais nos fornecem o conteúdo que se adequa as nossas preferências, fazendo com que permaneçamos mais tempo conectado.

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Isso só reforça as nossas crenças e valores e passamos a nos fechar em bolhas, podendo até mesmo nos tornar fanáticos das próprias ideias. Daí geralmente nasce (ainda mais) o desejo de impor aos outros as nossas crenças e valores. Daí também nasce o fato de que eles podem constituir uma barreira para o aprendizado. Como ensina a psicóloga Marinalva Callegario “toda crença é autorrealizável e as nossas palavras são profecias”. Um só pensamento ou palavra negativa pode se tornar gatilho para traumas ou para a estagnação. Daí é que vem o famoso ciclo:

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Pensamento gera sentimento que conduz a uma ação que tem um resultado. Esse resultado, então, confirma o pensamento. Por exemplo, se uma pessoa vive alguma situação negativa relacionada à “matemática”, ela provavelmente passará a acreditar que é péssima em matemática. Em outras palavras, essa pessoa criará um pensamento que tende a ficar martelando na cabeça:

“Sou péssimo em matemática! Sou péssimo em matemática!”

Esse diálogo interno constante, essa mesma conversa consigo mesmo o tempo todo terá como consequência evidente um sentimento de repulsa com relação à matemática. Como resultado, muito provavelmente essa pessoa passará a enxergar a matemática como algo sem importância (ou danoso) e não terá motivação para aprender. Lembre-se que nosso cérebro quer que fujamos da dor e busquemos o prazer! E, se ainda assim a pessoa tentar aprender, qualquer erro que cometer por mais simples que seja, vai fazê-la dar razão a ela mesma (dar razão ao pensamento – “É FATO que sou péssimo em matemática!”), aumentando o sentimento de repulsa e fazendo-a desistir de aprender matemática de vez. E esse sentimento de repulsa geralmente vem acompanhado de um desmerecimento numa tentativa de aliviar o sentimento de suposta incapacidade para algo, como, por exemplo, “É FATO que sou péssimo em matemática, mas veja bem... a matemática não é tão importante assim!”

Perceba como tendemos a generalizar as coisas. Lembre-se que nosso cérebro é como um banco de dados de experiências vividas, portanto, ele vai analisar o presente e tentar prever o futuro com base nesses dados. Contudo, a generalização é uma faca de dois gumes. O lado bom da generalização é que isso poupa energia e nos poupa de possíveis situações desagradáveis. Por exemplo, suponhamos que você gosta de videogames e o Super Nintendo foi o primeiro console com o qual você teve contato. O que precisamos fazer para começar a usá-lo? Precisamos conectar atrás dele um cabo que vai ser ligado na tomada e outro que vai ser conectado na televisão. Na parte da frente do Super Nintendo há duas entradas, nas quais precisamos conectar os controles. Ele tem um botão para ligar e outro para ejetar o cartucho. Então, generalizando a experiência com o Super Nintendo, somos capazes de manusear consoles mais recentes como o Playstation 4 sem precisar aprender (muitas) coisas novas.

Por outro lado, a generalização tem seu aspecto negativo. No caso do exemplo citado com a matemática, a pessoa passou por apenas uma situação ruim com relação à matemática e já começou a acreditar que todas as outras situações com a matemática serão igualmente ruins. Por isso prefere evitar a matemática. Veja como a generalização pode fazer com que cultivemos crenças equivocadas com relação a nós mesmos, a situações, a pessoas e ao mundo. No fim das contas, de tanto querer poupar energia e evitar possíveis situações desagradáveis, acabamos estagnando e perdendo possíveis oportunidades.  

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Essa propensão para a NEGATIVIDADE tem suas razões. Por ter como meta principal a sobrevivência, poderíamos dizer que o cérebro tem uma tendência de se preocupar mais com o risco de perder do que com a possibilidade de ganhar, afinal é o risco, o desconhecido que podem ser sinônimos de energia desperdiçada, de ameaça ou mesmo de morte. Hao Li, neurologista do Salk Institute, afirma que “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”.

Considerando o contexto selvagem, esse modo de funcionar do cérebro faz todo sentido, pois o homem na selva não tinha (e não precisava de) inúmeras possibilidades, muitas aspirações para viver, como no mundo moderno. Além de ter uma expectativa de vida bem menor, na selva o homem precisava apenas se preocupar com as necessidades mais básicas e com as coisas a curto prazo (a alimentação para hoje ou para amanhã, por exemplo). Por outro lado, o homem moderno se vê diante de inúmeras possibilidades, tendo muitas aspirações e é praticamente obrigado a pensar no curto, médio e longo prazo.

Diante dessa mudança na vida do homem, precisamos aprender a lidar com o medo. Fazendo uma analogia, um soldado que vai à guerra precisa sentir um certo grau de medo, caso contrário, ele não se equiparia com os melhores armamentos possíveis e com as melhores proteções possíveis. Contudo, ele não pode se deixar dominar pelo medo, pois acabaria estagnando e não indo à guerra. Assim também é o homem moderno: sentir medo da incerteza é natural e necessário, mas ao mesmo tempo não podemos deixar que esse medo nos impeça de agir constantemente buscando melhores oportunidades para a nossa vida. Aliás, podemos até mesmo dizer que o medo pode ser um motivador se pensarmos que ficar estagnado pode representar um risco muito maior, já que pode nos fazer perder tudo o que conquistamos até o presente.

Por falar do aspecto negativo da generalização, uma coisa precisa ficar clara: todos nós somos seres humanos, então, independentemente de quem a pessoa seja, da posição social que ela ocupa ou do lugar de onde ela seja, os mecanismos de sobrevivência, formação de crenças e valores, aceitação e interação com outras pessoas são os mesmos. O que existem são ambientes e fatores individuais diferentes que fazem com que determinado mecanismo seja realçado ou reprimido.

Ter isso em mente é importante para que não coloquemos ninguém no pedestal ou na lama simplesmente por a pessoa ser isso ou aquilo ou ser de tal lugar. Cada um de nós carrega dentro de si a luz e a sombra, e essa perspectiva nos ajuda a sermos mais tolerantes e compreensivos, pois o aspecto negativo que apontamos no outro precisa ser trabalhado em nós também. Cada um de nós deve trabalhar para iluminar essas sombras e transformá-las em aspectos positivos, buscando sempre crescer e evoluir como ser humano.

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A pessoa boa não se rotula como pessoa boa, pois sabe que tem um lado sombrio; ela prefere constantemente agir para transformar suas sombras em luz

Como já mencionamos, o nosso cérebro quer que sobrevivamos no ambiente da melhor forma possível. Só que existe um detalhe: como nós humanos vivemos a maior parte da nossa existência como espécie em ambiente selvagem, foi necessário que o cérebro desenvolvesse o que chamaremos de “mecanismo da competição”, afinal na selva os recursos eram escassos e era muito trabalhoso obtê-los. Por causa dessa escassez de recursos, muitas vezes nossos ancestrais tinham que disputar entre si arriscando a vida o almoço do dia, uma simples macieira, um território com rio, etc.

Sendo assim, poderíamos dizer que nosso cérebro desenvolveu um princípio que continua válido ainda hoje. Ele é muito simples, mas muito desatualizado considerando a quantidade de recursos e oportunidades que a vida moderna nos proporciona:

“O sucesso do outro representa uma ameaça e o fracasso do outro, uma segurança”.

Como pontua a psicóloga Meiry Kamia “a competição é o berço da inveja. (...). A gente começa a aprender desde pequeno que eu sou um sucesso quando todo mundo é um fracasso”. Considerando o “mecanismo da competição”, necessário para a sobrevivência em ambiente hostil e de poucos recursos, esse princípio é uma consequência natural. Por exemplo, se o outro conquistasse uma macieira, muito provavelmente teríamos que batalhar por ela ou enfrentar os perigos da selva para procurar por outra macieira. Além de trabalhoso, isso causava uma insegurança muito grande não só física como emocional. Batalhar é risco de morte. Não encontrar uma macieira (alimento), também! Ter que enfrentar os perigos da selva procurando por macieiras, também! Além disso, ser o mais fraco em um ambiente competitivo representava não somente risco de ser abatido pelo mais forte, mas de sofrer o desprestigio dos outros . E solidão na selva é risco de morte também!

Disso tudo, conclui-se que instintivamente procuramos evitar não só a dor física, mas também a dor emocional. Se não tentamos reeducar o nosso cérebro mostrando a ele que não estamos mais na selva, acabamos inteiramente conduzidos pelos instintos primitivos, dentre eles o mecanismo da competição. Com isso, o sucesso do outro sempre  nos causará dor emocional, como se tudo continuasse escasso. Aliás, uma das formas de aliviar essa dor emocional é desmerecer, criticar constantemente o outro, afinal, isso diz ao nosso cérebro desatualizado que ainda estamos em vantagem (ou pelo menos em igualdade) nessa competição dentro da selva.

Agora, observe a figura a seguir:

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Na grande maioria das vezes, o pensamento que inicia o ciclo é extremamente simplista. No caso da imagem, o cavalo se convenceu que ele está preso. Entretanto, se ele refletisse um pouco mais, se ele fosse realista, considerando as diversas variáveis que as situações podem ter, perceberia que na verdade NÃO está preso. O que o mantém preso não são questões da Física, do mundo concreto, mas tão somente um pensamento equivocado, limitador que ele criou ou aceitou. Por isso, não coloque a expressão “É fato que...” em qualquer lugar. Daí vem a importância de ter diálogos internos saudáveis e realistas. Daí vem a importância de reestruturar crenças equivocadas sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo, pois uma visão distorcida para mais ou para menos de nós mesmos, dos outros ou do mundo é a maior vilã para o aprendizado, para a nossa evolução como pessoas. Afinal, se fundamentamos nossas metas, as causas de problemas, etc. em distorções (ou idealizações) da realidade, todo o resto será prejudicado, como em um efeito dominó.

O que somos hoje se origina da soma de experiências do passado. Por meio dessas experiências vividas, analisamos o presente e nele vivemos, ao mesmo tempo que projetamos o futuro. Podemos dizer que no presente existe uma batalha constante entre duas forças extremamente opostas, isto é, as lembranças do passado e o receio (pois não o conhecemos) do futuro. No presente, cabe a cada um de nós manter essas duas forças opostas em equilíbrio para que que o elo da saúde emocional não se quebre e consequentemente saibamos dar importância às coisas realmente relevantes. Só assim cada um de nós terá motivação para agir.

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Não podemos esquecer o passado, mas podemos com ele aprender para melhor agir. Também, não podemos deixar de pensar no futuro, pois embora desconhecido agora, inevitavelmente estaremos diante dele e de alguma forma precisamos estar preparados para ele. O tempo presente é o nosso momento de ação!

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Aceitemos ou não a realidade concreta cedo ou tarde se impõe diante dos nossos olhos. Por isso, refletir e se avaliar constantemente, considerando o EU VERDADEIRO (autoconhecimento) e as CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS que vão se apresentando a nós, bem como dar um novo sentido (positivo) para as experiências negativas vividas será de grande auxílio para a sua motivação e para o seu aprendizado!

IV. A MEMÓRIA

Imagine agora como é a rede elétrica de sua cidade:

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Uma rede elétrica é composta por diversos cabos conectados uns aos outros através dos quais a energia elétrica é transmitida para diversos pontos da cidade. Com o nosso cérebro acontece algo parecido: nele há bilhões de neurônios, que são como os cabos da rede elétrica e eles se conectam uns aos outros formando padrões diferentes. Cada padrão de conexão entre os neurônios resulta em uma memória.

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Observe como os neurônios (in vitro) se conectam uns com os outros:

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As diferentes conexões neurais não têm, entretanto, todas a mesma força e podemos dizer que a duração de cada memória depende do tempo que sua respectiva conexão permanece ativa. Lembre-se sempre que o cérebro consome muita energia e, por isso, ele não gosta de gastar energia sem propósito. Por isso, aceitemos ou não, esquecer é fundamental para evitar sobrecarga do nosso cérebro! Fazendo uma analogia, não há motivos para mantermos ligado na tomada um equipamento eletrônico que não utilizamos. Ele estaria consumindo energia inutilmente, além de estar ocupando espaço de outro equipamento que seria mais proveitoso!

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Essa característica do cérebro nos faz perceber que nossa memória é naturalmente transitória. Podemos saber muito de um assunto hoje, mas se não nos preocuparmos em MANTER essas informações, fatalmente as esqueceremos.

E por que isso acontece?

Talvez não nos damos conta disto, mas estamos o tempo todo recebendo informações através dos nossos sentidos. Seja o som de um carro que passa na rua, o cheiro de alguma coisa, as placas que vemos na estrada, um novo pensamento... não paramos de receber novas informações e tudo isso acaba “ocupando espaço”. Didaticamente, podemos comparar a nossa memória com um copo. O que acontece se começarmos a colocar água nele sem parar? Exato! Chegará um momento em que não haverá espaço para tanta água e a água que já estava no copo começará a ser jogada para fora a fim de dar espaço para a água que está entrando no copo. Da mesma forma, nosso cérebro precisa constantemente selecionar o que guarda e o que será jogado no lixo.

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Entender que a nossa memória é transitória por natureza é fundamental para o aprendizado. Um dos maiores erros de quem está estudando é achar que “uma vez aprendido, jamais esquecido”. Muitas pessoas estudam algo apenas até conseguirem memorizar as informações e acham que isso é o suficiente. Entretanto, passado algum tempo, percebem que já se esqueceram de tudo que tinham estudado. Fatalmente se veem em um ciclo de “aprende, esquece, aprende, esquece...” achando que nunca aprenderão de fato! Aliás, é oportuno mencionar aqui o conceito de “Curva do Esquecimento”. Segundo o site CPC Concursos “o conceito de curva do esquecimento é antigo. Foi criado pelo psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus (1850 – 1909)”. (...) ela ocorre “porque o cérebro entende que não é preciso registrar informações que não são usadas. Ou seja, quanto menos aquele conteúdo for visto, menos relevante ele se torna para o cérebro. Logo, é essencial estimular a memória ao longo do tempo para não descartar a informação estudada”.

Segundo o blog Folha Dirigida, “a teoria do filósofo alemão diz que, após estudar um conteúdo, você está com 100% daquela informação na sua memória. Segundo Ebbinghaus, o que acontece em seguida, é que seu cérebro, ao longo do tempo, vai “desarmazenando” o que foi aprendido, pois ele não é capaz de reter toda a informação de uma vez. Após 20 minutos, você vai ter esquecido cerca de 42% do que aprendeu. Depois de uma hora, mais da metade do conteúdo já foi esquecida (56%). Passados 30 dias, 80% do conteúdo que você estudou é esquecido também”. E nos apresenta um interessante gráfico:

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Dadas essas características do nosso cérebro, costuma-se dividir a memória em dois tipos:

Memória de curto prazo: refere-se à retenção por um breve período de tempo das informações recebidas;

Memória de longo prazo: refere-se ao armazenamento duradouro das informações recebidas. Como ensina Eric Kandel, neurocientista ganhador do Prêmio Nobel em 2006, “aprender significa criar memórias de longa duração”.

Já a transição das informações entre a memória de curto prazo e a memória de longo prazo se chama “consolidação”.

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Portanto, precisamos fazer o cérebro entender que as informações que estamos estudando são importantes e, por isso, devem ser armazenadas – consolidadas – na memória de longo prazo.

Seu objetivo principal deve ser alcançar a “automatização”, isto é, a capacidade de realizar uma tarefa com o mínimo de esforço consciente, de modo automático, assim como é a nossa relação com a língua portuguesa. É o que se costuma chamar de “fluência”. Fazendo uma analogia, aprender uma língua estrangeira (e isso vale para qualquer coisa nova que desejamos aprender) é como pegar um carro pela primeira vez: como é algo novo, existe aquele receio natural do desconhecido e você começa a guiá-lo numa velocidade reduzida, toma mais cuidado ao fazer as curvas, atenta-se em demasia às placas de sinalização, aos botões do painel, etc. Em outras palavras, no começo o ato de dirigir é feito de forma totalmente racional. Por isso, é lento e exige esforço mental. Entretanto, conforme o ato de dirigir vai se tornando um hábito, a sua confiança vai aumentando e o receio vai diminuindo. Chega a um ponto no qual você começa a pisar mais no acelerador e os cuidados diminuem. Em outras palavras, aquilo que no começo era feito com receio, de forma extremamente racional, exigindo esforço mental, tornou-se uma ação natural, espontânea, automática.

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Alcançar o nível da automatização é algo que o cérebro gosta. Uma ação automatizada passa a exigir menos energia, e o cérebro fica liberado para gastar energia com outras tarefas. Usando o exemplo de dirigir, no começo quase ninguém vai gostar de dirigir ouvindo música, pois todo esforço mental está voltado para dirigir de forma correta. A música pode atrapalhar. Entretanto, depois que o ato de dirigir se torna automatizado, ouvir música é algo que agrada, pois podemos prestar atenção nela; não estamos mais totalmente ocupados aprendendo a dirigir.

O que houve entre o momento no qual a pessoa começou as aulas na autoescola e o momento no qual o ato de dirigir se tornou automatizado? Embora constantemente brotem na internet figuras desconhecidas vendendo “cursos milagrosos” intitulados “Aprendizagem Acelerada”, “Método Revolucionário”, “Fluência em 6 Meses” etc., no fundo esses cursos não passam de abordagem e aplicação (muitas vezes mal feitas) de princípios óbvios (que estamos abordando nessa introdução), mas que acabamos ignorando por diversos fatores. Esteja ciente de que, como tudo que é novo, no início será exigido GRANDE ESFORÇO de sua parte (e NÃO há como evitar isso!), mas tenha perseverança!

V. SEDENTARISMO

Por falar em grande esforço, quando se fala em sedentarismo, provavelmente a primeira coisa que vem na cabeça da maioria das pessoas é aquele indivíduo que não pratica exercícios físicos. Costuma-se atribuir como uma das principais causadas do sedentarismo físico as praticidades da vida moderna, isto é, as coisas estão cada vez mais acessíveis com facilidade e rapidez, exigindo cada vez menos esforço. Entretanto, há também o que chamaremos de “sedentarismo mental”. Responda às perguntas a seguir:

➩ Quantos números de telefone você sabe de cor?

➩ Quantos percursos você sabe de cor?

➩ Quantas datas de aniversário você sabe de cor?

➩ Quantas receitas você sabe preparar de cor?

Não se surpreenda se a resposta para todas essas perguntas for “ZERO”, afinal tudo isso pode ser resolvido facilmente com o celular, não é mesmo?

Embora muitos recomendem o uso de aplicativos (como Anki, por exemplo) e sites com funções automatizadas para os estudos devido à rapidez e a praticidade, é justamente essa rapidez e praticidade que podem ser prejudiciais se não houver boa medida. Assim como uma pessoa pode deixar de fazer exercícios físicos porque tem a sensação de ter “tudo ao seu alcance” de forma rápida e com o mínimo de esforço, nosso cérebro também pode deixar de “se exercitar” pelas mesmas razões. Ao utilizar o computador, celular e aplicativos em excesso para estudar, como muitas vezes a informação já vem pronta, a pessoa não precisa estimular o pensamento. O cérebro se torna preguiçoso, sedentário.

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Ora, assim como um músculo, o cérebro precisa ser estimulado para se desenvolver, para funcionar melhor. Não evite fazer esforço mental. Assim você estará com seu cérebro matriculado em uma academia, ele não será sedentário e seu aprendizado será otimizado.

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É muito importante estimular o cérebro a buscar por conta própria a informação desejada. Afinal, é assim que funciona no mundo real. A vida concreta é muito mais exigente do que os exercícios presentes nos livros. Nas conversas no mundo real, não há legendas, listas de vocabulário para consulta ou muito tempo para entender um nativo. Quanto mais rápido processarmos as informações, melhor. Fazendo uma analogia, há quem diga que quando se trata da tabuada de multiplicação, ou a pessoa responde na hora ao ser questionada quanto é um número vezes o outro, ou ainda não aprendeu bem. De certo modo, comunicação é assim também. Veja como no português não precisamos de tempo para processar as coisas durante uma conversa (a menos que a pessoa use um vocabulário e/ou construções complexas, pouco comuns). Também, se um estrangeiro perguntar o que significa “casa”, saberemos responder na hora, não é mesmo? Isso é por que já estamos familiarizados com o português, por conta de muita exposição às mesmas coisas repetidas vezes. A língua portuguesa de uso diário já está “tão memorizada” que se tornou algo natural, automático para nós.

VI. AS FERRAMENTAS DE APRENDIZADO

UFA! Considerando tudo o que abordamos até aqui, por melhor que seja o material didático escolhido, se você não utilizar o que chamaremos de “FERRAMENTAS DE APRENDIZADO”, o seu aproveitamento será quase nulo. Portanto, tenha em mente que sem elas é como querer fazer limonada sem limões, ou seja, sem o ESSENCIAL para a limonada. O material didático é apenas parte do processo (e talvez a menos importante!). Sem motivação, sem esforço pessoal, materiais didáticos são apenas letras mortas que não provocam nenhum efeito prático! Cabe unicamente a VOCÊ dar vida a essas letras!

Até aqui, vimos que nosso cérebro é extremamente seletivo com as informações que recebe, guardando somente aquelas que ele julga importantes para a nossa vida prática. O nosso cérebro não é como uma pessoa a quem podemos simplesmente dizer: “Ei, Fulano! Guarde isso, porque é importante para mim”. Digamos que nosso cérebro precisa constantemente de provas acerca da importância de algo. Lembre-se: o nosso cérebro consome muita energia e não gosta de gastar energia sem propósito! Seria como se Fulano nos dissesse: “Eu guardo isso para você, mas você terá que me provar todos os dias que isso é realmente importante para eu manter isso guardado. Não tenho um espaço infinito disponível e tenho gastos altos!”

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E como podemos “provar” ao cérebro que uma informação é importante? Nós já respondemos a esta pergunta de certa forma: basicamente através de SINAIS que nós podemos enviar e que são enviados pelo nosso corpo ao nosso cérebro, de acordo com a necessidade de sobrevivência ou com o prazer que sentimos ao fazer algo (considerando também o resultado da ação).

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Sendo assim, o que se deseja com essas ferramentas é otimizar a motivação e a memória e minimizar os fatores que prejudicam esses elementos. Então, sem mais delongas, vamos conhecer as “ferramentas de aprendizado”:

1) INTERESSE: apaixone-se profunda e incondicionalmente pela língua japonesa! Aprenda usando o cérebro, mas principalmente o coração, pois o sinal do coração é o sinal de importância mais forte que podemos mandar para o nosso cérebro! Todos os outros sinais dependerão da força do sinal do coração!

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Parece óbvio, mas um dos maiores bloqueios para o aprendizado é a falta de interesse naquilo que se estuda. Pessoas podem passar horas e horas tentando decorar fórmulas matemáticas, mas se houver falta de interesse e/ou maus pensamentos, a sua mente encarará a situação como algo danoso para você e passará a criar mecanismos de autodefesa para afastá-lo disso, tais como distração ou sonolência. Portanto, lembre-se: quanto maior o interesse, maior é o poder da memória para guardar determinada informação. Ainda, segundo a Dra. Carla Tieppo, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e neurocientista, “o hipocampo seleciona aquilo que tem valor para ser guardado ou não. (...) E como ele está ligado à emoção, acreditamos que isto explique o fato de o cérebro armazenar algumas coisas e outras não, de acordo com o valor que elas têm para nós”.

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“Encontre algo que você ame tanto fazer que você espere o sol nascer só para poder fazer de novo” (Chris Gardner)

Vamos fazer uma analogia: imaginemos que um rapaz tenha iniciado um emprego novo e logo no primeiro dia se depara com uma menina que lhe desperta interesse à primeira vista. Vão se passando os dias, o rapaz fica só a observando e o interesse vai aumentando, mas ainda não tiveram a oportunidade de conversar. São convidados então para uma dinâmica em duplas na qual um terá que expor certas informações pessoais ao outro. Agora, responda com sinceridade: se você estivesse no lugar do rapaz fazendo dupla com a menina que outrora despertara seu interesse, as chances de você guardar as informações pessoais que ela expor não são muito maiores do que se você estivesse fazendo dupla com qualquer outra menina na qual você não estivesse interessado?

2) ORGANIZAÇÃO: quanto mais organizada a mensagem, maior será a retenção. A memória não acumula dados de qualquer maneira. Ela efetua, sem percebermos, um trabalho de organização. O cérebro opera uma organização inconsciente. Podemos ajudar a memória organizando a informação de modo consciente fazendo esquemas lógicos, o que implica em comparar, selecionar, classificar, ordenar, associar, esquematizar.

“Se a informação que você precisa memorizar estiver uma completa bagunça, você dificilmente conseguirá retê-la” (Alberto Dell’Isola)

Outro ponto sobre a importância de organizar as informações é que, de forma geral, é preferível partir do geral para o específico. Por exemplo, se você ainda não teve nenhum contato com a língua japonesa, é melhor pegar um material que apresente uma visão geral do idioma (por isso criamos o “Gramática Fácil”), antes de partir para o “Gramática Avançada”. Ter uma visão geral prévia de um assunto ajuda a desenvolver familiaridade com ele. Ora, quanto mais familiaridade tivermos com determinado assunto, mais facilmente o aprenderemos.

Aliás, a familiaridade é um dos motivos pelos quais há pessoas que aprendem com mais facilidade e com maior rapidez um determinado assunto em relação a outras pessoas. Por exemplo, Fulano que gosta de matemática tende a aprender Física com mais facilidade e em menos tempo se comparado a Sicrano que não gosta de Matemática. A Física tem pontos em comum com a Matemática, que Fulano já sabe.

E organização se refere também ao ambiente de estudo. Quanto mais acessível o material de estudo estiver, quanto mais organizado, melhor. Por exemplo, o trabalho que você pode ter para pegar um livro pode fazer com que sua motivação diminua.

3) CONCENTRAÇÃO: possuir interesse não significa necessariamente que você estará focado sempre quando necessário. Afinal, situações mais atraentes, como uma partida de futebol, ou ainda, questões de ambiente como barulho, pouca ou muita luz podem surgir durante o seu tempo de estudo, minando completamente a sua concentração. Outro fator prejudicial é o desvio de foco por imaginações que podem surgir ao vermos uma palavra ou figura durante a leitura; acabamos focando mais nessa palavra ou figura e damos as costas para o tema estudado.

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“O homem que quiser conduzir a orquestra tem de dar as costas ao público” (Max Lucado)

Absorver várias informações diferentes ao mesmo tempo mina a concentração e prejudica a memorização. Vivemos em um tempo em que há excesso de informações e acabamos querendo consumir o máximo possível disso tudo. Tomamos o café da manhã lendo o jornal, assistindo à TV ao mesmo tempo que navegamos pelas redes sociais através do celular. Contudo, nosso cérebro não gosta da multitarefa. Dra. Carla Tieppo afirma que “quando você não está inteiramente concentrado naquilo, você está dizendo para o seu cérebro que aquela informação não é tão importante para você, e é provável que ela acabe sendo descartada”. Por isso, evite a multitarefa, faça uma coisa de cada vez. Quando estiver estudando, elimine todas as possíveis intrusões – desligue o celular, a TV, feche-se no seu quarto... e concentre-se apenas no estudo.

4) NOVIDADE: as distrações são prejudiciais para o aprendizado, contudo, elas são causadas por um instinto natural do nosso cérebro, isto é, ele gosta de novas informações. Nosso cérebro entende que quanto mais informações tivermos do ambiente no qual estamos vivendo, melhor será a nossa sobrevivência. Da mesma forma que nosso cérebro gosta de rotina, porque de certa forma é sinal que estamos seguros, para essa mesma segurança, ele quer que estejamos atentos às mudanças de ambiente e preparados para lidar com elas. Imagine um homem da selva que rotineiramente pega lenha no mesmo lugar. Certo dia ele ouve um rugido de um leão que está por perto. Se o homem não tiver registradas informações sobre o animal leão, ele continuará fazendo seu trabalho rotineiro e muito provavelmente será pego pelo animal. Sim, a falta de informação pode tornar difícil uma tarefa que seria fácil como também pode nos causar danos irreparáveis ou mesmo a morte.

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É por isso que tendemos a ser curiosos. É por isso que aplicativos de mensagens e redes sociais nos prendem, afinal sempre têm algo novo (e possivelmente relevante). É por isso que principalmente notícias ruins e teorias da conspiração tendem a chamar mais a atenção. Por exemplo, diante de uma notícia de um desastre natural que causa muitas mortes, nosso cérebro quer que tenhamos o maior número de informações a respeito para que evitemos estar na mesma situação que causou esse desastre ou saibamos escapar da melhor forma possível. Já teorias da conspiração causam a sensação de que estamos sendo enganados e, portanto, prejudicados de alguma forma.

Vamos fazer uma analogia: repare como em jogos cada nível ou trecho sempre têm algo de novo em relação ao que foi presenciado anteriormente pelo jogador. Desafios novos, gráficos novos, inimigos novos, armas novas, sons novos, uma combinação nova, etc. Se um jogo fosse composto de níveis ou trechos exatamente iguais, muito provavelmente o jogador perderia rapidamente a motivação para continuar a jogá-lo. Então, dentro de um mesmo jogo, do começo ao fim presenciamos uma inovação constante que gera o fator surpresa, que acaba prendendo o jogador no jogo.

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A novidade ajuda a manter a motivação”

Conhecendo essa característica do nosso cérebro, se você tiver dificuldade em se manter focado, faça com que a língua japonesa pareça algo sempre novo, inserindo um elemento novo a cada sessão de estudo. Por exemplo, você pode usar um material didático diferente, estudar um assunto diferente, ler um mangá diferente, assistir a um animê diferente, ouvir e analisar uma música diferente, ler e analisar as notícias do dia, etc. Sempre inove dentro da mesma coisa, no caso aqui do estudo de língua japonesa.

5) REPETIÇÃO: outro pilar da memória e principalmente da automatização é a repetição. Analogamente, se você consegue digitar rapidamente agora, deve se lembrar de como era um “catador de milho” no começo. Entretanto, conforme foi repetindo o ato de digitar – e com o desejo, interesse em dominar a digitação –, gradativamente foi ganhando velocidade, não é mesmo? Ou ainda, já parou para pensar por que não nos esquecemos da nossa língua materna?

Aliás, você precisará desenvolver quatro habilidades para dominar qualquer idioma: (1) ler, (2) escrever, (3) falar e (4) ouvir. Você sabe qual é a “fórmula mágica” para aprender idiomas? Apresentamos a seguir:

➩ para aprender a ler, leia bastante;

➩ para aprender a escrever, escreva bastante;

➩ para aprender a falar, fale bastante;

➩ para aprender a ouvir, ouça bastante.

A repetição precisa se tornar um hábito, ou seja, ela precisa ser feita constantemente, mesmo que a informação já esteja bem memorizada. Como mencionamos anteriormente, nossa memória é naturalmente transitória, pois estamos recebendo novas informações o tempo todo e, para evitar uma sobrecarga e um gasto de energia desnecessário, nosso cérebro precisa constantemente selecionar o que guarda e o que será jogado no lixo. Então, a repetição é uma forma de indicar que, dentre tantas informações recebidas, aquela específica é importante. Quanto mais reativamos uma mesma conexão neural (memória), mais ela se torna firme, sólida.

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O contrário também é verdadeiro, ou seja, pode-se dizer que informação não repetida será informação esquecida.

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“Quanto mais você revisa, se expõe a algo, mais o cérebro se acostuma com aquela informação e a fixa na memória”

É importante, porém, saber usar a repetição a seu favor. Se mal usada ela pode se tornar vilã, pois o cérebro precisa de tempo para processar uma informação. Não bombardeie seu cérebro repetindo as coisas alucinadamente e/ou com muitas informações ao mesmo tempo! Em 1913, P. B. Ballard, um psicólogo inglês, apontou o que foi chamado de “Fenômeno da Reminiscência”. Esse fenômeno nos indica que a fixação de um conteúdo é maior algum tempo depois do que imediatamente depois de estudar. Por isso, a repetição precisa ser feita com tranquilidade e com um espaço de tempo.

Costuma-se dividir a repetição (ou revisão) em ativa e passiva. A repetição passiva é quando revisitamos a fonte da informação (por exemplo, revejo a lista de vocabulário que estudei ontem). Segundo este artigo do site Guia do Estudante, Alberto Dell’Isola recomenda três passos para lidar com a curva do esquecimento:

1) Nas primeiras 24 horas após a sessão de estudo, para cada leitura de uma hora, faça uma revisão de dez minutos. Ela deve ser feita nesse período de tempo, porque é o momento em que mais perdemos informações e isso será suficiente para “segurar” a sua memória. Para ajudar no processo você pode usar fichas-resumo, reler as informações anotadas no caderno ou gravar trechos da aula para ouvi-los depois.

2) No sétimo dia após a sessão de estudo (ou seja, uma semana depois) dedique apenas cinco minutos para reativar na memória esse material.

3) Ao final de 30 dias, pratique o conteúdo durante 2 a 4 minutos e isso deverá ser suficiente para ajudá-lo a se lembrar novamente do que estudou.

Já a repetição (ou revisão) ativa é aquela em que há o esforço para lembrar de algo sem revisitar a fonte da informação. Observe o exemplo a seguir:

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Já há estudos que apontam que a repetição ativa gera melhores resultados, pois é como se o esforço que fazemos para puxar algo da memória (esforço mental) fizesse o cérebro entender: “Puxa, está havendo um esforço para a lembrança de uma informação. Ela é importante!”. Fazendo uma analogia, se a cada vez que Hiroshi perdesse determinado brinquedo, sua mãe lhe desse outro igual, a tendência é Hiroshi se acomodar com relação a esse brinquedo. Porém, se logo na primeira vez que Hiroshi perdesse o brinquedo, sua mãe lhe dissesse “Procure!”, a tendência é Hiroshi dar mais valor para o brinquedo, tomando mais cuidado para não o perder.

Então, procure dar preferência a repetição ativa, usando preferencialmente papel e caneta (ferramenta nº 7), pois com a escrita à mão aumentamos ainda mais o esforço e concentração do cérebro, o que auxilia na fixação da informação na memória. Aliás, você pode usar também a “AUTOEXPLICAÇÃO”, que é você explicar algo para si mesmo, como por exemplo alguma construção gramatical ou mesmo o significado de uma palavra. Ou você pode imaginar que é professor de uma turma e precisa explicar algo para a sua turma (sempre havendo o esforço mental para puxar as informações da memória).

Também, ao revisar o conteúdo, procure começar pelas informações que você achou mais difíceis de guardar. Por exemplo, quando estiver estudando vocabulário poderá colocar as palavras em uma planilha e criar a coluna “NÍVEL DE MEMORIZAÇÃO” com três níveis: “1” para “ruim”, “2” para “médio” e “3” para “bom”. Assim, da próxima vez que fizer a repetição, ordene as palavras pelo nível de memorização, começando com as de nível 1. Alguns, entretanto, dirão que é melhor dar prioridade às informações com nível de memorização intermediário (nível 2) para que elas se tornem informações com nível de memorização alto (nível 3). Já as informações de nível 1 (memorização ruim) devem ser revisadas bem aos poucos, num ritmo menor, exigindo fatalmente mais tempo para serem memorizadas. O motivo é que focar demais naquilo que não se sabe (nível 1) prejudica a memorização daquilo que ainda não está bem fixo na memória (nível 2). Assim, facilmente se entra em um ciclo interminável de alternância entre os níveis 2 e 1, causando a sensação de aprender e esquecer, aprender e esquecer...”. Avalie-se e veja o que é melhor para você. Outra possibilidade é usar o software “Anki”.

Outro ponto que vale ressaltar é que, uma vez que você tenha memorizado de forma satisfatória, é importante misturar as informações a serem revisadas. Por exemplo, observe a tabuada do 4 a seguir:

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Veja que a forma como as tabuadas nos são apresentadas segue sempre um padrão. Isso tem um lado bom e um lado ruim: o lado bom é que isso ajuda muito na memorização. O lado ruim é que podemos acabar fixando demais no padrão e condicionando o cérebro a lembrar da informação apenas dentro desse padrão. Idiomas têm a ver com comunicação e comunicação é um processo criativo e interativo. Embora cada língua tenha seus padrões como cumprimentos, expressões idiomáticas e palavras que costumam ser mais usadas com outras específicas, na prática, podemos usar as palavras do jeito que a gente quiser, desde que haja entendimento mútuo. Precisamos estar cientes disso e preparados para esse fato. Por exemplo, se você estiver memorizando palavras por meio de uma lista de frequência de uso (o que recomendamos), uma vez que você tenha memorizado bem as palavras, comece a revisá-las alterando a ordem das palavras a cada revisão. Não deixa de ser também uma forma de verificar se você memorizou bem cada palavra ou acabou na verdade “memorizando o bloco” por causa do padrão de ordenamento. Fazendo uma analogia com a tabuada, todo mundo há de concordar que quem sabe mesmo a tabuada do 4 é capaz de responder, por exemplo, quanto é “4x8” com rapidez e em qualquer contexto.

A repetição é extremamente importante também para o desenvolvimento da fala. Como falar envolve músculos, como todo músculo, os músculos da fala precisam ser estimulados constantemente para que se crie a chamada “memória muscular” Basta pensar nas pessoas que tocam piano e que possuem “memória” nos dedos (o mesmo vale para a escrita). Isso só se adquire com prática e treino; não basta saber como são os sons do idioma que você quer aprender ou ficar só ouvindo. Você precisa treinar os músculos faciais todos os dias!

6) ASSOCIAÇÃO: associar é vincular uma informação a outra já armazenada. Nossa memória usa a associação de modo espontâneo, inconsciente, mesmo que não percebamos. Cada informação em nossa memória está conectada a outras de uma forma ou de outra. Por exemplo, se alguém disser a palavra "maçã", o que vem a sua mente? Talvez algo parecido com isto:

➩ MAÇÃ: vermelha, redonda, doce, árvore, fruta.

“A associação facilita a lembrança”

Suponhamos que você deseja prender uma bicicleta a um poste. Como acha que ela ficará mais segura? Prendendo-a com apenas uma corrente ou usando várias correntes presas a diferentes pontos do poste e da bicicleta? Certamente a segunda opção é preferível, não é mesmo? Assim também é nossa memória: quanto mais associações (correntes) formos capazes de fazer com relação a uma informação, mais ela ficará segura em nossa memória. E há várias formas de associar uma nova informação a algum conhecimento prévio:

➩ associar a lugares;

➩ associar a objetos, de preferência que sejam bem desproporcionais;

➩ associar a movimentos, de preferência rápidos e amplos;

➩ associar a histórias, de preferência engraçadas;

➩ associar a imagens, de preferência que contenham exageros;

➩ associar a cores;

➩ associar a símbolos;

➩ associar a emoções, sejam positivas ou negativas;

➩ associar a músicas ou filmes conhecidos ou que você gosta. Também, crie músicas e paródias. A criação de um padrão rítmico e melódico auxilia a memorização;

➩ associar aos cinco sentidos, sendo que quanto mais sentidos usarmos para aprender a mesma coisa, melhor, pois há uma variação de estímulos para a mesma coisa. Por exemplo, se quisermos memorizar a palavra inglesa “coffee” (café), podemos ler (visão) a palavra e escutar (audição) a pronúncia. Além disso, podemos associar “coffee” ao sabor (paladar), ao cheiro (olfato) e à textura (tato) de café que conhecemos.

Enfim, use sua criatividade!

Se analisarmos bem, é assim que aprendemos nosso idioma materno e novas palavras: pelo uso constante (repetição) das mesmas coisas e buscando, seja instintivamente, seja de forma consciente, uma relação (associação) entre essas coisas nas diferentes situações que vivenciamos. Então, veja como repetição e associação estão intimamente ligadas. Através de associações é que construímos o conhecimento. Observe a figura a seguir que ilustra a importância de construirmos conhecimento e não apenas ter informações soltas:

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Uma técnica que você pode usar é a chamada “aprendizagem espaçada”. De forma simplista, é se expor ao mesmo conteúdo por três vezes intercalando intervalos de 10 minutos, sendo que cada uma dessas três exposições tem que ser feita de forma diferente. Por exemplo, ao estudar vocabulário, na primeira exposição você apenas lê em voz alta cada palavra e seu respectivo significado. Na segunda exposição, você pode usar a repetição ativa (tentar lembrar o significado de cada palavra), também em voz alta. Finalmente, na terceira exposição, você pode montar frases com cada uma das palavras recém-aprendidas (buscar associações com o seu conhecimento prévio) e dizê-las em voz alta. Note que destacamos “em voz alta”, porque um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Waterloo, no Canadá, apontou que ler informações em voz alta resulta numa melhor memorização, por se tratar também de uma maneira de estudar ativamente.

Enfim, use sua criatividade! Estimule o seu cérebro!

7) PAPEL E CANETA: você deve estar pensando o quanto isso é inútil nos dias de hoje em que a tecnologia é tão presente, não é mesmo? Entretanto, estudiosos têm mostrado que retemos melhor as informações quando escrevemos à mão do que quando as digitamos. Além de exercitar diferentes áreas do cérebro, como a escrita à mão é mais lenta e exige movimentos distintos, passamos mais tempo em contato com a informação e, por isso, concentrados nela. Também, ao escrever notas à mão, tendemos a ser seletivos, porque não se pode escrever à mão tão rapidamente como quando digitamos. Essa etapa extra de processamento também permite uma retenção e análises mais profundas.

Repare como na frente do computador ou do celular muitas vezes ficamos na superficialidade da informação, seja por que nos distraímos com outras coisas interessantes, seja por que apenas utilizamos o famoso “copia e cola” sem prestar atenção de fato no que estamos copiando e colando.

“O computador nos permite rapidez e a caligrafia nos permite um processamento profundo. É uma questão de descobrir como unir as duas coisas” (Jared Hovarth, do Centro de Pesquisa Científica de Aprendizagem da Universidade de Melbourne)

Como mencionamos anteriormente, assim como um músculo, o cérebro precisa ser estimulado para se desenvolver, para funcionar melhor. Então, apesar de mais trabalhosos, não deixe de lado os métodos manuais de estudo.

8) INTERVALO: tendemos relacionar quantidade à qualidade. Ouvimos com frequência frases como “Nossa, ele passou 8 horas estudando sem parar. Que esforçado!”. Contudo, alternar momentos de estudo e de relaxamento auxilia a memorização. É preferível, por exemplo, repetir o ciclo de estudar por uma hora e logo em seguida relaxar (pode ser tirar uma soneca) a estudar cinco horas seguidas, afinal não conseguimos nos manter focados por muito tempo. O cérebro usa mais glicose do que qualquer outra atividade corporal e se estima que a média de tempo que conseguimos nos manter focados em algo é 60 minutos. Então, avalie-se e procure ter TEMPO ÚTIL de estudo, isto é, aquele período no qual você consegue se manter focado, pois é neste espaço de tempo que você está realmente absorvendo informações.

“Os intervalos são a chave da produtividade”

9) BEM-ESTAR: estar física e psicologicamente bem só há de potencializar as demais ferramentas de aprendizado. Portanto, evite estudar se você não estiver bem, pois poderá ser tempo perdido. Avalie o quão disposto você está para realizar determinada atividade, considerando fatores como horário do dia, nível de energia, etc..

“O pensamento e a memória funcionarão melhor quando a pessoa estiver em boas condições de saúde e, principalmente, descansada” (Fabiana Mendonça, psicóloga)

Também, há estudos que apontam que para ter uma boa memória, é fundamental um sono suficiente e descanso do cérebro. Durante o sono profundo, o cérebro se desconecta dos sentidos, processa, revisa e armazena a memória. Aliás, especialistas recomendam que se faça uma revisão antes de dormir. A insônia, por outro lado, leva a um estado de fadiga crônica e prejudica a habilidade de se concentrar e armazenar informações. Então, procure ter uma boa noite de sono para que o conteúdo estudado seja consolidado com mais facilidade. Além disso, exercícios físicos regulares, especialmente os de natureza aeróbica, ajudam o cérebro a funcionar melhor.

Neurocientistas costumam citar o “quarteto fantástico” da felicidade. Sem usar termos técnicos, são quatro substâncias que quando liberadas proporcionam uma sensação de prazer. Sendo assim, melhoram significativamente o nosso processo de aprendizagem. São elas:

a) Dopamina: relacionada à motivação e foco. É acionada quando você dá o primeiro passo em direção a um objetivo (visando uma recompensa futura) e também quando alcança uma meta ou recebe uma recompensa por uma ação executada;

b) Endorfina: conhecida como um analgésico natural. Sua produção é estimulada pela prática de atividades físicas (aeróbicos e/ou anaeróbicos), de dança, de canto e atividades em equipe ou quando recordamos momentos felizes em nossas vidas;

c) Ocitocina: é relacionada ao vínculo social (físico ou emocional), sendo para alguns a substância mais importante. Ser generoso, cultivar boas relações, ser gentil, abraçar, ser honesto e ter compaixão são atitudes capazes de aumentar os níveis de ocitocina na circulação sanguínea;

d) Serotonina: é considerada um antidepressivo natural, sendo muito importante para o desenvolvimento de redes neurais. Como sua produção se concentra no intestino, ela é favorecida por uma dieta saudável, principalmente rica em triptofano (alimentos como leite, banana, aveia, chocolate, etc.). A exposição ao sol e ouvir a música que você tanto gosta são outras maneiras de aumentar sua produção.

Vale ressaltar também a importância de mais três substâncias:

Acetilcolina: é relacionada à atenção e ao foco. Ela facilita a comunicação entre as células do cérebro e, por isso, quando está em falta, essa comunicação falha e surgem dificuldades em memorizar e aprender. Alguns alimentos ricos em acetilcolina são o ovo, leite, queijo cottage e salmão;

Noradrenalina: é relacionada à atenção e à concentração. Quando há níveis baixos de exigência, o aumento de noradrenalina tende a ser agradável, orientando nossa maneira de pensar e possibilitando maior criatividade na solução de problemas. Entretanto, nos níveis altos de exigência, o aumento exagerado de noradrenalina irá produzir uma baixa eficiência da conduta e ansiedade;

Cortisol: essa substância é muito importante entre outras coisas, por gerar em nós o estado de alerta, o estresse. Imagine o que aconteceria na selva se não nos “estressássemos” ao ver um leão na nossa frente. Não fugiríamos dele ou não lutaríamos com ele. Facilmente seríamos pegos. O problema é que o cortisol tem um efeito devastador para o aprendizado se secretado por períodos longos e em nível elevado. Isso por que causa a perda das ligações entre os neurônios, prejudicando as funções de pensamento mais profundo, memorização e tomada de decisão. Repare como o estresse nos faz agir de maneira extremamente instintiva, dando a sensação que perdemos a racionalidade! Aliás, pode-se dizer que controlar o estresse é um dos maiores desafios do homem moderno. Se vivendo na selva o homem tinha basicamente a preocupação de sobreviver, o homem moderno além de sobreviver (ou para sobreviver) tem uma série de estímulos diferentes e constantes que o “ameaçam”: estudo, trabalho, trânsito, contas a pagar, status, etc..

***

Alguns pesquisadores têm chamado o intestino de “segundo cérebro”. Nele, existem cerca de 500 milhões de neurônios e mais de 30 neurotransmissores, incluindo cerca de 50% de toda a dopamina e por volta de 90% da serotonina presentes no organismo. Além disso, dentro de nosso intestino existe uma população de micro-organismos chamada de microbiota capaz de alterar os níveis de várias substâncias e, por sua vez, influenciar o cérebro, afetando aspectos como o sono, humor, etc. Daí vem a importância de se ter uma dieta saudável. Desequilíbrios na microbiota intestinal podem ser evitados com o consumo de probióticos (microrganismos vivos capazes de melhorar o equilíbrio microbiano intestinal) e de prebióticos, isto é, componentes alimentares não-digeríveis que estimulam a proliferação ou atividade de populações de bactérias do bem. Os prebióticos são encontrados em alimentos como banana, maçã, cebola, alcachofra, cereais integrais, etc. Já o consumo excessivo de proteína animal, açúcar e gordura contribui para a diminuição das bactérias boas e aumentos das bactérias ruins.

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10) EXPOSIÇÃO VERDADEIRA: como mencionamos ao tratarmos da ferramenta da REPETIÇÃO, você precisará desenvolver quatro habilidades para dominar qualquer idioma: (1) ler, (2) escrever, (3) falar e (4) ouvir. Assim:

➩ para aprender a ler, leia bastante;

➩ para aprender a escrever, escreva bastante;

➩ para aprender a falar, fale bastante;

➩ para aprender a ouvir, ouça bastante.

Não há como fugir disso! Contudo, façamos uma analogia: você confiaria em um motorista que se expôs constantemente a um carro e a uma estrada, mas a um carro de brinquedo e a uma estrada feita em casa? Em outras palavras: que praticou constantemente o ato de dirigir, mas usando um carro de brinquedo em uma estrada de mentirinha? Provavelmente, não! Isso por que um carro de brinquedo e uma estrada feita na própria casa não reproduzem, ainda que possam ter algumas semelhanças, um carro real e os desafios de uma estrada do mundo real.

Essa analogia pode parecer meio maluca, mas infelizmente muitos estudantes de idiomas acabam se tornando como o motorista que citamos. A prática precisa ser constante, mas não é só isso. A prática precisa ser condizente com aquilo que se faz no mundo real. Sendo assim:

➩ Não adianta ler constantemente, lendo materiais que não são voltados para os nativos;

➩ Não adianta escrever constantemente, escrevendo de uma maneira que um nativo não escreveria;

➩ Não adianta falar constantemente, falando de um modo que um nativo não falaria;

➩ Não adianta ouvir constantemente, ouvindo materiais feitos para estudantes;

➩ Não adianta falar, ler ou “ouvir” constantemente as pessoas, usando aplicativos e tradutores eletrônicos.

Sim, assim como o motorista que citamos, você pode se expor constantemente, mas se expor constantemente de uma maneira errada. Certamente, você já se deparou com situações em que não conseguiu compreender uma palavra ou expressão dita por um nativo, e ao vê-la no papel você se frustrou ao saber que você já a conhecia. Isso acontece, porque muitos estudantes acabam se expondo ao idioma de maneira errada. Assim, fatalmente o cérebro vai considerar que aquilo que se aprendeu e praticou (de maneira errada), é o praticado pelos nativos no mundo real.

Como já mencionamos o nosso cérebro funciona como um banco de dados de experiências vividas. Ora, um banco de dados é dependente dos dados que recebe. Se um banco de dados é alimentado, por exemplo, com dados de espécies de plantas, não podemos esperar que esse mesmo banco de dados nos dê informações sobre espécies de peixes!

Um banco de dados não é mágico! Um banco de dados não analisa ou cruza qualquer tipo de dado! Um banco de dados trabalha somente com os dados que recebe! Se o alimentamos com dados insuficientes ou incorretos, ele nos dará informações insuficientes ou incorretas. Se inserimos dados sobre espécies de plantas, todo o trabalho do banco de dados será tão somente em cima de dados sobre espécies de plantas! É um ciclo.

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Assim também funciona o nosso cérebro: através de ciclos nos quais tudo dependerá da qualidade e quantidade das informações inseridas em nosso banco de dados de experiências vividas. Se o alimentamos com informações não condizentes com o “mundo real”, todo o trabalho de análise e/ou cruzamento de dados será mal feito, pois é no mundo real que vivemos e é aos desafios do mundo real que estamos expostos!

Mesmo em nossa língua nativa nós só entendemos aquilo ao qual já fomos expostos e algo que atesta isso é o fenômeno chamado no Brasil de "VIRUNDUM". Trata-se de uma percepção imprecisa de uma frase ou conjunto de palavras. Um exemplo é a música “A Noite do Prazer”, de Cláudio Zoli, na qual a frase de seu refrão “Tocando B.B. King sem parar” costuma ser interpretada como “Trocando de biquíni sem parar”.

Isso ocorre justamente por que o cérebro só entende as coisas conforme os dados que constam no banco de dados de experiências passadas. Ou seja, se uma letra de uma canção usa palavras ou frases com as quais o ouvinte não está familiarizado, elas podem ser mal interpretadas como usando termos mais familiares.

“Exponha-se constantemente e de forma correta a cada uma das quatro habilidades!

Imagine-se como um nativo da língua que você está estudando. Nativos não aprendem sua língua materna através de matérias direcionados a estudantes estrangeiros! Leia materiais que os nativos leem (revistas, jornais, mangás, etc.). Procure se socializar com nativos. Procure ter contato com comunidades de japoneses em sua cidade. Procure ter contato com japoneses na internet. Procure falar como os nativos falam. Procure ouvir da forma natural que os nativos ouvem. Procure escrever da maneira que os nativos escrevem. Se sentir dificuldade com revistas, jornais e livros para nativos, aja da mesma forma que fizemos no nosso processo de aprendizagem da nossa língua materna, isto é, comece consumindo materiais direcionados a crianças (nativas!) e vá dificultando aos poucos até chegar ao ponto de eliminar completamente o português dos seus estudos!

Apesar de tentadores, não use aplicativos e tradutores eletrônicos como intermediários principalmente entre você e um nativo. O único prejudicado será você mesmo. Acredite! No quesito comunicação, nenhuma máquina substitui o poder de nosso cérebro e o nosso poder de interação com as outras pessoas! Além de aplicativos e tradutores eletrônicos não serem 100% confiáveis, podendo até mesmo causar mal-entendidos por alguma tradução errada, quem precisa ser capaz de entender as coisas, de se comunicar é VOCÊ. Usando aplicativos e tradutores eletrônicos como intermediários quando você tem a oportunidade de interagir com um nativo (ou texto), o que diferenciaria você de alguém que nunca estudou uma língua, mas que usa aplicativos e tradutores eletrônicos só para quebrar o galho em situações de necessidade?

Não se sabote! Dê valor às suas horas dedicadas de estudo! Dê valor aos seus esforços! Pratique cada habilidade (falar, ouvir, ler e escrever) corretamente e com foco e concentração. Por exemplo, para melhorar sua habilidade de ouvir, você tem que ouvir verdadeiramente. Você tem que escutar com foco e atenção. Ouvir passivamente (fazendo outras coisas ao mesmo tempo) não trará bons resultados.

A exposição verdadeira é fundamental, pois é no mundo real que vivemos e é no mundo real que os nossos talentos e conhecimentos serão colocados à prova!

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Muitos estudantes acabam se fechando na bolha da exposição de mentirinha. Ela é cômoda e pode nos dar a sensação de que estamos progredindo. Porém, cedo ou tarde essa bolha do “faz-de-conta” estourará e seremos inevitavelmente colocados à prova. Aí nos daremos conta de que nada (ou muito pouco) do que fizemos dentro da bolha serviu concretamente e nos sentiremos completamente despreparados para enfrentar os desafios que concretamente se apresentam a nós. Por isso, apesar de ser mais trabalhoso e incômodo, procure o quanto antes se expor constante e verdadeiramente ao idioma do "mundo real"!

11) DESTEMOR: quando se trata de aprender um novo idioma, o medo é natural, pois comunicação é algo que não se restringe à teoria; é preciso pôr em prática no mundo real esse conhecimento prévio teórico interagindo com pessoas reais. Existe aquele receio de errar e ser julgado. Porém, já se perguntou o motivo de normalmente as crianças aprenderem idiomas com mais facilidade? A resposta essencialmente é: o receio de errar e ser julgado geralmente é coisa dos adultos. A criança não fica pensando nas dificuldades do seu idioma materno ou no que os outros dirão se ela se expressar de maneira equivocada. Para ela tudo é uma diversão, uma brincadeira.

Quanto mais você demorar para se expor, pior será e mais cedo a frustração aparecerá. Se você não se expõe por que acha que não está preparado, então, você nunca se sentirá preparado. Não devemos ficar bons no japonês para aí sim conversar com nativos. Devemos conversar com nativos para aí sim ficarmos bons no japonês! Somente se expondo é que você será capaz de verificar realmente o que precisa melhorar. Expor-se, acertar, errar, ser corrigido, corrigir-se, expor-se novamente... esse é o processo, esse é o ciclo e não há como evitar essas etapas. Aliás, foi assim que nos tornamos fluentes em nossa língua nativa quando éramos crianças!

“Evitar se expor por receio de errar e ser julgado é o mesmo que deixar de aprender”

Nem todos, porém, têm esse destemor de se expor, nem todos sabem lidar com o receio de errar e se julgado. O que fazer então? Fato é que não há como fugir da necessidade de se expor ao japonês do “mundo real” e da possibilidade de errar, se você quiser realmente aprender. Se o receio está em ser julgado pelos nativos por conta dos erros que cometer, então, procure o quanto antes fazer amizades com nativos (um só é suficiente) que, sabendo que você está em processo de aprendizado, não te julguem pelos erros, mas sim estejam dispostos a corrigi-lo e a incentivá-lo. Aliás, você pode começar procurando japoneses que estejam aprendendo português. Assim, ambos podem se ajudar. Desse modo, você irá ganhando confiança, experiência e se sentirá seguro para lidar com pessoas desconhecidas.

Segue um interessante relato feito no Fórum Quora:

Sou um falante nativo de inglês que aprendeu a falar português como adulto, sem nunca ter vivido em um país de língua portuguesa. O segredo foi fazer aulas com falantes nativos e conversar online todos os dias com falantes nativos. A interação com falantes nativos é a chave – você não precisa viver onde eles vivem, só precisa falar com eles.

Depois de ter aprendido a falar português, fui morar e trabalhar no Brasil. Lá, recebi muitos elogios dos meus colegas de trabalho pelo meu português. Eu falo com sotaque, mas todos me entendem. Uma vez, um amigo repórter me pediu para substituí-lo como tradutor. Eu não sou um tradutor e relutava em aceitar, mas era urgente. Então, acabei servindo como tradutor para um ministro do governo brasileiro em uma entrevista com um repórter dos Estados Unidos. A entrevista começou com uma hora de atraso porque o ministro estava se reunindo com o presidente. Mas, quando finalmente aconteceu, correu muito bem.

Uma coisa sobre aprender um idioma como adulto - você tem que estar disposto a cometer erros. Por exemplo, em português, ao contrário do inglês, todos os substantivos têm um gênero. Existem padrões, mas às vezes você simplesmente não vai saber com certeza o gênero de um substantivo específico. Tudo bem. O que mais importa é que as pessoas entendam você, não que você fale perfeitamente.     

Pontos que destacamos desse valioso relato:

➩ A interação com falantes nativos é a chave;

➩ Você tem que estar disposto a cometer erros;

➩ O que mais importa é que as pessoas entendam você, não que você fale perfeitamente.

O destemor significa não ter receio de se expor, errar, ser julgado e perder oportunidades. Em outras palavras, significa não ter receio de ser rejeitado.

Contudo, temos uma notícia para dar a você:

“VOCÊ CERTAMENTE SERÁ REJEITADO!”

Como já sabemos, o nosso cérebro deseja que sobrevivamos da melhor forma possível no ambiente em que estamos inseridos. O trecho “da melhor forma possível” significa que consciente ou inconscientemente procuramos as melhores oportunidades possíveis. Mas não é só isso! Procuramos também as melhores PESSOAS possíveis.

O psicólogo Rafael Ayres diz que “tudo o que você faz, você só faz se tem um ganho secundário. Ainda que o ganho secundário seja disfuncional a você, ele tem que existir. (...) Todo comportamento só se mantém para a ciência se tem um ganho secundário”.

Abordaremos essa questão mais adiante, mas o importante aqui é entender que o comportamento humano pode ser definido através do famoso ditado popular “Não existe almoço grátis”, ou seja, para que haja um comportamento, precisa haver um ganho para a pessoa, como diz Rafael Ayres. Essa noção do que é recompensa, contudo, varia de pessoa para pessoa, sendo uma questão individual. Para alguns, a recompensa está em fatores externos como dinheiro, fama ou mesmo uma possível grande recompensa futura (por isso pessoas jogam na loteria ou apostam muito dinheiro em jogos de azar, por exemplo). Para outros, a recompensa está em fatores internos, como a satisfação pessoal em realizar algo ou encarar a felicidade de alguém como um prêmio por seus atos.

Cientes disso e analisando friamente, podemos dizer que a ideia (do senso comum) de que pessoas podem agir de forma incondicional (por exemplo, amar) não é verdadeira, pois no mínimo alguma recompensa interna (como o prazer em dar amor) ou uma possível grande recompensa futura (como entrar no paraíso ou abreviar o ciclo reencarnatório, por exemplo) existe.

Então, TODO relacionamento humano envolve TROCA de alguma forma. Daí vem o que dissemos acima, isto é, “Você certamente será rejeitado!”, afinal não teremos sempre aquilo que o outro procura! (lembre-se: a noção de recompensa, correta ou equivocada, é uma questão sempre individual).

Aprender a ser rejeitado, o que não significa achar isso legal, é necessário, pois isso é algo inevitável. Ter isso em mente nos ajuda a estarmos sempre abertos ao aprendizado, ao autoconhecimento e a mudarmos comportamentos atuais que podem ser nocivos. Afinal, não deveríamos chegar a uma pessoa ou grupo de mãos vazias e/ou para atrapalhar. Todos podem contribuir de alguma forma, desenvolvendo um “poder de contribuição” e o aprimorando constantemente. Saber QUEM somos, o que QUEREMOS e o que podemos OFERECER (afinal precisa haver troca) é o primeiro passo se quisermos ser acolhidos pelos outros.

Talvez você seja rejeitado porque não sabe nem quem você é ou o que você deseja de fato. Ou, talvez, porque não quer oferecer nada a ninguém (às vezes nem mesmo um bom tratamento/comportamento). Assim, você estará procurando pessoas no lugar errado, além de não proporcionar nenhum benefício aos outros (nem mesmo o prazer por estarem com você). Também é importante dizer que a rejeição nem sempre é reflexo de você, mas sim da outra pessoa, que ainda não sabe quem é, o que deseja ou nada quer oferecer aos outros.

Com base nisso, estas perguntas podem ajudar a diminuir o risco de rejeição. Lembrando que a outra parte também deveria refletir sobre estas questões:

Quem sou eu?

➩ O que realmente desejo?

➩ De quais tipos de pessoas preciso?

Possuo atualmente algum poder de contribuição?

➩ Estou realmente disposto a exercer meu poder de contribuição com as pessoas que me acolherem?

➩ Estou realmente disposto a entender quais são as necessidades das pessoas que me acolherem?

➩ De algum modo, o meu poder de contribuição é realmente capaz de satisfazer as necessidades das pessoas que procuro?

Se houver algum “NÃO” nas quatro últimas perguntas, provavelmente você será rejeitado em algum momento. É claro que se por algum motivo de força maior (e somente nesses casos, pois as pessoas percebem o parasitismo!) o seu poder de contribuição for muito baixo ou nulo, é recomendável procurar por instituições filantrópicas ou religiosas, pois teoricamente nesses ambientes há pessoas cuja recompensa está no prazer em ajudar e/ou em algo vindouro.

Finalmente, reflita: ao não nos expormos por causa do receio de sermos rejeitados, nós estamos sofrendo agora mesmo os mesmos efeitos da rejeição, isto é, a perda de oportunidades. Logo, não deveríamos ter receio de nos expormos e correr o risco de errar, ser julgado e perder oportunidades! Em outras palavras: não temos nada a perder ao correr o risco da rejeição e, por causa disso, perder oportunidades, pois não fazendo nada agora, nós estamos perdendo oportunidades!

12) AMBIENTE DE RECOMPENSAS: nós somos seres naturalmente sociais, portanto, pode-se dizer que consciente ou inconscientemente buscamos ser bem vistos pelos outros, desejamos ter boa fama. Da necessidade de sobrevivência surge a necessidade de interação com as outras pessoas, sendo que essa interação é, consciente ou inconscientemente, muitas vezes seletiva. Em outras palavras, dificilmente nos relacionamos com pessoas que não tenham alguma característica pessoal dentro do aceitável considerando os valores de uma sociedade ou de um ambiente específico. Dificilmente nos relacionamos com pessoas que não tenham algo em comum conosco (visão de mundo, gostos, metas, etc.). O famoso ditado “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és” ilustra bem a tendência que temos de nos moldarmos de acordo com o ambiente (ou pessoas) com o qual estamos interagindo ou queremos interagir ou, ainda, o fato de escolhermos o ambiente (ou pessoas) que melhor acolha o nosso jeito de ser. Tudo isso por que buscamos a aceitação, a boa fama diante dos demais.

Instintivamente, tendemos a depositar nossa confiança em pessoas que tenham (ou pelo menos aparentam ter) a mesma visão de mundo, gostos, metas, etc. que nós, porque elas se tornam previsíveis, passando assim segurança. Em qualquer tipo de relacionamento, TODOS NÓS gostamos de segurança, de estabilidade. Ora, se uma pessoa pensa ou age muito diferente de nós estando nas mesmas situações, ela se torna imprevisível, uma caixinha de surpresas e possivelmente uma ameaça. Torna-se, portanto, uma pessoa não confiável. Neste sentido, poderíamos dizer que em termos práticos raramente haverá uma aceitação incondicional, pois, ainda que pessoas não tenham coisas em comum, valerá sempre a regra básica de convívio social, isto é, não prejudicar (seja como for) o outro.

Note que grifamos a palavra “aparentam” no parágrafo anterior, porque estudos têm mostrado que instintivamente precisamos de apenas alguns segundos para elaborarmos uma primeira impressão sobre uma pessoa, sendo que essa primeira impressão é a que fica. Podemos dizer que existem três “primeiras impressões”:

➩ A pessoa trará algo positivo: sendo vista como alguém que possivelmente trará algum benefício (seja qual for), as chances de ela ser acolhida pelo outro são muito grandes;

➩ A pessoa trará algo negativo: sendo vista como alguém que possivelmente trará algum prejuízo (seja qual for), as chances de ela ser rejeitada pelo outro são muito grandes;

➩ A pessoa é neutra: sendo vista como alguém que não trará nada negativo, mas também nada positivo, essa pessoa muito provavelmente será colocada no grupo daqueles com quem apenas convivemos por força das circunstâncias, como por exemplo, um colega de sala de aula.

Ainda, costuma-se apontar três critérios que usamos (in)conscientemente para a formulação de um julgamento sobre alguém:

(1) A disposição externa: trata-se de características externas capazes de despertar na outra pessoa simpatia e segurança considerando seus valores e crenças, como o sorriso ou a maneira de se vestir associada a alguma profissão ou grupo estimados por essa pessoa. Se a disposição externa causar antipatia ou insegurança, tendemos a já rejeitar o outro;

(2) As primeiras palavras e primeiros gestos: satisfeito o primeiro critério, tendemos a analisar as primeiras palavras e primeiros gestos da pessoa como forma de confirmação para a disposição externa. Ora, pode acontecer de uma pessoa ter uma disposição externa que desperta simpatia e segurança, mas isso não se sustentar por causa de suas primeiras palavras e primeiros gestos, tais como a arrogância e o não saber ouvir;

(3) O conteúdo: servindo também como forma de confirmação para a disposição externa, trata-se basicamente das crenças e valores da pessoa, bem como suas perspectivas para o futuro. O conteúdo também pode fazer com que a simpatia e a segurança transmitidos pela disposição externa não se sustentem. Ora, todos nós buscamos estabilidade em nossos relacionamentos, portanto, a previsibilidade é algo (in)conscientemente desejado.

***

Geralmente, essa primeira impressão é difícil de ser mudada, pois costumamos nos apegar às nossas convicções ao ponto de muitos negarem a realidade para darem razão a si mesmos. Contudo, aqui nasce um problema: de certa forma, esse julgamento baseado nas primeiras impressões envolve muito mais imaginar e apostar com base nas próprias crenças e valores do que conhecer alguém de fato.

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É claro que essa tendência humana de elaborar um julgamento do outro rapidamente e com base em critérios tão superficiais pode ter tido sua utilidade em tempos passados. Em meio à hostilidade do ambiente selvagem e à escassez de recursos relacionados à sobrevivência, não podíamos perder tempo fazendo reflexões complexas sobre o caráter de alguém ou arriscar nos relacionar com pessoas que aparentemente não atendiam às nossas crenças e valores. Afinal, podiam ser predadores! Então, dado o contexto, era preferível rejeitar, ainda que injustamente, quem não inspirasse confiança e segurança e nos cercar apenas de pessoas que se encaixassem em nossas crenças e valores. Como afirmamos no tópico “Pensamentos Saudáveis”, o cérebro gosta de certezas, pois entende que não são as certezas que nos ameaçam, mas sim as incertezas e o desconhecido.

Embora o contexto atual seja outro, ainda conservamos essa tendência, sendo que uns têm esse aspecto mais realçado do que outros, a depender do ambiente que estão inseridos. Uns são abertos ao desconhecido e outros preferem se apegar as suas certezas, mesmo que concretamente equivocadas. Tal fato pode ser (e geralmente acaba sendo) um fator limitador para o aprendizado, pois é como se isso ativasse em nós o instinto de autopreservação, desenvolvendo o receio de nos expormos, errarmos e sermos julgados pelos outros. Afinal isso pode acarretar em sermos mal vistos e ter as portas fechadas para oportunidades (ainda que injustamente).

Embora o ideal seja moderar essa busca pela boa fama (não podemos ser extremamente dependentes disso), como isso nem sempre é fácil e rápido, sugerimos uma forma de você usar essa característica natural como potencializador do aprendizado. Para tanto, procure se inserir no que chamaremos de “Ambiente de Recompensas”, isto é, procure se cercar de pessoas (o ideal é que nesse grupo de incentivadores haja falantes nativos) que o ajudem a desenvolver o seu potencial; que enxerguem as suas qualidades. Um ambiente no qual reinem os incentivos mútuos e, por ventura, haja críticas realmente construtivas (chamemos de “sugestões”) e não as críticas destrutivas e/ou a competição.

Receber uma recompensa como um elogio, incentivo, ou prêmio por algo bom e bem feito faz com que nós tenhamos sensações e sentimentos bons, como prazer, felicidade e euforia, não é mesmo? Ora, isso está ligado ao neurotransmissor dopamina, que modula diretamente a nossa motivação, interesse, atenção e, consequentemente, potencializa nossa retenção e aprendizado. Como ensina Andrei Mayer, professor e neurocientista da UFSC, “a dopamina sinaliza para o cérebro que algo muito importante aconteceu; o cérebro entende ‘então, vamos fazer de novo!’. A partir daí, muda-se o circuito cerebral, fazendo a pessoa querer mais, a buscar mais. Gera aquela força quase que mágica que a gente chama de motivação”. No caso de aprendizado de japonês, é como se a dopamina fizesse o cérebro entender: “Aprender japonês realmente é bom! É muito importante!! Como me faz sentir bem, vamos continuar com o aprendizado!!”. Esquematizando, teríamos:

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Não nascemos cada um em uma ilha com todos os recursos necessários para a nossa sobrevivência e gostos. Nascemos e vivemos em sociedade, no meio de pessoas, cada uma com suas qualidades e limitações. Interagir com pessoas boas e construir relações saudáveis com elas é uma das habilidades mais importantes da vida, afinal ninguém neste mundo é autossuficiente (embora haja quem acha que seja). Segundo o neurocientista Andrei Mayer “se tem uma coisa que o cérebro odeia – e nós somos programados para odiar isso – é isolamento social”. E não se trata apenas de isolamento social de fato, mas também da sensação de isolamento, isto é, estar rodeado de pessoas e mesmo assim se sentir sozinho. Ainda, o psicólogo Wataru Nishida, da Universidade Temple de Tóquio, afirma que “o isolamento é o fator número um que antecede a depressão e o suicídio".

Seja estar isolado de fato ou apenas ter a sensação de estar sozinho geram muito estresse (causado por uma situação de ameaça PRESENTE) e ansiedade (causada por uma possível situação de ameaça FUTURA). É claro! No fundo uma pessoa sabe que estando (ou se sentindo) sozinha, os desafios (presentes ou futuros) da vida serão sempre uma ameaça; ela sabe que tem limitações (mesmo que não admita). Isolada e diante das diversas adversidades com as quais não consegue lidar devido as suas limitações, a pessoa tende a ir perdendo a esperança ao mesmo tempo que se vê incapaz de pedir ajuda ou acha que não será ouvida por ninguém.

Facilmente percebemos que quando unimos nosso esforço pessoal com o esforço pessoal de outras pessoas – estar em um ambiente de recompensas – nós nos sentimos muito mais motivados! É claro! Se o isolamento social (ou a mera sensação de isolamento) nos faz sentir inseguros, mais fracos com relação aos desafios presentes e futuros da vida, estar acompanhado de pessoas certas nos dá maior segurança para enfrentar os desafios que aparecerem pela frente! Nós nos sentimos muito mais fortes!

Relações sociais saudáveis geram em nós o sentimento de pertencimento, isto é, passamos a nos sentir como parte importante de um todo. Daí nascem a confiança e o respeito mútuos. Isso faz com que cada pessoa entenda que precisa dos talentos dos outros. Faz ela entender que para que ela esteja bem, os outros precisam estar bem também. E nesta troca saudável, sem atitudes interesseiras (se quer ser ajudado, esteja disposto a ajudar também), auxiliamos as pessoas a chegarem onde desejam e somos ajudados por elas a alcançar nossos objetivos.

Dificilmente as pessoas se motivam através de críticas, por isso, evitemos ao máximo fazer críticas! Pense que uma crítica pode levar segundos para ser feita, mas pode levar uma eternidade para ser esquecida por quem a recebe! Sim, podemos “matar” uma pessoa por meio de palavras ditas de forma inconveniente! Nosso cérebro quer fugir da dor e buscar o prazer, então, tende a cravar críticas na memória como sinal de alerta  e o crítico passará a ser visto como uma ameaça a ser evitada. Por essa razão, crítica tende a gerar desconfiança (com relação a si mesmo e aos outros) e o afastamento entre as pessoas. Procuremos, então, motivar as pessoas através do afeto, acolhimento, reconhecimento das qualidades, dos esforços que elas têm feito e dos bons frutos que elas têm colhido por suas boas escolhas! Isso é o que gera confiança entre seres humanos! Para que o outro nos ouça, primeiro ele tem que sentir que queremos o seu bem! Tomemos cuidado com nossas palavras e atitudes e busquemos constantemente refletir sobre esses aspectos!

Faz parte do senso comum a ideia de que a aceitação incondicional é algo virtuoso e que incluir a palavra “TROCA” em relacionamentos necessariamente é sinônimo de ser interesseiro, ser uma pessoa má. Contudo, são justamente essas crenças que conduzem a relacionamentos tóxicos. Entender que via de regra não existe aceitação incondicional pode ser difícil, mas ao mesmo tempo nos ajuda a sermos pessoas melhores, a refletirmos constantemente sobre nossas ações e a estarmos em constante evolução.

No fundo, uma pessoa que pensa que ela NÃO DEVE NADA a ninguém e que os outros são OBRIGADOS a aceitá-la do jeito que ela é, INCONDICIONALMENTE, mesmo que ela cause danos, apenas quer SERVOS que satisfaçam suas vontades. Não está disposta a retribuir verdadeiramente, desejando apenas PARASITAR os outros. Ora, biologicamente falando, se o cérebro quer que sobrevivamos da melhor forma possível, por que ele nos faria aturar alguém que constitui um prejuízo a nossa sobrevivência?

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Por essa razão, a regra “não prejudicar (seja como for) o outro” se torna como que a CONDIÇÃO MÍNIMA para a construção e a continuidade de relacionamentos saudáveis. Se desejamos ter relacionamentos saudáveis, precisamos ser PRIMEIRO uma pessoa saudável emocionalmente e uma pessoa ética. Não constituir uma ameaça (física, emocional, material, etc.) é o mínimo que podemos dar em troca ao outro.

O problema não está em falar em “TROCA”, afinal todos nós nos relacionamos buscando a melhoria em algum aspecto da vida; o problema está na ausência total ou na desproporcionalidade intencional das trocas. Por exemplo, uma pessoa deseja muito adquirir um Playstation 5. Ela tem o dinheiro para comprar, mas não quer gastar. Então, propõe ao vendedor trocar o Playstation 5 por um lenço que ela carrega no bolso. Obviamente, o vendedor se recusa dada a desproporcionalidade intencional da oferta (a pessoa tem o dinheiro, mas não quer gastar). Irritada, a pessoa sai da loja dizendo que o vendedor é uma pessoa má.

Ora, mas o vendedor não está errado em querer “trocar” o Playstation 5 apenas pelo devido valor monetário dele. É claro que o vendedor poderia agir com GENEROSIDADE, abrindo mão do justo valor monetário devido, mas o comprador não pode exigir generosidade do vendedor, afinal generosidade deve ser algo livre e espontâneo. Ambos podem, no entanto, exigir reciprocidade. É simples: a pessoa dá o devido valor monetário e o vendedor dá o Playstation 5.

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Esse exemplo é meio exagerado, mas ilustra uma das características do relacionamento tóxico: a falta de reciprocidade. Isso sim é ser INTERESSEIRO, isto é, o buscar atender somente os próprios interesses, geralmente agindo maliciosamente, sem se importar com o outro, que também tem interesses a serem atendidos. O exigir absolutamente tudo das pessoas, mas se achar no direito de intencionalmente dar muito pouco (ou absolutamente nada) a elas. O sempre exigir GENEROSIDADE dos outros por julgar que os outros têm tudo e de sobra ao contrário da pessoa, que constante e maliciosamente se coloca como alguém vulnerável.

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Por outro lado, em relacionamentos saudáveis, a ética, o respeito mútuo, o senso de limites e a reciprocidade (“trocas saudáveis”) são aspectos constantes e espontâneos. Aliás, em relacionamentos saudáveis a generosidade aparece espontaneamente. No “amar o próximo como a si mesmo" existe um comparativo de IGUALDADE, indicando a importância da RECIPROCIDADE entre as partes. Assim como uma pessoa se ama, cuida de si mesma e tem necessidades próprias a serem supridas, o OUTRO também precisa ser amado, precisa ser cuidado e tem necessidades próprias a serem supridas. Qualquer desequilíbrio intencional ou anulação de partes nessa dinâmica é tóxico.

Isso não tem a ver com exigir perfeição da parte dos outros. Ninguém é perfeito e é justamente por isso que precisamos nos relacionar com outras pessoas, isto é, para que nossas necessidades sejam supridas e supramos as necessidades dos outros. Porém, precisamos ter consciência que todos nós somos um misto de luz e escuridão, exercitar constantemente em nós pelo menos atitudes mínimas e exigir isso dos outros para que haja relacionamentos saudáveis. Observe a ilustração abaixo:

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Fazendo uma analogia com jogos, para que um jogo rode em um computador, é necessário que o computador tenha pelo menos os requisitos mínimos exigidos pelo jogo. Na figura acima, comparamos uma configuração de um computador da década 1990 com os requisitos mínimos exigidos pelo jogo Red Dead Redemption 2, lançado em 2018 sendo considerado um dos mais pesados da atualidade. Ora, não faria nenhum sentido querer rodar esse jogo em um computador da década de 1990, não é mesmo? Para um vaga de emprego, para entrar em um time de futebol profissional, etc. são necessários requisitos (ou habilidades) mínimos (não perfeição!) da parte da pessoa. E para relações sociais saudáveis também. Aliás, relacionar-se saudavelmente com pessoas não deixa de ser uma habilidade que muitos infelizmente ainda não possuem ou não querem exercitar.

Fazendo outra analogia, todo produto busca suprir uma necessidade de seu público-alvo. Uma empresa busca aumentar seus ganhos com o dinheiro de seus consumidores oferecendo a eles algo que lhes falta e os consumidores compram o produto para suprir essa necessidade. Há aqui uma relação de troca entre a empresa e seus consumidores.

Para conquistar consumidores, a empresa investe em ações de marketing para que seu produto se torne conhecido. A empresa pode, então, optar por aquilo que chamaremos de marketing saudável ou marketing malicioso. Assim:

Marketing saudável: foco nas qualidades concretas do produto, mostrando com dados concretos e facilmente atestáveis que o produto realmente supre a necessidade dos consumidores. O consumidor pode atestar no presente momento a veracidade da oferta;

Marketing malicioso: foco em promessas, cuja veracidade da oferta é difícil de ser atestada com dados concretos e no presente momento. São usados (veladamente) recursos de manipulação como ameaças, uma recompensa extremamente alta e ridicularização para constranger o consumidor e ele compre o produto.

***

Diz o ditado: “De médico e louco todo mundo tem um pouco”, mas acrescentaríamos aqui a palavra “VENDEDOR”. Isso por que não devemos apenas esperar que as pessoas reconheçam nossas qualidades e talentos! É muito importante que saibamos “vender” com habilidade nossas qualidades e talentos. E já que podemos comparar nossas qualidades e talentos com produtos, precisamos nos atentar a alguns aspectos para otimizar nossas vendas:

SER CONHECIDO: o produto mais precioso do mundo não seria comprado se ele permanecesse oculto da vista das pessoas;

ALVO CERTO: o produto mais precioso do mundo não seria comprado se fosse anunciado estritamente a pessoas que não enxergam valor nesse produto;

ASPECTOS DE TRATAMENTO: o público certo ficaria reticente em comprar um produto que em um primeiro momento lhes desperta interesse SE suas expectativas não forem confirmadas por conta de vendedores que falham por não transmitir (1) acolhimento, (2) humildade, (3) autenticidade e (4) confiança.

***

É muito importante buscar conquistar o nosso espaço dentro de um grupo através das nossas qualidades e talentos concretos e atestáveis NO PRESENTE. Precisamos mostrar aos demais que chegamos para AGREGAR, não para parasitar! Afinal, para que um produto seja vendido, ele precisa primeiro ser conhecido pelas pessoas que enxergam que ele AGREGA algo de positivo em suas vidas, e nós, vendedores de nossas qualidades e talentos, não podemos nos esquecer dos aspectos de tratamento! É isso que realmente conquista pessoas! Não são promessas vagas, manipulações, aparências ou atitudes parasitárias! Não queiramos viver de um marketing pessoal malicioso!

***

Você conhece a história de Pigmaleão? Na mitologia grega, Pigmaleão era um escultor que certo dia criou uma estátua de uma mulher pela qual acabou se apaixonando. Entretanto, por ela não ser real, acabou se frustrando. Então, a deusa Afrodite se comoveu e transformou a estátua de mármore em uma mulher de carne e osso, fazendo com que aquilo que o escultor esperava se tornasse realidade. Daí vem o que se chama em psicologia de “Efeito Pigmaleão”. Em linhas gerais, esse fenômeno nos mostra que as nossas expectativas com relação ao outro vão influenciar na nossa maneira de lidar com ele de modo a induzi-lo a agir conforme esperamos, confirmando assim a nossa expectativa. Embora esse fenômeno seja mais visível em relações em que há uma autoridade (pais e filhos, professor e aluno, chefe e empregado, etc.), vemos a importância de cultivar pensamentos saudáveis não somente com relação a nós mesmos, mas também com relação aos outros para que possam trabalhar melhor suas qualidades.

O cenário IDEAL para o nosso aprendizado (e para se chegar a qualquer objetivo) é:

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“Sejamos incentivadores e degraus uns para os outros! Assim, todos ganham de alguma forma!”

Uma pesquisa com aproximadamente 3.000 pessoas apontou que 85% de todas as vagas de emprego são preenchidas via rede de relacionamentos. Interpretando esse resultado, muitos podem concluir que, então, 85% do nosso objetivo dependem das pessoas com quem nos relacionamos. Independentemente da porcentagem, o importante é que notemos mais uma vez o grande mal que representa achar que somos autossuficientes e que o isolamento social é o melhor caminho. Aquele ditado popular “Antes só do que mal acompanhado” deveria ser reformulado para “Tão ruim quanto estar só é estar mal acompanhado”, pois tanto o isolamento quanto relações tóxicas são péssimos. Busquemos construir pontes. Busquemos trabalhar em nós boas maneiras de tratar os outros. Busquemos auxiliar pessoas. Busquemos dar o nosso melhor possível sempre. Busquemos cultivar relacionamentos saudáveis.

13) SATISFAÇÃO NO PRESENTE: estar em um ambiente de recompensas é muito importante, mas convenhamos: quanto mais as praticidades do mundo moderno se tornam acessíveis, mais tendemos a pensar que somos autossuficientes. Com isso muitos acabam preferindo o isolamento e o individualismo, fato que acarreta uma série de problemas de ordem pessoal e social.

Porém, não é somente o acesso fácil às praticidades que tendem a nos deixar mais individualistas e preferir o isolamento. As redes sociais têm sua parcela de culpa nesse processo. Antes da existência das redes sociais, o universo de pessoas com quem podíamos interagir era muito pequeno, restringindo-se ao pessoal da rua, da rua mais próxima, algumas pessoas da escola, um conhecido de outro conhecido, etc. Com isso, consciente ou inconscientemente acabávamos sendo mais tolerantes. Tínhamos que tolerar características secundárias (gostos, aparência, etc.) que não nos agradavam nas pessoas mais próximas se quiséssemos construir relações sociais. Precisávamos ser menos exigentes com os outros. O surgimento das redes sociais, a grande quantidade de usuários, de filtros de pesquisa para encontrar contatos e a sensação de que na internet não há fronteiras fizeram com que ficássemos extremamente exigentes. Se antes características secundárias eram toleradas, hoje se tornaram essenciais. Leia o trecho a seguir:

Fulano procura contatos na internet. Para ele, não basta a pessoa ser boa e ser uma incentivadora, propondo-se a ajudar a desenvolver suas qualidades. Além disso, e tão importante quanto, ela precisa gostar de futebol, saber tocar violão e piano, precisa morar no Japão, ter 1,70cm de altura e ser descendente de japonês com americano. Se não possuir exatamente todas essas características, não serve, não é uma boa pessoa para Fulano.

Ora, é óbvio que quanto mais categorizamos os outros, menos opções nos restarão. Hoje, descartamos pessoas com extrema facilidade, como se fossem produtos facilmente substituíveis. Daí o aumento da sensação ou do desejo de isolamento. E pior ainda quando essas atitudes fazem a pessoa chegar ao ponto de pensar que ninguém no mundo presta, assim como como rotulamos um produto que não atende todas as nossas exigências.

Infelizmente, as redes sociais também têm nos tornado pessoas mais vaidosas. Buscar ter posses (dinheiro, bens materiais), prestígio e poder sempre foi da natureza do ser humano. Contudo, a possibilidade de construir uma grande plateia para si, de se tornar um influenciador, uma referência para muitas pessoas e de poder ganhar dinheiro por causa disso têm dificultado ainda mais a busca de um equilíbrio entre posses, prestígio e poder, favorecendo distorções de personalidade.

Alguns poderão dizer que tal comportamento, embora questionável, é compreensível, haja vista que na própria natureza impera a lei do mais forte. Animais institivamente procuram caminhar com os mais fortes e em grupos numerosos a fim de se protegerem dos predadores e sobreviverem da melhor forma possível, criando assim uma relação de troca. Em outras palavras, os animais procuram caminhar com os mais fortes, porque se sentem seguros e os mais fortes acabam sendo protegidos pelo bando que os acompanha. Então, nós humanos tenderíamos a fazer o mesmo – procurar somente os “mais fortes” –, usando como critérios as posses, o prestígio ou o poder das pessoas. A diferença estaria apenas na maneira como cada sociedade, grupo ou pessoa define (ou pesa) posses, prestígio e poder. Por exemplo, para alguns, posses é ter o necessário para viver dignamente, mas o que é mais importante são o prestígio e o poder (de influência) baseados nas qualidades pessoais, como ser um cidadão esforçado, honesto e solidário (valorização do SER). Para outros, posses é consumir compulsivamente coisas desnecessárias e as ostentar, sendo que o prestigio e o poder (de influência) nascem unicamente do agir dessa forma (valorização do TER).

Em cenários nos quais se valoriza o TER (os mais comuns atualmente) imperam o individualismo e a seleção extrema. Nessas circunstâncias é muito mais fácil nos depararmos com críticas destrutivas e indiferença do que com reconhecimento e incentivos. No fundo isso acontece por que acabamos vendo o outro sempre como um rival a ser vencido, como se estivéssemos numa gangorra, isto é, para que um esteja no alto o outro tem que estar necessariamente embaixo. Não basta a pessoa estar bem; para que ela se sinta realmente bem, é preciso que todos ao seu redor estejam mal de alguma forma. E, se não estão mal de fato, a pessoa pega um atalho: começa a desmerecer todo mundo, na intenção de se convencer ou convencer os outros que somente ela está realmente bem ou verdadeiramente possui algo. A vida, então, torna-se uma eterna competição na qual só vale ser o primeiro e o único a possuir algo dentro do grupo ao qual se pertence, ser o “mais forte”.

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Essa corrida constante faz com que nos tornemos pouco a pouco pessoas egocêntricas, “donas do mundo” obcecadas a ponto de passar a encarar qualquer contrariedade como uma ofensa, um ataque, uma perseguição. Neste ponto, o diálogo se torna impossível e os relacionamentos, tóxicos. Por isso é que devemos moderar a busca pela boa fama.

Segundo o “Princípio de Thorndike”, ações imediatamente seguidas de satisfação serão mais prováveis de ocorrer no futuro. A lei do efeito também sugere que os comportamentos seguidos por insatisfação ou desconforto se tornarão menos prováveis de ocorrer. Sendo assim, antes do reconhecimento e incentivo alheio e dos resultados futuros, procure ter como sua maior recompensa o fato de AGORA MESMO estar fazendo algo bom. No caso de aprender japonês, seja o PROCESSO DE APRENDIZADO a sua RECOMPENSA, sua ALEGRIA, sua DIVERSÃO.

“A satisfação leva à aprendizagem”

As pessoas tendem a sempre visualizar uma situação futura como a ideal. Entretanto, se não formos capazes de encontrar satisfação naquilo de bom que fazemos HOJE e conquistamos até HOJE, não encontraremos satisfação em mais nada. Nosso cérebro não gosta de esperar; o tempo todo nosso sistema de recompensas faz “cálculos” de custo-benefício em relação a uma ação (novamente o “Princípio de Thorndike”: ações imediatamente seguidas de satisfação serão mais prováveis de ocorrer no futuro). Sendo assim, quanto mais distante a recompensa estiver, mais chances teremos de perder a vontade de fazer algo. E fazer as coisas estritamente por um “futuro ideal” é um desses casos, afinal o futuro sempre estará a nossa frente e é imprevisível.

Outro ponto importante a se considerar nessa questão é o conceito de “adaptação hedônica”. Ela se refere à tendência humana de se adaptar a mudanças em circunstâncias e experiências que inicialmente trazem prazer ou felicidade. Em outras palavras: cedo ou tarde as pessoas se acostumam com situações positivas, o que faz diminuir o impacto emocional inicial. Isso faz a pessoa retornar a um estado de bem-estar neutro.

Por exemplo, imagine comprar um carro novo. Inicialmente, essa aquisição pode trazer grande satisfação e felicidade. No entanto, ao longo do tempo, a novidade desaparece e o carro se torna parte da rotina diária. A adaptação hedônica ocorre quando o prazer inicial de ter o carro novo diminui e a pessoa retorna a um nível de felicidade semelhante ao que tinha antes da aquisição do carro.

“Quando estou em Nova York quero estar na Europa, quando estou na Europa quero estar em Nova York.” (Woody Allen, escritor, roteirista, cineasta, ator e músico norte-americano)

Fatalmente passamos a agir como um cachorro que corre atrás de sua cauda tentando alcança-la, mas não consegue.

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Então, que tal trocar o "Estou aprendendo japonês para no futuro (...)" por "Estou aprendendo japonês e isso é uma satisfação para mim, minha maior recompensa HOJE!". Com isso o que vier de bom será SEMPRE UM LUCRO, será melhor aproveitado e valorizado! Aprender é inevitavelmente UM PROCESSO. Ainda não descobriram um compartimento no cérebro no qual podemos inserir um chip com as informações que desejamos, cujo acesso é imediato. Bons resultados futuros dependerão de boas ações NO PRESENTE. Fujamos do imediatismo, da atitude de não querer pagar o preço por aquilo que desejamos.

Na selva o homem não tinha grandes pretensões e nem precisava disso. Além de ter uma expectativa de vida muito baixa (em torno de 30 anos), a vida do homem se resumia à busca de recompensas rápidas. As metas eram o almoço para HOJE, o abrigo para HOJE. Perceba como o homem selvagem vivia de pequenas conquistas diárias de resultado rápido. Essas pequenas conquistas constantes davam ao homem selvagem a sensação de progresso e capacidade de realizar as coisas.

Do ponto de vista histórico, a vida moderna representa algo extremamente recente para o homem e, do ponto de vista evolutivo, levará muitos anos para que o nosso cérebro se adapte plenamente a esses novos estímulos. Por isso, digamos que estamos vivendo a vida moderna com um cérebro ainda desatualizado. Se não entendermos essa dinâmica natural do nosso cérebro e não nos preocuparmos com a satisfação no presente, cedo ou tarde, a desmotivação aparecerá, pois o cérebro “nos dirá”:

“Onde está a recompensa? Estamos gastando energia inutilmente nisso! Vamos parar!”

Fazendo uma analogia, quando compramos um jogo de video game, temos dois objetivos com relação a ele:

1) chegar no FINAL do jogo;

E TAMBÉM...

2) desfrutar os desafios de CADA FASE do jogo.

Usemos como exemplo o jogo Super Mario World do Super Nintendo. É um jogo com muitas fases, mas que podemos chegar ao final rapidamente pegando alguns atalhos. Entretanto, um verdadeiro apreciador de jogos não quer saber de antemão quantas fases compõem o jogo e ele não fica pulando as fases; isso faz perder toda a graça do jogo, não é mesmo? A surpresa, os desafios de cada parte da jornada fazem toda diferença na experiência. Seja o final, seja o caminho percorrido (as fases) para chegar a esse final tem a mesma importância. Não faz sentido pensar que se chegará ao final de um jogo sem ter que passar pelas fases.

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Assim deveria ser a nossa visão com relação ao aprendizado. É um jogo composto de várias fases. Cada fase, cada evolução, cada desafio vencido tem sua importância e é uma vitória dentro de um objetivo maior, que é “zerar” o jogo. Quais são os desafios da fase chamada “HOJE”? Preocupe-se PRIMEIRO em superar os desafios dela! Preocupe-se com os desafios que estão mais próximos, logo à frente!

Fato é que muitas pessoas são ensinadas quando pequenas que APENAS os RESULTADOS importam. Por exemplo, um pai ensina ao seu filho que ele somente será bom SE (e somente SE) tirar nota 10 nas provas da escola. A criança, então, começa a se esforçar constantemente nos estudos, mas tira 8 na prova. Em vez de reconhecer o esforço do filho e elogiá-lo por tirar uma nota boa, o pai o repreende, porque quer que ele tire 10; somente a nota 10 vale. A criança, então, começa a colar nas provas, tira 10 e o pai elogia o filho com base no resultado apenas. Com isso, o pai está induzindo a criança a não se importar com o MEIO para obter um resultado. Muito provavelmente o filho se tornará um adulto que achará normal desobedecer às regras de convívio social, achará normal prejudicar alguém para obter um resultado e ser bem visto por aqueles que aplaudem o resultado apenas.

Ao contrário desse pai que não se importa com o fato do filho se esforçar, procuremos sempre recompensar o processo, o esforço. O resultado é consequência!

Que tal começar a escrever um diário de conquistas e agradecimentos? Escreva nele tudo o que você fez de bom HOJE para si e para os outros e também os motivos pelos quais você deve comemorar e agradecer essas suas ações. Assim como um dia foi na selva, ainda precisamos da sensação de progresso e capacidade de realizar as coisas. Precisamos dos pequenos sucessos diários!

 

14) FLEXIBILIDADE: em tudo o que fizermos na vida poderão surgir situações adversas, contrárias as nossas expectativas. Isso é NORMAL e INEVITÁVEL. Fazendo novamente uma analogia com jogos, se você gosta de jogos de RPG (peguemos o clássico Chrono Trigger como exemplo), sabe que para enfrentar determinado chefe muitas vezes são necessários certos atributos que você pode ainda não ter.

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O que você faz, então? Pensa: “Ou avanço com esses atributos mesmo ou desisto! O meu jogo está perfeito! É o jogo que está sendo injusto comigo!”? Claro que não! Você se dá conta que algo no seu jogo não está bom, recua, não enfrenta o chefe e faz uma avaliação da situação. Então, você se dá conta daquilo que precisa melhorar e fica batalhando para ganhar experiência e compra itens melhores, não é mesmo? Não há bom jogador que se chateia em ter que fazer isso! Faz parte se deparar com imprevistos e ter que fazer ajustes naquilo que foi planejado! Ao recuar um pouco, você gasta mais tempo, mas ganha experiência (ficando até mais forte do que o necessário) para ser capaz de avançar no jogo.

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Perceba que durante um jogo é necessário fazer avaliações constantes das situações para melhor aproveitar os recursos do jogo e poder avançar na jornada. E não há bom jogador que se chateia em ter que fazer isso. Faz parte! Também, não há bom jogador que fique preocupado com o tempo que levará para chegar ao fim da aventura, nem com o tempo que os outros levaram para chegar ao fim ou como foi o desempenho dos outros em cada situação durante o jogo. Em jogos sabemos que cada experiência é única. Cada experiência será diferente a depender do empenho individual e de como cada um age diante das situações com as quais se depara ao longo da jornada.

“As adversidades encontradas ao longo da jornada são grandes oportunidades para refletir e agir melhor!”

Como a analogia feita ao tratarmos da ferramenta da “SATISFAÇÃO NO PRESENTE”, assim deveria ser a nossa visão com relação ao aprendizado. Se tiver que recuar um pouco para avançar depois, qual o problema? Você pode até ficar melhor! Só assim – superando um desafio de cada vez, fazendo ajustes no planejamento quando necessário e comemorando cada pequena conquista – é que podemos chegar ao final do jogo!

Perceba como a flexibilidade nos ajuda também a manter nossas expectativas ajustadas de acordo com as situações com as quais nos deparamos. Por exemplo, para terminar completamente o jogo Chrono Trigger são necessárias aproximadamente 20 horas. Sabendo disso, um bom jogador não vai criar a expectativa de terminar o jogo em, por exemplo, 2 horas. Seria uma expectativa muito alta e sem fundamento na realidade. Também, ele sabe que se tiver que, por exemplo, recuar muitas vezes para ficar mais forte para enfrentar os chefões, poderá levar mais de 20 horas para terminar o jogo. Por conta disso, poderíamos dizer que nossas expectativas precisam ser sempre flexíveis para que se mantenham equilibradas e realistas. Se o jogador esperasse terminar Chrono Trigger, um jogo de 20 horas em apenas 2 horas, passado esse tempo ele se frustraria e provavelmente abandonaria o jogo; do mesmo modo, se ele quisesse terminar o jogo em exatas 20 horas, poderia se frustrar, pois imprevistos no meio do caminho poderiam alongar sua jornada.

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As expectativas desajustadas nascem principalmente de dois fatores:

➩ Ignorar a realidade concreta: geralmente criamos expectativas com base em ideias pré-concebidas, naquilo que achamos o ideal e não analisamos a realidade que se apresenta concretamente a nós. Obviamente, nossas expectativas (e objetivos) precisam estar baseadas em algo possível, alcançável, do contrário gastaremos tempo (que não volta), recursos e energia em algo não-concretizável. Por exemplo, um objetivo de viajar pode ser alcançado tendo 90 anos de idade, mas se tornar um jogador de futebol profissional com 90 anos já não é possível, pois isso exige um longo tempo de preparo, treinamentos constantes e condicionamento físico;

➩ Pensar que temos controle sobre tudo: normalmente pensamos que temos controle total sobre todos os fatores. Porém, há fatores que podemos controlar, como o nosso esforço empregado em algo, mas há também fatores que não estão em nossas mãos, como a ação de outras pessoas, a concretização de acontecimentos específicos e a faixa de idade como requisito para uma vaga em uma determinada empresa.

***

A meta, o fim do jogo é a fluência no japonês. Entretanto, não há como dizer em quanto tempo você ficará fluente, pois, assim como em um jogo de videogame, isso dependerá única e exclusivamente do seu empenho. E o seu empenho dependerá de uma série de fatores de cunho individual. Fatores esses que ninguém é capaz de mensurar a não ser você mesmo.

Normalmente a frustração tem seu gatilho quando começamos a nos comparar com os outros (ou permitimos que nos comparem). Cada ser humano é único, é incomparável. Ou melhor: a única comparação na qual você pode se colocar é aquela em que você se compara com o “você mesmo” de alguns segundos, minutos, horas, dias... atrás. Por menor que seja a mudança, se você evoluiu para melhor, excelente! Você já está melhor do que a sua “versão do passado”. Procure apenas continuar dando o seu melhor trabalhando as suas qualidades e revendo possíveis atitudes e ideias equivocadas!

Desconsiderando contextos específicos de competição, não ache que as coisas só têm valor se você for o PRIMEIRO e o ÚNICO. Não sejamos presunçosos! O mundo tem mais de 7 bilhões de habitantes! Você não será o primeiro e o único a aprender japonês. Você aprenderá primeiro que muita gente, mas muita gente também aprenderá; muita gente aprenderá primeiro que você e isso não impede que você também aprenda. O pódio é pequeno somente em situações de competição. Fora disso, ele tem muitos lugares!

Crenças e valores equivocados conduzem a julgamentos equivocados. A flexibilidade também nos ajuda combater aquilo que chamaremos de “falso senso de justiça”. Observe a figura a seguir:

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O que há em comum nessas contas?

EXATO!

Apesar de DIFERENTES, todas as contas têm “10” como resultado. Assim como seria extremamente equivocado afirmar que se chega a “10” com “5 + 5”, pois todas as outras contas são maneiras igualmente válidas de chegar ao mesmo resultado, é igualmente equivocado afirmar que o esforço ou conquista (próprios ou dos outros) é válido SOMENTE se tudo for feito EXATAMENTE da mesma maneira que outras pessoas já fizeram! O falso senso de justiça nos faz pensar, por exemplo, “Puxa, demorei cinco anos para ficar fluente, estudava cinco horas por dia e Fulano demorou só três anos, estudando só duas horas por dia. Ele teve sorte. Eu me esforcei mais do que ele. Tenho mais méritos do que Fulano e ele não merece estar no mesmo lugar que eu!”. Por causa do falso senso de justiça, julgamos que Fulano cometeu uma injustiça e merece ser punido. Daí, começamos a desejar o mal para Fulano, pois queremos que a suposta injustiça seja reparada. Tal atitude só causa distanciamento entre as pessoas e frustração, já que não nos sentiremos bem até ver Fulano punido de alguma forma.

Veja como os dois lados da comparação são prejudiciais. Podemos nos comparar com o outro e acabar desmerecendo o nosso próprio esforço, como também nos comparar pensando que SOMENTE o nosso esforço merece ser premiado. E pior: se o outro chegar no mesmo lugar, deve ser punido porque necessariamente agiu injustamente. Em ambos os casos, a frustração aparecerá e não teremos mais paz interior, porque estaremos mais atentos ao que acontece na vida do outro do que com aquilo que nós fazemos.

Alguns poderão pensar que se comparar é algo normal, haja vista que todos nós agimos ou moldamos nosso comportamento a partir de um referencial. Por exemplo, os filhos têm os pais (e pessoas próximas) como referencial de conduta. Entretanto, ter um referencial não é sinônimo de se comparar. Na realidade, as pessoas podem INSPIRAR ou SE INSPIRAR. Ao receber um incentivo, sugestão ou apenas presenciar uma boa ação de alguém, a (boa) inspiração produz sentimentos positivos na pessoa que a fazem DAR O PRIMEIRO PASSO e procurar evoluir LIVREMENTE de acordo com seus próprios talentos e dentro de suas próprias possibilidades. A pessoa segue seu próprio caminho e tem consciência de que os outros estão também procurando evoluir seguindo seu próprio caminho. Tem consciência de que todos nós precisamos dos talentos uns dos outros. Por outro lado, a comparação produz na pessoa sentimentos negativos que a levam a querer competir sempre, a enxergar o outro como um rival a ser vencido em tudo, a querer ser exclusiva. A comparação é uma prisão. A comparação transforma a pessoa em mera sombra do outro.

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No fundo, a pessoa que se compara não segue seu próprio caminho. Ela não age com liberdade, procurando desenvolver seus talentos e agir dentro de suas possibilidades. Quem se compara acaba se preocupando mais com o que se passa na vida do outro do que com aquilo que acontece na própria vida, na intenção de não ficar para trás e/ou superar seu rival em tudo, podendo até mesmo não ter receio de prejudicar física ou emocionalmente o outro, e/ou quebrar as regras do bom convívio social para conseguir seus objetivos. 

Um exemplo que ilustra bem a questão da comparação e do falso senso de justiça é Vegeta, personagem de Dragon Ball Z. Por ser o príncipe dos Sayajins, carrega um grande orgulho dentro de si, vendo-se como o mais forte dos guerreiros. Entretanto, Goku, a quem Vegeta considera alguém inferior a ele, consegue superá-lo e passa a estar sempre um passo à frente em nível de poder. Em dado momento, Vegeta permite que Babidi tome conta da sua alma para se tornar mais poderoso, mesmo sabendo que este ato poderia causar uma situação catastrófica. Eis uma de suas falas:

MAJIN VEGETA: “Essa luta (contra o Goku) significa muito para mim! Não me interessa o tal Majin Boo! Esse miserável... esse miserável (o Goku) superou os meus poderes! Apesar de pertencer à mesma raça, ele superou minhas grandes habilidades! Eu sou o príncipe dos Sayajins, mas esse desgraçado teve que me superar e merece o pior! Houve ocasiões em que esse idiota salvou a minha vida! E isso eu nunca vou perdoar! Nunca!”

Infelizmente, há muitos “Vegetas” por aí, não é mesmo? Pessoas que se veem como o “príncipe dos humanos”, acreditando ser superiores e detentores únicos de todos os direitos! Enxergam todos os outros como inferiores, que não podem ter aquilo que só o “príncipe” pode ter. São capazes de tudo (causar dano físico, dano emocional, dano material, etc.) para se manter (ou se sentirem) no topo.

Alguns ainda poderão continuar pensando que a comparação é algo normal, pois a vida selvagem era (e continua sendo) extremamente competitiva. Nela, tínhamos basicamente duas opções: ser o predador ou ser a presa. Não havia regras, prevalecendo o mais forte. Então, era necessário se comparar constantemente com o outro, buscando superá-lo, caso contrário, a desvantagem em algum quesito poderia significar ser abatido pelo mais forte. Aliás, seria por causa desse instinto primitivo de ser o mais forte e caminhar com o mais forte que alguns se sentem atraídos por pessoas agressivas e que quebram as regras de bom convívio social. Do ponto de vista da vida na selva, tais características possibilitam uma vantagem sobre os demais, não só para a pessoa em si, mas para quem está do lado dela também (só que essas pessoas que admiram o “poderoso” se esquecem que podem ser as próximas a serem “abatidas” por ele, assim como acontece na selva).

Além disso, obter recursos para a sobrevivência na selva e mantê-los conosco era extremamente trabalhoso. Por exemplo, hoje se quisermos comer maçã, há uma grande quantidade de estabelecimentos que vendem maçãs e, consequentemente, uma grande quantidade de maçãs já prontas para o consumo. Com isso, não precisamos gastar energia procurando, plantando macieiras ou disputando maçãs com os outros, pois o fato de os outros comprarem maçãs não nos impede de ter maçãs. Não há escassez de maçãs.

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Porém, na selva não era assim. Como tudo era mais trabalhoso e escasso, pessoas, grupos se viam muitas vezes obrigados a batalhar ferozmente por recursos por mínimos que fossem. Na selva, portanto, o sucesso de um poderia significar um grande prejuízo, uma grande dificuldade ou mesmo a morte para o outro. Por exemplo, se na selva uma pessoa plantasse uma macieira e outro viesse e dominasse essa macieira, a pessoa poderia ficar um bom tempo sem maçãs, pois teria que plantar outra ou sair procurando por macieiras dentro da perigosa selva.

De fato, a selva era para nós um ambiente recheado de elementos competitivos, que atiçavam os nossos instintos primitivos. E perceba que de alguma maneira esses instintos colaboraram para o sucesso da nossa espécie. Contudo, o contexto era diferente e nós evoluímos como seres humanos! Ainda que institivamente o nosso cérebro possa continuar achando que as coisas são escassas, a “lei da selva” não precisa mais vigorar entre nós devido a diversos fatores, tais como a qualidade de vida, as leis que visam manter a ordem e garantir a nossa integridade, o grande número de recursos, oportunidades e possibilidades existentes, etc.

Poderíamos dizer que buscar ser mais forte que o outro só vale atualmente em contextos específicos de competição e, mesmo assim, dentro de regras preestabelecidas. Em outras palavras: mesmo contextos de competição não são regidos pela “lei da selva”, no sentido de que vale tudo para ganhar. Por exemplo, em um jogo de baseball só é possível um time ganhar e há regras que os dois times devem seguir. Então, o time que melhor estudar seu adversário, buscando superá-lo em todos os quesitos, tenderá a sair vitorioso.

Na vida cotidiana, entretanto, é diferente. O pódio da vida tem muitos lugares e também há muitos caminhos válidos e honestos para se chegar nele. Portanto, alguns chegarão nele de uma maneira; outros chegarão de outra maneira e, desde que esse meio tenha sido igualmente válido, justo e honesto (sem prejudicar e sem enganar ninguém), qual o problema? Sejamos flexíveis também nesse sentido e aprendamos com as experiências diferentes, mas igualmente válidas e vitoriosas. Não pensemos que o sucesso de um impede definitivamente o sucesso de outro, como se um roubasse o sucesso de outro.

Dominados pelo “receio instintivo da escassez”, podemos nos sentir mal, por exemplo, por que Fulano viajou para os Estados Unidos, como se viajar para os EUA fosse algo escasso e, por isso, agora não teremos nunca essa mesma oportunidade. Como se Fulano tivesse roubado definitivamente a nossa vez! O que não faz nenhum sentido! Observe o mapa que mostra os aviões próximos dos Estados Unidos:

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inúmeros outros aviões, cada um com muitas pessoas, indo neste exato momento para os Estados Unidos. Além disso, há muitas passagens disponíveis AGORA e haverá no FUTURO também para aqueles que ainda não foram para lá! Nós e Fulano podemos ser igualmente bem sucedidos, podemos viajar para os Estados Unidos dentro das possibilidades de cada um!

Aliás, já imaginou o quão ruim e chato o mundo seria se todos resolvessem fazer a mesma coisa só por que esta coisa começou a proporcionar muitas posses, prestígio e poder? Pois é... infelizmente nós já pensamos mais ou menos assim ao fixarmos de forma dogmática em nossas cabeças supostos “mapas do tesouro”, que devem ser seguidos à risca. Para ilustrar, observe o diálogo do episódio “Cada Um Vale Pelo Que é” do seriado Chapolin Colorado. Nele, Seu Mundinho acredita ser o Chapolin Colorado:

Chapolin: Você é Seu Mundinho! Lembra-se? Seu Mundinho! Seu Mundinho!

Seu Mundinho: Sim, mas não quero ser Seu mundinho. Eu quero ser como Chapolin Colorado que faz coisas importantes! Mundinho não faz nenhuma coisa importante.

Chapolin: Está enganado! Fazer coisas boas, seja o que for, é fazer coisas importantes. O carpinteiro que faz bem seu trabalho faz uma coisa muito importante. O pedreiro que ajuda a construir uma casa, o professor que educa as crianças, o policial que vigia, o chofer de táxi que dirige com precaução, a recepcionista que atende bem as pessoas, o burocrata que trabalha com honestidade, o operário, enfermeira, o artesão... todos eles fazem coisas importantíssimas, sem as quais não poderíamos viver.

Mais um motivo para não ficar se comparando, seja desmerecendo o seu próprio esforço, seja desmerecendo o esforço dos outros. Comparação que tem adoecido mentalmente muitas pessoas. Passemos, portanto, a cultivar dentro de nós o amor próprio (que nada tem a ver com o orgulho)! Todos nós, na medida que escolhemos fazer o bem dando o nosso melhor, somos importantes. Apenas temos talentos e funções diferentes. Talentos e funções que se complementam para o benefício de todos. A vida não tem um mapa do tesouro; os tesouros estão ao longo da estrada, no nosso esforço diário para o bem, para evoluirmos e a alegria está na possibilidade de poder encontrar esses tesouros todos os dias. Não é à toa que o tempo de agora é chamado PRESENTE!

Alguns ainda poderão pensar que se comparar buscando superar os outros é necessário porque caso contrário seremos julgados e mal vistos por aqueles que “chegarem na nossa frente”. Contudo, corremos o risco de sermos julgados e mal vistos SEMPRE! Baseados no que mencionamos na ferramenta “AMBIENTE DE RECOMPENSAS”, poderíamos dizer que estamos sendo constantemente avaliados pelos outros e muitos já podem ter um julgamento negativo a nosso respeito, não importa o que façamos. Se conquistarem algo antes de nós, podemos ser rotulados de incompetentes; se nós é que conquistarmos algo antes dos outros, podemos ser rotulados de sortudos ou trapaceiros.

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Não há como evitar ser alvo de julgamentos injustos! Entretanto, vejamos essa questão de outra maneira: quem emite julgamentos injustos revela suas próprias vulnerabilidades, seja uma grande insegurança, uma baixa autoestima, uma falta de informação ou maldade mesmo. Geralmente, é justamente quem tem muito receio de ser julgado e mal visto. Então, para evitar ser julgada e mal vista pelos outros, a pessoa tenta rebaixar ou pelo menos igualar os outros ao nível dela para que os outros não tenham o que falar (ou pensar) da pessoa, afinal são iguais ou piores do que ela.

Portanto, isso não deve ser uma justificativa para se comparar com os outros! Julgamentos injustos dizem sobre a pessoa que os emite e não sobre o alvo! Apenas busquemos evoluir fazendo o nosso melhor todos os dias! Quem realmente deseja que encontremos a nossa melhor versão não fará julgamentos injustos a nosso respeito; reconhecerá o nosso esforço e nos auxiliará em nossa jornada sugerindo ajustes quando necessário. É dessas pessoas que temos que nos cercar! Ainda que injustamente, boa fama com todos não teremos e precisamos aceitar isso!

***

Enfim, através da ferramenta da FLEXIBILIDADE podemos como que reeducar nosso cérebro, voltando nossos olhos para alguns itens essenciais para a nossa saúde emocional:

PLANEJAMENTOS E EXPECTATIVAS REALISTAS E AJUSTÁVEIS, pois a realidade concreta (e não a idealizada!) que nos cerca possui elementos que podemos controlar, mas há também muitos elementos que estão fora do nosso controle. Por isso, precisamos estar sempre dispostos a mudar em nós e no que planejamos aquilo que não está indo bem. Cedo ou tarde a realidade concreta se impõe queiramos ou não;

A NÃO COMPARAÇÃO, pois cada pessoa possui um banco de dados de experiências (história) único, que a faz desenvolver talentos únicos e possuir necessidades únicas. Cada pequena evolução é uma conquista dentro de um objetivo maior e deve ser comemorada;

A NÃO ESCASSEZ DE OPORTUNIDADES, isto é, o bem-estar e o sucesso de um não impedem o sucesso e o bem-estar de outro, pois inúmeras são as oportunidades que o mundo moderno nos oferece! Não vivemos mais na selva, onde os recursos eram escassos e tínhamos que disputá-los constantemente. Precisamos ser flexíveis para aceitar que essas oportunidades podem não acontecer no momento que queremos e/ou como queremos;

A MODERAÇÃO DA BUSCA PELA BOA FAMA, isto é, a validação alheia é algo sobre o qual não temos controle. Não teremos a aprovação de todos e temos que aceitar isso! Haverá pessoas que nos validarão, mas também haverá aqueles que nos julgarão injustamente não importa o que façamos.

15) HUMILDADE: voltando à analogia do jogo de RPG, um jogador que não consegue superar um chefão e pensa: “Ou avanço com esses atributos mesmo ou desisto! O meu jogo está perfeito! É o jogo que está sendo injusto comigo!”, muito provavelmente será visto como alguém orgulhoso e que está condenado ao fracasso. Julgando agir sempre da melhor forma, julgando ser um jogador que possui as mais altas habilidades, não aceita estar errado. Se algo der errado, isenta-se de qualquer responsabilidade, responsabilizando fatores externos (as outras pessoas, o jogo, as circunstâncias, etc.). Nunca ele mesmo.

Essa atitude é um dos piores venenos que nós seres humanos podemos beber, pois nos impede de evoluir. Ora, uma pessoa que julga sempre agir da melhor forma, que julga ter as melhores escolhas, que julga ter as mais altas virtudes, que julga nunca falhar e que a falha está no mundo e nas outras pessoas, não precisa evoluir! Essa pessoa é uma divindade, imaculada e perfeita! Entretanto, voltando à realidade, aceitemos ou não, somos seres limitados! Todos têm virtudes, mas também fraquezas! Acertamos, mas também falhamos! Nem sempre tomaremos as melhores decisões, nem sempre agiremos da melhor forma! Por isso a humildade é importantíssima para o aprendizado! Uma vez que assumimos que somos limitados, refletiremos constantemente sobre nossa visão de mundo e sobre nossas ações e, quando necessário, estaremos dispostos a agir de uma melhor forma! O primeiro passo para a cura de uma pessoa enferma é ela mesma admitir que está doente. Se ela está doente, mas acredita estar com a saúde perfeita (ou não quer admitir que está doente), não procurará um médico e não terá a cura para a sua doença!

A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria” (Santo Tomás de Aquino)

Ter humildade é também extremamente importante para a construção de boas relações sociais. Ora, ninguém em sã consciência gosta de pessoas que já chegam em um grupo observando os demais com o desejo de superar a todo mundo em todos os aspectos (já deixa de ser uma relação saudável). Também, no quesito “exposição” você terá que ter a humildade de aceitar possíveis correções de quem sabe mais do que você. Isso é normal! Não aceitar que há pessoas melhores do que você com quem você deve aprender, é puro orgulho, um dos piores venenos para a aprendizagem. Aprender não deixa de ser reconhecer uma limitação e, então, buscar superá-la com o auxílio de alguém melhor do que você em determinado quesito! Aprendizagem e humildade estão de certa forma muito relacionadas. Aliás, pode ser que seu receio de se expor seja causado pelo orgulho, isto, não se expor para não se dar conta de suas próprias limitações.

Muitos estudantes deixam de estudar determinado assunto por causa do “Ah, isso eu já sei” ou do “Se eu nunca vi, está errado (ou não existe)!” Evite isso! Nunca se feche à oportunidade de conhecer um pouco mais sobre determinado assunto e valorize TODAS as informações que encontrar. Acredite, você só tem a ganhar: pode ser que você apenas achava que sabia e na realidade não sabia, mas agora sabe de fato, ou se realmente já sabia, teve a oportunidade de rever o assunto e fixa-lo mais – muitas vezes com informações novas a agregar. Ou ainda, se a fonte não lhe inspirar confiança, terá a oportunidade de buscar informações em outras fontes e confrontá-las. Com isso seu conhecimento tende a aumentar.

Infelizmente, tendemos relacionar quantidade à qualidade, valorizando mais quem transparece fazer grande esforço. Não que se esforçar seja ruim em si, mas a questão é que isso pode se transformar em uma grande pedra de tropeço para o estudante. Se ignorar informações referentes ao objeto de estudo pode ser sinal que a pessoa não é humilde e se deixou dominar pela vaidade (o que atrapalha muito o aprendizado), outra atitude que também pode ser sinal de vaidade é o desejo constante de quantificar o próprio (suposto) conhecimento.

Certamente, você já se deparou com aquele sujeito “acumulador de certificações e diplomas”. Aquele sujeito que a cada semana diz estar matriculado em um novo curso de uma instituição renomada e que faz questão de anunciar isso (e todas as outras certificações que ele já tem) solenemente a todo mundo. Aquele sujeito que vive carregando diversos livros debaixo do braço, que está sempre bem vestido e que todos admiram pela figura que ele é. De repente acontece algum problema ou aparece uma dúvida e todos correm para esse sujeito esperando que, dado o grande conhecimento que ele tem no assunto, possa auxiliar na resolução do problema. Contudo, para a surpresa de todos ele diz um monte de coisas desconexas que acabam não auxiliando em nada.

MORAL DA HISTÓRIA: esse sujeito no fundo está preocupado apenas com sua “imagem social”, com o grande status que se costuma atribuir a alguém com grande conhecimento (apenas por conta das certificações e diplomas) e estuda constantemente. Ele não está preocupado em ter o conhecimento de fato. Afinal, tendemos a acreditar que quantidade é o mesmo que qualidade, que quem faz mais ou tem mais, tem mais valor (pelo menos até que se prove o contrário). Ele criou muitas expectativas nas pessoas devido à imagem que passa, mas no fim o tombo foi bem maior e humilhante. Ainda que ele tenha conquistado alguma coisa até aquele momento apenas por seus rótulos (e certa lábia), quem dali pra frente daria credibilidade a ele?

Nas redes sociais, é ainda mais fácil para alguém criar um personagem, pois há uma distância entre o indivíduo e seu público. Essa distância permite que a pessoa se mantenha "segura" em seu papel e evite ser colocada à prova ou questionada diretamente. Assim, ela pode, por exemplo, afirmar possuir um certo nível de conhecimento ou habilidade linguística, postar conteúdo complexo e usar táticas de desmerecimento para fazer os outros se sentirem inferiores. Mantendo a distância que as redes sociais permitem, é muito fácil montar e manter esse teatro todo. Por exemplo, as postagens podem ser apenas um “copia e cola”, a pessoa pode ter estudado especificamente algo complexo para aquela postagem a fim de manter as aparências somente e não sabe concretamente nem o básico do assunto, etc. Por isso, devemos prestar atenção não no que a pessoa diz de si mesma ou aparenta nas redes sociais, mas no seu comportamento e resultados concretos no mundo real.

“Não seja uma fake news de você mesmo! Isso também é um crime contra a sua essência e autoestima!" (Dra. Ana Beatriz Barbosa)

Diplomas e certificados não são um atestado infalível e eterno de que seu possuidor tenha o conhecimento, afinal não sabemos o que motivou a pessoa a buscar o diploma (ou certificado) e como foi o processo para a obtenção. Quantos são os que fazem uma faculdade ou curso apenas para dizer que possuem uma faculdade ou curso? Quantos são os que procuram diplomas e certificações apenas para cumprir requisitos burocráticos para determinado objetivo? Quantos são os que terminam o curso, mas depois não se preocupam em manter o conhecimento? Quantos são os que têm um diploma, mas ao longo do caminho mudam de direção para aproveitar uma oportunidade que surge? Quantos são os alunos que durante o curso se preocupam apenas em tirar a nota mínima para fechar o semestre? Quantos são os alunos que usam serviços de oferecimento de trabalhos prontos que encontramos na internet ou que pagam para outros fazerem um trabalho? Quantos são os que compram diplomas e certificações?

Não estamos dizendo que diplomas e certificações não sejam importantes, mas no fim das contas são apenas rótulos que se referem a um suposto conhecimento no tempo passado. Tenhamos humildade e nos esforcemos para que esses rótulos sejam verdadeiros e sempre condizentes com o conteúdo no tempo presente. Esforcemo-nos para aprender de fato e para manter esse conhecimento.

Também, certamente você se deparará em algum momento com afirmações como: 

➩ Para começar a entender um nativo, você precisará ouvir de 600 horas (se for uma língua que possui semelhanças com o português) a pelo menos 2.000 horas (se for uma língua completamente diferente);

➩ Para dominar qualquer coisa você precisa de 10.000 horas de prática (“Regra das 10.000 Horas”);

➩ Você precisa ter o nível 1 do JLPT (mais alto) para ser considerado fluente;

➩ Aprendendo 1.000 palavras de uso comum você já terá uma compreensão de (quase) 80%.

Não fique com essas coisas na cabeça! Não caia na armadilha de querer ficar quantificando conhecimento! No caso do JLPT, por exemplo, não há uma seção de fala. Isso significa que você pode ser capaz de reconhecer e compreender a gramática ao ler ou ouvir, mas pode ser incapaz de falar japonês com fluência. Não é difícil encontrar na internet relatos como “Eu conheço pessoas que passaram no nível 1 do JLPT, mas são incapazes de conversar naturalmente em japonês”. No caso das palavras mais comuns, há estudos sérios que comprovam que elas realmente possibilitam uma comunicação efetiva na maior parte das vezes, até por conta do princípio do menor esforço. Portanto, comece por elas, mas não se restrinja a elas e não se apegue à porcentagem de compreensão. Como veremos nos próximos tópicos desta seção, as pessoas são livres para usarem as palavras que quiserem e elaborarem suas orações do jeito que quiserem e, por isso, sempre existirá o risco de haver incompreensões, seja numa língua estrangeira, seja em nossa própria língua materna! Aprender vocabulário é uma constante! Aprendendo as palavras mais comuns primeiro estamos apenas diminuindo esse risco de incompreensão!

Como bem pontua o professor Denilso de Lima do excelente site “Inglês na Ponta da Língua”, “o objetivo não é ir do básico ao avançado, mas é você se tornar um usuário competente da língua conforme você vai estudando a língua. Isso é que faz a diferença”. Portanto, de nada adiantará você saber 2.000 Kanjis, 10.000 palavras, ter o nível 1 do JLPT, ter certificações em instituições renomadas se você não for capaz de aplicar esse conhecimento (em grande parte apenas teórico) no mundo real, comunicando-se de forma satisfatória com as pessoas (compreender e ser compreendido). Isso é o que fará a diferença. É isso que vai contribuir realmente para uma boa “imagem social”.

16) DISCIPLINA: como mencionamos anteriormente, o fator IMPORTÂNCIA (e a consequente motivação) nem sempre será uma constante. Esteja sempre ciente que o seu cérebro estará calculando o tempo todo o “custo-benefício” de aprender japonês. Nosso cérebro não gosta de gastar energia com coisas irrelevantes. Por conta disso, ele gosta de um tipo específico de recompensa. Uma recompensa que tenha três características:

Que seja rápida;

➩ Que seja alta;

➩ Que exija o menor esforço.

Portanto, ter disciplina é um dos aspectos mais importantes para alcançar seus objetivos. Você se sentirá o tempo todo tentado a trocar o estudo por algo mais prazeroso, imediato e que exija menos esforço. Estudar japonês, diante de diversas escolhas atraentes que aparecem, pode se tornar um fardo. Por que preferir estudar japonês, algo que exige esforço e cuja recompensa pode estar longe (tempo indeterminado para alcança-la) se você pode ficar, por exemplo, navegando nas redes sociais, algo que proporciona recompensa imediata e com menos esforço? Por isso algumas atitudes são importantes:

➩ Saber claramente o que deseja;

➩ Estar ciente do preço a se pagar por esse objetivo;

➩ Estar disposto a pagar esse preço;

➩ Ter um planejamento pautado na realidade subdividido em pequenas metas;

➩ Ter autocontrole para se manter firme diante dos prazeres imediatos que se apresentam.

Dos itens citados, o “AUTOCONTROLE” é certamente o item que mais exigirá de nós e a falta dele costuma ser a principal causa de muitos fracassos. Neste quesito a “HUMILDADE” se torna muito importante, pois nos faz admitir que temos fraquezas, possibilitando reflexões sobre como agir melhor. Por exemplo, certas coisas, como as notificações do celular, causam distrações e prejudicam o aprendizado. Então, é preciso admitir que as “notificações do celular” são uma fraqueza, uma forte tentação e, portanto, deve-se eliminar o celular do ambiente de estudo. Perceba que se a pessoa não tiver a humildade de admitir que o celular é uma fraqueza, até achando que se distrair com o celular é algo normal, cedo ou tarde, de distração em distração, acabará desistindo do aprendizado.

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“Todos são capazes de fugir, desistir se houver um instante, por isso, continuemos caminhando!” (Canção “Brave Heart” de Digimon Tri)

Um mínimo instante de falta de vontade, de preguiça poderá ser suficiente para minar ou apagar totalmente o seu interesse em aprender japonês. Se não estiver disposto para executar uma tarefa, procure se lembrar de tudo de bom que a execução dessa tarefa lhe trouxe até hoje (sensações e resultados). Feito isso, comece a executar a tarefa mesmo que na marra. É bem provável que a motivação aparecerá aos poucos. Também, coloque essa tarefa no topo da lista de coisas a se fazer no dia, a primeira coisa. A ideia de “tirar logo isso da frente” pode ajudar a ter motivação para começar (e finalizar). Outra coisa que você pode fazer é organizar o ambiente de modo que o acesso ao material de estudo (livros, cadernos, etc.) fique bem facilitado. Por exemplo, se você sente disposição para estudar logo que acorda, pode deixar o material de estudo numa mesa ao lado da cama. Ou se não estiver disposto, o simples fato de o material de estudo estar bem acessível pode gerar motivação para começar a estudar.

A disciplina está intimamente ligada a um PROPÓSITO. Primeiramente, vamos à etimologia da palavra “propósito”. Ela vem do latim “pro“ (à frente) + “ponere” (colocar, pôr), que resulta em “proponere” (colocar à frente). Logo, “propósito” poderia ser entendido como aquilo que é colocado como primeira meta, isto é, à frente de todas as outras.

Agora observe a seguinte afirmação:

“Eu quero aprender japonês para conseguir um emprego numa empresa japonesa e morar no Japão”.

Agora perguntamos: Qual é o objetivo da pessoa que afirma tal coisa?

O natural é pensar que primeiro vem (1) aprender japonês e depois (como consequência) vem (2) conseguir um emprego numa empresa japonesa e morar no Japão. Porém, somos tentados o tempo todo a minimizar os esforços e muitos acabam invertendo a ordem das coisas frequentemente sem perceber. Assim, “aprender japonês” acaba se tornando apenas UM MEIO para se chegar à META PRINCIPAL, isto é, “conseguir um emprego numa empresa japonesa e morar no Japão”.

Aí que nasce a dificuldade para manter a motivação, pois o nosso cérebro é muito chato. Para ele só existem coisas importantes e coisas descartáveis. Não há meio termo. Por isso, precisamos saber claramente o que queremos e o preço a se pagar por isso. Se aprender japonês for encarado como um simples meio, o nosso cérebro acabará condicionado o aprendizado de japonês e/ou encarando-o como algo que pode ser facilmente substituído por outro fator que proporcione o mesmo fim. Com isso, sem perceber nos deparamos com o famoso questionamento: “Será que vale a pena continuar?”.

Sim, num mundo de constantes transformações e oportunidades é muito difícil ter um propósito. Enquanto permanecemos em algo que não dá resultado imediato, oportunidades concretas estão indo e vindo. Pode até mesmo ser imprudente continuar. Porém, convenhamos: ninguém é capaz de prever o futuro com certeza absoluta, portanto, assumir o risco de perder faz parte do jogo. A falta de um propósito nos faz perder a noção de identidade e direção. Qualquer coisa serve. O que podemos (e devemos) fazer é ter metas mensuráveis, flexíveis e condizentes com a realidade que se apresenta a nós. Sem idealizações.

Por exemplo, se sua meta for “aprender japonês para conseguir um emprego que pague bem”, por que necessariamente esse emprego precisa estar no Japão se há atualmente países mais acessíveis a nós brasileiros? Emprego que paga bem existe na Irlanda, Portugal, Canadá, etc.

Por mais entristecedor que possa ser fazer esses questionamentos a nós mesmos, eles são necessários para que saibamos de fato o que queremos e o preço a se pagar por isso.

***

Conhecidas as ferramentas do aprendizado, podemos esquematizá-las da seguinte forma:  

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Regidos pela disciplina e humildade, o esforço individual e o ambiente de recompensas estão em constante troca, através da qual há o benefício mútuo. Daí se percebe como é importante que esforço individual e ambiente de recompensas estejam juntos. Pode ocorrer de haver esforço individual estando no lugar errado ou rodeado de pessoas erradas, como também podemos estar em um ambiente de recompensas, mas não haver esforço individual de nossa parte. Em ambos os casos, o caminho para nossa meta será prejudicado.

Por essa razão, é sempre bom refletir sobre estas questões:

➩ Estou me esforçando de forma satisfatória, colocando as ferramentas do aprendizado em prática?

➩ O ambiente no qual estou agora é um ambiente de recompensas, isto é, nas pessoas com quem me relaciono ou nos lugares que frequento há o desejo sincero do meu crescimento pessoal e desenvolvimento das minhas habilidades individuais?

➩ Eu busco sinceramente contribuir também para o crescimento pessoal e desenvolvimento das habilidades individuais dos outros, sem cultivar dentro de mim o “desejo de exclusividade”?

Se NÃO estou em um ambiente de recompensas, o que EU devo fazer: procurar lugares e/ou relações sociais saudáveis? Ou EU MESMO deixar de ser uma pessoa tóxica, que compete o tempo com todo mundo cultivando dentro de mim o “desejo de exclusividade”?

***

Pode ser que estejamos fechados em nossas próprias atitudes equivocadas ou em lugares ou relacionamentos que não nos proporcionam verdadeiramente um crescimento pessoal e o desenvolvimento de nossos talentos individuais. Pode ser que estejamos envenenando nós mesmos, os outros ou sendo de fato envenenados por lugares e/ou relacionamentos e não percebemos. Por isso, refletir sobre essas questões com muita sinceridade pode não ser fácil, mas é necessário para um diagnóstico correto.

VII. A IMPORTÂNCIA DE SE EXPOR CORRETAMENTE AO IDIOMA

Como mencionamos ao tratarmos da ferramenta “EXPOSIÇÃO VERDADEIRA”, não basta se expor constantemente; é preciso se expor constantemente de forma correta! Ao comentar sobre a ferramenta do “DESTEMOR” mencionamos que quanto mais você demorar para se expor, pior será e mais cedo a frustração aparecerá. Se você não se expõe por que acha que ainda não está preparado, então, você nunca se sentirá preparado. Somente se expondo é que você será capaz de verificar realmente o que precisa melhorar. Expor-se, acertar, errar, ser corrigido, corrigir-se, expor-se novamente... esse é o processo, esse é o ciclo e não há como evitar essas etapas.

Lembre-se sempre destas valiosas palavras do professor Denilso de Lima do “Inglês na Ponta da Língua”, que valem para qualquer idioma:

“Quando alguém decide aprender inglês, ela começa a aprender com os olhos. Ou seja, cria o hábito de ler sentenças e textos palavra por palavra. Assim, acostuma-se a pronunciar tudo de modo mais lento e nada natural. O melhor é aprender inglês com o ouvido. (…) Preste muito mais atenção ao inglês falado; pois, é ele que ajudará você a se sentir mais à vontade para interagir com as pessoas em inglês. (…) Não são eles (os nativos) que falam inglês rápido demais. Na verdade, é o modo como aprendemos inglês no início que nos condiciona a sermos lentos para entender, ouvir e falar.”

A raiz do problema da não compreensão da fala natural de um nativo está no fato de que treinamos o nosso cérebro de maneira errada, tornando-o preguiçoso. Para ilustrar mais uma vez a importância da exposição verdadeira, vamos fazer outra analogia. Para tanto, observe a figura abaixo com um pequeno trecho de “Tempos Modernos”, filme de 1936 do cineasta Charles Chaplin:

Imagine que o operário nessa imagem seja o nosso cérebro e cada uma das peças passando na esteira, as palavras. Ora, devido à velocidade com que as peças passam, um operário que não foi treinado sendo exposto à velocidade real da esteira, não conseguiria rosquear todas, deixando passar batido várias por causa de seu despreparo, não é mesmo? Da mesma forma, um “cérebro despreparado” para um idioma não conseguirá reconhecer todas as palavras com que se deparar na “esteira de palavras” do mundo real. Com isso, o estudante ficará frustrado por não ser capaz de acompanhar uma conversa normal. A essa confusão mental somam-se o nervosismo, a ansiedade, a preocupação e o medo. Tudo isso faz com que seu nível de estresse aumente e sua habilidade de ouvir e entender seja prejudicada.

Ler, escrever, falar e ouvir. Estas são as habilidades a serem desenvolvidas no aprendizado de qualquer idioma. E como desenvolvê-las? Vemos muitos métodos que prometem milagres, mas sinceramente não cremos que exista uma fórmula mágica para isto. Ou melhor, a fórmula é simples, porém "trabalhosa":

➩ para aprender a ler, leia bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE;

➩ para aprender a escrever, escreva bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE ;

➩ para aprender a falar, fale bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE;

➩ para aprender a ouvir, ouça bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE.

Para fins meramente didáticos, vamos dividir essas quatro habilidades em EMISSORAS (OUTPUT) e RECEPTORAS (INPUT). As habilidades pelas quais você EMITE informações são a fala e a escrita. Já as habilidades pelas quais você RECEBE informações são a leitura e a compreensão auditiva. As habilidades receptoras ajudam a melhorar consideravelmente as habilidades emissoras. É por isso que há quem defenda a tese de que para falar bem, é preciso antes ter uma boa compreensão auditiva e para se escrever bem é preciso antes um hábito de boa leitura, pois de certo modo, tendemos imitar aquilo que recebemos, no que diz respeito à comunicação. A esse aspecto daremos o nome de “fenômeno da imitação”:

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Então, faça dessas atividades uma rotina, e aos poucos, você irá notar que seu cérebro se acostumará com tudo isso. A palavra-chave aqui é IMERSÃO.

“Viva o idioma todos os dias, passe quantas horas for possível praticando as quatro habilidades”.

“Ouça bastante, atentando-se ao modo como um nativo fala e imite-o quando você for falar. Também, reproduza aquilo que você lê ao escrever”. 

Um dos maiores erros que se pode cometer quando estamos aprendendo um idioma é ficar preso aos livros, aos exercícios por eles propostos, a outros materiais didáticos, como CDs e à prática da sala de aula (se você faz algum curso em alguma escola de idiomas). Assim estamos condicionando o cérebro a entender que o idioma apresentado nos livros é o praticado na vida real. Isso só trará decepção, pois bem sabemos que não é assim. Gramática e língua prática são coisas bem diferentes.

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Podemos dizer que a língua prática (principalmente a falada) é regida pelo “princípio (ou lei) do menor esforço”, isto é, uma tendência de institivamente procurar facilitar as coisas, de reduzir o esforço, seja físico ou mental. Por isso, nativos encurtam, juntam ou omitem as coisas para tornar a fala mais fácil, além de cometerem erros gramaticais e de pronúncia. O princípio do menor esforço também explicaria por que o número de palavras mais usadas pelos nativos e suficientes para a comunicação no dia a dia é pequeno (mais detalhes no tópico 8), sendo essas palavras as mais simples. E não somente usamos as palavras mais simples (e comuns), mas também os padrões de sentença mais simples. Afinal, por que quebrar a cabeça usando palavras (e estruturas gramaticais) complexas se podemos usar palavras (e estruturas gramaticais) mais simples e chegar ao mesmo resultado (entender e ser entendido)? Assim, teríamos o seguinte esquema:

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Vamos exemplificar usando a língua portuguesa. Como nós costumamos pronunciar, por exemplo, “Você não está com sono?” Provavelmente, como apresentado no quadro a seguir:

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Por causa do princípio do menor esforço instintivamente pronunciamos “está”, apenas “tá”, “com” tendemos pronunciar “cum”, “não” soa como “num” e “você” como “cê”, afinal é bem mais fácil, não é mesmo? Apesar de a oração acima estar com as palavras encurtadas, para nós que temos o português como língua materna, é de fácil compreensão. Porém, com certeza, ela seria um terror para um estudante estrangeiro que frequentou um curso convencional de língua portuguesa, pois ele espera ouvir as palavras pronunciadas corretamente: “você”, “não”, “está”, “com”, “sono”. Agora, observe esta oração, bem como as partes em destaque:

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Novamente, isso se deve ao fato de que os nativos buscam meios mais fáceis de articular as palavras. Experimente dizer a frase “Hoje você falou com o homem vestido de branco que estava dentro do carro?”, pronunciando as palavras exatamente como elas são escritas. Certamente, você sentirá dificuldade e uma falta de “ritmo” na fala, isto é, soará como um robô.

Por esta razão, é que normalmente pronunciamos “ Hoji falô cum u homi vestidu di brancu qui tava dentru du carru?”. Veja como que instintivamente enfraquecemos e/ou omitimos algumas sílabas, a fim de tornar a fala mais fácil,  mantendo assim um “ritmo” na articulação das palavras. Algo importante de se notar é que essas “manobras” usadas pelos nativos não são ensinadas, mas é algo adquirido e praticado instintivamente pela vivência com o idioma.

Além disso, a lei do menor esforço explicaria o motivo dos erros gramaticais. No fundo, há sempre uma tentativa de encaixar algo em algum padrão comum, familiar (isto é, institivamente fazemos analogias), diminuindo assim o esforço mental. Um exemplo de erro gramatical que se tornou padrão na língua prática falada é o plural da palavra “pizza”. Como essa palavra não foi aportuguesada, pelas normas da gramática tradicional, deve-se manter o plural original (em italiano, o plural de “pizza” é “pizze”). Mas quem fala assim, não é mesmo? Instintivamente usamos como plural de “pizza”, “pizzas”. Bem mais fácil e todo mundo entende. Bem mais fácil vir à mente que o plural das palavras terminadas em “A” é formado com o acréscimo do “S” (um padrão muito comum), do que intuir que como “pizza” é uma palavra italiana, deve-se usar seu plural original.

Veja que, se o intuito da comunicação é entender e ser entendido, na prática, o plural correto de “pizza” se torna irrelevante, porque dificilmente alguém entenderá o que é “pizze”. A língua falada é incontrolável e ela vai se adaptando às necessidades expressivas dos falantes. As mudanças na língua prática (principalmente a falada) são lentas e graduais e têm sua origem num sujeito falante, num grupo social etc., até que se generalizam e se estendem a toda a comunidade, desde que essas mudanças tragam uma melhor efetividade na comunicação. Aliás, o princípio do menor esforço conduz não somente a uma abreviação das coisas, mas em alguns casos, ao alongamento pela substituição por termos mais comuns. É o caso do pretérito mais que perfeito. Dificilmente alguém dirá “fizera”, mas sim “tinha feito”. Note que “tinha feito” é mais longo, mas é muito mais comum e, por isso, possibilita uma maior efetividade na comunicação.

Erros de pronúncia também acontecem porque procuramos facilitar as coisas. Um exemplo disso é a palavra “AEROPORTO”, que alguns (ou algumas vezes) pronunciamos “EROPORTO”. Veja que para nós que falamos português nativamente, mesmo com esse erro de pronúncia, somos capazes de saber que “eroporto” se trata de “aeroporto”, devido ao contexto e/ou porque já estamos tão acostumados com o português que sabemos que “eroporto” não é uma outra palavra. Mas “eroporto” seria um terror para um estudante estrangeiro iniciante no português. Muito provavelmente de início ele pensará que se trata de uma outra palavra, procurará no dicionário e não a encontrará. E acabará se frustrando...

Por falar em pronúncia, outro fator que devemos considerar é o que chamaremos de “fator individual-geográfico”, ou seja, pessoas ou grupos se expressam de modos diferentes, seja com relação à velocidade com que falam ou até mesmo no modo de pronunciar as palavras. Por exemplo, você que mora no Sudeste do Brasil percebe facilmente o quão diferente é a maneira de falar das pessoas da região Sul, o que pode gerar certa dificuldade de compreensão. Ou ainda, experimente ouvir o português de Portugal. Você logo perceberá que não compreenderá tudo. Ora, é o mesmo idioma, mas a velocidade com que falam, o modo de pronunciarem as palavras, faz com que, de início isso seja algo estranho ao nosso cérebro, pois ele está acostumado com as características da fala do português brasileiro, sendo necessário, então, “acostumá-lo” ao português europeu. De forma semelhante ocorre com os falantes de língua inglesa. Certamente, um americano tem dificuldade de entender um australiano mesmo ambos sendo falantes nativos de inglês, devido às diferenças na fala.

Por causa do princípio do menor esforço, nós tendemos a usar os padrões de sentença mais simples e comuns também. Por exemplo, em português, como podemos perguntar o nome de alguém?

Provavelmente você pensou em apenas duas maneiras:

➩ Qual é o seu nome?

➩ Como você se chama?

Essas duas estruturas são as maneiras mais comuns e mais simples para perguntar o nome de alguém e dificilmente algum de nós perguntaria o nome de alguém de outro jeito. Aliás, para muitos, o fato de as pessoas tenderem a usar as estruturas gramaticais mais simples e comuns para transmitir ideias, apenas mudando as palavras quando necessário, justificaria a atitude de se ensinar uma língua somente com o uso de frases prontas. Bastaria pegar as palavras mais comuns e inseri-las nos padrões de sentença mais comuns. E, quando necessário, bastaria unir esses padrões de sentença simples e comuns. Assim:

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Isso pode parecer muito convincente em termos práticos, contudo, não podemos esquecer de um detalhe muito importante:

Comunicação é sempre um processo criativo, interativo e LIVRE.

Em português, nada impede, por exemplo, que uma pessoa pergunte o nome de alguém assim:

“Qual o termo que seus pais escolheram para designar a sua pessoa como indivíduo dentro da sociedade?”

É claro que esse tipo de formulação representaria um esforço desnecessário para o falante e também um risco para ele de não ser compreendido, pois é uma formulação totalmente fora daquilo que nós nativos do português estamos acostumados. Porém, nós somos livres para usar as palavras. E por causa disso, precisamos estar preparados para esses tipos de formulações fora do comum. Quanto maior for o nosso banco de dados de experiências, melhor. Nesse aspecto, quanto maior o nosso conhecimento de como a língua funciona e quanto maior o nosso vocabulário, melhor. Restringir-se a palavras e padrões de sentenças mais comuns é limitar o nosso poder de comunicação. Mesmo em nossa língua nativa podemos ter nossa comunicação prejudicada quando desprezamos o conhecimento da gramática e a importância de aumentar constantemente nosso vocabulário. Não é difícil encontrar pessoas que, apesar de conseguirem se comunicar bem, têm um português bem limitado, com pouco repertório.

***

Pelas razões apresentadas, procure desde o começo se expor ao japonês ‘do mundo real’, consumindo materiais feitos para os japoneses. Procure fazer amizades com japoneses (em redes sociais, aplicativos, etc.), conversar com eles em japonês e, principalmente, ouvir as coisas na velocidade natural para acostumar seu cérebro. A dificuldade em entender um nativo não está na “rapidez” com que ele fala, mas sim na nossa falta de familiaridade, tanto com a velocidade natural da fala como com as manobras feitas por ele para tornar a fala mais fácil. Tudo isso por ficarmos presos aos materiais didáticos achando que tudo será dito com clareza e gramaticalmente correto. Desconsideramos o princípio do menor esforço, sendo que nós mesmos o aplicamos instintivamente ao usarmos o português! Ora, por que os nativos de outros países não fariam o mesmo com sua língua materna??

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Entretanto, alguns dirão que já há estudos que comprovam que japoneses falam sim mais rápido se comparados com nativos de outras línguas, pois japoneses falariam mais sílabas por segundo. Ainda que isso seja verdade, vamos olhar a questão de outra maneira. Ao analisar esse mesmo estudo, a segunda língua mais rápida nessa lista é o espanhol. Ora, mas nós que falamos português não sentimos tanto isso. Devido a algumas similaridades (sonoras e estruturais) que existem entre o português e o espanhol, já estamos “pré-familiarizados” com esse idioma.

Como mencionamos anteriormente, o cérebro é a parte do corpo que sozinha consome mais energia, portanto, ele quer que nos concentremos naquilo que é realmente importante. De forma simplista, assim como o cérebro só aprende o que julga ser importante, ele tende a codificar apenas sons que ele julga importantes. Em outras palavras, nós ouvimos tudo com os ouvidos, mas é como se dentro do cérebro tivéssemos um setor de triagem, um filtro que deixa passar apenas uma parte dos sons (os sons que “se repetem” constantemente e similares) para o setor da codificação. Se não há um registro exato do som no nosso banco de dados de experiências vividas, na nossa memória, o cérebro busca um parecido. Isso explicaria o motivo de nós falantes de português entendermos relativamente bem o espanhol mesmo sem nunca ter estudado esse idioma.

Então, veja que no fundo o problema continua sendo a falta de familiaridade. Comunicação está muito relacionado com sobrevivência, por isso, não existe idioma criado para ser incompreensível. Se assim fosse, perderia sua razão de ser. Veja a resposta de um japonês a um americano ao comentar sobre a “rapidez” com que os japoneses falam:

“Considero que falo japonês a uma ‘velocidade normal’. Do seu ponto de vista, o japonês soa rápido porque é uma língua estrangeira. Sou um estudante de inglês e sinto que os falantes nativos de inglês falam ‘rápido’, mas na verdade falam inglês a uma velocidade ‘normal’, não é mesmo? É uma coisa mútua.” (Fórum HiNative)

E se você ainda acha que os estrangeiros falam rápido, observe dois breves relatos de estrangeiros que estão aprendendo português. Provavelmente você se enxergará nessa situação com relação à língua japonesa (ou qualquer outro idioma que estiver aprendendo):

(1) “Os brasileiros falam muito rápido, até mais rápido que as pessoas de Portugal”.

(2) “Estou estudando português brasileiro há mais de 6 meses e quase nenhum brasileiro que eu tenha ouvido falar soa parecido com o que eu estou aprendendo. Por que isso e como posso entender o povo brasileiro?”

Lendo esses relatos você deve estar pensando: “Ué, não acho que nós brasileiros falamos rápido. A gente se entende. Falamos numa velocidade normal”. Pois é... então será que os estrangeiros falam tão rápido assim ou é o modo como aprendemos uma língua estrangeira nos cursos convencionais que nos deixa mais preguiçosos? Que tal substituir “fala rápida” por falta de familiaridade, tanto com o ritmo natural da fala, como com as manobras feitas pelos falantes?

Em resumo: se você não está familiarizado com o idioma, esse idioma soará rápido para você. À medida que você se familiariza, o idioma começa a soar “mais lento”. Vai parecer mágica, mas é apenas sinal de que você está progredindo.

Com relação à língua portuguesa, seu cérebro entende o que está sendo falado, porque ele busca as informações registradas, sendo que elas foram registradas com base no português como ele é usado no “mundo real” (nós brasileiros aprendemos o português com o ouvido). Vamos fazer uma analogia: imagine que seu cérebro possui um livro chamado “Registro de Palavras” e toda vez que você ouve alguma coisa, ele consulta esse livro.

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São necessárias duas coisas para uma boa comunicação, uma da parte do cérebro e outra por parte do livro:

A) CÉREBRO: ele precisa estar acostumado com o ritmo natural da fala a fim de consultar e encontrar a palavra ouvida o mais rápido possível;

B) LIVRO: além de uma boa quantidade de itens (vocabulário), é preciso haver qualidade no registro, isto é, cada item precisa conter a palavra na língua materna, a definição na língua estrangeira e, tão importante quanto a definição, suas variantes na língua prática, considerando o princípio do menor esforço. Por exemplo, o cérebro de um americano que estude português ao registrar a palavra “AIRPORT”, precisa fazê-lo assim:

AIRPORT: aeroporto ou “eroporto” (variante possível usada na língua prática).

Note que se não houver o registro da língua prática, ao ouvir “eroporto”, o estudante americano ficará confuso achando que é uma palavra que ele não conhece. Mas é apenas variante de uma palavra já conhecida.

Além de procurar o registro individual de palavras que vemos ou ouvimos, nosso cérebro registra padrões de sentenças e possui as funções de associar e autocompletar. O cérebro analisa cada possibilidade usando seu banco de dados acumulado de experiências passadas para minimizar o elemento surpresa, isto é, ele antecipa o que está por vir quando ouvimos alguém falar. Isso explicaria por que um nativo entende palavras ou frases mesmo quando não ditas claramente – bastaria uma parte e o cérebro faria todo o resto com base no contexto e no “banco de dados”. Fazendo uma analogia é como se o nosso cérebro funcionasse como o Google:

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Veja um exemplo que mostra o poder de associação do cérebro. Você consegue decifrar o texto a seguir?

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Outro exemplo dessas habilidades do cérebro é quando não percebemos erros, porque nosso cérebro “já entendeu a mensagem”. Veja:

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Diante de todos esses fatos, cremos que fica clara a importância da exposição de forma constante ao japonês “do mundo real”. Resumindo, poderíamos dizer que aprendemos a falar o português (e isso vale para qualquer idioma) com o OUVIDO, bem como por meio da EXPOSIÇÃO e USO CONSTANTES (repetição) das mesmas coisas, buscando, seja instintivamente, seja conscientemente, uma relação (ASSOCIAÇÃO) entre essas coisas. Via de regra um nativo reconhece um erro NÃO por causa da gramática, mas sim por causa de sua experiência, de seu banco de dados construído até então. Por exemplo, se alguém dissesse “Quando eu era criança, eu “JOGAVIS” (jogava) futebol na escola”, um nativo vai saber que isso está errado, não por que gramaticalmente “JOGAVIS” não existe, mas primeiramente por que nunca ouviu alguém falar assim. Aliás, aqui percebemos ainda mais a diferença que há entre gramática e língua prática. Por isso, tenha sempre em mente que um nativo tem conhecimento prático da sua língua, o que não é necessariamente sinônimo de conhecimento gramatical. Citando o exemplo do plural gramaticalmente correto de “pizza” – “pizze”, provavelmente quase nenhum nativo do português vai saber o que é isso ou se ouvir alguém falar assim, vai achar que a pessoa está errada, afinal na vida concreta ninguém fala “pizze” para “pizzas”. Mesmo aqueles que sabem que o plural de “pizza” é “pizze”, não usam isso, pois no fim das contas todos sabem que o que importa mesmo é ser entendido pelos outros.

É preciso desenvolver O QUANTO ANTES uma tolerância ao filtro chamado “princípio do menor esforço” pois esse filtro é usado por todos os nativos de todas as línguas instintivamente.

É essa “língua filtrada” que, pela exposição verdadeira constante e pela imitação, aprendemos quando crianças. Nós não aprendemos o português através dos livros de gramática. Por isso, não devemos esperar que os nativos de outras línguas utilizem a língua “dos livros”. É fundamental que essa “língua filtrada” também conste no banco de dados do nosso cérebro, pois, assim como nós, é a “língua filtrada” pelo princípio do menor esforço que eles usam no “mundo real”!

No tópico sobre sedentarismo, mencionamos que quanto mais rápido processarmos as informações, melhor e, por isso, recomendamos que você desse preferência à repetição ativa por melhor estimular o cérebro. Apresentaremos mais dois exercícios que você poderá agregar aos seus estudos. São eles:

DITADO: este exercício consiste em você ouvir algo e ir anotando. Portanto, o ideal é que haja a transcrição daquilo que você tentou anotar para poder fazer a correção;

SOMBRA: certamente você já viu na televisão aquelas pessoas que traduzem quase que simultaneamente o que é dito por uma pessoa estrangeira, não é mesmo? Chamados de intérpretes, esses tradutores agem como sombras daquele que está falando em uma língua estrangeira. Sendo assim, este exercício consiste em você ouvir algo, mas em vez de traduzir em tempo real para o português, você deverá tentar repetir em tempo real o que é dito, de preferência em voz alta. O ideal é que também haja uma transcrição do que é dito para correção.

***

Perceba que esses dois exercícios visam o desenvolvimento da compreensão auditiva e já há estudos que compravam que tanto o ditado quanto o fazer sombra têm um impacto positivo no desenvolvimento desta habilidade. Além disso, alguns afirmam que o fazer sombra auxilia no desenvolvimento da fala, pois nesse exercício estamos tentando imitar o modo natural como um nativo articula a fala. São exercícios considerados avançados, mas quem saberá qual o melhor momento de agregá-los aos seus estudos é VOCÊ MESMO!

Pratique cada uma das quatro habilidades (falar, ouvir, ler e escrever) com foco e concentração. Por exemplo, para melhorar sua habilidade de ouvir, você tem que ouvir verdadeiramente. Você tem que escutar com foco e atenção. Ouvir passivamente (fazendo outras coisas ao mesmo tempo) não trará bons resultados. Discutiremos mais sobre esses pontos na lição 8 (Gramática Avançada).

VIII. QUANTAS PALAVRAS PRECISO APRENDER?

Para responder a essa pergunta, vamos considerar como se dá a nossa comunicação no nosso cotidiano. Ora, com base nele, percebemos facilmente que há palavras que usamos com mais frequência, sendo que elas não compreendem TODAS as palavras que conhecemos em nosso idioma materno. Em outras palavras, na nossa vida prática, usamos apenas um número restrito de palavras.

Já que não usamos todas as palavras existentes ou que conhecemos para nos comunicarmos, costuma-se dividi-las em dois grupos: as palavras que você conhece, e utiliza, constituem o seu vocabulário ativo. As palavras que você conhece, mas não utiliza, no dia a dia, constituem o seu vocabulário passivo. É de se imaginar, portanto, que o vocabulário passivo é muito maior que o nosso vocabulário ativo, pois na nossa vida rotineira tendemos a usar somente as palavras “mais simples” e comumente usadas.

E isso é realmente verdade se levarmos em conta o modo como aprendemos a falar a nossa língua materna: primeiro, aprendemos palavras simples e que, de certo modo, são suficientes para nos comunicarmos e sermos entendidos pelos adultos (aproximadamente 500 palavras ativas representam o vocabulário de uma criança pronta para aprender a ler e escrever – 5 anos de idade). A partir daí, com os estudos e conforme as circunstâncias exigem, vamos aprimorando nosso vocabulário, aprendendo palavras novas e mais complexas, bem como novos sentidos das que já conhecemos (aproximadamente 2.000 palavras são o vocabulário ativo de um adolescente em seu idioma materno, no fim do ensino médio). E continuaremos sempre aprendendo vocabulário até que a nossa vida termine...

Ainda assim, as palavras que usamos no nosso dia a dia, mesmo na vida adulta e desconsiderando termos específicos dos mundos corporativo e acadêmico, continuam a ser as “mais simples e comumente usadas. Não vamos muito além disso. Mesmo que conheçamos um grande número de palavras, ficamos restritos a este grupo quando falamos com amigos, familiares, ou estamos em lojas, restaurantes, etc. Ou você já ouviu alguém usar em português, palavras como litossolo, coarctar, novedio, nubícogo, olente ou divulsão? Além disso, repare como, mesmo em nossa língua nativa, facilmente esquecemos significados de palavras poucos comuns com as quais por ventura nos deparamos. Por exemplo, se durante uma leitura alguém se depara com a palavra “nubícogo”, provavelmente vai procura-la em um dicionário e vai aprender o seu significado. Porém, certamente vai esquecer depois de um tempo. A razão disso é muito simples: não há nenhum motivo para o cérebro guardar uma palavra que em termos práticos não fará diferença alguma. Por outro lado, não esquecemos o que significa “casa”, “carro”, “família”, “comprar”, etc. Afinal, em termos práticos, essas palavras são muito usadas, nós as ouvimos e as vemos escritas constantemente; são muito importantes.

E indo mais além: não somente usamos as palavras mais simples, mas também os padrões de sentença mais simples. Por exemplo, “Eu vou te dar um presente no Natal” é mais comum que “Eu lhe darei um presente no Natal”. Muito mais raro, é a forma “Dar-te-ei um presente no Natal”.

Costuma-se dizer que em qualquer idioma as palavras que compõem o vocabulário ativo giram em torno de 3.000. Ou seja, essas são as palavras mais importantes e mais comuns; aquelas que de fato serão necessárias no seu dia a dia. Isso deve equivaler ao seu vocabulário ativo em português. Então, você deve se concentrar primeiramente nelas. E quanto ao vocabulário passivo? Bem, isso é algo que vamos aprender constantemente durante nossa vida... mas em termos de números, é bom que você tenha em seu vocabulário passivo em torno de 3.500 palavras (ou mais), a fim de obter uma boa compreensão do idioma.

Outro ponto importante, é que nos cursos convencionais nós tendemos a aprender palavras por grupos: cores, ocupações, móveis e assim por diante. Isso parece eficaz e sensato, pois nossa memória trabalha melhor ao categorizarmos as coisas por suas semelhanças. Contudo, em termos de aprendizagem de línguas, essa atitude só retarda o aprendizado.

A primeira palavra do mobiliário que provavelmente você aprenderá será a equivalente a “mesa”. Depois, você aprenderá palavras como “poltrona”, “espelho” e “guarda-roupa”. Agora, vamos a um exemplo prático: um amigo vem visita-lo e você quer oferecer a ele as coisas que estão na mesa. Ok, você sabe falar “mesa”, mas por si só essa palavra não é suficiente para expressar aquilo que é necessário nessa situação. As outras palavras, “espelho”, “cadeira” e “guarda-roupa” serão inúteis nessa situação. Ainda, quando você precisa usar a palavra “polícia” pela primeira vez, você vai precisar das palavras “pintor” ou “carpinteiro”?

Não, não estamos dizendo que essas palavras não são importantes. A questão aqui é dar prioridade para as palavras realmente importantes, aquelas que possibilitarão uma comunicação efetiva na maior parte das situações. Por esta razão, cremos que o melhor meio de aprender palavras é categorizá-las não por sua semelhança, mas sim por sua frequência de uso.

Para ilustrar, observe a tabela abaixo que aponta o número de palavras aprendidas (considerando a frequência de uso) e a porcentagem aproximada de cobertura. Tomemos como base os estudos referentes à língua inglesa, considerando que não deve ser muito diferente na língua japonesa, tendo em vista as exigências do JLPT:

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Normalmente neste tipo de exposição se faz uma relação entre o número de palavras e a taxa de compreensão, contudo, preferimos usar o termo “Taxa de Cobertura”, isto é, a possibilidade de você reconhecer uma palavra ao se deparar com ela. Explicaremos o motivo disso no próximo tópico. Também, é muito importante destacar que aqui se considera pelo menos 3.000 palavras e suas respectivas variações. Por exemplo, um estrangeiro que esteja aprendendo português ao aprender o verbo “trazer”, precisa ter consciência de todas as formas possíveis desse verbo para não achar que, por exemplo, “trouxer” (futuro do subjuntivo de “trazer”) é outro verbo.

Conhecendo pelo menos as 3.000 palavras mais comuns, você será capaz de encontrar uma maneira de dizer o que quiser (desconsiderando se um nativo falaria ou não desse jeito). Você não terá problemas de comunicação e circulação na vida cotidiana, mas provavelmente precisará de um dicionário para ler a maioria do material escrito, pois é na língua escrita que se costuma observar as regras gramaticais e, para transmitir formalidade, usar palavras mais complexas.

Segundo alguns estudos, o número de palavras necessárias para atingir certos níveis de cobertura textual varia da mídia para mídia. Por exemplo, para textos na internet são necessárias aproximadamente 5.000 palavras para um nível de cobertura de 95%. Já para livros, jornais e revistas são necessárias mais de 9.000 palavras para esse mesmo nível de cobertura. Isso é pelo fato de que esses meios possuem palavras mais técnicas, restritas a um determinado assunto.

A tendência em qualquer idioma é que quanto maior o nível, mais restritas são as palavras e as estruturas gramaticais. Aliás repare na diferença que há no crescimento da taxa de cobertura. Com apenas 1.000 palavras, espera-se uma taxa de cobertura já em torno de 80%. De 1.000 para 5.000 palavras o salto é de aproximadamente 14%. Daí para frente a taxa de cobertura tende a crescer menos, isto é, de 5.000 para 10.000 palavras o aumento da cobertura é de aproximadamente 2,50% apenas. O natural é que palavras mais complexas sejam criadas a partir das palavras mais simples, de uso corrente para preencher lacunas específicas de um determinado meio ou época. Esse fato, aliás, também fundamentaria a importância de se dar prioridade para o aprendizado das palavras mais comuns. Mesmo que você se depare com uma palavra avançada desconhecida, como mencionamos anteriormente, será bem provável que ela se trate apenas da combinação de palavras mais simples, de uso corrente.

Com tudo o que estamos vendo nessa seção, considere nosso cérebro como uma máquina que faz a análise, o reconhecimento, a associação e a previsão das coisas que ele presencia no presente com base nas informações contidas em um banco de dados chamado “experiências passadas”. Logo, quanto maior e mais diversificado for nosso banco de dados, melhor. Isso vale também para o vocabulário. Podemos dizer que o nosso mundo é constituído de “pequenos mundos”, isto é, as palavras comuns de uso diário possibilitarão uma menor cobertura na medida que você se inserir ou consumir materiais referentes a esses pequenos mundos, coisas mais restritas. Observe a ilustração a seguir:

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Os “pequenos mundos” possuem vocabulário mais restrito! Um músico, um médico, um advogado… todos usam algumas palavras próprias de seus “respectivos mundos”. Aprender vocabulário, seja numa língua estrangeira, seja na nossa língua materna, será sempre uma constante! Daí a importância daquilo que chamamos “conhecimentos gerais”, isto é, consumir informações, conhecer um pouco de cada pequeno mundo. Quanto mais “pequenos mundos” conhecermos, melhor!

IX. COMPREENDA A MENSAGEM, NÃO APENAS PALAVRAS ISOLADAS

Quando tratamos da ferramenta da “HUMILDADE”, mencionamos o perigo que é acabar se tornando apenas um “quantificador de conhecimento”. O quesito vocabulário é um dos aspectos que mais fazem o estudante cair nessa armadilha.

No tópico anterior, mencionamos que é muito comum se fazer uma relação entre o número de palavras conhecidas e a taxa de compreensão. Certamente, você já se deparou – principalmente na internet – com pessoas que afirmam coisas como “Eu já sei todas as palavras de uso comum na vida diária, por isso sou capaz de compreender por volta de 90%!”. Entretanto, saber não é sinônimo de compreender! Por isso, cremos que o correto seja dizer “TAXA DE COBERTURA” em vez de “taxa de compreensão”. Sim… há uma leve diferença aqui. Para clarificar, observe a oração em português a seguir:

O estudante gostava de campear suas conquistas!

Provavelmente você não entendeu a “mensagem” da oração só por causa do verbo “campear”, não é mesmo? Com esse exemplo, queremos ressaltar que as palavras de maior frequência de uso são, como mencionamos acima, aquelas que possibilitarão uma comunicação efetiva na maior parte das situações, o que não quer dizer que você não poderá se deparar com situações que não entenderá uma oração inteira só por causa de uma ÚNICA palavra (ou mais) pouco comum usada na construção. Isso é NORMAL! As pessoas são livres para usarem as palavras que quiserem! Como vimos, mesmo em nossa língua materna poderá haver situações assim! Podemos não entender, mas é assim que também aprendemos novas palavras! O problema é que quando nosso entendimento é “nocauteado” por uma única palavra desconhecida em uma língua estrangeira que estamos aprendendo, pode causar em nós a sensação que não estamos progredindo.

Aprendendo as palavras de maior frequência de uso estamos apenas diminuindo a possibilidade de haver incompreensões! Afinal, a possibilidade de alguém usar uma palavra pouco comum se é possível expressar o mesmo com uma palavra mais simples e comum é (instintivamente) muito pequena! Por que usar “campear” uma vez que se quis dizer “exibir”? Além disso, começar aprendendo pelas palavras de maior frequência de uso não quer dizer que você só deve aprender elas! Como mencionamos no tópico anterior, o nosso mundo é constituído de “pequenos mundos”, isto é, as palavras comuns de uso diário protegerão menos da incompreensão na medida que você se inserir ou consumir materiais referentes a esses pequenos mundos, coisas mais restritas. ISSO É NORMAL!

Observe a oração a seguir também em português:

O gato passou pelo poste observando o gato que foi feito.

Com essa oração queremos ressaltar que uma mesma palavra pode ter significados diferentes. Aqui, o primeiro “gato” se refere ao animal e o segundo, a uma gambiarra. Para nós que falamos português nativamente, a compreensão não foi prejudicada, mas com certeza um estrangeiro que está começando a estudar português não entenderia a mensagem por causa desse segundo “gato”. Ele reconheceria a palavra, mas não a compreenderia. Perceba como mesmo uma palavra de uso comum no uso diário pode ter significados não tão comuns. Essa situação também pode ser frustrante para um estudante de língua estrangeira, mas isso é NORMAL. Assim como em nossa língua materna, em uma língua estrangeira nós vamos aprendendo novos sentidos das palavras que já conhecemos com o tempo e nos expondo a diferentes situações da vida.

Observe a oração a seguir também em português:

O estudante sentou na cadeira e quebrou o braço.

Diferentemente da oração na qual o entendimento da mensagem ficou prejudicado por causa de uma única palavra pouco comum (verbo “campear”), aqui as palavras usadas são todas comuns no uso diário, mas o entendimento da mensagem ficou prejudicado pelo modo como a oração foi construída. Quem teve o braço quebrado? O estudante ou a cadeira? De forma semelhante a outra situação, se isso acontece em uma língua estrangeira que estamos estudando, pode causar frustração, uma sensação que não estamos aprendendo nada! Contudo, isso também é NORMAL! Aqui queremos ressaltar a importância de se levar em conta não apenas a compreensão das palavras em si, mas também o CONTEXTO. Ainda que a oração pudesse ser melhor elaborada, quem presenciou a cena sabe perfeitamente o que aconteceu. Aliás, o japonês é conhecido como uma língua de contexto! Então, não espere compreender orações apenas pelas palavras!

Observe a próxima oração também em português:

O estudante ficou a ver navios.

Nós que somos falantes nativos do português entendemos facilmente a mensagem dessa oração, não é mesmo? Porém, para um estudante estrangeiro iniciante no português, essa oração provavelmente seria um terror, porque mesmo que ele entendesse e compreendesse as palavras, ainda assim não chegaria à mensagem real da oração. Aqui vemos como podemos nos deparar com situações cujo significado individual das palavras deve ser desconsiderado porque o sentido está no conjunto específico de palavras. É o que se chama de “expressão idiomática”. Em outras palavras, “ficar a ver navios” não significa que a pessoa faz isso de fato, mas sim que não obtém o que esperava.

Agora, observe um diálogo do seriado Chaves entre Seu Madruga e Professor Girafales no episódio “O Festival da Boa Vizinhança”:

Professor Girafales: Bem, esta representação teatral foi montada e dirigida pelo Seu Madruga. Mas, por favor não caçoem dele. Talvez a vocês o trabalho dele pareça tolo, fútil, comum vulgar... sim, concordo! Mas é que devem levar em conta que se trata de um indivíduo sem nenhum preparo! De um pobre diabo que nem sequer concluiu o primário. De um pobre infeliz que mal aprendeu a ler e a escrever. De um reles...

Seu Madruga: (faz um gesto para o professor Girafales se calar).

Professor Girafales: Deixe-me continuar, Seu Madruga. Dum João Ninguém. De um...

Seu Madruga: (fazendo um gesto para o professor Girafales se calar).Professor, já chega.

Professor Girafales: Eu não terminei ainda...

Seu Madruga: É por isso mesmo... é que eu não gosto de ser elogiado em público (dá um sorriso).

***

Perceba como neste diálogo Seu Madruga usa o verbo “elogiar” querendo dizer o oposto, isto é, “criticar”. Em outras palavras, a última fala de Seu Madruga poderia ser entendida como “É por isso mesmo... é que eu não gosto de ser criticado em público”. Querendo evitar discussões, Seu Madruga se expressou de maneira indireta e vaga para transmitir o que desejava. Veja que o sentido de “elogiar” aqui está no contexto.

Há línguas em que predomina o modo indireto de se expressar e talvez por causa dessa característica, no japonês há várias palavras que acabaram incorporando também seu significado oposto. Essas palavras podem ser difíceis de entender no início, mas como sempre, a chave para desvendar o significado é o contexto. Aliás, no português temos casos parecidos, ou seja, palavras que nos tempos modernos têm sentido (beirando) o oposto do original. Não se sabe ao certo o motivo dessas mudanças, mas por exemplo, a palavra “formidável” originalmente significa “assustador” e no português contemporâneo significa “magnífico”. Outro caso é o da palavra “sofisticado”, que originalmente significa “falsificado” – deriva do verbo “sofisticar” – , e no português contemporâneo significa “requintado”. Inclusive dicionários costumam registrar os significados originais dessas palavras.

Enfim, seu  objetivo real deve ser compreender a “mensagem da oração”, sendo  que ela pode estar muito além das palavras em si. Por isso, não se frustre (e não permita que ninguém o frustre) caso não consiga compreender algo rapidamente. Apenas se esforce para compreender! Pergunte! Se for possível, peça para o falante reformular o que foi dito! Como vimos com os exemplos em português, o risco de incompreensão que você vivenciará no japonês vivenciamos em nossa língua materna também e nem por isso ficamos colocando um peso enorme em nossas consciências, pensando que somos péssimos falantes de português! Encare uma incompreensão como uma oportunidade, inclusive em sua língua nativa, de aprender mais, avaliar-se e perceber pontos que precisam ser melhorados. Recomendamos que você comece aprendendo as palavras comuns de uso diário, mas não se restrinja a elas. Diversifique seu vocabulário! Aprenda todas as palavras e significados novos que encontrar pela frente! Seja um “CATADOR DE ORAÇÕES”, isto é, ao ler ou ouvir um nativo, anote orações que achar interessante, analise como as palavras são usadas, como a oração é construída, observe o contexto, pergunte-se se há palavras que você conhece sendo usadas com significados que você ainda não conhece. Observando o contexto, pergunte-se se não se trata de uma expressão idiomática e comece a usá-la em situações parecidas.

X. POVOS DIFERENTES, PONTOS DE VISTA DIFERENTES

De forma simplista, podemos dizer que uma língua é reflexo de como determinado povo enxerga as coisas e o mundo. Portanto, a maneira de expressar conceitos e ideias, as palavras usadas para expressar tais coisas podem variar de língua para língua. Por exemplo, observe a figura a seguir e pense como chamamos em português o que está representado na imagem:

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Em português chamamos o que está na imagem de “batata frita”. Em inglês se chama literalmente “fritas francesas” (french fries). Veja como um mesmo conceito pode ser enxergado de maneira diferente nos diferentes idiomas que existem.

Evite pensar uma língua estrangeira como se estivesse pensando em sua língua nativa. Sim, isso é fundamental! Não faria sentido dizer que “batata frita” em inglês é “fried potato”, afinal assim estaríamos considerando como tal conceito foi pensado em português e estaríamos apenas trocando as palavras pela equivalente em inglês, ou seja, batata é “potato” e frita é “fried”.

Como mencionamos, uma língua é reflexo de como determinado povo enxerga as coisas e o mundo. Se há palavras equivalentes como “gato” em português e “cat” em inglês que se referem exatamente à mesma coisa, haverá palavras que expressam conceitos que em outras línguas não há palavra equivalente. Por exemplo, em inglês há a palavra “awe”, que não possui equivalente no português, necessitando, portanto, ser explicada. Ao consultar o “Dicionário Collins” temos como definição de “awe”:

Awe is the feeling of respect and amazement that you have when you are faced with something wonderful and often rather frightening”.

Traduzindo: Awe é o sentimento de respeito e espanto que se tem quando se é confrontado com algo maravilhoso e muitas vezes bastante assustador”. Note que usamos um dicionário em inglês para saber a definição de “awe”. A razão é muito simples:

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Sim, quando falamos de tradução estamos tratando de opções feitas pelo tradutor. Opções essas que, por inúmeras razões, podem não condizer com o sentido real da mensagem (ou de uma palavra). Veja como o Dicionário Michaelis define “awe”:

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Perceba que há uma sutil diferença entre a definição dada por um dicionário na língua nativa e um dicionário direcionado para falantes da língua portuguesa. Aqui se reforça a importância de consumir materiais feitos para nativos (e isso inclui dicionários), eliminando aos poucos o português de seus estudos. Da mesma forma que aprendemos a definição de novas palavras em português através do português, procure com o tempo dar preferência a aprender novas palavras em japonês consultando dicionários feitos para japoneses.

Com tudo que mencionamos do tópico 8 até aqui, recomendamos que você evite aprender palavras de modo isolado, pois na maior parte das vezes as palavras precisam umas das outras para passarem uma mensagem de forma satisfatória. Quando você aprender, por exemplo, a palavra “porta”, tente encontrar exemplos de orações. Assim, além de enriquecer o seu vocabulário, você entenderá melhor o sentido de palavras que, isoladamente, podem parecer meio sombrias.

Saber como encaixar as palavras umas nas outras é passo fundamental para aprender um idioma. Contudo, estudar palavras isoladas tem seu lado positivo, pois aprendendo o som e a escrita de uma palavra já poderemos pelo menos reconhecê-la em uma frase com outras palavras já conhecidas que a acompanham. Assim também, teremos  a oportunidade de saber como as palavras se encaixam, de modo até mais prático. Convenhamos que fica muito difícil aprender de uma vez todos os sentidos que uma palavra pode ter. Isso demanda tempo, estudo e, principalmente, exposição verdadeira no idioma. Nós, por exemplo, estamos sempre apreendendo sentidos diferentes das palavras em português cujo o som e a escrita já conhecemos ao nos depararmos com elas em contextos distintos, não é mesmo? Não ficamos tentando decorar o dicionário. Aliás, pode-se dizer que um nativo geralmente conhece apenas os sentidos “mais práticos” das palavras. Por exemplo, se um estrangeiro perguntar para você o que significa “gato”, a primeira coisa que virá a sua mente é o animal; a segunda coisa é a ideia de um homem bonito. E talvez a terceira coisa é a ideia de algo mal feito, uma gambiarra. E só. Afinal esses são os sentidos mais comuns, mais usados. Entretanto se consultarmos o Dicionário Aulete, ele nos apresentará 20 significados para “gato”! Veja:

Sabemos todos esses significados possíveis de “gato”? Não!! Isso prejudica nossa comunicação diária? Também não!! É ao longo da vida que aprendemos novos sentidos das palavras que conhecemos, de acordo com as diferentes circunstâncias vividas. Em outras palavras, apenas deixamos que as situações vivenciadas nos ensinem. Por exemplo, suponhamos que um estudante de língua inglesa já seja capaz de pelo menos reconhecer, seja pelo som ou graficamente, as palavras “french” e “fries”, mas ainda não conhece a construção “french fries” (batata frita). Em dado momento ele se depara com um nativo dizendo:

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Associando as palavras que ele já conhece com a ação que ele está vendo, com o contexto, o estudante é capaz de concluir que “french fries” significa “batata frita”. Como mencionamos anteriormente aprendemos nosso idioma materno e novas palavras por causa do uso constante (repetição) das mesmas coisas, buscando, seja instintivamente, seja de forma consciente, uma relação (associação) entre essas coisas nas diferentes situações que vivenciamos. Aliás, repare como em livros ou programas de TV infantis se usa muito a associação entre palavra e imagem.

Também, você deverá ter sempre em mente que “se você já não sabe como dizer algo em outra língua, então não sabe mesmo”. Portanto, se você puder, pergunte imediatamente a alguém como dizer a expressão desejada, incluindo uma explicação detalhada do seu uso. Então comece você a praticar e a pensar do ponto de vista de um falante nativo. Idiomas não são como problemas matemáticos; você não tem que descobrir a resposta; mas se você praticar a partir da resposta correta, desenvolverá bons hábitos que lhe ajudarão a formular natura e corretamente sentenças.

XI. ESTUDE A CULTURA E A HISTÓRIA

Não estude somente a língua japonesa, mas também a cultura do Japão, pois indubitavelmente, o modo de agir de um povo tem reflexos em seu modo de falar. Conhecer tais aspectos facilita o modo de se expressar, faz com que muitas expressões tenham sentido e evita que você se expresse usando um “japonês com cara de português”.

Considerar a questão cultural na hora de se expressar para não acabar falando “um japonês (ou qualquer outra língua) com cara de português” é importantíssimo para evitar mal entendidos. Tenha sempre em mente que aquilo que pode ser normal em português pode não ser em outra língua. Por exemplo, em português temos o verbo “querer”, que em inglês muitos de nós apenas trocaria pelo equivalente “want”. Assim:

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No exemplo acima, a oração está gramaticalmente correta e um nativo entenderia a mensagem. Porém, a questão é COMO o nativo enxergaria essa oração. Em português, usar o verbo “querer” para fazer pedidos de forma geral é normal, contudo, em inglês, você pode soar rude, mal educado dependendo da pessoa com quem se fala. Em inglês o ideal seria dizer “I would like a hamburger”. Então poderíamos dizer que, apesar de estar gramaticalmente correta e apesar de um nativo entender a mensagem, culturalmente falando, a oração “I want a hamburger” está incorreta.

No caso da língua japonesa, a questão cultural tem um peso ainda maior. Os japoneses são conhecidos por prezar a harmonia social, portanto, é natural que eles tenham o desejo de evitar mal entendidos. Para tanto, costumam usar basicamente dois “princípios”:

➩ Expressar-se de forma indireta e formal;

➩ Usar o mínimo de palavras possível.

A língua japonesa é considerada uma língua de contexto, portanto, não devemos esperar que as coisas sejam ditas apenas por palavras e com clareza. Ser direto, principalmente com desconhecidos, costuma ser considerado rude. Falar mais do que o necessário, também. Perceba que parecer ambíguo, isto é, ser capaz de se expressar “nas entrelinhas” esperando que o outro entenda a mensagem e ter uma tolerância a essa ambiguidade, sendo capaz de captar as entrelinhas na maneira de se comunicar dos outros, são habilidades que precisaremos desenvolver ao longo aprendizado da língua japonesa. Isso pode parecer difícil, mas até mesmo alguns japoneses sentem dificuldade de “ler as entrelinhas”.

Mesmo em português, a atitude de se expressar de forma direta e falar mais do que o necessário pode causar mal-entendidos. Por exemplo, um chefe que é direto nas palavras com seus funcionários o tempo todo pode acabar sendo visto como alguém arrogante. E, se esse mesmo chefe costuma dar ordens explicando nos mínimos detalhes tudo o que ele deseja, pode passar a impressão que ele não confia na capacidade de seus funcionários. Seja por parecer arrogante, seja por passar a imagem de alguém que não confia nas pessoas, cedo ou tarde a harmonia no ambiente de trabalho será prejudicada. Também, nós costumamos usar uma linguagem indireta para evitar possíveis discussões. Por exemplo, quando alguém nos convida para alguma festa e não quereremos ou não podemos ir, costumamos usar o famoso “Vou ver e depois te falo”.

No fim das contas, poderíamos dizer que se expressar de forma indireta e formal usando o mínimo de palavras possível, esperando que o outro capte as entrelinhas, é uma forma de respeitar o outro e confiar nele, aspectos fundamentais para que haja harmonia entre as pessoas.

Fatos históricos também influenciam no modo de falar, no surgimento de expressões. Por exemplo, segundo o professor Sérgio Nogueira, “a expressão ‘ficar a ver navios’ vem de Portugal. Dom Sebastião, rei de Portugal, morreu em batalha (1578) e seu corpo nunca foi encontrado. Sua morte causou uma grande crise sucessória. O trono ficou vago. Em consequência dessa crise, houve a anexação de Portugal à Espanha, de 1580 a 1640. O orgulho e a dignidade dos lusitanos precisavam ser resgatados. O povo português sonhava com a volta do monarca; por isso, com frequência, visitavam o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, e ficavam observando o mar, à espera do retorno de Dom Sebastião. Como o rei não voltou, o povo ‘ficou a ver navios’”.

XII. APRENDER É GANHAR EXPERIÊNCIA!

Mesmo que você não consiga entender algum fundamento gramatical completamente ou mesmo dizer algo corretamente logo na primeira vez, continue retomando a matéria não assimilada procurando mais exemplos referentes a ela. Consulte outros materiais didáticos. Isto permitirá que você adquira uma melhor aptidão em como saber usar tais expressões/construções gramaticais em contextos diferentes. Nenhum método é capaz de abordar todas as situações possíveis. Entretanto, para a nossa sorte existem meios como a internet. Lá você encontrará uma grande variedade de material, incluindo sites, salas de batepapo e artigos específicos. Comprar livros no idioma que ser quer aprender ou quadrinhos é também um excelente (e divertido) meio de aumentar o vocabulário e exercitar as habilidades de leitura. Também, tenha um “OUTRO EU JAPONÊS”, isto é, para cada situação que você vive aqui no Brasil, imagine como você se expressaria se fosse um japonês. 

Conhecer a origem e evolução de algo que você queira aprender é um grande passo para o seu domínio, pois ao se deparar com o sentido e a lógica que há por trás, você deixa de ser um robô e passa a pensar. Se você gosta de Matemática, entenderá onde queremos chegar: não adianta você decorar fórmulas prontas se você não sabe a razão de ser dela. Claro que a gramática não é uma ciência exata, mas ela busca padronizar uma língua e, embora haja exceções, ela tem sua lógica de ser.

XIII. APRENDER GRAMÁTICA?

Há quem defenda a ideia de que, em termos práticos, aprender gramática é perda de tempo, afinal o intuito da comunicação é entender e ser entendido, não importando se gramaticalmente o que é dito está correto ou não. Por exemplo, se alguém dissesse “a gente vamo embora”, apesar de a oração estar errada GRAMATICALMENTE, o que importaria é o ouvinte entender a mensagem como “nós vamos embora”.

Sendo assim, você deveria ouvir as coisas até que consiga, naturalmente, dizer o que parece certo e o que é errado. Segue um dos argumentos “contra a gramática” (usando o inglês como base):

Você sabe falar português, seu idioma nativo no Brasil, né? Agora será que você sabe todas as regras gramaticais?

NÃO!

A menos que seja um entusiasta do idioma ou profissional da área, você não sabe nem precisa conhecer todas as regras. É assim que um idioma deve ser compreendido.

Aprender pelas regras, sem saber falar e ouvir, vai te tornar uma espécie de “analista da língua”. Só na teoria. Na prática, não funciona! Pode ver com qualquer pessoa que fez cursos tradicionais: mais de 99% delas não se sentem seguras ao falar, e não compreendem todos os áudios em inglês, mesmo depois de vários e vários anos estudando – e pagando caro!

Quando alguém te faz uma pergunta, você responde sem pensar em regras. Sem pensar se é no passado, no futuro, em qual palavra você deve colocar aqui ou ali… Simplesmente RESPONDE!

Num novo idioma qualquer, deveria ser assim também, pois é o processo natural.

Ao ver um filme, você não tem tempo de ficar traduzindo o que dizem para entender. Se tentar, perderá muitas falas!

Ao conversar com alguém também. Não há tempo para pesquisar na cabeça as regras, muito menos na internet ou em livros. (FONTE: Curso de Inglês na Web)

A tese acima parece mesmo convincente, mas no fundo é um mau conselho, a menos que você viva no Japão ou fale / ouça japonês com alguém disposto a corrigir tudo que você diz.

Pode haver pessoas que digam:

1) “Ok , já conheci pessoas que estudaram gramática e ainda não conseguem falar a língua” (pessoa que acha a gramática desnecessária);

2) “Bem, eu conheci pessoas que não estudaram gramática e ainda não conseguem falar a língua”. (pessoa que acha a gramática necessária).

Esses tipos de argumento não provam nada...

TODOS NÓS usamos a gramática e precisamos dela, ainda que não percebamos, para transmitir uma mensagem de forma satisfatória. Para ilustrar, observe a imagem a seguir:

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Você conhece o significado das palavras individualmente, mas provavelmente não entendeu a mensagem, porque as palavras estão desorganizadas, não é mesmo?

Daí vem a necessidade da gramática, isto é, de um modo de organizar e relacionar as palavras para que o conjunto seja compreensível para outros falantes da mesma língua. Nesse sentido, todo falante tem conhecimento de gramática, isto é, sabe instintivamente que deve organizar as palavras numa ordem e seguir uma lógica para que seja compreendido. Um falante nativo sabe instintivamente que não deve usar as palavras de maneira solta. A essa “gramática instintiva” se dá o nome de “gramática internalizada”.

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O que muitos falantes nativos podem não saber é a gramática normativa, isto é, o modo ideal de organizar e relacionar as palavras para se comunicar e que é ensinado nos livros. É essa gramática normativa que tenta manter a unidade linguística de um povo.

Nós internalizamos a gramática “do mundo real” através da exposição constante ao idioma, repetições, tentativa e erro e por meio de associações. Aliás, essas associações podem até serem equivocadas considerando a gramática normativa, mas não afetam a comunicação propriamente dita, pois nos entendemos. Por exemplo, dizer “tu fala” está errado segundo a gramática normativa (um ideal de uso da língua), mas não prejudica a comunicação. Aliás, as pessoas que dizem “tu fala” fazem isso por causa de uma associação instintiva: se “TU” e “VOCÊ” se referem à mesma pessoa (você), então, se dizemos “você fala”, por que não dizer “tu fala”?

Com isso, pode-se até afirmar que o problema dos cursos de idiomas tradicionais, então, está em ensinar um idioma estrangeiro usando como ponto de partida a gramática normativa, quando o ponto de partida deveria ser a gramática “do mundo real”, já que todo falante nativo aprende seu idioma através dessa gramática e se baseia nessa gramática internalizada para se expressar no mundo real. Assim:

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Observando a ilustração, percebemos uma contradição, um abismo. Como mencionamos, a gramática normativa se trata de um ideal de uso da língua. Entre o ideal e o praticado na vida real existe um abismo e nós humanos vivemos no mundo real e não no “mundo dos livros”. Por isso, focar demais na gramática ensinada pelos livros faz com que o estudante fique perdido ao sair para o “mundo real”, da mesma forma que uma criança brasileira também ficaria perdida se ela tivesse contato somente com a gramática normativa em seus primeiros anos de vida, dado o abismo que há entre a gramática idealizada e a gramática “do mundo real”.

A gramática é uma das ferramentas dentre muitas em seu arsenal e não seria bom ignorá-la completamente. Você pode não pensar na gramática quando está falando, mas ela é um trampolim, uma orientação que você pode usar para chegar ao ponto no qual você não precisará mais dela. Se você aprende somente com frases, você precisa estar exposto a todo tipo de gramática, conjugação de verbos, e uso de vocabulário para internalizá-la naturalmente. Isso é bom para aprender a sua língua materna como uma criança, mas vai demorar muito tempo para os adultos que procuram a proficiência em uma segunda língua, especialmente em um ambiente não-imersivo.

Aliás, você já se perguntou para que serve a gramática, vista por muitos como uma vilã?

Como um idioma é algo comum a todos dentro de uma determinada sociedade, é fácil enxergar a necessidade de um padrão de linguagem que seja seguido por todos. Visto que o ser humano é um ser social, que interage com o meio em que vive, imagine a bagunça que seria se cada habitante ou grupo de habitantes resolvesse adotar o seu próprio padrão de linguagem. Isso não representaria um grande problema enquanto o indivíduo estivesse dentro de seu grupo, mas ao interagir com outros, haveria grande confusão.

O site Só Português define bem o que é a gramática:

A Gramática tem como finalidade orientar e regular o uso da língua, estabelecendo um padrão de escrita e de fala baseado em diversos critérios, tais como:

Exemplo de bons escritores;

Lógica;

Tradição;

Bom senso.

(…) Por ser um organismo vivo, a língua está sempre evoluindo, o que muitas vezes resulta num distanciamento entre o que se usa efetivamente e o que fixam as normas. Isso não justifica, porém, o descaso com a Gramática. Imprecisa ou não, existe uma norma culta, a qual deve ser conhecida e aplicada por todos.

A gramática pode ajudá-lo a organizar sistematicamente o idioma de tal forma que você possa aprender novas palavras, expressões e sentenças e rapidamente incorporá-los usando as mesmas regras que se aplicam a todas as palavras sem ter que encontrá-las uma e outra vez. As regras são simplesmente um meio para um fim. A gramática também pode ajudá-lo a quebrar construções que você não entende e fornecer orientações sobre como estruturar suas próprias sentenças. Não há como negar que há pessoas que conhecem todo o vocabulário que elas precisam para dizer alguma coisa, mas não conseguem organizá-las, montar uma frase para expressar o que querem dizer.

É claro que você precisa praticar muito a fala e a audição, mas não há motivos para se impedir o aprendizado da gramática e aplicá-lo conforme necessário. Eventualmente, com bastante prática, você chegará a um ponto que não precisará mais pensar na gramática, ela ficará internalizada em você, mas até então, ela pode ajudá-lo a descobrir como dizer o que quiser. Claro, pode ser lento, mas é melhor do que não ser capaz de dizer coisa alguma.

Realmente, muitas vezes se gasta muito tempo com gramática nos cursos convencionais, abordando-se pouquíssimo a conversação como ela é no “mundo real” (mais detalhes na lição 8). Isso é obviamente um problema, mas isso não significa que você não deve aprender nada de gramática.

Além disso, banir a gramática ou dar pouca importância a ela e considerar somente o aprendizado de um idioma pela assimilação natural pode acarretar em vícios de linguagem e erros graves como nós mesmos fazemos em português como, por exemplo, “Para mim fazer” e “A gente vamos”. São infinitos erros que adquirimos na linguagem falada e mesmo passando anos na escola, muitas pessoas não conseguem readequar a linguagem. Isso pode ser um ponto negativo em situações mais formais, como quando a pessoa participa de uma entrevista de emprego ou faz algum teste escrito. Para ilustrar, leia esta matéria e perceba o que a falta de contato com o idioma formal pode ocasionar: 529 mil candidatos tiraram zero na redação do Enem 2014.

Veja como não aprender gramática limita nosso poder de comunicação e também nosso intelecto, pois estaremos “enclausurados” no linguajar do cotidiano. Em outras palavras, quem desconhece a norma culta acaba tendo acesso limitado às obras literárias, artigos de jornal, discursos políticos, obras teóricas e científicas, enfim, a todo um patrimônio cultural acumulado durante séculos pela humanidade.

Tal como acontece com a maioria das coisas na vida real, a solução correta é usar uma abordagem equilibrada e prática, isto é, gramática e o processo de ouvir e falar se complementam e devem ser considerados desde o início.

XIV. PRECISO MORAR NO JAPÃO PARA APRENDER JAPONÊS?

Há quem defenda a ideia de que só se aprende um idioma de fato se vivermos no país em que se usa nativamente a língua que estamos aprendendo. A justificativa seria o fato de que estando inserido no país (no caso o Japão), não haveria como evitar a exposição, a imersão no idioma. Mas... será que essa justificativa é válida?

Um pouco de reflexão e perceberemos que essa justificativa é infundada, afinal facilmente se encontram casos de pessoas que viveram anos em algum país e não aprenderam nada (ou muito pouco) do idioma dos nativos.

Ao ser confrontada com esse fato, a pessoa que defende a tese apresentada muito provavelmente dirá: “Ah, mas ela não aprendeu porque não se expôs, não praticou o idioma!”.

BINGO!

Mesmo em um país estrangeiro, é possível sim evitar a exposição e deixar de praticar o idioma dos nativos. Ora, você pode chegar no Japão, mas viver como se não estivesse lá. Fechar-se numa bolha, convivendo somente com brasileiros e se precisar usar o japonês, alguém do grupo que sabe falar  “se comunica por nós”. Então, a chave para o aprendizado do japonês é saber como ele funciona (gramática), se expor ao “japonês do mundo real” (para entender e assimilar as manobras feitas pelos falantes na língua prática) e praticá-lo constantemente, procurando ter contato com nativos (para praticar, receber dicas ou correções, se necessário), não importa o lugar. A chave não é necessariamente viver no país em que o idioma que estamos aprendendo é a língua materna.

O que pode acontecer em alguns casos dependendo das circunstâncias da pessoa no país estrangeiro, é que a NECESSIDADE de sobrevivência (e consequentemente de comunicação), acabe acelerando o aprendizado (lembre-se de como funciona o nosso cérebro). Por exemplo, segundo alguns estudiosos, um mês em um “Homestay Program”, modalidade de intercâmbio possível em alguns países na qual o estudante fica hospedado em uma casa de família, poderia equivaler ao que se aprende nos três anos do Ensino Médio. Mas veja que isso é muito diferente de dizer de forma taxativa e generalizada que se aprende um idioma estando no país em que nativos o têm como língua materna.

Contudo, a tese de que viver em um país estrangeiro poderia acelerar o aprendizado a depender das circunstâncias de como a pessoa se insere nele (contexto de necessidade) é bem discutível. Lembre-se sempre do princípio do menor esforço. Você já deve ter ouvido que o inglês é a língua universal no mundo contemporâneo. Não é raro se deparar com relatos de pessoas que não aprenderam nada (ou muito pouco) da língua, mesmo passando algum tempo em um país, simplesmente por que quando precisavam se comunicar, acabavam preferindo se comunicar em inglês por ser um idioma que nós ocidentais geralmente temos mais familiaridade e que muitos nativos de outros países provavelmente entenderão. Aliás, mesmo nas escolas japonesas para estrangeiros, a língua de comunicação na prática costuma ser o inglês. Ainda, há pessoas que não aprenderam nada (ou muito pouco), porque quando precisavam se comunicar, acabavam preferindo usar ferramentas tecnológicas como o Google Tradutor.

Portanto, em um mundo cada vez mais globalizado e tecnológico, cremos que é extremamente difícil se sentir em um contexto REAL de necessidade para aprender uma língua mesmo estando em ambiente estrangeiro (talvez com exceção do inglês por ser considerada a “língua universal” do mundo globalizado).

Além disso, ainda que a pessoa se insira em um contexto de necessidade de comunicação pela necessidade de sobrevivência, aqui também vale o princípio do menor esforço, isto é, até quando a pessoa conseguiria sustentar esse contexto de necessidade? É muito provável que ela acabe se “refugiando” em comunidades de brasileiros, pois convenhamos, a gente se sentiria muito mais seguro e seria muito mais cômodo. No fim das contas, é justamente a necessidade de sobrevivência que faria a pessoa se fechar numa bolha, sobreviver é infinitamente mais importante do que aprender uma língua estrangeira.

Outro ponto a se considerar nessa questão é que, como mencionamos, o cérebro aprende pelo fator IMPORTÂNCIA. Normalmente quem não consegue aprender um idioma, não aprende porque com o tempo simplesmente começa a dar menos importância ao estudo, seja por conta dos afazeres do dia a dia, seja por que acaba preferido coisas mais atraentes e com resultados imediatos.

Como mencionamos anteriormente, nosso sistema de recompensas está o tempo todo fazendo “cálculos” de custo-benefício em relação a uma ação, afinal nosso cérebro não gosta de gastar energia com coisas irrelevantes. Por conta disso, ele gosta de um tipo específico de recompensa. Uma recompensa que tenha três características:

➩ Que seja rápida;

➩ Que seja alta;

➩ Que exija o menor esforço.

Por causa desse tipo de recompensa que o cérebro gosta é que tendemos a nos desmotivar FACILMENTE de tarefas que exigem esforço e que não tenham resultados imediatos – ou cujo tempo para alcançar os resultados seja indeterminado (é o caso de aprender idiomas!!). A preguiça, então, aparece e a desmotivação vai aumentando. Segundo André Buric, especialista em Neurolinguística comportamental, “a preguiça nada mais é que um mecanismo utilizado pelo nosso cérebro quando ele não consegue entender que há um motivo atrativo para você gastar sua energia fazendo aquilo. Quando estamos motivados, agimos para buscar o que nos motiva. Mas sem essa recompensa clara, o cérebro avalia a situação e prefere poupar sua energia para algo mais útil ou recompensador”. Isso pode acontecer independentemente do local. Assim como fora do Japão podemos começar a dar menos importância ao estudo do japonês, vivendo lá, também. Aliás, aqui reforçamos a importância de se encontrar satisfação no presente (no processo), ser capaz de visualizar dentro do processo pequenas vitórias e comemorá-las. Não se apegar apenas a uma satisfação no futuro (no resultado). Usando a analogia do jogo de video game, comemorar cada fase, desafio superado.

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Então, dizer ou aceitar a ideia de que se aprende japonês vivendo no Japão acaba sendo apenas (mais) uma barreira para o nosso aprendizado. Dificuldades como essa que aceitamos (ou criamos) para muitas vezes justificar a nossa falta de paciência com a gente mesmo. Dificuldades como essas que criamos para justificar um possível fracasso (encaro algo como fundamental para obter um resultado, mas ao mesmo tempo inalcançável. Por isso, nunca vou aprender). Dificuldades como essa que nascem porque ficamos nos comparando o tempo todo. Dificuldades como essa que surgem porque somos exigentes demais. Dificuldades como essa que nascem muitas vezes de um imediatismo, de querer resultados rápidos, de querer a fórmula mágica que resolva todos os nossos anseios em segundos!   

Não crie (ou aceite) pensamentos limitadores! Apenas pratique com constância, humildade, paciência e alegria, buscando o essencial da comunicação, isto é, compreender e ser compreendido pelas outras pessoas! Se por acaso estiver mesmo diante de um muro, pense no que há de belo para além dele e dê o seu melhor para atravessá-lo! Não desanime! Acredite! Apesar do suor, esforço e persistência (marcas dos verdadeiros campeões), valerá muito a pena! Faça do aprendizado uma diversão. Seja um “atravessador” de muros e ajude os outros a atravessar muros. Assim, todos saem ganhando!

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XV. O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL

Para aprender um idioma de forma completa, é essencial entender a cultura e a história do país, já que esses fatores afetam a forma como as pessoas se comunicam e interagem socialmente. Com a diversidade do mundo em que vivemos, é importante reconhecer que diferentes culturas e povos têm desenvolvimentos distintos.

Os estímulos dos diferentes ambientes nos quais as pessoas estão inseridas, bem como as reflexões feitas a partir desses estímulos formam o sistema de crenças, que são como LENTES através das quais elas enxergam as outras pessoas, o mundo e os analisam. Partindo desse aspecto, um equívoco muito comum é analisar outros povos e culturas usando uma lente que não diz respeito a todo o contexto em que o modo de pensar de um povo foi formado. Isso pode levar a estereótipos e preconceitos. Existem culturas diferentes e TODAS têm aspectos positivos, bem como aspectos negativos, que devem ser repensados ao longo do tempo.

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O ambiente exerce uma influência tão grande no comportamento das pessoas que alguns neurocientistas chegam a afirmar que o cérebro só é capaz de responder aos estímulos que recebe e, portanto, não existe liberdade propriamente dita, sendo praticamente impossível uma pessoa conseguir agir de maneira diferente, a menos que troque de ambiente. Daí podemos dizer que “O ambiente sempre nos vence”.

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É importante considerar que ninguém é onisciente e onipresente e, por isso, cada um de nós tem acesso a apenas recortes do mundo, como se cada um vivesse numa bolha. Neste sentido, podemos dizer que todos nós somos em essência preconceituosos, pois só podemos refletir e tirar conclusões a partir do pedaço de mundo que nos é apresentado (pré-conceitos). Lembre-se que instintivamente o nosso cérebro gosta de encontrar padrões, de generalizar por este ser o caminho mais cômodo para ele. Ainda que questionável para a mentalidade atual, este mecanismo de padrões e generalizações de certa forma nos ajudou a evoluir como espécie, pois nos auxiliou na nossa proteção contra o perigo, o desconhecido, ainda que possa ter levado à perda de oportunidades. Como Hao Li, neurologista do Salk Institute, afirma, “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”.

Se buscar por padrões generalizando a partir de recortes é inerente à natureza humana, não há como negar que a abertura ou o fechamento do ambiente cultural (ou social) vai influenciar neste comportamento humano instintivo. Em outras palavras, quanto mais diversificada a cultura (ou o ambiente social) for, mais as pessoas tendem a acolher o diferente. Quanto mais fechada a cultura (ou o ambiente social) for, mais as pessoas tendem a ter um pensamento de bolha, desenvolvendo assim certa aversão ao diferente.

Aliás, citamos anteriormente que a ocitocina é frequentemente relacionada aos vínculos afetivos e sociais. Entretanto, um estudo chamado “A ocitocina promove o etnocentrismo humano” publicado em 2011 sugeriu que ela seria uma faca de dois gumes, isto é, ao mesmo tempo que a ocitocina promoveria vínculos afetivos, sociais, ela promoveria também uma espécie de aversão àqueles que não consideramos como parte do nosso grupo. Para exemplificar, podemos citar torcidas de times de futebol: ao mesmo tempo que os membros são extremamente unidos entre si por causa de um mesmo time pelo qual torcem, tendem a ser extremamente aversivos e violentos com membros de outra torcida, um grupo considerado “de fora”.

Seja como for, vamos analisar o pensamento japonês tradicional. Para ajudar a entender a raiz do pensamento japonês, é oportuno nos perguntarmos:

Culturalmente, o que nos ensinam COMO MOTIVAÇÃO para as nossas ações?”

Normalmente, divide-se esse fator motivador em três grupos:

HONRA: culturas nas quais predomina a honra, as pessoas são ensinadas a evitar (o sentimento de) vergonha e, consequentemente, a possível exclusão social. Sendo assim, as pessoas (in)conscientemente se perguntam constantemente: “Se eu fizer [X], o que OS OUTROS pensarão a meu respeito?”. Então, pode-se dizer que a base da moralidade está no que o coletivo pensa;

INOCÊNCIA: culturas nas quais predomina a inocência, as pessoas são ensinadas a evitar (o sentimento de) culpa. Sendo assim, as pessoas (in)conscientemente se perguntam constantemente: “Se eu fizer [X], isso é certo ou errado?”. Então, pode-se dizer que a base da moralidade está no que cada pessoa (a sua consciência) pensa;

INTEGRIDADE: culturas nas quais predomina a integridade, as pessoas são ensinadas a evitar (o sentimento de) medo. Sendo assim, as pessoas (in)conscientemente se perguntam constantemente: “Se eu fizer [X], o que podem fazer comigo?”. Então, pode-se dizer que a base da moralidade está no poder (de influência, físico, etc.) que se tem dentro do grupo.

Podemos esquematizar da seguinte forma:

A maioria das culturas tem componentes dos três grupos. Um será predominante, mas sempre haverá elementos dos outros. Afinal, todos desejam a honra, a inocência (consciência tranquila) e a integridade e evitam a vergonha, a culpa (consciência pesada) e o medo.

No caso de culturas ocidentais, é comum se dizer que predomina a inocência como fator motivador de ações e a culpa como fator controlador. Já nas culturas orientais, a honra e a vergonha respectivamente. Como veremos a seguir, talvez por isso, os japoneses tenham tanto receio da vergonha, de mancharem a sua reputação perante os outros e de serem possivelmente excluídos socialmente. Os ocidentais podem preferir não seguir a maioria se acharem que determinada ação é equivocada, pois tendem a prezar a consciência tranquila. Por outro lado, os japoneses podem preferir seguir sempre a maioria ainda que algo seja objetivamente equivocado, pois tendem a prezar pela sua imagem perante os demais japoneses. Aliás, há quem diga que culturas nas quais predomina a honra induzem as pessoas a serem superficiais.

O Japão é uma sociedade voltada para o coletivo e o consenso de grupo é vital. Com isso, espera-se que os indivíduos ajam em conformidade com aquilo que é considerado padrão e esperado pela sociedade.

Na escola, a educação tradicional no Japão não incentiva os estudantes a expressarem seus pensamentos mais profundos, ao contrário do Ocidente, onde costumamos (e muitas vezes somos incentivados a) transmitir o que pensamos de forma direta e explícita. Seguem alguns pontos negativos que costumam ser apontados pelos próprios japoneses:

➩ O sistema educacional atual não desenvolve o espírito de independência do estudante;

➩ O sistema educacional é ineficaz para desenvolver a capacidade dos estudantes de pensar por si mesmos. Não há incentivo para a originalidade, a criatividade e o espírito aventureiro;

➩ O sistema educacional não promove a ideia de uma sociedade descentralizada, na qual os membros sejam capazes de decidir as coisas individualmente e agirem livremente. Isso leva a uma dependência em tudo do consenso de grupo ou de uma hierarquia;

➩ O sistema educacional é ineficaz para desenvolver a sensibilidade cultural e artística;

➩ O sistema educacional não promove um ponto de vista internacional.

Isso tudo por que, de novo, o consenso de grupo é considerado vital para a harmonia social. Logo, é de se esperar uma hiper valorização e dependência de hierarquias, pois é como se os japoneses partissem do princípio de que se alguém chegou ao topo de um grupo, é por que tem maior conhecimento, maior prestígio e teve (e ainda tem) as melhores decisões. Isso se aplica também àqueles que têm mais idade, pois costumam ser vistos como pessoas com maior quantidade de experiências vividas e, portanto, de maior conhecimento e melhores decisões.

Poderíamos dizer que esse modo de pensar tradicional leva os japoneses a agirem conforme um princípio:

“Errar ou acertar COM O GRUPO ou COM A HIERARQUIA! Nunca errar ou acertar sozinho!”

Essa priorização da harmonia social, essa importância dada ao grupo em relação ao indivíduo, de fato, proporciona uma maior organização social, baixos índices de criminalidade, maior respeito e confiança entre os cidadãos e um nível de disciplina muito elevado. Essas são algumas das características do Japão que outros povos admiram. Entretanto, tudo isso parece ter um preço. De certa forma, toda essa busca por uma uniformidade e identidade acaba gerando um ambiente de muita pressão sobre as pessoas, ainda que indiretamente. Tanto que existe o “Transtorno de Taijin Kyofusho”, muito comum no Japão e que pode ser definido como um receio excessivo de ser um incômodo para o outro.

Você pode pensar: “Mas não querer ser um incômodo para o outro é uma coisa positiva. Assim não se causa mal a ninguém e as pessoas se respeitam”. Sim, mas a questão é que a definição do que é “incômodo” pode variar conforme a visão de mundo de pessoas e grupos. No caso do Japão, “incômodo” não se restringe a males objetivos que se pode causar a alguém, mas pode englobar padrões estéticos, simples opiniões, ações ou passatempos que fogem do senso comum japonês. Até mesmo o fracasso em alguma meta ou possuir mais habilidade em alguma coisa se comparado ao grupo pode ser visto como um incômodo. Por isso é que, por exemplo, padrões comportamentais e estéticos do Japão são tão marcantes. É como se todo esse contexto fizesse as pessoas pensarem que para não ser um incômodo para o outro, é mais seguro seguir a maioria. Ser apenas mais um dentre muitos, pois ser diferente ou tentar algo novo pode incomodar o outro.

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O prego que se destaca é martelado" é um provérbio japonês frequentemente usado para descrever uma cultura em que a conformidade e a uniformidade são valorizadas, enquanto a individualidade é desencorajada. Esse provérbio reflete a ideia de que aqueles que se destacam ou se desviam das expectativas sociais podem ser punidos ou enfrentar críticas e julgamentos negativos. A ideia é que, para manter a ordem e a estabilidade, as pessoas devem se ajustar às normas e valores aceitos pela sociedade. No entanto, essa mentalidade também pode levar as pessoas a desistir de seus sonhos, de sua individualidade por medo de serem julgadas ou rejeitadas. Isso pode limitar a criatividade e a inovação, além de impedir que as pessoas alcancem todo o seu potencial.

No fim das contas será que o sistema educacional japonês forma cidadãos realmente bons ou na verdade acorrenta os cidadãos em padrões, incentivando (indiretamente) a hostilizar quem deseja questionar ou viver fora de tais padrões, pois se torna uma ameaça para a coletividade? Será que na verdade os japoneses são inseguros e têm receio da exclusão social caso não sigam os padrões e expectativas sociais e isso é chamado, como forma de verniz e propaganda, de educação e receio de ser um incômodo para o outro?

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Questionar se muito do que se fala do Japão não é apenas propaganda não é exagero. Como no Japão se prioriza a harmonia social, os japoneses mesmos reconhecem que precisam ter “duas versões” de si mesmos:

VERSÃO PARTICULAR: pode-se dizer que é o “eu verdadeiro” da pessoa;

VERSÃO SOCIAL: pode-se dizer que é o “eu mascarado” da pessoa. É a versão que a pessoa apresenta quando está em público, tendo como princípio a priorização da harmonia social.

Claro que todos nós tendemos a usar máscaras quando estamos em público e, até certo ponto, isso é realmente necessário para se manter a harmonia social (podemos chamar isso de “falsidade em prol da harmonia social”). A questão é que o pensamento japonês tradicional tende a considerar como ataque à harmonia social qualquer mínima coisa que fuja dos padrões esperados, gerando assim uma pressão além da conta e insegurança excessiva nas pessoas. E é evidente que quanto menos espaço se dá para o “eu verdadeiro” mais as pessoas tendem a se sentir reprimidas e infelizes.

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Isso se agrava em ambientes com pouca diversidade, pois a pessoa não tem para onde ir caso não se encaixe nos padrões impostos. Em todos os lugares há a “falsidade em prol da harmonia social”, mas, por exemplo, no Brasil em que existe muita diversidade de pensamento e de cultura, NÃO somos obrigados a nos encaixar em um padrão ÚNICO. Se uma pessoa ou lugar nos desagrada, sentimo-nos livres para falar abertamente o que pensamos, pois, mesmo que nos excluam (ou nos cancelem, como se diz nas redes sociais), haverá muitas outras pessoas e lugares com os quais podemos nos identificar. Veja por exemplo a questão da religião: há pessoas que mudam constantemente de denominação religiosa ou optam pelo ateísmo. Seja qual for a nova opção, haverá pessoas que tenham esse mesmo pensamento!

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Um aspecto interessante a se abordar nessa questão é o bullying, um problema considerado por muitos como estrutural no Japão. Ao comentar sobre a fofoca (e diríamos que isto se aplica de algum modo ao bullying também), o psicólogo Marcos Lacerda é certeiro ao dizer que “existe uma grande vingança social que é a seguinte: eu não posso ser o que eu quero. Está certo! Eu vou pagar esse preço, mas eu vou cobrar a mesma coisa de você. Você também não será livre!”.

Isso remete à chamada “mentalidade de caranguejo”, que descreve o suposto comportamento dos caranguejos colocados em um balde; embora os que estão no topo possam sair facilmente, suas tentativas são frustradas porque os outros os puxam para baixo. Então, “mentalidade de caranguejo” é a tendência de uma pessoa ou grupo de rebaixar aqueles ao seu redor que são considerados melhores em algum aspecto. É como se tivessem como princípio a ideia de que todos ficam felizes, desde que ninguém fique feliz.

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De certa forma, podemos dizer que o Japão ainda usa como ferramentas de educação a censura, o medo e o constrangimento, em vez de debates, reflexões e conscientização. Um método bem ultrapassado e questionável. Forçar as pessoas a matarem o seu “eu verdadeiro”, fazendo-as enxergar o mundo de uma única forma e agirem de uma única maneira (como se fossem robôs) sob pena de serem constrangidas e/ou excluídas, na prática faz com que elas se tornem violentas, não tolerando o diferente. Neste cenário, o bullying (e todas as outras formas de discriminação) se torna uma consequência. Muitas vezes, intimidar o "estranho" é o que une pessoas e também não deixa de ser uma maneira de forçar o “estranho” a se moldar ao grupo. É uma forma de se “fazer justiça” (bem entre aspas).

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Não é à toa que desde o final dos anos 90 tem se falado do fenômeno dos “confinados em casa”, isto é, pessoas que por extremo receio de errar e serem ridicularizadas (ou até mesmo isoladas) por seus atos optam por ter o mínimo de contato social possível. Estima-se que 1,5% da população japonesa esteja nessa situação. Comentando sobre as altas taxas de suicídio no Japão, o psicólogo Wataru Nishida, da Universidade Temple, em Tóquio, diz que “Não há muitas formas de expressar raiva ou frustração no Japão (...). Esta é uma sociedade muito orientada por regras. Jovens são moldados para se encaixar em nichos existentes. Não há como alguém expressar seus sentimentos verdadeiros. Se são pressionados por seu chefe ou se deprimem, alguns acham que a única saída é morrer”.

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Com o que temos abordado até aqui, percebe-se que o coletivismo extremo pode resultar no mesmo problema do individualismo extremo, isto é, a indiferença, por razões diferentes. Ou seja, pessoas podem se tornar indiferentes aos outros por pensarem: “Não posso me destacar, nem mesmo para o bem! Não posso ser um incômodo!” (pensamento coletivista) ou se tornarem igualmente indiferentes por pensarem: “Não me importo, pois não é problema meu” (pensamento individualista). No Japão, não é raro encontrar, por exemplo, relatos de pessoas que já presenciaram japoneses ignorando (sendo indiferentes com) pessoas que estavam prestes a se suicidar ou mesmo idosos que caíram na rua.

Durante centenas de anos a cultura japonesa se desenvolveu em um arquipélago isolado, com características únicas que dificultam a sua integração com outras culturas. Essa situação se agrava devido à falta de miscigenação, o que torna os japoneses mais suscetíveis a terem dificuldades ao lidar com o exterior.

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No Japão se popularizou o termo “Síndrome de Galápagos”, inspirado nas ilhas Galápagos, onde várias espécies de animais e plantas evoluíram de maneiras únicas e distintas das suas contrapartes em outras partes do mundo, devido ao isolamento geográfico. Embora o termo “Síndrome de Galápagos” se refira originalmente ao fato de muitos produtos eletrônicos japoneses serem criados exclusivamente para o povo japonês e evoluírem de forma diferenciada, o que os tornam diferentes e incompatíveis com os produtos em outros lugares do mundo, esse termo costuma ser usado também para descrever qualquer tendência de isolamento do Japão em relação aos povos estrangeiros e às tendências globais modernas.

Com o que abordamos até aqui, podemos perceber a importância da DIVERSIDADE. Todos nós humanos temos as mesmas necessidades básicas de afeto e interação social. Ora, em ambientes de pouca ou nenhuma diversidade, fica extremamente difícil expressarmos a nossa individualidade, isto é, ou nos encaixamos ao pensamento e costumes de um único grupo ou seremos excluídos e não teremos para onde ir. Em ambientes com diversidade, contudo, mesmo que não nos identifiquemos com um determinado grupo ou formos excluídos, haverá outros grupos com os quais poderemos nos identificar e, assim, expressar a nossa identidade.

Poderíamos até dizer que o pensamento japonês tradicional é análogo ao conceito de bolhas sociais das redes sociais. Cada bolha tem o seu jeito de pensar e acolhe pessoas ou exclui (cancela) pessoas que se desviam desse pensamento da bolha. Então, o Japão seria como uma grande bolha social.

Diante desses aspectos, podemos sintetizar o pensamento japonês tradicional assim:

➩ Priorização da harmonia social e estabilidade;

➩ Valorização de hierarquias;

Busca (implícita) por uma unidade de pensamento e étnica para manter a harmonia social e a sociedade estável (analogia ao conceito de bolha social das redes sociais);

➩ Aversão à incerteza e, por isso, preferência pelas velhas fórmulas (frequentemente sem questionamentos), pois elas já deram certo no passado;

➩ Alguém no alto de uma hierarquia (chefes, idosos, professores, etc.) são pessoas que também “já deram certo” no passado e, por isso, devem ser seguidas e obedecidas (também frequentemente sem questionamentos);

➩ O diferente (ações, pensamentos ou pessoas) é uma (possível) ameaça à harmonia social e, na dúvida (existência de incerteza), melhor evitar do que arriscar ou mesmo excluir o diferente do grupo (analogia à cultura de cancelamento das bolhas presentes nas redes sociais);

➩ Evitamento de conflitos por meio do uso de linguagem indireta e polida;

➩ Comportamento de manada, isto é, o que a maioria faz é o certo a se fazer.

É claro que todo grupo humano (político, religioso, étnico, etc.) busca (e precisa de) harmonia e estabilidade e, para esse fim, têm seus padrões e expectativas com relação aos indivíduos, bem como um certo grau de aversão àquilo que foge do senso comum desse grupo. Um grupo fragmentado, sem um certo grau de unidade tende a acabar.

Por exemplo, é comum se dizer que as redes sociais têm facilitado a conexão entre pessoas de diferentes partes do mundo, mas têm um lado negativo, já que favorecem a formação de bolhas, em que os usuários tendem a se conectar apenas com pessoas que compartilham das mesmas opiniões, visões de mundo e interesses. Esse fenômeno pode ser problemático para a sociedade como um todo, pois pode gerar uma polarização social e enfraquecer o tecido social, uma vez que as pessoas, fechadas em bolhas, perdem a oportunidade de aprender com as diferenças e de exercitar o diálogo e a empatia.

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De fato, é um desafio constante para TODOS os grupos humanos encontrar o equilíbrio entre a harmonia do grupo e a liberdade individual, pois pode haver exageros dos dois lados. Liberdade individual demais tende a corromper o tecido social, já que se pode perder o senso de coletividade. Por outro lado, a priorização da harmonia do grupo tende a criar um ambiente de muita pressão sobre os indivíduos, bem como facilita o sentimento de aversão ao diferente, o que impossibilita mudanças que seriam benéficas para o próprio grupo e até mesmo necessárias para a sua continuidade diante das mudanças circunstanciais.

Há um provérbio japonês que diz:

Ao entrar numa vila, obedeça às regras da vila”.

À primeira vista esse provérbio pode soar correto, mas pode ser muito problemático.

Como assim?

O provérbio, ao colocar toda a responsabilidade de adaptação nos visitantes, no fundo desconsidera a importância de uma abordagem mais equilibrada e colaborativa na interação entre diferentes culturas. Não estamos falando de um grupo pequeno (vila), mas de uma sociedade inteira (nação), que está inserida neste mundo. O Japão não é um planeta à parte do nosso. Em um mundo cada vez mais globalizado, onde as interações interculturais são cada vez mais comuns e INEVITÁVEIS, é crucial promover uma mentalidade de respeito mútuo e compreensão. Isso implica não apenas que os visitantes estejam dispostos a respeitar os costumes locais, mas também que os residentes estejam abertos a compreender as perspectivas dos visitantes e a considerar ajustes razoáveis para acomodar diferenças culturais.

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Aspectos culturais locais NÃO são supremos e imutáveis, pois há uma hierarquia de valores. Acima de aspectos culturais há valores humanos universais e tratados internacionais que precisam ser observados. Por exemplo, os costumes e normas de uma empresa privada NÃO PODEM desrespeitar as leis do país em que está inserida e as leis e costumes deste país NÃO PODEM desrespeitar valores humanos e tratados internacionalmente aceitos. Caso contrário, corre-se o risco de se usar o argumento do “respeito à cultura local” para justificar ou encobrir atos de racismo, xenofobia, assassinatos daqueles que são diferentes, etc. Neste sentido, a cultura do Japão tende a fazer com que os japoneses, embora aparentemente respeitosos e receptivos com os estrangeiros, não façam absolutamente nenhum esforço para entendê-los ou aceitá-los.

Aqui, no entanto, vale aquela famosa frase comumente atribuída a Santo Agostinho:

“No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; em tudo, amor

Um individualista extremo quer liberdade em tudo e acaba ignorando a importância da UNIDADE naquilo que é essencial para a harmonia da sociedade. O coletivista extremo quer unidade em tudo e acaba ignorando o fato de que há coisas não essenciais (secundárias) em que pode (e deve) haver LIBERDADE. Porém, ambos se igualam, pois ignoram o AMOR ao outro, o que gera INDIFERENÇA. Sendo assim, unidade, liberdade e amor ao próximo precisam coexistir para que haja tanto o bem-estar coletivo quanto o bem-estar individual.

Facilmente se percebe que o Japão é um exemplo de apego e romantização excessivos das velhas fórmulas do passado. Se a cultura japonesa tem sua identidade própria e é admirada por muitos, sem dúvida muito se deve a essas velhas fórmulas e à forma tradicional de pensar. Contudo, é necessário ter em mente que as circunstâncias da vida humana mudam constantemente e nem sempre essas velhas fórmulas produzem no presente os bons resultados que já produziram no passado. Muitas vezes até causam estagnação, isolamento e perda de boas oportunidades.

Existe uma tendência de se usar a cultura como justificativa para qualquer aspecto presente na vida de um povo. Contudo, esse tipo de argumento é falso, pois a cultura pode explicar a origem de certas características de um povo, mas não deve ser usada para justificar qualquer coisa. É inegável que existem aspectos culturais que são danosos para a população, ainda que possam ter trazido algum benefício no passado. Um resultado bom nem sempre nasce de uma ação boa. Por exemplo, se em tempos passados problemas emocionais eram ignorados ou mesmo ridicularizados, atualmente não são mais e a conservação de uma identidade e cultura não podem ser mais importantes do que a saúde física e emocional dos cidadãos. Também, de forma geral, em tempos passados, os métodos utilizados nas diferentes sociedades para alcançar a harmonia social eram bem questionáveis ou mesmo cruéis: tortura, ridicularização, execuções por qualquer coisa, etc.

Quando se trata de seres humanos é importante sempre haver espaço para QUESTIONAMENTOS, afinal não estamos falando de máquinas e robôs, que, uma vez programados para fazer uma tarefa, vão ser sempre constantes. O ser humano, porém, é LIVRE, isto é, ele pode escolher ser constante como as máquinas e robôs, mas pode também escolher agir completamente diferente daquilo que ele sempre agiu até o presente, seja para o bem ou para o mal.

Convenhamos que nem sempre quem chega ao topo de um grupo é aquele que tem maior mérito por seu conhecimento ou qualidade nas decisões. Se assim fosse, não haveria políticos, médicos, professores, etc. corruptos ou que erram. Não haveria empresas falindo por más decisões de seus gestores (pessoas no topo!). Além disso, vivenciar muitas experiências não significa ter mais conhecimento e melhores decisões. Afinal, somos livres para escolher não aprender nada com essas experiências vividas.

Em determinado ponto da História humana a carruagem foi um grande avanço, mas já imaginou o que aconteceria se em algum ponto posterior alguém não questionasse a eficiência da carruagem?

Não teríamos os automóveis!

Ainda bem que alguém fez questionamentos sobre a carruagem!

Sendo assim, as coisas precisam ser analisadas no contexto que estão inseridas! A carruagem foi um grande avanço para o seu contexto, mas para o contexto atual, seria um verdadeiro atraso continuar usando-a como meio de transporte principal. O mesmo vale para qualquer aspecto cultural!

Sem questionamentos, não há avanços! Sempre haverá espaço para outras alternativas melhores e adotá-las não é sinônimo de ameaça para a coletividade. Em todas as áreas do conhecimento humano é necessário ter uma abertura para o novo e reflexões constantes sobre o que vale a pena conservar, o que deve ser atualizado e o que deve ser deixado de lado. Afinal, o tempo caminha apenas para frente e as mudanças são inevitáveis!

O não questionar, a busca por uma unidade de pensamento, o uso constante da intimidação e constrangimento do diferente, o apego a fórmulas ultrapassadas e a confiança e obediência cegas a quem está no topo de uma hierarquia são bons ingredientes para se fazer MANIPULAÇÃO. Com isso, quem garante que não estamos sendo escravos dentro de uma caverna achando que está tudo bem?

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Em um interessante artigo da BBC News de janeiro de 2023 intitulado “Japan was the future but it's stuck in the past” (O Japão Era o Futuro, Mas Está Preso No Passado) o autor afirma:

“Será que o Japão se tornará gradualmente irrelevante, ou se reinventará? Minha cabeça me diz que para prosperar de novo o Japão precisa abraçar a mudança. Mas meu coração dói só de pensar ele perdendo as coisas que o tornam tão especial”.

Além da estagnação econômica, muito tem se falado nos últimos anos sobre o declínio constante da taxa de natalidade no Japão. Com isso, alguns apontam (inclusive esse trecho da reportagem da BBC) que os japoneses estariam diante de um grande dilema: abrir as portas para os estrangeiros, abraçar as mudanças ou preservar a cultura?

Por mais estranho que possa parecer, esse dilema NÃO EXISTE. Ou seja, abraçar as mudanças e/ou a entrada de estrangeiros em qualquer país não significa a extinção ou prejuízo da cultura local vigente. O que provavelmente existirá a partir disso é a diversidade cultural. Aliás, o Brasil é um belo exemplo de como a entrada de estrangeiros, a  inovação e o encontro de culturas são benéficos!

Cremos que a maior dificuldade dos japoneses – principalmente dos mais velhos – é aceitar a ideia da diversidade cultural (e mesmo étnica), uma coisa que parece inevitável e também necessária para o futuro do Japão. Povos migram. Sempre migraram e migrarão (e se misturam!). Acreditar que pessoas vão espontaneamente permanecer em seus países ou não vão se misturar com outros povos por uma questão meramente patriótica quando elas não têm a qualidade de vida que almejam, é negar a realidade. Ainda mais nos tempos atuais.

Claro que não bastaria abrir as portas para os estrangeiros. O Japão precisaria ser CHAMATIVO, isto é, oferecer de bons salários, segurança social e qualidade de vida em comparação a outros países em um mesmo período histórico.

Será que no futuro os japoneses aceitarão a ideia da diversidade cultural?

Cremos que sim. Os mais jovens já não vivem no mesmo contexto de isolamento cultural que os mais velhos viveram, o que poderia explicar (mas não justifica!) esse pensamento tradicional fechado, de superioridade e impositivo que de certa forma ainda existe no Japão. Além disso, não é a abertura à diversidade que pode causar a instabilidade social. É a falta de respeito ao diferente. Justamente a falta de abertura à diversidade! E isso se aplica ao futebol, à política, à religião, etc.

O contato cada vez maior dos japoneses com o mundo exterior, principalmente por causa da internet, pouco a pouco tem feito os japoneses questionarem seus próprios métodos e valores. Por exemplo, no mundo há países tão harmoniosos quanto o Japão socialmente falando onde não é preciso que fiquem martelando o prego que se destaca por causa de aspectos irrelevantes. Aliás, é humana e geneticamente IMPOSSÍVEL, mesmo em um mesmo ambiente, que pessoas recebam exatamente os mesmos estímulos e respondam a eles exatamente da mesma forma. Sendo assim, pode-se dizer que a uniformidade social desejada pelo Japão sempre foi algo UTÓPICO, pois as pessoas são naturalmente diferentes umas das outras. O que acontecia é que antigamente se ignorava as consequências desse ideal de sociedade para o indivíduo (perda de identidade, insegurança, falta de esperança, medo, etc.).

A economia é dinâmica e muitas vezes força a mudança de posturas até então adotadas. Nesse sentido, cremos que inevitavelmente o Japão terá que repensar suas políticas internas e externas. Com o contato com o exterior aumentando cada vez mais, é natural que principalmente os jovens dos grandes centros urbanos, enxerguem a importância da abertura a mudanças e de repensar certas coisas que, apesar de terem tido importância no passado, já não fazem mais sentido. Aliás, é por isso que o título desse tópico é “O Pensamento Japonês Tradicional”, o que quer dizer que possivelmente esse modo de pensar já não é tão unânime assim nos tempos atuais, a depender da região do Japão. Não cremos que os japoneses prefiram que o Japão desapareça a abraçar as mudanças para acompanhar as tendências do mundo moderno.

XVI. INGLÊS, A LÍNGUA UNIVERSAL?

No tópico “Preciso Morar no Japão Para Aprender Japonês?”, mencionamos que, a nosso ver, é muito difícil, mesmo estando no Japão, a pessoa se sentir em uma situação de REAL necessidade de sobrevivência. Necessidade essa que poderia fazer com que ela aprenda japonês mais rapidamente. Citamos três pontos que podem fazer com que uma pessoa não sinta essa REAL necessidade de se comunicar em japonês:

(1) Há muitas comunidades de brasileiros nas quais a pessoa pode “se refugiar”;

(2) Existirem tradutores eletrônicos cada vez mais avançados;

(3) O inglês é considerado uma língua universal, sendo ela mais fácil para a maioria das pessoas.

Gostaríamos de discorrer sobre o terceiro item, uma vez que você pode se deparar até com certa frequência com afirmações do tipo:

“Não é necessário aprender japonês! O inglês é suficiente para se comunicar em qualquer parte do mundo!”

Quem faz esse tipo de afirmação geralmente parte do princípio de que o mundo está cada vez mais globalizado e que ultrapassar as fronteiras se torna quase que uma obrigação para todos. Por isso, é necessário que haja uma língua universal, o inglês, para que as pessoas possam se entender. Contudo, essa questão não é tão simples assim.

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Ainda que relações saudáveis entre países sejam necessárias, a intensidade dessas relações varia de país para país. Há países que dependem mais dos outros e há países que dependem menos,  já sendo autossuficientes em alguns aspectos. Também, a qualidade (e a perspectiva) de vida que cada país proporciona aos seus cidadãos é diferente. Do mesmo modo, a visão de qualidade de vida que cada cidadão possui, bem como  suas perspectivas para o futuro variam. E, ainda que possamos dizer que no cinema, nas redes sociais, no mundo dos negócios e da tecnologia o inglês seja a língua mais importante e mais usada, tais aspectos são apenas recortes do nosso mundo, que não representam o mundo todo.

Percebe-se que nem todo mundo, sejam pessoas individualmente, sejam grupos, sejam nações, tem a mesma percepção a respeito da língua inglesa. Então, NÃO É FATO que todas as pessoas no mundo sejam capazes de pelo menos “quebrar o galho” no inglês, afinal há pessoas que julgam, por causa de diversos fatores, não precisar do inglês para ter (uma melhor) qualidade de vida. Por isso, saber inglês não garante que você poderá se comunicar com qualquer pessoa, pois o outro precisa obviamente saber se comunicar em inglês também. Inglês que para o outro pode ser desnecessário.

Aliás, existe o “Índice de Proficiência em Inglês da EF” (EF English Proficiency Index), que visa classificar os países pelo nível médio de habilidade no domínio da língua inglesa entre as pessoas que fazem o teste da EF. Em 2019, o Japão ocupava a 57º posição e em 2021, a 78º, sendo colocado no grupo de “baixa proficiência” (semelhante ao Brasil, que ficou na 60º posição).

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Costuma-se apontar a questão cultural como uma das possíveis causas para esse baixo desempenho japonês. Nós já abordamos no tópico “O Pensamento Japonês Tradicional” como via de regra o povo japonês enxerga o mundo e tal visão de mundo dos japoneses, aliada à qualidade de vida que o Japão proporciona aos seus cidadãos, faz com que os japoneses geralmente não tenham interesse em aprender inglês (ou qualquer outra língua) e até mesmo não tenham interesse pela cultura estrangeira. Até por questão de sobrevivência, o ser humano tende a ficar no seu ambiente de origem a menos que surja uma necessidade que o ambiente original não possa suprir. Ou também se surgir uma oportunidade muito grande fora dele.

Aliás, cremos que tal fato reforça a ideia de que morar no Japão não é fator determinante para se aprender japonês. Ora, há povos que são mais receptivos e povos que são menos receptivos a diferentes povos e culturas. Como vimos, os japoneses têm uma forte tendência de evitar as incertezas e o diferente por receio de conflitos e abalos na harmonia social. Tudo isso impactará na construção de relações estáveis, afinal somos estrangeiros, diferentes dos japoneses. Por isso, recomendamos que você procure interagir com japoneses que estejam aprendendo português ou que já tenham alguma abertura para outras culturas. Ter uma relação estável com um nativo é importantíssimo, porque dificilmente vamos ser corrigidos ou receber dicas de desconhecidos na rua. Nesta circunstância o que importa é entender e ser entendido.

Veja a seguir uma interessante resposta/reflexão de uma americana em um tópico do Quora:

“Se sua experiência diz que tudo está em inglês, tenho uma notícia interessante para você. Você está errado. Fique comigo aqui.

Há lugares onde você não esteve, coisas que você não viu, pessoas com quem você não falou, alimentos que você não comeu, e muito mais no mundo que você poderia potencialmente aprender. Mas o inglês não vai levá-lo até lá. Na verdade, parece que o inglês nem sequer o levou ao ponto de saber o quanto você não sabe.

Há um universo paralelo no qual eu não aprendi japonês, tenho certeza, e naquele universo, acho que nunca conheci meu marido. Eu nunca tive meu filho. Eu nunca ri com meu amigo enquanto trabalhávamos juntos nas legendas de um filme independente muito legal. À vida naquele universo, eu digo: "Não, obrigada".

No mínimo, a perspectiva que você pode ganhar ao tentar outra língua é valiosa. Se você falhar ou tiver sucesso, você terá dado a si mesmo uma oportunidade de expandir seus conhecimentos culturais. Não entendo por que alguém com uma mente razoavelmente aberta pensa que isso é uma perda de tempo”.

Cremos que a melhor maneira de se comunicar com um nativo de um país seja falando a mesma língua que ele fala, pois não há nativo de um país que não se sinta confortável em se comunicar em sua própria língua. Por isso, se você souber japonês, poderá se comunicar bem com qualquer japonês. Por outro lado, não é todo japonês que sabe se comunicar em inglês e, mesmo que saiba, poderá não se sentir confortável por conta do receio de cometer equívocos e mal entendidos, dada a questão cultural. Com isso, as conversas não fluirão. Aliás, por causa dessa mesma questão cultural, evite usar tradutores eletrônicos, pois eles apenas tentarão traduzir para o japonês aquilo que foi dito em português. Por essa razão, é muito provável que você acabe soando muito direto (e consequentemente rude) do ponto de vista japonês. 

XVII. A ESCASSEZ DE MATERIAIS DIDÁTICOS

Certamente em algum momento dos seus estudos você se frustrou (ou ainda se frustrará) por causa da escassez de materiais didáticos disponíveis no Brasil em língua portuguesa referentes à língua japonesa. Isso é um problema, pois sem muitas opções não há como fazer um contraponto, algo muito importante para reflexões e para o processo de aprendizado. Dificilmente aprendemos algo lendo apenas um livro. É consumindo vários materiais sobre o mesmo assunto que aos poucos vamos desenvolvendo familiaridade, o conhecimento e preenchendo lacunas.

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Mas qual o motivo dessa escassez?

Há diversos fatores que influenciam a publicação de livros, mas cremos que todos eles no fim das contas acabam conduzindo à máxima:

“A PROCURA GERA A OFERTA”

Em outras palavras, se algo é rentável, naturalmente muitas pessoas tenderão a querer obter algum benefício com isso. E o contrário também é verdadeiro: se algo não é rentável, não há motivos para investir tempo e dinheiro nisso, afinal a possibilidade de não retorno é muito grande e a vida não possui CHECKPOINTS como em um jogo, através do qual podemos “voltar ao passado” e refazer algo que deu errado lá na frente, dentro das mesmas condições da jogada anterior.

A depender das oportunidades que podem surgir (ou não) aprendendo um novo idioma, povos dão um peso distinto aos idiomas estrangeiros. Por exemplo, se perguntássemos a brasileiros “qual língua estrangeira é importante aprender?”, certamente a esmagadora maioria diria “INGLÊS”, afinal muitos brasileiros enxergam os Estados Unidos como nação-modelo e o lugar ideal para melhorar de vida. Ser fluente no inglês costuma também estar relacionado a melhores oportunidades de emprego e salários mais altos. E repare na consequência natural disso: novos livros didáticos de inglês e/ou constantes atualizações de métodos já existentes.

Mesmo entre os descendentes de japoneses o interesse pela língua e cultura japonesa tem diminuído com o passar das gerações e, muitos dos que passam a morar e trabalhar no Japão não veem necessidade de aprender japonês, pois é possível se fechar em bolhas, em comunidades de brasileiros existentes em solo japonês. Pessoas podem viver 10, 20, etc. anos no Japão, mas, fechadas nessas bolhas, acabam não aprendendo o idioma.

Um fato que atesta a diminuição do interesse pela língua japonesa dos próprios descendentes é o encerramento em 2018 depois de 72 anos de atividade do jornal “São Paulo Shimbun”, publicado em língua japonesa na capital paulista. Segundo a empresa na época, 90% dos seus leitores era composta pela primeira e segunda geração de imigrantes, pessoas com mais de 80 anos. Helena Mizumoto, proprietária do jornal afirmou: “Eu acho que a gente está tão adaptado ao Brasil, a gente é tão brasileiro que não há mais necessidade de um jornal japonês”.

Nelson, o criador do blog Ganbarou Ze! afirma: “Ainda há pessoas que dizem para eu encerrar o projeto dado o número restrito de pessoas interessadas em aprender japonês. E o que deixaria a situação ainda mais desanimadora é que possivelmente a maioria das pessoas dentro desse universo já restrito seja motivada por passatempos, como animês e mangás”, algo facilmente substituível, mutável ao longo da vida de uma pessoa.” E Nelson continua: “Eu tenho consciência disso, mas o que me motiva a continuar o projeto é o simples fato de compartilhar conhecimento. É uma motivação interna. Se minha motivação fosse externa, como ganhos financeiros constantes ou popularidade, não compensaria mesmo. Eu teria que começar a prometer milagres ou procurar outro público”.

A Japan Foundation elaborou em 2018 um ranking de países com maior número de aprendizes da língua japonesa. Seguem os 10 primeiros:

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Outro ponto a se considerar nessa questão é que em termos comerciais, não basta que pessoas gostem de algo. Isso não paga as contas de uma empresa. O que empresas buscam são consumidores sustentáveis, isto é, pessoas que se interessam pelo produto, mas também comprem e comprem constantemente. No caso de livros didáticos, um consumidor sustentável é aquele que realmente está comprometido com o aprendizado, está disposto a consumir diversos livros sobre o mesmo assunto e está disposto a fazer isso por um longo período, pois a aprendizado de línguas exige um longo tempo de estudos e dedicação constante. Olhando por esse lado, nota-se facilmente que esse não é o caso de alguém motivado estritamente por algum passatempo, algo que pode ser passageiro e cuja motivação geralmente é superficial e não se sustenta por um longo período.

Por isso, podemos dizer que a motivação para tarefas que visam resultados a longo prazo (no caso aqui, o aprendizado de idiomas) é mais sustentável quando é baseada em valores, objetivos e propósitos mais profundos e significativos, em vez de simples passatempos.

No fim das contas, toda ação só se inicia e se sustenta se a pessoa pelo menos enxergar algum benefício decorrente dessa ação, ainda que a ideia do que seja “benefício” possa variar conforme o sistema de crenças de cada um, afinal nosso cérebro quer que sobrevivamos da melhor forma possível.

Considerando tudo isso, por que investir na confecção de materiais didáticos ou na atualização de cursos já existentes? Qual seria o retorno para o autor ou professor? Isso por que não estamos considerando a questão da pirataria.

Editoras podem receber críticas por não disponibilizar determinados produtos, como livros sobre língua japonesa, mesmo tendo recursos financeiros disponíveis, com afirmações do tipo: “A editora X tem dinheiro e poderia disponibilizar livros mesmo com baixa demanda. Não custa nada!” No entanto, é importante lembrar que a oferta de um produto envolve diversos fatores, como custo de produção, logística e demanda de mercado.

Mesmo que uma empresa tenha dinheiro, não significa que possa simplesmente disponibilizar um produto sem avaliar sua viabilidade comercial. Além disso, empresas precisam ser rentáveis para se manterem no mercado e continuarem oferecendo produtos e serviços. Esperar que empresas sejam generosas é ingênuo, pois elas visam e precisam do lucro.

Isso não significa, contudo, que as empresas não possam ser socialmente responsáveis e considerar as necessidades dos clientes. Por exemplo, elas podem optar por oferecer produtos que não são rentáveis no curto prazo, mas que podem gerar benefícios a longo prazo, como a fidelização dos consumidores. A decisão de disponibilizar ou não um produto dependerá do contexto e do perfil dos potenciais compradores.

Essa escassez de materiais didáticos em língua portuguesa favorece o aparecimento de cursos milagrosos, afinal os estudantes, além da possibilidade de alimentarem dentro de si expectativas desajustadas com relação à língua japonesa e ao Japão por conta dos passatempos ou outros fatores estritos que os motivam, acabam não tendo muitas opções de material didático.

XVIII. NÃO EXISTE CURSO MILAGROSO!

Anteriormente, mencionamos a importância de cultivar pensamentos saudáveis, pois o resultado de nosso aprendizado, se positivo ou negativo, dependerá muito do nosso sistema de crenças, da nossa visão de mundo. Sendo assim, na maioria das vezes, o maior inimigo do seu aprendizado se chama “VOCÊ MESMO”! Se cultivamos pensamentos equivocados, estes só podem gerar sentimentos equivocados que só podem gerar ações equivocadas. E é disso que os milagreiros se alimentam.

Os milagreiros procuram fisgar pessoas que cultivam dentro de si pensamentos equivocados, prometendo dar aquilo que nosso cérebro mais gosta: fluência (recompensa alta) em uma língua em 6 meses (pouco tempo = menos esforço), por exemplo. Pensamentos estes frutos de uma visão simplista das coisas ou mesmo da VAIDADE. Aliás, alguns dizem que a melhor estratégia de marketing é aquela que gera nas pessoas medo (ou insegurança) ou vaidade, afinal todos nós queremos nos manter vivos da melhor forma possível e ser bem vistos pelos outros (muitas vezes desejando ser o primeiro e o único a possuir algo dentro do grupo ao qual se pertence). Seja nos sentindo ameaçados de alguma forma, seja movidos pela vaidade, querendo sempre ter aquilo que os outros não têm e ser reconhecido por isso (uma competição constante), tornamo-nos pressas fáceis para esses milagreiros.

Cultivando pensamentos equivocados continuamente, passamos a exigir que as coisas se adaptem a todas as nossas vontades. Uma pessoa com pensamentos equivocados pensa mais ou menos assim:

“Surgiu uma oportunidade! Porém um dos requisitos para agarrar essa oportunidade é ser fluente. Não posso perder tempo! Eu exijo agora mesmo que haja um curso que me deixe fluente em 3 meses!

Ora, a procura gera a oferta. Se passamos a querer o impossível, somente os mentirosos poderão nos satisfazer. Eles falam o que queremos ouvir. Se os milagreiros existem, é por que há pessoas que acreditam que o problema nunca está nelas mesmas, mas tão somente nos outros, no método, no mundo. Pessoas que acham que estão sempre certas e que o mundo deve satisfazer na hora que desejam todas as suas vontades (mesmo essas vontades não condizendo com a realidade). Aliás, repare que o foco da propaganda dos cursos milagrosos é o tempo. Geralmente, eles não afirmam que sem eles você não ficará fluente, mas sim que com eles você ficará fluente muito mais rápido, devido a um método revolucionário, exclusivo e testado cientificamente!

Se você for fisgado, gastará seu dinheiro, não obterá os resultados esperados e, ao questionar o milagreiro, receberá como resposta: “O nosso método é testado e comprovado cientificamente! Se você não obteve resultados satisfatórios, é você que não soube aproveitá-lo!”. Em outras palavras, a culpa é sua!

Guarde bem isso:

“NÃO EXISTE MÉTODO MILAGROSO!”

Não existe método milagroso por quatro razões simples e óbvias, mas que muitos, por causa de uma visão distorcida, pouco realista, por causa da vaidade (ter nas mãos algo que poucos têm) ou mesmo do desespero, não percebem:

➩ Os PRINCÍPIOS que nosso cérebro usa para aprender (ou não) SERÃO SEMPRE OS MESMOS;

➩ A APLICAÇÃO desses princípios da aprendizagem é uma questão MUITO INDIVIDUAL;

A TEORIA que precisamos saber acerca da língua japonesa SERÁ ESSENCIALMENTE SEMPRE A MESMA;

➩ Um curso é apenas o INÍCIO DA JORNADA para a fluência e NÃO o ponto de chegada.

Somos todos seres humanos, certo? Ou alguém acha que veio de outro planeta? Se não, então, nossos cérebros são todos iguais. Mesmo que haja estudos que apontam que algumas pessoas podem ter, por questões genéticas, uma maior capacidade de absorver a informação, planejar e dar uma resposta ao meio,  isso seria apenas uma PREDISPOSIÇÃO, difícil de se determinar e quantificar na prática. Portanto, mesmo que a pessoa tenha essa predisposição genética, ainda assim é totalmente dependente de estímulos para ela se concretizar. Essa predisposição apenas significa que a pessoa necessita de menos exposição aos estímulos e não que ela não precisa de estímulos. Logo, os PRINCÍPIOS que nosso cérebro usa para aprender (ou não) SERÃO SEMPRE OS MESMOS. Ao mesmo tempo, não existe UM método de aplicação desses princípios que servirá para todos, pois cada pessoa é única. Embora sejamos todos seres humanos, biologicamente iguais, somos diferentes no sentido de que cada ser humano tem experiências de vida diferentes. O que serve para um pode não servir para outro. Aliás, um problema é quando começamos a buscar constantemente validação alheia para as nossas técnicas de estudo, sendo que nesse quesito o melhor avaliador é VOCÊ mesmo. Claro que é sempre bom receber sugestões, mas se suas próprias técnicas de estudo já estão gerando bons frutos, não há por que pensar que você deveria fazer algo melhor. Por exemplo, os cursos milagrosos geralmente têm um módulo inteiro sobre como usar o Anki (princípio da repetição), mas haverá quem prefira fazer as repetições através de métodos manuais.

Também, gramática japonesa é gramática japonesa, assim como teoria musical é teoria musical e assim por diante. Por isso, A TEORIA que precisamos saber acerca da língua japonesa SERÁ ESSENCIALMENTE SEMPRE A MESMA. Por fim, espera-se que um curso ensine a ler e a escrever, além de apresentar vocabulário suficiente, a gramática e os princípios da aprendizagem para que você possa caminhar e se desenvolver sozinho (a parte mais importante). Isso tudo é apenas o INÍCIO DA JORNADA para a fluência e NÃO o ponto de chegada. Perceba como não há nenhum segredo revolucionário nisso. Perceba como grande parte disso é apenas teoria. Por isso, nenhum curso o tornará fluente em uma língua, pois ainda que seja oferecido dentro dele um treinamento de compreensão auditiva e prática de conversação, não há como saber em quanto tempo cada um levará para dominar tais habilidades. Por esta razão, esses treinamentos e práticas serão sempre insuficientes (ou muito caros). Além disso, esse treinamento de compreensão auditiva e prática de conversação simularia o que é praticado na vida real? Seria uma exposição verdadeira?

No fundo TODOS os supostos métodos revolucionários, secretos, milagrosos não passam de abordagem e aplicação (muitas vezes bem mal feitas) desses princípios da aprendizagem. Princípios esses que, pelo menos, atualmente não são segredo para ninguém. Nós abordamos esses princípios nessa seção e há muitos especialistas na área que os ensinam de graça na internet ou através de livros que custam bem menos do que essas fortunas que os milagreiros cobram por seus “cursos”. Veja quais os principais assuntos e técnicas abordados geralmente bem superficialmente nesses cursos milagrosos:

➩ Técnica Pomodoro (importância dos intervalos);

➩ Repetição Espaçada (com o Anki);

➩ (Tentativa de) internalização da gramática e ganho de vocabulário por meio da exposição a diferentes padrões de sentenças (com o auxílio do Anki e textos com áudio);

➩ Neurociência;

➩ Programação Neurolinguística (PNL): por causa do termo, muitos são levados a pensar que a PNL se trata de usar a linguagem para reprogramar o cérebro. Entretanto, trata-se de um conjunto de técnicas que visa identificar padrões de comportamento que a pessoa tem diante de diferentes contextos e modificar esses comportamentos. Como se fosse uma engenharia reversa. É considerada por muitos uma pseudociência, pois é acusada de desconsiderar causas objetivas, ainda que tenha algumas coisas verdadeiras. Por exemplo, alguns alegam que a PNL pode ser usada para tratar uma série de doenças, como miopia, sem que haja comprovação científica para tal afirmação. A miopia tem uma causa física; não tem a ver com comportamento.

➩ Regra 80/20 (ou Princípio de Pareto): longe de ser uma regra universal, ou seja, aplicável a todos os casos, afirma que 80% dos resultados são derivados de 20% das causas ou, de forma mais genérica, que a menor parte dos recursos é responsável pela maior parte dos resultados.

Não há nada de secreto, milagroso, revolucionário aqui. Aliás, perceba que os milagreiros não disponibilizam abertamente o conteúdo programático detalhado do curso. E não disponibilizam, não por que o método seja secreto, revolucionário, mas sim por que se disponibilizassem, todo mundo perceberia que o investimento não valeria a pena. O conteúdo que eles vendem por mais de R$ 1.000 se pode obter de graça na internet ou por meio das muitas opções de livros de autores renomados que custam bem menos. A tática dos milagreiros, então, é tentar convencer geralmente colocando um sentimento de culpa e/ou inferioridade na pessoa se ela não comprar o curso.

Outra tática dos milagreiros é induzir a pessoa ao erro, fazendo-a acreditar que conhecimento teórico é a mesma coisa que fluência. Por exemplo, é possível aprender a gramática em 3 meses e é possível decorar as 3.000 palavras mais comuns em 3 meses (cerca de 34 palavras por dia). Contudo, isso não é fluência, pois a pessoa ainda precisaria ser capaz de se comunicar “no mundo real” usando esse conhecimento teórico. Precisaria ser capaz de entender os nativos e de falar com eles de forma natural. Ora, para desenvolver tais habilidades é necessário um tempo longo e indeterminado de exposição verdadeira, com erros, acertos e correções na maneira de se comunicar.

Desconfie de qualquer figura que brote na internet vendendo “cursos” caros sem disponibilizar abertamente o conteúdo programático detalhado do curso, bem como seu histórico referente à capacitação. Comparamos essa situação a comprar um carro novo: você compraria um carro recém lançado no mercado e que você não conhece só pelo fato de um vendedor também desconhecido afirmar que ele é o melhor carro já criado? Com certeza não. Antes, você mesmo iria verificar todas as funcionalidades do carro, faria um test-drive e só depois analisaria se tudo o que você experimentou do carro novo se encaixa naquilo que você espera de um carro, não é mesmo?

Claro que pode haver método ruim. Método ruim é simplesmente aquele que ignora os princípios que o nosso cérebro usa para aprender. De fato, o método tradicional (talvez) ainda usado nas escolas de idiomas (aquele restrito aos livros de gramática e que desconsidera a importância da exposição e práticas constantes levando em conta os aspectos do uso prático de uma língua) é muito ruim, é péssimo. Aliás, os milagreiros costumam comparar seu “método milagroso” ao método tradicional (muito ruim) das escolas de idiomas, afirmando ser o seu “curso” muito mais vantajoso.

O que você escolheria entre estas duas opções? De um lado temos o método tradicional (talvez ainda) aplicado nas escolas de idiomas, algo muito ruim, e de outro temos os “cursos milagrosos”, nos quais se ensina e se aplica muito mal os princípios da aprendizagem custando uma fortuna, sendo que é muito fácil conhecer esses princípios atualmente. Então, apenas esteja ciente desses princípios que governam a aprendizagem que abordamos aqui. A aplicação prática (e o sucesso dessa aplicação) dependerá única e exclusivamente do seu empenho.

Claro que há pessoas que não se sentem confortáveis com o autodidatismo desde o início e preferem ter alguém que as guiem durante o processo inicial de aprendizado. Não há nenhum problema nisso. Portanto, se quiser fazer um curso (online ou presencial), recomendamos que verifique antes de fazer qualquer pagamento:

o conteúdo programático detalhado do curso: ele é uma garantia. Através dele é possível verificar se o curso realmente aborda os tópicos necessários para a aprendizagem de um determinado assunto. Compare com outros. Também, estaremos protegidos caso o professor não cumpra esse conteúdo;

a índole da instituição de ensino: esse ponto é importante principalmente se você precisa de uma certificação para atender a alguma exigência burocrática;

➩ o histórico do professor: ter um conteúdo programático satisfatório e estar numa instituição de ensino de boa índole ainda não são suficientes, pois entre um bom conteúdo programático, uma boa instituição e os alunos existe uma ponte: o professor. Provavelmente, você já ouviu muitos relatos de pessoas que não gostaram ou desistiram de algum curso aparentemente perfeito por causa do professor, seja por que ele não tinha capacitação suficiente para passar o conteúdo do curso, seja por que ele não tinha uma boa didática, seja por que ele ficava enrolando os alunos com assuntos aleatórios;

➩ A opinião de quem já fez o curso: embora esse item seja importante, pode ser também muito perigoso (especialmente os relatos na internet). Ora, não há como saber com certeza se o relato é verdadeiro (pode ser alguém “contratado” para falar bem do curso, fazendo apenas um teatro). Também, não é possível saber o grau de conhecimento que a pessoa tinha antes de fazer o curso (se ela não sabia nada ou muito pouco, qualquer coisa acima disso é válido, é proveitoso). Outro fator a se levar em conta em relatos é a tendência de “acobertar o erro”. Em outras palavras, ainda que a pessoa tenha consciência que o curso seja ruim, que não atendeu as suas expectativas, pode querer dizer que para ela foi bom, pois, do contrário, teria que assumir o erro e enfrentar o possível julgamento alheio. Ora, todos nós queremos ser bem vistos, não é mesmo? Por essas razões, recomendamos que esse item seja o menos levado em consideração, a menos os outros três itens sejam bem atendidos.

***

Os milagreiros prometem aquilo que eles mesmos não puderam ter. Prometem, por exemplo, fluência em 3 meses, mas fica a questão: eles mesmos ficaram fluentes em 3 meses?  Por fim, deixamos um meme retirado da página do Facebook do Inglês na Ponta da Língua (troque “inglês” por “japonês”):

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Nós nascemos, crescemos e morremos sem dominar de maneira perfeita o português, nossa língua nativa. E estranhamente há quem acredita que pode dominar perfeitamente uma língua estrangeira em 6 meses!

XIX. OS CRIADORES DE PROBLEMA

Tão perigosos quanto os milagreiros, são os “criadores de problema”. São aqueles que fazem malabarismos com palavras (geralmente criando um sentimento de culpa ou inferioridade) para fazer você acreditar que determinada situação é um problema MUITO grande (quando não é) e que somente eles têm a solução para resolvê-lo (geralmente custando um valor bem alto).

Assista ao episódio “Um Tesouro Difícil” do desenho Pica Pau. Nele Pica Pau acaba de herdar uma fortuna, mas por querer ainda mais cai no golpe do mapa do tesouro aplicado por Zeca Urubu. Durante a procura pelo tesouro, Zeca Urubu CRIA uma série de problemas para Pica Pau e oferece soluções que custam dinheiro. Depois de gastar todo seu dinheiro comprando soluções para cada problema com que se deparava, Pica Pau descobre que nunca houve tesouro algum. Tudo aquilo não tinha passado de uma situação armada pelo urubu vigarista para tirar dinheiro do Pica Pau.

Uma frase dita no episódio resume toda a situação vivida por Pica Pau: “Uma pessoa obcecada por dinheiro é presa fácil para os vigaristas”. Troque “dinheiro” por qualquer coisa que você deseja muito e não se deixe cair nas armadilhas dos “Zecas Urubus” da vida real!

Tenha paciência e disciplina nos seus estudos. Não existem soluções milagrosas ou soluções para problemas inexistentes. Tais problemas simplesmente não existem! “Se o Pica Pau tivesse comunicado a polícia, isto nunca teria acontecido” aqui seria:

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Uma das manobras utilizadas com certa frequência pelos criadores de problema para destacar um suposto diferencial de seu curso é afirmar que muitas das estruturas que aprendemos nos livros didáticos, apesar de corretas gramaticalmente, não refletem a maneira como um nativo se expressaria, induzindo o estudante a acreditar que somente o curso deles vai resolver definitivamente esse “problema”.

Contudo, o fato de não soar como um nativo no início do aprendizado não se trata de um “problema” que um curso resolverá de forma definitiva; trata-se de uma ETAPA NORMAL. É claro que o estudante precisará fazer ajustes na sua maneira de usar a língua, mas eles serão feitos gradativamente conforme o estudante for se expondo verdadeiramente ao idioma e percebendo como os nativos usam a língua no mundo real. Além disso, nesse estágio, mesmo que as construções do estudante ainda não soem tão naturais aos ouvidos de um nativo, o que importa mesmo é que haja entendimento mútuo.

Aliás, afirmar que o estudante pode não soar natural ao se expressar fazendo-o encarar isso como um problema é fechar os olhos para a realidade, pois nós mesmos passamos por isso em nossa língua nativa! Ora, diferentes regiões de um mesmo país ou diferentes áreas do conhecimento possuem algumas maneiras próprias de expressar as coisas, as quais, se não estamos familiarizados, corremos o risco de não soar naturais ou mesmo cometer equívocos! Quando vamos viajar, por exemplo, para outra região do Brasil precisamos fazer um curso antes para adaptar o nosso português ao português falado na região de destino? Claro que não! Apenas deixamos que o contexto nos ensine as possíveis diferenças!

Então, muito melhor do que acreditar que um curso vai resolver definitivamente esse “problema” (que na verdade se trata apenas de ajuste) é se cercar de nativos e consumir constantemente materiais feitos para nativos (exposição verdadeira)! Seja numa língua estrangeira, seja em nossa língua nativa, nós aprenderemos sempre!

No fim das contas, milagreiros e criadores de problemas têm algo em comum: são manipuladores, que procuram causar medo (ou insegurança) nas pessoas, muitas vezes mexendo com a vaidade delas. Mexem com a vaidade das pessoas falando o que elas querem ouvir (mesmo que seja algo concretamente impossível) e/ou invalidando o indivíduo e suas ações, mas exaltando-o, SE (e somente SE) ele fizer exatamente o que o manipulador está dizendo (comprar o curso dele, como se fosse o único capaz de atender os desejos das pessoas).

Além de anunciar um grande benefício e/ou um grande prejuízo infundados, usar da invalidação ou da exaltação (caso obedecido) e transmitir um ar de exclusividade, um manipulador procura criar uma relação de dependência. Comparando com a relação pais e filhos, bons pais desejam a independência do filho. Eles preparam o filho para que ele seja capaz de, sem os pais, encarar os desafios da vida. Assim também é o bom professor: é alguém que busca preparar seu aluno querendo a independência dele; um bom professor fica extremamente feliz ao ver que seu aluno se desenvolveu a tal ponto que já é capaz de seguir sozinho; já não precisa do professor. Em contrapartida, o manipulador faz de tudo para que a pessoa pense que ela precisa dele (e só dele).

Dizem que todo produto nasce para resolver um problema, facilitar as coisas ou simplesmente entreter. Dizem que a propaganda é a alma do negócio. Porém, tudo na vida deve passar pelo filtro do bom senso.

XX. A LÍNGUA DO OUTRO É SEMPRE MAIS DIFÍCIL

O título deste tópico é baseado no famoso ditado “a grama do vizinho é sempre mais verde”, o que quer dizer que a vida dos outros parece estar sempre melhor do que a nossa. Note que destacamos o verbo “parecer”, porque “parecer” não é o mesmo que “ser”!

Ao longo dos tópicos anteriores abordamos diversas situações aparentemente difíceis que, se analisadas com calma e sinceridade, nós também enfrentamos em nossa língua materna, mas nem percebemos (ou nem nos importamos)! Então, da mesma forma que a vida dos outros parece estar sempre melhor do que a nossa, a língua dos outros parece ser sempre mais difícil que a nossa.

Como mencionamos anteriormente, comunicação e sobrevivência estão intimamente ligadas, portanto, não existe idioma criado para ser incompreensível. Não existe idioma criado para ser extremamente difícil. É tudo questão de perspectiva! É tudo questão de familiaridade! Pergunte a um falante nativo de inglês que está estudando português como ele classificaria a língua portuguesa no quesito dificuldade. Muito provavelmente ele dirá que o português é uma língua extremamente difícil.

É compreensível… se ele estiver aprendendo português somente pelos livros, terá essa sensação, pois a gramática da língua portuguesa é realmente cheia de “regras”, mas… nem mesmo nós falantes nativos de português conhecemos direito as regras da gramática portuguesa! Aliás, conhecemos muito pouco! Mas somos fluentes no português! Mas nos entendemos muito bem! Não ficamos colocando um peso enorme em nossas consciências achando que somos péssimos falantes de português!

Não é à toa que ao aprender o “português dos livros” na escola parece que estamos aprendendo uma língua estrangeira (rs!) dado o abismo que há entre o “português correto” e o português que nós praticamos na vida real. E esse mesmo abismo, sendo maior ou menor, existe em todas as línguas!

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Nós não somos usuários perfeitos da língua portuguesa, mas estranhamente queremos ser usuários perfeitos do inglês, japonês, coreano, etc. Nós ficamos o tempo todo nos culpando por não saber direito algo complexo de uma língua estrangeira, mas não ficamos nos culpando por não saber coisas simples da língua portuguesa. Vejamos alguns exemplos:

➩ nós conjugamos verbos de maneira errada;

➩ nós cometemos erros de regência verbal e nominal;

➩ muitas vezes nossas falas e textos são incoerentes;

➩ muitas pessoas erram a pronúncia de palavras;

muitas pessoas têm um vocabulário limitado;

➩ muitas vezes somos incapazes de nos expressar com naturalidade ou de acompanhar uma conversa, um texto, etc. por falta de vocabulário;

➩ de vez em quando nos dá um branco com relação a palavras. Quem nunca pensou ou perguntou: “Como se chama mesmo aquele negócio que...?”;

➩ de vez em quando nos dá um branco com relação à grafia de palavras. Quem nunca pensou ou perguntou: “Como se escreve mesmo a palavra...?”;

➩ nós não entendemos tudo imediatamente. Quantas vezes temos que pedir que repitam o que foi dito, escutar novamente um trecho de uma música, reler um trecho de um texto, etc. para realmente entender?

➩ quantas vezes entendemos erroneamente principalmente letras de músicas?

E essa lista poderia ser maior. Apesar de todos os problemas (com os quais nem nos importamos!), nós nos entendemos! Somos usuários competentes da língua portuguesa! Aliás, quando existe uma falha de comunicação em português, normalmente culpamos os fatores externos e não nós mesmos. Por exemplo, se uma pessoa desconhecida começa a falar conosco usando um vocabulário que não dominamos, geralmente rotularemos essa pessoa de arrogante, chata, etc. e não refletiremos se precisamos melhorar nosso vocabulário. Da mesma forma se estivermos lendo um livro mais técnico. Já numa língua estrangeira a coisa se inverte; achamos que sempre somos os culpados por falhas na comunicação.  

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Por que isso acontece? Há quem diga que a ÚNICA diferença que existe entre um falante nativo e um estudante de uma língua estrangeira é que o falante nativo possui o DESTEMOR para se comunicar. E um falante nativo possui destemor porque, mesmo que seu vocabulário seja limitado, mesmo que ele cometa muitos erros e mesmo que não tenha um bom conhecimento teórico de sua própria língua, tem um conhecimento prático suficiente (e validado por suas referências) que o faz ter consciência de ser um usuário competente da língua. É capaz de entender e ser entendido (e viver bem!), ainda que às vezes tenha que haver ajustes na maneira de se expressar para que exista comunicação.

Aliás, uma pesquisa revelou que apenas 8% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são capazes de se expressar e de compreender plenamente.

Não... você não leu errado.

Outro dado nos mostra que apenas 22% dos brasileiros que chegaram à universidade têm plena condição de compreenderem textos em português e de se expressarem por meio da escrita.

Diante disso, é oportuno diferenciar os conceitos de FLUÊNCIA e PROFICIÊNCIA:

FLUÊNCIA: facilidade, clareza com que alguém se expressa;

PROFICIÊNCIA: domínio ou qualificação em certa área de conhecimento ou em dada atividade.

Note que, pelas definições apresentadas, fluência e proficiência são coisas bem distintas e não estão necessariamente relacionadas. Com base nos dados citados, pode-se dizer que, ainda que a maioria dos brasileiros não seja PROFICIENTE no português, tendo pouco repertório e pouco conhecimento técnico da própria língua, TODOS são FLUENTES, pois são capazes de se comunicar (entender e ser entendido). Logo, assim como uma pessoa pode ser fluente sem ser proficiente, uma pessoa proficiente não necessariamente é uma pessoa fluente.

Queremos achar respostas para perguntas como: “Como nativos da língua [X] fazem para aumentar o vocabulário?”. Se analisarmos friamente, esse tipo de pergunta não faz sentido, por que quem a faz também é um nativo de uma língua! Todos os habitantes desse planeta são nativos de alguma língua! Então, a reflexão deveria ser “Como eu faço para aumentar o vocabulário na minha língua materna?” e, chegando à resposta, fazer o mesmo na língua estrangeira. Diríamos que podemos espelhar o modo como aprendemos a nossa língua materna e evoluímos nela no processo de aprendizado de uma língua estrangeira. Observe um exemplo desse espelhamento:

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Considere como aprendemos nossa língua nativa. Nós não nascemos já sendo fluentes no português. Nós nos tornamos fluentes no português só depois de passarmos por um processo. Assim como uma massinha de modelar, nosso cérebro foi gradativamente se moldando de acordo com as informações que constantemente estávamos recebendo. Nós aprendemos nossa língua materna ouvindo os nativos adultos, que já tinham se tornado fluentes no português! Então, passamos a imitá-los! Passamos a (tentar) nos comunicar com esses nativos adultos, cometendo erros e sendo corrigidos por eles! Em resumo, nós nos tornamos fluentes no português, porque tivemos contato constante com nativos da língua portuguesa e o modo de eles usarem a língua portuguesa como referência! Observe a ilustração a seguir:

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Eric Baković, linguista e professor do Departamento de Linguística da Universidade da Califórnia, diz que “você aprende uma língua pegando sons e imitando seus pais”. A nossa tendência a imitar comportamentos aos quais estamos expostos explica também a existência dos sotaques dentro de uma mesma língua.

Por exemplo, no Rio de Janeiro, o “R” é falado como se a pessoa estivesse arranhando a garganta. A explicação vem de 1808, quando a corte portuguesa mudou-se para o Brasil, especificamente na cidade carioca. Os integrantes da realeza imitavam o “R” falado pelos franceses, referência cultural e intelectual europeia naquela época. Em pouco tempo, a elite local também passou a copiar esse jeito de falar. Aliás, não só o “R” francês, como o “S” português: aquele chiado em palavras que levam essa letra vem daí.

Aliás, é oportuno mencionar o conceito de “neurônio-espelho”, descrito inicialmente em macacos por pesquisadores da Universidade de Parma, na Itália, na década de 1990. É um neurônio que dispara tanto quando um animal realiza um determinado ato, como quando observa outro animal (normalmente da mesma espécie) a fazer o mesmo ato. Desta forma, o neurônio imita o comportamento de outro animal como se estivesse ele próprio a realizar essa ação. Alguns cientistas consideram este tipo de células uma das descobertas mais importantes da neurociência dos últimos tempos, acreditando que estes possam ser de importância crucial na imitação e aquisição da linguagem.

Daí pode-se enxergar mais uma vez a importância da exposição constante a situações do “mundo real”, para que possamos observar os nativos (e não os livros de gramática exclusivamente!) e imitá-los, assim como foi o aprendizado da nossa língua materna.

Todo esse processo exigiu tempo! Uma criança começa a montar frases curtas por volta dos 2 anos de idade e é capaz de se comunicar, digamos, fluentemente por volta dos 5 anos de idade. Veja como nós demoramos para nos tornar fluentes na nossa língua materna e mesmo assim continuamos cometendo erros! Mas estranhamente queremos aprender uma língua estrangeira em um piscar de olhos, em um passe de mágica e ser perfeitos. Queremos aprender uma língua estrangeira sem ter que passar pelo mesmo processo que passamos para aprender nossa língua materna!

Como mencionamos, uma criança aprende sua língua materna por exposição constante e imitação das referências (próximas), isto é, adultos já fluentes, tendo a sua comunicação por esses adultos corrigida quando necessário. Depois, normalmente na escola, a criança aprimora sua linguagem, isto é, é alfabetizada (aprende as letras, combinações possíveis das letras, que formam as sílabas e combinações possíveis de sílabas que formam as palavras, os sons, os sinais de pontuação, etc.), começa a consumir material diversificado (ganhar vocabulário) e aprende gramática. Aprender uma língua estrangeira é repetir esse processo. É voltarmos a ser como recém nascidos tendo, portanto, as mesmas necessidades que tivemos para desenvolver a nossa língua materna, com a diferença que geralmente em uma língua estrangeira começamos aprendendo gramática, sendo alfabetizados e ganhando vocabulário. Porém, também precisamos de referências (próximas), também precisamos nos expor constantemente, também precisamos imitar nossas referências, também precisamos tentar nos comunicar com elas, também precisamos ser corrigidos por elas quando necessário. Também precisamos de tempo! E continuaremos a cometer erros, assim como continuamos cometendo em nossa língua materna. É normal que isso aconteça.

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Anteriormente tratamos da importância de estar inserido em um ambiente de recompensas, pois ele nos proporciona, em termos de desenvolvimento da linguagem, aquilo que a nossa família (referências próximas) nos proporcionou para que nos tornássemos fluentes em nossa língua materna. Nossos familiares adultos já eram pessoas fluentes naquela época, tínhamos contato CONSTANTE com eles (era uma relação ESTÁVEL) e eles NÃO nos julgavam mal por nossos erros de português, mas sim nos auxiliavam a ajustar nossa forma de expressar. Com isso fomos desenvolvendo o DESTEMOR para usar a língua portuguesa, isto é, mesmo sabendo que nosso português não é perfeito, mesmo sabendo das nossas limitações, temos a consciência de que nosso português FUNCIONA no MUNDO REAL!

Perceba aqui a importância da expressão “RELAÇÃO ESTÁVEL”, pois construir uma relação estável com um nativo é importantíssimo para o desenvolvimento da fluência numa língua estrangeira. Muitos estudantes fecham os olhos para esse detalhe, filtrando contatos por critérios (extremamente) secundários e acabam entrando em um ciclo de “procura contato, encontra contato, perde rapidamente o contato”. Esse ciclo só traz frustração e desmotivação já que o estudante acaba usando grande parte do seu tempo disponível procurando contatos de nativos em vez de ter uma exposição verdadeira constante. Como resultado percebe que o tempo passa e suas habilidades comunicativas não evoluem.

Este é o problema da maioria dos cursos de línguas: focam-se demais no conhecimento teórico e quantitativo, ignorando os aspectos fundamentais da aquisição da linguagem: os aspectos SOCIAL (pois nascemos inseridos em uma COMUNIDADE) e PSICOLÓGICO (pois nos sentimos PERTENCENTES a esta comunidade). Esses aspectos existiram na nossa família de sangue e, por isso, aprendemos a nossa língua materna!

Só que existe um “problema”: na nossa família de sangue fomos aceitos incondicionalmente, afinal tínhamos que sair de algum lugar. Aprender uma segunda língua exige uma “outra família”, que via de regra NÃO nos aceitará incondicionalmente. É por isso que NÃO deveríamos ser CHATÕES, INÚTEIS e PARASITAS.

Já pensou que você poderá ter dificuldade de encontrar um ambiente de recompensas para a língua japonesa, porque está mal acostumado com o acolhimento incondicional da família de sangue, esperando (ou mesmo exigindo) que os outros façam o mesmo? Como se você estivesse procurando alguém para fazer o papel de pai e mãe para serem os seus mantenedores e “escudos”?

A família de sangue pode ter tolerado a sua chatice, a sua inutilidade e o seu parasitismo, mas o mundo NÃO tolerará. Não sejamos crianças em corpos de adultos. Faz parte da vida adulta tomar decisões e pagar o preço por elas. Faz parte da vida adulta fracassar e tentar de novo, mudar de rota, etc.

Os milagreiros e os criadores de problemas costumam usar muito frases como “Pare de dizer [X]”, “Pare de pronunciar a palavra [X] assim”, etc., a fim de causar preocupação nas pessoas e elas comprarem seus produtos. Na verdade, são eles que deveriam parar de dizer “pare de dizer...”, afinal se aplicássemos esse mesmo critério rígido ao português, teríamos que nos considerar NÃO-FLUENTES em nossa própria língua materna. Corremos constantemente o risco de cometer erros na nossa própria língua e numa estrangeira e o problema aqui é se fechar ao conhecimento e ao aprimoramento. Não são cursos milagrosos ou únicos no universo que vão resolver de uma vez por todas essas questões! Por exemplo, um tópico também muito usado principalmente por criadores de problemas é a questão da pronúncia das palavras. Ora, como podemos notar no mundo concreto, muitas pessoas cometem erros de pronúncia no português, mas nos entendemos! Muitos estrangeiros que aprenderam o português pronunciam palavras erroneamente, mas nós os entendemos e nem nos importamos com os erros de pronúncia deles! Afinal em comunicação o que importa mesmo é entender e ser entendido!!!

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Temos a mania de colocar um peso enorme nos equívocos cometidos em uma língua estrangeira como se cometer erros em uma língua estrangeira fosse algo “super-hiper-mega” grave, inaceitável! Como se isso fosse um atestado inquestionável de incapacidade e motivo para desistir! Se cometer erros fosse motivo para parar de estudar ou falar uma língua, então, não haveria mais comunicação! Não existe povo que não cometa erros em sua própria língua. Temos a mania de encarar povos de outros países como habitantes de outro planeta, seres com cérebro diferente do nosso. Ora, somos todos humanos! Temos todos o mesmo cérebro biologicamente falando. Os mecanismos de aprendizado são os mesmos!

Aliás, muitos dos erros – oriundos do princípio do menor esforço – possivelmente se tornarão aceitáveis (ou mesmo se tornarão padrão) com o decorrer das gerações, pois acabam facilitando a comunicação! Embora gramáticos busquem padronizar a língua convencionando regras, eles não têm poder de imposição. A língua prática sempre será incontrolável. Por isso, a tendência tem sido não mais falar em “erro na maneira de se expressar”. Ora, se há entendimento entre as pessoas, há comunicação e é para isso que uma língua serve! Entretanto, todos os usuários de todas as línguas precisam exercitar o “senso de adequação de linguagem”, isto é, ter a consciência de que o modo de se expressar, as palavras usadas variam de acordo com o ambiente e com quem se fala. Por exemplo, numa prova de vestibular não se deve escrever como se escreveria numa situação informal. Da mesma forma, não é necessário usar um linguajar extremamente formal em, por exemplo, situações familiares. Assim como mudamos nossa maneira de vestir conforme a ocasião, a linguagem não deve ser a mesma para todos os momentos.

Partindo da nossa experiência com a língua portuguesa, percebemos que fluência está relacionada a tão somente ter um conhecimento suficiente e ser capaz de aplicar esse conhecimento, no mundo real, para que possamos nos comunicar natura e satisfatoriamente. Fluência não exige ter um vocabulário extenso, conhecer profundamente a gramática, ser isento de cometer erros ou mesmo entender tudo! Isso tem a ver com aprimoramento e repertório, não com fluência! Esses aspectos são como “upgrades” da fluência. Fluência que já existe em nós! Uma criança de 10 anos e um doutor em linguística são ambos fluentes, sendo que a única coisa que difere o português dos dois são os “upgrades” que o doutor em linguística tem por conta de suas experiências vividas.

Muitos não aprendem uma língua estrangeira, porque invertem as coisas, isto é, preocupam-se demais com os “upgrades”, almejam tanto a perfeição (que não temos nem na nossa língua nativa) e acabam deixando de lado o essencial, aquilo para o qual os “upgrades” existem: a habilidade de se comunicar natura e satisfatoriamente! Com isso, cedo ou tarde, o estudo deixará de ser algo prazeroso e se tornará um fardo! Ao se tornar um fardo, o nosso cérebro, que não gosta de gastar energia com coisas irrelevantes e foge da dor "dirá" a nós: "Por que continuar com isso se está só atrapalhando? Não tem nenhuma utilidade!"

Aliás, se aplicássemos esse mesmo critério rígido que aplicamos ao estudarmos uma língua estrangeira à nossa língua nativa, então, não poderíamos nos considerar fluentes em português! Mas somos, oras! Apesar de não sermos perfeitos! Fazendo uma nova analogia com jogos, um dos aspectos que deixam um jogo divertido é a possibilidade de evoluir o personagem ao longo do caminho, em meio aos desafios, coletando upgrades como no jogo “Megaman X”.

É nos expondo verdadeiramente aos desafios do jogo, correndo o risco de “apanhar” do jogo que a gente vai evoluindo e nos equipando com os upgrades. Assim também é uma língua, seja materna ou estrangeira: é no meio do caminho, em meio aos desafios do mundo real, correndo o risco de “apanhar” das situações que vamos evoluindo, coletando os upgrades para a nossa linguagem e nos equipando com eles!

Muitos estudantes acabam agindo como aquele jogador que não joga o jogo enquanto não descobrirem algum jeito secreto de começar com todos os upgrades possíveis para que ele não passe dificuldades e não perca tempo jogando um jogo que não conseguiria chegar ao fim sem começar com esses upgrades.

Ora, uma pessoa que age assim no fundo não confia em suas habilidades como jogador, já está pensando que certamente vai fracassar e, por isso, nem tenta começar o jogo. Prefere ficar esperando uma fórmula mágica, milagrosa que o faça começar o jogo com todos os upgrades possíveis para assim ter certeza absoluta que não irá fracassar, que não passará dificuldade e que não perderá tempo jogando um jogo que não conseguiria chegar ao fim em condições normais.

Entretanto, no mundo real não é assim! Não é possível começar a jornada já com todos os upgrades! Nem na nossa língua materna, nem numa língua estrangeira! Ficar à espera de fórmulas mágicas, milagrosas, certeiras para só aí começar alguma coisa é o que realmente nos faz perder tempo, oportunidades, podendo nos deixar concretamente em dificuldades no futuro por conta da nossa falta de preparo em lidar com as mudanças constantes do ambiente em que vivemos. Elas acontecem e se impõem queiramos ou não! Nós podemos ficar esperando, mas o tempo, as oportunidades e o mundo, ao contrário de um jogo em nossa estante, não ficam nos esperando!

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Evoluir (em todos os aspectos da vida) é necessário, mas também é algo que precisa ser feito de forma gradual. Apenas continue dando o seu melhor sempre! Não coloque fardos sobre si mesmo quando cometer erros em uma língua estrangeira. Tenha paciência. Aprenda e pratique com alegria e tudo será diferente!

XXI. O TEMPO E AS OPORTUNIDADES

Diante do fato de que para aprender uma língua estrangeira inevitavelmente precisaremos de um longo tempo, assim como nós precisamos para nos tornar fluentes em nossa língua materna (por volta de 5 anos), alguns poderão afirmar o seguinte:

“Ok, percebe-se que para aprender uma língua estrangeira no fim das contas temos que passar pelos mesmos processos que passamos para aprendermos a nossa língua materna. Contudo, quando aprendemos nossa língua materna éramos crianças! Como adultos temos outras obrigações e o mundo exige outras coisas de nós!”

De fato, a uma criança é dado tempo para ela se adaptar ao ambiente. Dificilmente um adulto vai julgar mal uma criança por algum erro cometido em sua língua materna, afinal ela está em uma fase natural de aprendizado. Entretanto, aos adultos, esse mesmo tempo de adaptação geralmente não é dado. Um só erro no uso da língua pode custar, por exemplo, uma vaga de emprego, mesmo que estejamos ainda em fase de aprendizado. Em outras palavras, na vida adulta ou temos que já estar prontos ou perdemos a oportunidade.

De fato, uma criança não tem as mesmas obrigações dos adultos. Ela não precisa se preocupar com a alimentação e outros cuidados pessoais, afinal os adultos fazem isso por ela. Basicamente ela só precisa ir se adaptando ao ambiente. Aliás, é por isso que a capacidade de adaptação do cérebro (aprendizado) de uma criança é maior do que a dos adultos. É por isso que crianças tendem a ser muito curiosas. Nascer é como chegar a uma terra desconhecida sem informações e sem nada nas mãos, então, faz-se extremamente necessário aprender o mais rápido possível sobre essa terra desconhecida para melhor sobreviver nela e aproveitar seus recursos. Já os adultos têm muitas obrigações e constantemente se veem pressionados tendo que escolher prioridades.

Por causa das particularidades da fase adulta, isto é, temos muitas obrigações e na maioria das vezes temos que já estar prontos para aproveitar uma oportunidade, é que tendemos a nos preocupar com o fator tempo. Contudo, sejamos realistas: para ficarmos fluentes em uma língua estrangeira, não há como fugir da necessidade de passar pelos mesmos processos que passamos para ficarmos fluentes no português. Levará tempo e não há como saber em quanto tempo cada um atingirá a fluência.

Inevitavelmente, não estaremos preparados para agarrar assim que desejarmos todas as oportunidades que surgirem. Sim, corremos constantemente o risco de perder oportunidades. Precisamos aceitar essa realidade, caso contrário, nós nos tornamos presas fáceis para os milagreiros e criadores de problema. Por outro lado, perder uma oportunidade AGORA por ainda não estar preparado para ela não quer dizer que não haverá mais chances de agarrar essa mesma oportunidade (ou outra melhor ainda!) no futuro.

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As oportunidades da vida são como um ônibus. Pessoas que se preocuparam em saber antecipadamente os horários que um ônibus passará se aprontarão com antecedência para estarem no ponto de ônibus preparadas para pegar o ônibus assim que ele passar.

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Porém, sempre há aquele que chega ao ponto quando o ônibus já partiu. Ele perdeu o ônibus? Sim, mas somente NAQUELE MOMENTO. Logo o ônibus passará novamente e ele poderá pegá-lo! Ele não estava preparado para pegar o ônibus naquele momento, mas está preparado para a próxima passagem do veículo.

O nosso cérebro ainda age de forma primitiva por achar que ainda vivemos na selva e, como mencionamos ao tratar da ferramenta da “FLEXIBILIDADE”, ele tem um instintivo receio da escassez. Na selva os recursos eram escassos e por isso tínhamos que muitas vezes os disputar ferozmente por mínimos que fossem. Disputar a refeição do dia arriscando a vida, disputar abrigo por causa da chuva arriscando a vida, etc. eram ações constantes. Frequentemente aquele que ganhava a disputa acabava deixando o perdedor em uma situação muito complicada.

Com o passar do tempo, essa escassez de recursos foi (e continua) sendo sanada graças aos avanços em diferentes campos da vida e do conhecimento humano. Por exemplo, se há 50 anos apenas alguns tinham acesso ao estudo de uma língua estrangeira por ser algo caro, hoje todos podem estudar um idioma por um preço menor ou mesmo de graça na internet e com uma didática muito melhor levando em conta os avanços nos campos da linguística e neurociência ocorridos nesse espaço de tempo.

Entretanto, o cérebro ainda nos faz pensar instintivamente que os recursos são escassos e, por isso, tendemos a ficar incomodados ao presenciar o bem-estar e o sucesso do outro, porque é como se o outro tivesse tirado a nossa oportunidade de ter isso (dada a escassez de recursos no ambiente selvagem). Todos nós temos esses instintos primitivos, mas em pessoas que possuem esses instintos primitivos mais aguçados, esse incômodo causado pelo bem-estar e sucesso do outro chega a mexer com o mesmo mecanismo que causa a dor física.

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Por isso é importante REEDUCAR o cérebro, pois não estamos mais diante da escassez de recursos da selva. Há inúmeras oportunidades disponíveis no PRESENTE e muitas outras (e melhores) serão disponibilizadas no FUTURO. É questão de sermos FLEXÍVEIS com o fato de que elas podem não acontecer no momento que desejamos e exatamente COMO desejamos no início. Observe a ilustração a seguir:

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Na ilustração o estudante está tão focado correndo atrás do ônibus escolar que perdeu que acaba não percebendo que há outros ônibus escolares vindo que levam para o mesmo destino. É como se ele tivesse CONDICIONADO a sua ida à escola a pegar especificamente o ônibus que perdeu. No fim das contas um questionamento se torna válido:

“Afinal, qual é o objetivo VERDADEIRO do estudante: chegar à escola ou pegar um ônibus ESPECÍFICO?”

Assim como esse estudante, nós costumamos consciente ou inconscientemente RESTRINGIR nossos objetivos criando CONDIÇÕES ESPECÍFICAS, o que faz com que não olhemos ao redor e não percebamos que podem haver outros meios igualmente válidos e honestos de se chegar ao mesmo lugar!

É por isso que quando tratamos da ferramenta do “INTERESSE” afirmamos que é preciso se apaixonar profunda e INCONDICIONALMENTE pela língua japonesa. Sem perceber, podemos acabar condicionando o nosso aprendizado a situações específicas, como quando, por exemplo, decidimos aprender japonês PARA conseguir um emprego em uma empresa japonesa. Assim, consciente ou inconscientemente a finalidade (ou o meio) acabará virando cedo ou tarde uma condição, o foco das nossas ações, fazendo com que o aprendizado da língua japonesa se torne algo secundário. Em outras palavras: o que era “Vou aprender japonês para conseguir um emprego em uma empresa japonesa, acaba se tornando “SE eu conseguir um emprego em uma empresa japonesa, eu vou aprender japonês”.

Colocando a carroça na frente dos bois, fecharemos os olhos para os REQUISITOS NECESSÁRIOS, isto é, PRIMEIRO isso, DEPOIS isso, etc. para se chegar a um objetivo, correndo o risco de ficar sem nada. Com essa restrição, com essa inflexibilidade, não olharemos ao redor (como o estudante na ilustração) fazendo com que fatalmente as oportunidades pareçam escassas e também correndo o risco de ficar sem nada.

Em contrapartida, sendo realistas e flexíveis, tendo a consciência que um objetivo é construído por ETAPAS e dando o nosso melhor diariamente, enquanto estivermos vivos caminhando na estrada da evolução pessoal, teremos a possibilidade de encontrar oportunidades ao longo do caminho!

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Não importa se os outros conseguirão agarrar as oportunidades antes de nós ou depois. Em ambos os casos estamos sujeitos a ser alvo de julgamentos injustos! É impossível agradar a todo mundo, pois cada pessoa é única no mundo, com sua história de vida, talentos, fraquezas e necessidades e temos que aceitar isso! Quem realmente deseja o nosso bem reconhecerá o nosso esforço e nos auxiliará na jornada, entendendo que a evolução é um processo composto por pequenas vitórias diárias, que devem ser celebradas!

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De forma semelhante ao tópico anterior terminamos este. Evoluir (em todos os aspectos da vida) é necessário, mas também é algo que precisa ser feito de forma gradual. Apenas continue dando o seu melhor sempre! Não coloque fardos sobre si se ainda não estiver preparado para agarrar uma oportunidade. Tenha paciência. Aprenda e pratique com alegria e tudo será diferente! Invista na construção de relações sociais saudáveis. Um ambiente de recompensas também é uma grande porta para oportunidades!

XXII. LEITURA DINÂMICA?

Já que o primeiro contato que temos com algum assunto que queremos aprender é normalmente através de textos e livros, nada mais natural do que abordar o tema “Leitura Dinâmica”, afinal quem não gostaria de ser capaz de ler com maior velocidade, não é mesmo?

Vemos muitos cursos de leitura dinâmica por aí com diversas técnicas cansativas que acabam é desmotivando (ainda mais) muita gente com relação à leitura. Cremos que ler com maior velocidade esteja relacionado a apenas três fatores:

INTERESSE: talvez esse seja o ponto mais negligenciado até mesmo pela escola. Normalmente se obriga o estudante a ler livros (chatos!) sem a preocupação de primeiro despertar nele o prazer pela leitura. Sem possibilidade de prazer dificilmente a pessoa dará importância e não haverá, consequentemente, motivação para a leitura. E pior: geralmente essa obrigação surge em contextos de intimidação, como fazer provas. Nesse cenário é claro que o cérebro vai encarar o ato de ler como algo “perverso” e vai querer que fujamos dele (fugir da dor e buscar o prazer).

FAMILIARIDADE: velocidade de leitura tem a ver com a velocidade com que o cérebro processa as informações, isto é, faz o reconhecimento e a compreensão das informações. E a velocidade de reconhecimento e compreensão depende do nosso banco de dados de experiências acumuladas. Orações que contenham palavras que nos são familiares obviamente consumirão menos tempo; serão processadas com muito maior rapidez do que orações que contenham palavras pouco comuns. Então, quanto maior o nosso vocabulário, maior tenderá ser a nossa velocidade de leitura. O mesmo vale para o tema do livro. Por exemplo, um músico tende a ler livros sobre música com maior velocidade do que um médico, pois um músico está familiarizado com o tema e com o linguajar do mundo da música.

Observar o seu nível de familiaridade, seja com o tema, seja com o vocabulário é muito importante para que a leitura seja mais veloz e prazerosa. Pode acontecer, por exemplo, de você gostar de um tema, já ter lido sobre ele, mas acabar se deparando com um material que contenha um vocabulário mais restrito, ao qual você não está acostumado ainda (a "Gramática Avançada" do blog Ganbarou Ze! XD). Nesses casos, a tendência é que você leia com menor velocidade ou mesmo se desmotive ao longo da leitura.

HÁBITO: ler precisa se tornar uma ação constante. Comece por livros cujo tema é de seu interesse. Comece por livros sobre o tema de seu interesse, mas que contenham vocabulário simples se achar que seu vocabulário ainda não é tão grande e vá “dificultando” aos poucos. Com isso, você estará aumentando o seu banco de dados. Com o tempo, a sua leitura se tornará naturalmente mais veloz!

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Como vimos ler mais rápido também não está relacionado a técnicas secretas e mirabolantes. Aliás, um estudo publicado em 2016 na revista “Psychological Science” aponta em sua conclusão que há um conflito entre velocidade de leitura e compreensão, isto é, não há como aumentar a velocidade de leitura sem perder a compreensão do texto.

Entre outras coisas é afirmado que “aumentar a velocidade com que você encontra as palavras, portanto, tem consequências sobre o quanto você entende e se lembra do texto. Em alguns cenários, é tolerável e até aconselhável aceitar uma diminuição na compreensão em troca de um aumento na velocidade. Isso pode ocorrer, por exemplo, se você já souber muito sobre o material e estiver folheando o material para buscar uma informação específica (destaque nosso). Em muitas outras situações, entretanto, será necessário desacelerar para um ritmo normal a fim de se conseguir uma boa compreensão (destaque nosso). Além disso, você pode precisar reler partes do texto para garantir uma compreensão adequada do que foi escrito”.

Diante dessa interessante conclusão, questionamos: o que adianta ler rápido e não compreender verdadeiramente o que está sendo lido? Isso é péssimo para o aprendizado, para a memorização! E mesmo quando precisamos encontrar uma informação especifica dentro de um texto, instintivamente nós abrimos mão da compreensão, fazendo uma varredura pelo texto até encontrarmos a informação desejada. Se for um texto na internet ou arquivo digital, melhor ainda: simplesmente usamos a opção “pesquisar”! Em ambos os cenários – leitura visando o aprendizado ou uma simples varredura pelo texto para encontrar uma informação específica – as técnicas secretas e mirabolantes de leitura dinâmica parecem ser totalmente dispensáveis.

Muito se tem falado sobre o RSVP (Rapid Serial Visual Presentation), uma técnica em que diferentes informações são apresentadas numa velocidade constante e no mesmo ponto do espaço visual. Seria o RSVP a nova e definitiva técnica de leitura dinâmica?

Realmente, já há estudos que mostram que o RSVP ajuda a aumentar a velocidade de leitura, porque elimina distrações, o movimento dos olhos e a necessidade de saltar linhas, forçando o leitor a focar em um ponto apenas. Entretanto há um preço a se pagar por isso: o RSVP tende a deixar o leitor extremamente cansado, pois a velocidade de uma máquina pode ser constante, mas a velocidade “humana” varia sempre. Veja um exemplo:

imageRSVP

Se nas técnicas de leitura dinâmica tradicionais há um conflito entre velocidade e compreensão, pode-se dizer que no RSVP há um conflito entre velocidade e quantidade de informações absorvidas. Devido ao extremo cansaço que o RSVP tende causar, chegará um ponto em que o próprio processamento das informações e consequentemente a memorização ficarão prejudicados. Por isso, especialistas costumam afirmar que o RSVP só é útil para textos ou trechos pequenos. Com isso, facilmente se pode questionar:

“Se com o RSVP é preciso ficar ‘quebrando’ o texto para evitar o cansaço, então, não é mais fácil ler o texto normalmente, sem o uso do RSVP?”

Pois é. O tempo que se ganharia com o RSVP se perderia tendo que fatiar textos longos! Além disso, como citado no interessante artigo da revista “Psychological Science”, “você pode precisar reler partes do texto para garantir uma compreensão adequada do que foi escrito”. Ora, não é difícil perceber que com o RSVP fazer retrocessos no texto para pontos específicos é bem complicado devido à velocidade constante. Outro fato que precisamos considerar é que se uma pessoa consegue ler (e compreender) usando o RSVP numa boa velocidade, é por que muito provavelmente ela já consegue fazer isso de forma natural. Levando em conta o fato de ter que fatiar textos longos e a maior complexidade em fazer releituras de trechos específicos, qual a vantagem que essa pessoa que gosta de ler e tem o hábito de leitura (ou mesmo qualquer pessoa) veria em usar o RSVP?

Diante do que foi exposto, preocupe-se em reconhecer e compreender a informação! E para isso você precisa ter o hábito e interesse pela leitura para que possa aumentar gradativamente o seu banco de dados e naturalmente a sua velocidade de leitura.

Por fim, deixamos uma frase bem-humorada atribuída a Woody Allen, escritor, roteirista, cineasta, ator e músico norte-americano:

“Fiz um curso de leitura dinâmica e li ‘Guerra e Paz’ em vinte minutos. Tem a ver com a Rússia”

XXIII. ESTOU ANDANDO EM CÍRCULOS! E AGORA?

Gostaríamos de tratar de algo muito importante com o qual você pode se deparar cedo ou tarde: o chamado “platô intermediário”. Basicamente é a sensação de que o seu progresso diminui porque você não está mais aprendendo com a mesma rapidez de quando começou os estudos. É um estágio em que parece que você está andando em círculos e não há mais pra onde ir, ao mesmo tempo que o conhecimento adquirido até então parece ser insuficiente em termos práticos.

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Primeiramente, ter essa sensação é totalmente normal, não importa o que você esteja aprendendo: japonês, violão, gastronomia... todo mundo sente isso em seu processo de aprendizagem, pois o aprendizado não é como uma linha reta. No começo, como tudo é novidade, há muitas coisas para aprender, estamos motivados e, por isso, tendemos a ser mais receptivos. No entanto, com o passar do tempo é natural que as coisas afunilem, pois gradualmente passamos de coisas mais práticas (níveis básico e intermediário, nos quais há muitas coisas novas e úteis) a sutilezas, nível avançado, no qual há menos coisas, que muitas vezes não são tão úteis em termos práticos.

Contudo, ao mesmo tempo que chegar ao platô intermediário é algo normal, pode ser extremamente perigoso. Dependendo da personalidade da pessoa, pode trazer como consequência a desistência do aprendizado. Tendo a sensação de que está dentro de um círculo, o estudante prefere abandonar os estudos já que julga ter um conhecimento insuficiente, que não serve para nada. Cuidado com estes comportamentos:

➩ perfeccionismo;

➩ falta de paciência consigo mesmo;

➩ comparar-se com os outros;

➩ receio de se expor, errar e ser julgado;

➩ considerar que está SEMPRE certo;

➩ falta de FLEXIBILIDADE, querendo que as coisas SEMPRE saiam EXATAMENTE como planejado;

➩ querer somente vitórias, não admitindo possíveis frustrações;

➩ encarar as frustrações como barreiras insuperáveis;

➩ querer resultados rápidos, uma fórmula mágica;

➩ imaginar que algo é extremamente necessário para se chegar ao objetivo, mas ao mesmo tempo inalcançável;

➩ imaginar que uma situação é uma barreira quando não é;

➩ falta de objetivos claros;

➩ expectativas muito altas e sem fundamento na realidade.

Além dos comportamentos equivocados que citamos, algo que pode acelerar a chegada ao platô intermediário e dificultar a saída dele é se restringir aos pequenos mundos. Por exemplo, há pessoas que começam a ter interesse em aprender japonês por causa dos animês. Não há nenhum problema nisso. O problema começa quando se pensa que o mundo dos animês (um pequeno mundo) equivale ao mundo real como um todo. Ora, precisamos ter consciência de que o nosso mundo é constituído de pequenos mundos, como mencionamos anteriormente. Precisamos estar abertos a conhecer outros pequenos mundos e a conhecer o japonês do mundo como um todo. Encarando o aprendizado desta forma, você perceberá que sempre haverá coisas novas para aprender e/ou algum desafio, não importa o seu nível.

Sair do platô intermediário é importante, mas pode ser muito difícil dependendo da pessoa. Com tudo o que temos abordado nesses tópicos, perceba a importância do AUTOCONHECIMENTO, obtido através de reflexões constantes, sinceras e realistas para se chegar a um DIAGNÓSTICO CORRETO. Como ensina o professor Andrei Mayer “você precisa virar um cientista das suas próprias emoções”. O que você precisa ou pode aprimorar? Conhecimento sobre gramática? Vocabulário? Exposição VERDADEIRA ao idioma? Escrever ou falar melhor? Mais paciência com você mesmo? Compreensão auditiva? Parar de se comparar com os outros? Parar de ter receio de se expor, errar e ser julgado? Sair de um pequeno mundo?...

Você perceberá que ao chegar a um diagnóstico correto da situação depois de fazer uma reflexão sincera e realista, quase que como mágica o seu nível de dopamina aumentará fazendo surgir novamente a MOTIVAÇÃO, porque é como se o cérebro entendesse: “Puxa!! Era por causa disso que eu não estava evoluindo! Mas AGORA eu sei o que precisa ser feito. Vamos com força total em direção à solução do problema!”. É a mesma alegria e força, por exemplo, que um jogador de RPG sente ao se dar conta do que precisa fazer para evoluir seu personagem e finalmente derrotar aquele chefão.

XXIV. AS ADVERSIDADES

Um dos grandes males dos tempos modernos é a ilusão de que todos nós podemos ter o mundo aos nossos pés, como se tudo pudesse ser exatamente do jeito que todos nós queremos. Parece que se tornou proibido ter frustrações. Prega-se uma ditadura da felicidade, uma enganosa positividade, que acaba destruindo a empatia, pois muito disso se restringe a discursos prontos sem a preocupação de concretamente estender a mão quando necessário, fazendo-nos fechar os olhos para os fatores individuais e concretos de cada pessoa e, com isso, para aquilo que REALMENTE pode ajudar a pessoa a se aprimorar. Na prática acaba sendo uma forma bela e indireta de dizer “Eu não tenho nada a ver com seus problemas! Dê um jeito aí!”.

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“Não há coisa mais fria do que o conselho cuja aplicação seja impossível.” (Frase atribuída a Confúcio)

Perceba como tanto a negatividade quanto a positividade podem não ter fundamento na realidade, prejudicando de forma concreta o desenvolvimento pessoal. Em ambos os casos acabamos fechando os olhos para aquilo que realmente precisamos para evoluir.

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Seja por causa das redes sociais, seja por que apenas nos dizem, seja por causa de uma “aparência social” assumida por alguém no trabalho, na escola, no bairro, etc., parece que todos estão bem, todos têm o que querem, menos “eu”. Por que “eu” não? Por que “eu” não posso? Além do equívoco de ficar se comparando com os outros, no fim das contas, a busca incessante pela felicidade, de uma vida sem males acaba se tornando a maior causa de infelicidade!

Sejamos realistas: não ter frustrações na vida é impossível. Todos têm frustrações, ainda que muitos queiram colocar um véu para ocultá-las dos olhos alheios. Em outras palavras, muita coisa que presenciamos, principalmente na internet, não passa de aparências, exibicionismo e autopromoção.

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O próprio viver nos ensina constantemente que é impossível fugir das frustrações. Nós nascemos e estamos vivendo agora, mas sabemos, embora não queiramos aceitar, que um dia a nossa saúde vai embora, pessoas que amamos vão embora, nós vamos embora. E tudo isso pode acontecer em um piscar de olhos. Deixaremos para trás todos os bens materiais que conquistamos ao longo da vida e aos quais demos tanto valor e carinho. E as pessoas que ficarem muitas vezes não terão esse mesmo zelo que tivemos com nossos bens materiais. Provavelmente jogarão esses bens materiais na lata do lixo! Além disso, muitas vezes presenciamos a maldade prevalecendo sobre a bondade, a injustiça prevalecendo sobre a justiça, etc.

Por isso e por tantos outros motivos, resta-nos apenas encarar as frustrações e tirar lições delas. Em outras palavras: quando estiver diante de alguma frustração, encare-a como uma oportunidade de se conhecer melhor e agir melhor! Se bem trabalhada, a frustração se torna nossa aliada, um degrau para nós!! Se formos sinceros, perceberemos que é geralmente em meio a frustrações que começamos a refletir e a buscar aprimoramento. Quando tudo está indo bem, geralmente não fazemos isso; apenas repetimos as coisas e as atitudes (às vezes equivocadas) a que estamos acostumados. O monge beneditino Dom Estêvão Bettencourt, nascido no Rio de Janeiro em 16 de setembro de 1919 e falecido em 14 de abril de 2008, deixa-nos um belo ensinamento:

“De modo geral, o sofrimento é escola para o ser humano. Contribui para vencer o egoísmo e tornar a pessoa mais voltada para o próximo; torna atuantes muitas energias e potencialidades que nunca desabrochariam se não fosse o sofrimento. Esta verdade é tão óbvia que já os antigos gregos a formularam no trocadilho: pathos mathos (sofrimento é ensinamento ou aprendizagem). Quem não passa pelo cadinho do sofrimento, muitas vezes é egocêntrico, e insensível para com os outros; desfigura-se no plano da personalidade”.

De forma geral, no atual estágio da humanidade desfrutamos de certa segurança. Ao longo do tempo países foram sendo constituídos e leis foram sendo criadas para garantir a ordem entre as pessoas. Existem também diversos acordos entre nações e avanços naquilo que se considera direitos fundamentais da pessoa humana, na ciência e na tecnologia. Tudo isso nos proporciona uma melhor qualidade de vida. Porém, como mencionamos anteriormente, nosso cérebro ainda age de forma muito primitiva. Para ele é como se nós ainda vivêssemos em ambiente selvagem. Ora, nesse tipo de ambiente não tínhamos essa mesma segurança que o mundo moderno nos proporciona. A selva era (e continua sendo) um ambiente constantemente ameaçador. Por isso, acredita-se que a insatisfação seja um mecanismo ligado à sobrevivência. Na mesma linha do que estamos expondo neste tópico, poderíamos dizer que muita felicidade tende a nos fazer baixar a guarda para ameaças que podem estar ao nosso redor. Se tudo está bem, não é necessário fazer nada diferente ou se preparar para nada. Do ponto de vista da sobrevivência na selva isso é péssimo.

Por isso precisamos aceitar que enquanto estivermos vivos, um certo grau de insatisfação sempre nos acompanhará, pois nosso cérebro quer que sobrevivamos da melhor forma possível e para isso ele nos induz a sempre buscar evoluir no conhecimento, nas práticas, nas relações sociais, etc. para que estejamos preparados para lidar com as ameaças (ou mesmo com as oportunidades) do ambiente. Poderíamos ser donos do universo todo, mas em algum momento ficaríamos insatisfeitos querendo outro universo. Quantas vezes ficamos muito motivados para comprar algo, mas depois que compramos largamos o objeto ou nos arrependemos de ter comprado?

Ninguém gosta de sofrer ou busca conscientemente o sofrimento. Entretanto, querer fugir a todo custo dos desconfortos que a vida inevitavelmente vai trazer faz com que nos tornemos pessoas hipersensíveis, despreparadas para os desafios da vida e que, por isso, enxergam qualquer adversidade como um monstro gigante. Além de essa atitude contribuir para o aumento do estresse e da ansiedade, tende a fazer com que pessoas terceirizem responsabilidades, como se os outros fossem seus servos e devessem correr os riscos e assumir culpas no lugar delas, afinal o “rei” está tão acostumado com o conforto que não tem nenhum preparo para lidar com tais coisas. Muitos acabam, apesar de já adultos, não se tornando adultos de fato; não querem deixar de ser aquela criança que precisa dos pais. Consequentemente começam a buscar sempre uma mãe e/ou um pai na figura de outras pessoas, agindo como se o mundo devesse tudo a elas e elas não precisassem fazer absolutamente nada pelos outros.

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Como ensina Dra. Ana Beatriz Barbosa “Se eu não tenho um momento de reflexão ou de tristeza, eu não curto tão bem o meu momento de alegria. É luz e escuridão. Eu preciso sempre do contraponto”. Ainda, Dra. Anna Lembke, da Universidade de Stanford, afirma que “evitar a dor nos priva de experiências que constroem os calos mentais para encarar desafios futuros. E eu falo de dor de uma forma ampla: emocional, espiritual, todos os diferentes tipos de sofrimento físico e psicológico. (...) Junto com o acesso crescente a medicamentos e a comportamentos que nos apartam das experiências tradicionais de dor, nós desenvolvemos uma narrativa em que a dor deve ser evitada em nós ou nos nossos filhos. (...) Como resultado, pais se tornaram temerosos de deixar que seus filhos experimentem qualquer tipo de sofrimento, com medo de que eles acabem no divã ou com algum distúrbio psicológico. Mas o fato é que proteger as crianças de experiências desafiadoras é privá-las da oportunidade de construir uma fortaleza mental que elas necessitam no mundo”. Ainda, André Rabelo, mestre e doutor em Psicologia, afirma que "Se a pessoa aprendeu desde cedo que seus problemas costumam se resolver magicamente graças aos seus pais, para que ela deveria se esforçar para lidar com eles? Filhos superprotegidos também têm um risco maior de desenvolver níveis elevados de narcisismo e de achar que têm direito a tudo que quiserem”.

Diante dessas constatações, é preciso discernir quem realmente precisa ser ajudado de quem não quer enfrentar os desafios que fazem parte da vida, deixando tudo sob responsabilidade dos outros. Isso contraria o senso comum de que ajudar alguém é sempre um ato virtuoso, mas ajudar quem quer apenas parasitar os outros é concretamente um desserviço que prestamos, pois estamos contribuindo para o não crescimento e não amadurecimento dessa pessoa, além de incentivá-la a continuar com esse comportamento. Aliás, poderíamos dizer que todo relacionamento tóxico tem de certa forma um componente parasitário. Em vez de trocas saudáveis, há sempre prejuízo para um lado, de onde o parasita quer tirar seu alimento e se beneficiar sem retribuir.

Perceba como tendemos a sempre encarar a insatisfação como a FALTA de algo, um VAZIO. Daí começamos a comprar, comprar e comprar. Daí começamos a buscar pessoas, descartar pessoas, buscar mais pessoas e descartar mais pessoas. Daí começamos a buscar isso ou aquilo. E pouco a pouco vamos nos tornando pessoas inconstantes, chegando ao ponto de até perder a noção de quem realmente somos. E no fim parece que nada é capaz de preencher esse vazio. Entretanto, com base no que abordamos neste tópico, do ponto de vista biológico, poderíamos dizer que a insatisfação nada mais é do que um mecanismo que nos mantém em constante estado de alerta, pois na selva não tínhamos controle sobre muitas coisas (e ainda não temos em nossa vida atual!). Fazendo uma analogia, é como se dentro de nós houvesse um radar que detecta possíveis ameaças e possíveis oportunidades no ambiente, sendo a insatisfação aquilo que mantém esse radar ativo.

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Fazendo uma analogia com jogos, em “The Legend of Zelda: A Link to the Past” do Super Nintendo, há muitos itens e lugares escondidos. Quem terá mais chances de encontrar esses itens ou lugares escondidos? O jogador que se preocupa somente em completar as missões ou o jogador que, além de se preocupar em completar as missões, permanece atento aos cenários do jogo? Certamente o jogador que fica atento aos cenários do jogo, não é mesmo? Poderíamos dizer que é o jogador que permanece com “o radar ligado” enquanto caminha pelo jogo!

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Então, que tal começar a enxergar os momentos de frustração, insatisfação como um recado do cérebro simplesmente dizendo: “Avalie-se! Reflita! Busque aprimoramento, seja em si mesmo ou em seu círculo social! Ameaças (e oportunidades) podem aparecer e você precisa estar preparado para elas!”? E se precisar de ajuda, não tenha vergonha de procurar um profissional, seus familiares ou amigos, afinal todos nós somos humanos e todos nós temos frustrações! Encontrar a satisfação, mesmo com essa interminável insatisfação, parece contraditório, mas é possível!

XXV. A BASE DA SATISFAÇÃO HUMANA

Por falar em insatisfação, nas últimas décadas tem se difundido através da mídia, filmes e mais recentemente das redes sociais a ideia de que a satisfação e o reconhecimento estão atrelados ao poder de consumo, isto é, somos mais felizes e reconhecidos na medida que somos capazes de consumir mais, de comprar mais (valorização do TER). Entretanto, nota-se um aumento no número de pessoas deprimidas, cheias de seguidores virtuais, mas solitárias no mundo real ou com diversos tipos de transtornos mesmo com o acesso facilitado a todas as bugigangas do mundo moderno. Mesmo com toda essa ostentação que vemos por aí. Ora, se podemos consumir mais, comprar mais, ostentar mais e ter reconhecimento por causa disso, não deveríamos estar mais felizes?

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Tendemos a pensar que o grande número de opções possíveis gera maior satisfação, mas existe o que se costuma chamar de “paradoxo da escolha”, isto é, quanto maior o número de opções possíveis para nós, maior tende a ser o grau de insatisfação. Por exemplo, como mencionamos anteriormente, antes do surgimento das redes sociais tendíamos a ser mais tolerantes com as pessoas, pois o número de pessoas com quem podíamos interagir era bem pequeno. Com o grande número de pessoas nas redes sociais, nós acabamos nos tornamos mais exigentes e ingratos. Consciente ou inconscientemente, descartamos facilmente quem não preenche todas as nossas expectativas na esperança de encontrar a pessoa perfeita no meio da multidão que se apresenta para nós. Em outras palavras: hoje nós ficamos insatisfeitos com aquilo que sem as redes sociais, por falta de muitas opções, ficaríamos muito satisfeitos.

Como já sabemos, um certo grau de insatisfação sempre haverá, pois é isso que de certa forma nos mantém atentos para ameaças e oportunidades do ambiente. Encontrar a satisfação, mesmo com essa interminável insatisfação, parece contraditório, mas é possível!

Além da importância da satisfação no presente, isto é, de valorizarmos e comemorarmos cada pequena evolução, de sermos gratos por tudo o que conquistamos retamente até HOJE e de encontrar alegria no fato de estarmos AGORA MESMO buscando aprimoramento em algum quesito (enxergar a felicidade no caminho), como mencionamos anteriormente, a ocitocina é considerada por muitos pesquisadores a substância mais importante do quarteto fantástico da felicidade, sendo ela relacionada ao vínculo social (físico ou emocional). E não é para menos. Pesquisas têm apontado que os fatores mais importantes para a satisfação humana são o cultivo de relações sociais saudáveis e ter um propósito “para fora de si mesmo”, isto é, buscar contribuir sinceramente para o bem do outro ou para algo importante que beneficiará muitas pessoas.

Perceba que isso é totalmente contrário à ideia do consumismo, que acaba nos levando a consumir cada vez mais pensando apenas na satisfação pessoal. E isso acaba nos levando a preferir o individualismo e o isolamento, coisas que o nosso cérebro odeia. Individualismo que acaba levando a rivalidades constantes e que pode até mesmo fazer com que pessoas quebrem os padrões de civilidade, prejudicando os outros para benefício próprio. Na medida que a pessoa se deixa dominar pelo individualismo, os instintos mais primitivos começam a aflorar e ela começa a se guiar pela lei da selva. Em outras palavras, tudo se justifica desde que beneficie o indivíduo, afinal ele está pensando apenas na sua própria sobrevivência e todos os demais podem se tornar uma ameaça.

Aliás, o individualismo pode até ter uma cara de qualidades pessoais, de preocupação com o outro, fato que ocorre principalmente nas redes sociais. Tanto que na tríade posses, prestígio e poder, alguns preferem trocar PRESTÍGIO por PARECER. A razão disso é que não é necessário SER alguma coisa; basta PARECER possuir alguma qualidade para conseguir reconhecimento alheio. Neste caso, a preocupação com o outro geralmente é bem seletiva. A pessoa se preocupa com o outro apenas enquanto o outro tem alguma utilidade momentânea para ela; caso contrário, ela o descarta. E quanto aos que apenas querem parecer possuir alguma qualidade, geralmente ostentam rótulos, de uma forma distante; são pouco acessíveis (para não correrem o risco de serem confrontados e a máscara cair).

Fato é que infelizmente muitos de nós foram (e ainda são) educados com a ideia de que a lei da selva é a que vale. Com a ideia de que devemos buscar apenas o benefício individual, o rótulo de exclusividade, mesmo que tenha que prejudicar, enganar ou usar o outro, pois o outro sempre será um inimigo a ser vencido em todos os quesitos. Como se o sucesso e o bem-estar de um impedissem o sucesso e o bem-estar de outro. Com a ideia de que tudo é válido para sobreviver. Como pontua a psicóloga Meiry Kamia “a competição é o berço da inveja. (...). A gente começa a aprender desde pequeno que eu sou um sucesso quando todo mundo é um fracasso”.

Entretanto, somos seres sociais! Somos programados para sermos colaborativos! Aliás, a confiança entre as pessoas é considerada por muitos como o pilar mais importante do desenvolvimento social e econômico de uma sociedade. Ora, se confiamos nas pessoas, tendemos a enxergar a importância do outro e a trabalhar com o outro, nascendo assim uma relação de cooperação e respeito mútuos. Compartilha-se valores que garantem o bom convívio social (a ética é sempre um valor coletivo). Por outro lado, o individualismo tende a nos tornar extremamente cautelosos com o outro, pois não sabemos se ele é verdadeiramente um inimigo ou um aliado. Ou pior: sempre enxergamos o outro como uma possível ameaça. Assim, as relações sociais tendem a se tornar conturbadas e infrutíferas do ponto de vista do bem comum, afinal se visa apenas o bem-estar individual tendo como regra única o “Se me beneficia, mesmo que prejudique o outro, é válido”. Apenas como curiosidade, uma pesquisa recente aponta que o Brasil é o último colocado entre os países vizinhos no quesito confiança entre cidadãos, sendo que apenas 4,69% dos entrevistados dizem confiar nos outros.

Diante das adversidades inevitáveis que enfrentaremos, diante do fato que um dia nós vamos embora e as pessoas que amamos também (podendo ser quando menos esperarmos), diante das injustiças que constantemente presenciamos, quem nunca se perguntou: “Qual o sentido da vida?”, pois parece que a vida em si não tem lógica. Essa é uma pergunta que há tempos o homem faz e a ciência parece incapaz de responder de forma objetiva. Portanto, a resposta é um tanto subjetiva.

Do ponto de vista meramente biológico, assim como qualquer outro animal na natureza, o sentido da nossa existência é sobreviver e dar continuidade à espécie através da reprodução. Porém, aqui nasce um problema: se nos restringíssemos à finalidade biológica, então, deveríamos considerar como natural o fato de nos deixar conduzir por nossos instintos primitivos, assim como foi um dia na selva e como os animais continuam agindo. Roubar, matar, ferir o outro, querer dominar o outro, etc. seriam atitudes naturais e necessárias, pois a finalidade estaria apenas na sobrevivência e na preservação de uma linhagem. Chamaremos isso de “finalidade animal”.

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Não é difícil chegar à conclusão de que alguém que vive a vida em função da “finalidade animal” se torna uma ameaça em menor ou maior grau para as outras pessoas. Por outro lado, o homem, dotado de liberdade e racionalidade, pode escolher viver sua vida em função do que chamaremos de “finalidade humana”. Vamos levantar alguns pontos:

➩ O nosso mundo é composto por diversos ambientes. Existem países, culturas, pessoas e visões de mundo diferentes;

➩ Essa diversidade de ambientes faz com que pessoas tenham experiências de vida diferentes e, consequentemente, desenvolvam conhecimentos e habilidades diferentes;

➩ Por meio daquele pingo de insatisfação constante, somos induzidos a sempre estar atentos às ameaças e às oportunidades do ambiente e, consequentemente, a refletir sobre nossas ações e buscar evoluir;

➩ A diversidade de conhecimentos e habilidades, bem como o instinto de alerta relacionado a ameaças e oportunidades têm possibilitado ao longo dos séculos novas descobertas e novas invenções que gradativamente aumentam nossa qualidade de vida;

➩ Somos seres naturalmente sociais e nosso cérebro odeia (a sensação de) isolamento social;

➩ Pesquisas têm mostrado que o que mais causa satisfação no ser humano é ter relacionamentos saudáveis e contribuir para o benefício do outro;

➩ Facilmente percebemos que as pessoas podem optar pelo mal e que o BEM precisa ser feito;

➩ Facilmente percebemos que o mundo e as pessoas têm necessidades, que podem ser sanadas se o bem for feito.

Com esses pontos, poderíamos dizer que tudo parece nos levar a uma só regra: evolução pessoal e colaboração mútua. Sendo assim, o sentido da vida estaria em cada um descobrir seu(s) talento(s) considerando as experiências individuais vividas dentro do próprio ambiente (ou ambientes), dar o seu melhor para aprimorá-lo(s) e usá-lo(s) para o benefício das pessoas. Esse benefício causado será a marca que cada um deixará no mundo. Aliás, perceba como tudo na natureza parece seguir a lei da troca, da reciprocidade. Perceba como beneficiamos os outros com nossos talentos e somos beneficiados pelos talentos dos outros.

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“Nosso mundo é um grande quebra-cabeça e nós, as peças. Cabe a cada um de nós encontrar o espaço que deve preencher!”

Por isso, aprendamos a nos inspirar e a admirar as boas qualidades dos outros. Aprendamos a sinceramente contribuir e a ficar felizes com a honesta felicidade dos outros. Busquemos ser úteis à sociedade, ajudando a completar com os nossos talentos o que falta na vida de outras pessoas. Robert Waldinger, professor de psiquiatria na Harvard Medical School, afirma que “bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis. O bem-estar vem do amor que você sente pelas outras pessoas. Ponto final”.

“Aqueles que são infelizes no mundo assim o são porque desejam apenas a própria felicidade. Aqueles que são felizes assim o são porque desejam a felicidade dos outros” (Frase atribuída a Shantideva, filósofo indiano do século 8d.C.)

Com base na frase atribuída a Shantideva, diríamos que a infelicidade está em buscar apenas a própria felicidade e é desse egoísmo que brota a maldade. Também, não estamos afirmando que o dinheiro não tem sua parte na satisfação humana. O dinheiro tem sua parcela de contribuição como nos possibilitar o pagamento de contas e a manutenção básica de nossa integridade física (alimentação, saúde e segurança). A questão é o tamanho da parte que atribuímos ao dinheiro para a nossa satisfação, muitas vezes negligenciando aspectos valiosíssimos da vida. Muitos se tornam um sucesso no quesito material, mas um verdadeiro fracasso no quesito humano.

Será que no fim das contas não acabamos nos tornando carrascos de nós mesmos (e dos outros) na busca incessante de uma vida sem males, da realização de TODOS os nossos desejos e de prazeres imediatos? Será que com isso não estamos nos tornando pessoas piores? Será que não estamos jogando fora nossa identidade e nossos talentos fazendo apenas o que os outros dizem que devemos fazer? Será que não é essa falta de saber quem “sou eu de fato” a causa de insatisfação? Reflitamos constantemente sobre essas questões. Invistamos no nosso AUTOCONHECIMENTO

O fato de um dia a nossa vida acabar não a torna sem sentido. Seria a mesma coisa que afirmar que viajar a passeio a um lugar não faz sentido, porque uma hora temos que voltar para casa e talvez nunca mais voltemos para esse mesmo lugar. Ora, um passeio é prazeroso justamente por que, tendo ele que uma hora acabar e nós não sabermos com certeza o que acontecerá depois (incerteza quanto ao futuro), aproveitamos o máximo do passeio ao lado de outras pessoas. Não é por que um passeio acaba e existe a incerteza quanto ao futuro que vamos nos achar no direito de prejudicar o lugar ou as pessoas que lá estão honestamente. Isso seria puro egoísmo!

Assim também é a vida: que bom que não há provas científicas que atestem com certeza absoluta a existência de uma vida além túmulo (acreditar ou não é uma questão pessoal). É justamente essa incerteza que torna o nosso passeio (essa nossa vida) tão especial! É justamente essa incerteza que faz com que ajudemos outras pessoas a aproveitarem da melhor forma o passeio. Assim como em um filme, é justamente a incerteza que nos prende a ele. Um filme pode ter cenas alegres ou tristes, trechos previsíveis ou imprevisíveis (e até mesmo cenas pós-créditos, parte 2, parte 3…), mas o que o torna interessante é a incerteza! Ou você gosta de spoilers? Dada a incerteza do que acontecerá no filme, cada um terá sua opinião sobre o que pode acontecer, mas não faria nenhum sentido haver brigas por causa dessas incertezas!

Porém, uma coisa é certa: as nossas ações, boas ou ruins, influenciam o passeio de outras pessoas e ficam na memória delas e essas nossas ações continuarão repercutindo no lugar do passeio mesmo depois que formos embora. Cabe a nós escolhermos que tipo de legado, qual o tipo de marca deixaremos, o que plantaremos nesse mundo. Será que nós, as peças, encontraremos o nosso espaço no grande quebra-cabeça (o mundo) e cumpriremos nosso propósito ou seremos aqueles que não cumprindo o seu propósito e pensando de forma totalmente egoísta, causarão o caos? Como em um filme de ação seremos o herói ou o vilão?

“Se existe o mal neste mundo, ele reside no coração do ser humano” (Edward D. Morrison, jogo Tales of Phantasia do Super Nintendo)

Com o que abordamos até aqui, podemos esquematizar da seguinte forma:

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***

O nosso cérebro deseja a sobrevivência buscando segurança e prazer por meio de uma combinação equilibrada de posses, prestígio, poder e sentido de vida. As posses materiais nos proporcionam a básica integridade do corpo (alimentação, saúde, abrigo, etc.) e as nossas posses intelectuais (conhecimentos acumulados) nos auxiliam a compreender o mundo e as pessoas. Isso nos dá maior segurança e um certo controle para lidar com as ameaças e as oportunidades que aparecerem. É claro, no entanto, que não há como ter controle sobre tudo e temos que aceitar isso!

Essa base de informações acumuladas nos possibilita também o autoconhecimento, através do qual somos capazes de perceber quais são os nossos talentos verdadeiros e como podemos proporcionar às pessoas e ao mundo aquilo que lhes falta. Buscando trabalhar e aprimorar esses talentos constantemente e colocando-os à disposição do mundo e das outras pessoas, vem a sensação de utilidade e o sentido de vida. Junto com a satisfação no presente pelas coisas já conquistadas e por estar em processo constante de evolução, isso nos ajuda a exercitar o amor próprio (não o orgulho!). Sentimo-nos como peças importantes do grande quebra-cabeça (o mundo). Sentimos que estamos cumprindo o nosso propósito! Dessa aplicação de nossos talentos visando o bem do outro e do mundo, também nasce o prestígio positivo e o poder de influência saudável sobre as pessoas.

Refletindo constantemente sobre nossas crenças e ações, estaremos dispostos a mudar e/ou aprimorar nossos hábitos para conosco e para com as outras pessoas, o que nos torna pessoas mais saudáveis emocionalmente. Isso contribui para a nossa boa fama e para o nascimento de relacionamentos saudáveis.

No fim das contas, todos esses fatores somados e equilibrados é que nos proporcionam segurança e prazer, pois nos fazem sentir úteis, protegidos e amados, além de nos dar boas perspectivas com relação ao FUTURO! Coisas que, ao contrário do que estamos acostumados a ouvir, o dinheiro sozinho e prazeres imediatos não podem proporcionar verdadeiramente! Podemos esquematizar da seguinte forma:

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Quando nos sentimos protegidos, amados e úteis no presente, temos uma base emocional sólida que nos permite olhar para o futuro com mais confiança e esperança. Saber que podemos contar com um ambiente seguro, pessoas que nos amam e nos valorizam, e que temos um propósito e um papel importante na sociedade e na vida das pessoas porque lhes complementamos de alguma forma, permite-nos ter mais expectativas positivas para o futuro e nos sentirmos mais preparados para lidar com os desafios que podem surgir.

Por outro lado, quando nos sentimos desprotegidos, sozinhos e sem propósito, é mais difícil ter perspectivas positivas para o futuro. A incerteza e a falta de confiança podem fazer com que nos sintamos incapazes de lidar com as adversidades e desafios, o que pode gerar mais ansiedade e preocupação.

Por isso, é importante investir em nossas relações interpessoais saudáveis (reciprocidade e generosidade espontâneos), autoconhecimento, buscar um senso de propósito e significado em nossas vidas e trabalhar para criar um ambiente seguro ao nosso redor.

XXVI. A MEDIDA PARA A FELCIDADE

Vimos que o cérebro deseja a sobrevivência buscando segurança e prazer através de uma combinação equilibrada de posses, prestígio, poder e sentido de vida. Com isso, sentimo-nos amados, protegidos e úteis, o que nos possibilita ter boas perspectivas quanto ao futuro. Entretanto, daí vem uma questão:

“Vocês falaram apenas da importância da combinação equilibrada de certos fatores. E a medida?”

Um aspecto muito importante a se considerar nessa questão é que tendemos a atrelar (in)conscientemente a sensação de felicidade a um fator comparativo. Por exemplo, pode haver uma sensação de insatisfação quando uma pessoa percebe que outras pessoas têm mais dinheiro, poder ou sucesso do que ela, mesmo que ela tenha muito disso tudo. Da mesma forma, uma pessoa pode se sentir feliz e grata com o que tem, mesmo que não seja muito em termos absolutos, se perceber que está em uma situação melhor do que outras pessoas. A psicóloga e antropóloga Susan Andrews diz que “inúmeros estudos têm mostrado que as pessoas prefeririam ter um salário anual de 50 mil dólares se as demais ganham 25 mil dólares a ganhar 100 mil dólares se as outras ganhassem 200 mil”.

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Já que buscamos sempre possuir, pelo menos, o que a maioria do grupo ao qual pertencemos possui, pode-se dizer, então, que (in)conscientemente nos apegamos a uma medida mínima para a felicidade, sendo que ela está relacionada àquilo que é prestigiado pelo grupo. Ora, se temos e fazemos o que o grupo prestigia, seremos prestigiados pelo grupo e teremos boa fama! Tendo boa fama, tendemos a ter as melhores oportunidades.

Arthur Paredes, publicitário especialista em Marketing e Neurociência, afirma em seu livro “Profundamente: Neuromarketing e Comportamento De Consumo” que “uma pesquisa publicada na revista Neuron revelou que processamos dinheiro e valores sociais na mesma região do cérebro, o corpo estriado. Ou seja, uma boa reputação tem um peso maior que o dinheiro como recompensa”.

Isso, na verdade é mais do que esperado, afinal de todos os seres vivos, o homem é um daqueles que menos defesas naturais e força física tem. Um pitbull, por exemplo, tem muito mais velocidade e força do que nós humanos. Daí veio a necessidade, para a nossa sobrevivência, de nos agruparmos. E esse fator é apontado por muitos como o determinante para a nossa sobrevivência e evolução como espécie.

No fundo, sabemos, embora muitos não admitam, que sem o prestígio vindo dos outros, teremos dificuldade de encontrar amigos, trabalho, compradores do nosso produto, um relacionamento amoroso, etc. E isso dificultará a nossa sobrevivência.

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Satisfeitas as necessidades mais básicas de alimento e abrigo, o dinheiro se torna um facilitador para alcançarmos esse prestígio. Veja como somos capazes de gastar muito dinheiro comprando ou fazendo coisas frequentemente inúteis somente para ostentar e assim chamar a atenção das pessoas. Além disso, o dinheiro e a beleza são facilitadores também porque, pelo senso comum, são indicadores de alguma virtude.

Geoffrey Miller, professor de psicologia evolutiva na Universidade do Novo México, usa o termo “Indicadores de Aptidão” para se referir a características e qualidades nossas que os outros percebem, sendo por elas atraídos. A beleza, a marca de roupa que usamos, o carro que possuímos, a profissão que exercemos, a empresa em que trabalhamos, os amigos que temos... tudo isso funcionaria como um atrativo, um indicador de “qualidade” (ou não) com relação a nós.

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Diante desse mecanismo arcaico, mas ainda em funcionamento no cérebro humano, psicólogos frequentemente dizem que NÃO é possível construir uma boa autoestima por conta própria. Ora, o prestígio é algo que somente os outros podem nos dar e é dessa percepção de prestígio que construímos uma imagem positiva de nós mesmos.

Por isso diríamos que o dinheiro nos move somente até certo ponto. Depois disso, somos capazes de topar tudo por prestígio. E o ambiente ou pessoa que nos prestigiar, para o bem ou para o mal, tende a nos moldar.

Por esta ótica, a medida para a felicidade VARIA conforme os tempos e circunstâncias da vida humana e poderíamos dizer que não é uma questão de quanto especificamente se tem de algo, mas sim de quanto se tem de algo em relação ao outro. Se voltarmos um pouco no tempo, o que era prestigiado por nossa sociedade e consequentemente proporcionava boa fama era, pelo menos, construir uma família, ainda que sem muitos recursos financeiros. Passado algum tempo, ter pelo menos um curso superior passou a ser prestigiado pela sociedade. Passado algum tempo, o mínimo passou a ter pelo menos pós-graduação. Veja como sob a ótica do fator comparativo, a “medida mínima” para a felicidade sempre vai aumentando. image

Nesse sentido, as redes sociais causam um impacto muito negativo, já que nos dão a sensação que a “medida mínima” para a felicidade está elevadíssima e quase que inalcançável. Parece que todo mundo supostamente tem milhares de reais na conta e os melhores parceiros de negócios e afetivos. Parece que todo mundo faz viagens constantes e frequenta os melhores restaurantes. Menos a pessoa que vê tudo isso através de uma tela de celular ou computador.

Antes das redes sociais, nosso universo de comparação era geralmente limitado a um grupo mais restrito de pessoas, como familiares, amigos próximos, colegas de trabalho ou vizinhos. Essas pessoas geralmente tinham um estilo de vida semelhante ao nosso, com as mesmas limitações financeiras, profissionais e pessoais. Com as redes sociais, o universo de comparação se expandiu significativamente, permitindo que as pessoas se comparem a um número muito maior e mais diversificado de indivíduos, muitos dos quais têm estilos de vida e realizações que parecem estar fora do alcance.

É claro que, nesse cenário, a consequência natural é um CICLO de insatisfação e frustração, que aumenta o número de pessoas depressivas, pois elas se veem incapazes de alcançar essa aparente “medida mínima” para a felicidade, que a cada geração vai aumentando e se tornando mais restrita. Um estudo feito por especialistas da University of Warwick, na Grã-Bretanha, Hamilton College, em Nova York e do Federal Reserve Bank em San Francisco mostrou que muitos países com altos índices de felicidade têm altos índices de suicídio. Stephen Wu, do Hamilton College diz que “(...) as pessoas julgam seu bem-estar em comparação com outras a sua volta”.

Como temos visto, isso é causado pelos instintos primitivos, que visam a sobrevivência da melhor forma possível e sempre buscando uma vantagem competitiva para a proteção da vida, a boa fama e a luta pelos recursos escassos da natureza. Atualmente, parece que esses mesmos instintos primitivos continuam a agir, fazendo-nos enxergar o bem-estar do outro não mais como uma ameaça direta a nossa vida, mas sim a nossa boa fama e, consequentemente, à nossa autoestima. Em outras palavras, é como se o bem-estar do outro ferisse a nossa boa fama, tirando de nós os holofotes e nos fazendo sentir desprestigiados. Ora, sem prestígio podemos perder oportunidades (de negócios, de afeto, etc.)! Também, é como se o bem-estar do outro o transformasse em um potencial zombador de nós.

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Precisamos tentar reeducar o nosso cérebro exercitando valores como a empatia, a solidariedade, a não comparação, a satisfação no presente e a cooperação. Se nos deixamos conduzir pelos instintos primitivos, os que muito têm, para se sentirem sempre no topo, não auxiliarão os que pouco têm; e os que pouco têm desejarão o mal dos que muito têm, sendo até capazes de prejudicá-los numa tentativa de igualar (ou inverter) as coisas. Esse ciclo é perigoso e causa muitos problemas pessoais e sociais.

No fim das contas, é possível até afirmar que a tal "medida mínima" para a felicidade é influenciada principalmente por meras convenções sociais e, consequentemente, comportamentos de manada, em vez de estar diretamente relacionada às necessidades humanas. Por isso, é importante que as sociedades trabalhem para promover valores fundamentais como a empatia e a solidariedade, visando o bem-estar e a realização tanto individual quanto coletiva, em vez de impor meras convenções baseadas em aspectos supérfluos.

Desprender-se da manada, exercitar o autoconhecimento e encontrar fontes mais autênticas e duradouras de felicidade é um árduo desafio, mas é necessário para desfrutarmos de uma verdadeira saúde emocional. A população global superou a marca de 8 bilhões de pessoas em novembro de 2022 e cada indivíduo tem sua própria jornada e suas próprias conquistas. É essencial focar na felicidade e satisfação pessoal, em vez de se comparar com outros, seja no mundo real ou no mundo virtual.

XXVII. EXERCITANDO O AUTOCONHECIMENTO

Como mencionamos, poderíamos dizer que o cérebro deseja a sobrevivência buscando segurança e prazer através de uma combinação equilibrada de posses, prestígio, poder e sentido de vida (sentir-se amado, protegido e útil), o que é bem diferente do que se difunde atualmente, isto é, uma visão materialista e egocêntrica, na qual a felicidade estaria em ter muito dinheiro, ser capaz de consumir alucinadamente, ostentar e satisfazer todos os prazeres imediatos.

Vimos a importância da construção de relacionamentos saudáveis, já que a humanidade só evoluiu até hoje porque houve a colaboração de diferentes conhecimentos de diferentes pessoas e culturas. Colaboração esta que tem possibilitado tornar a vida de todos gradativamente mais fácil e segura.

“Conhece-te a ti mesmo” é uma famosa frase atribuída a Sócrates. O psicólogo Igor Fabro Cabrera afirma que “nesses mais de 10 anos de carreira em atendimento como psicólogo clínico, eu vejo que a maioria das pessoas estão em depressão por falta de sonhos próprios, por comparações demais aos outros. (...). Talvez você não esteja vivendo a sua identidade”. Ainda, o psicólogo Marcos Lacerda diz que “o relacionamento que você tem consigo mesmo deve ser sempre o mais importante de todos, porque sendo uma pessoa melhor e bem resolvida com as coisas que você quer, gosta, sente ou se identifica, você consegue estabelecer relações muito melhores com quem está ao seu redor”.

Portanto, neste tópico vamos expandir a reflexão sobre o AUTOCONHECIMENTO e como cada pessoa pode encontrar o seu lugar a preencher no mundo. Para tanto, gostaríamos de propor algumas questões iniciais para uma autorreflexão:

(1) DO QUE VOCÊ REALMENTE GOSTA?

Ao longo da vida nos deparamos com diferentes situações e, por isso, o “EU” de hoje já não é o mesmo “EU”, por exemplo, de 10 anos atrás, e o EU de 10 anos no futuro não será o mesmo que o EU de hoje. Mudamos, amadurecemos. Apesar dessas mudanças pelas quais todos nós passamos, comece se definindo pelas coisas que você ama.

Um dos nossos piores inimigos é a busca a todo custo da boa fama. Desejando ser bem visto por todos, tendemos a anular nossos gostos, nossos talentos, nossas metas, etc. apenas para satisfazer os outros e assim ter deles a validação. Dessa forma, vamos nos tornando pessoas instáveis e pouco confiáveis. Vamos perdendo o nosso EU VERDADEIRO. Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, médica geriatra e que atua na área de cuidados paliativos afirma: “será que a gente precisa ficar doente para mudar de vida?”. Ela diz que um dos maiores arrependimentos das pessoas no leito de morte é “não ter feito a minha história de vida com base nas minhas escolhas. Eu escolhi as coisas para agradar os outros só que agora não são os outros que morrem. Sou eu. Eu perdi tempo fazendo o que eles queriam”.

Ora, nem todos querem que encontremos a nossa melhor versão! Não teremos a aprovação de todos, não importa o que façamos e isso é algo sobre o qual não temos controle! Essa é a realidade e temos que aceitar isso! Por essa razão, precisamos de relacionamentos saudáveis; não precisamos nos cercar de muitas pessoas! Poucas pessoas que realmente desejam a nossa evolução, auxiliando-nos a entender a nós mesmos e o mundo, são suficientes!

(2) O QUE VOCÊ REALMENTE FAZ BEM?

Contaminados pela busca a todo custo da boa fama, muitas vezes nos tornamos incapazes de enxergar os nossos próprios talentos e habilidades. Assim, corremos o risco de gastar tempo, energia e recursos apenas com aquilo que os outros dizem que deveríamos fazer e não com aquilo que temos talento e habilidade para fazer. Portanto, descobrir nossos talentos e habilidades é muito importante para a autoestima, o amor próprio. Dra. Ana Beatriz Barbosa afirma que “se a gente não resgata esses talentos essenciais, não se constrói autoestima em cima de palavras positivas – ‘eu sou bom...’, ‘eu sou maravilhoso...’. Isso não funciona”.

Por isso, é muito importante que tentemos nos desapegar da busca a todo custo da validação social. Só assim podemos nos focar naquilo que fazemos realmente bem e não naquilo que os outros genericamente (sem considerar nossas experiências vividas) nos dizem que devemos fazer.

A vida não tem fórmulas prontas e qualquer tentativa de imposição de alguma receita genérica é injusta. Cada pessoa é uma SOMA de experiências DIFERENTES e, por isso, desenvolve talentos e necessidades diferentes. Poderíamos até dizer que o que constrói a identidade de uma pessoa é o conjunto de experiências vividas. Veja como, por exemplo, uma pessoa que perde a memória se torna “outra pessoa” com outros gostos, outra visão de mundo, etc.

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Além de nos esforçamos para conhecer a nós mesmos, é muito importante que nos cerquemos de relacionamentos saudáveis, pois são esses tipos de relacionamentos que enxergam nossas habilidades e nos ajudam a desenvolvê-las. O reconhecimento constante e espontâneo por parte desse tipo de relacionamento é como um farol que aponta para um lugar dentro de nós que muitas vezes não percebemos por estarmos preocupados demais em seguir a “receita de bolo” e ter de qualquer um a validação.

(3) SEUS RELACIONAMENTOS ATUALMENTE, SEJAM ELES QUAIS FOREM, SÃO REALMENTE SAUDÁVEIS?

Para nos ajudar a conhecer nossos talentos, é muito importante que tenhamos relacionamentos saudáveis. Atualmente, muitas pessoas nas redes sociais propagam a ideia da autossuficiência, como se não precisássemos da ajuda de outras pessoas. Entretanto, é importante destacar que essa postura é contraditória, pois aqueles que pregam a autossuficiência acabam dependendo de seus seguidores para obterem sucesso em suas carreiras, lançando produtos e serviços que precisam ser comprados por outras pessoas. Em outras palavras, os ditos autossuficientes não vivem concretamente na autossuficiência, afinal a interdependência caracteriza nossas vidas.

Todos nós precisamos da colaboração das outras pessoas e o primeiro lugar que pensamos ao buscar essa colaboração é a família. Contudo, nem sempre a família é aquele lugar no qual descobrimos o nosso EU VERDADEIRO e somos ajudados a desenvolver nossos talentos e habilidades. Poderíamos até dizer que todos nós temos uma família disfuncional, sendo o nível de disfuncionalidade a única diferença. Por isso, construir relacionamentos “fora de casa” é muito importante (e até natural) para suprir essas lacunas.

Aliás, é comum se afirmar que a autoestima é algo que brota exclusivamente da própria pessoa, mas isso é PARCIALMENTE verdade.

Sim, é importante que a pessoa se sinta livre para desenvolver seus talentos e tenha constantemente a sensação de ser capaz de realizar as coisas e de que está progredindo, mesmo que a passos lentos. Isso lhe dá a sensação de VALOR.

Contudo, façamos uma analogia. Mesmo que o melhor produto já produzido tenha em si um grande potencial, se as pessoas não enxergarem esse valor, o produto valioso será tratado como um produto qualquer, ainda que concretamente as pessoas estejam erradas. Sendo assim, digamos que o “VALOR PRÁTICO” do valioso produto acaba sendo nulo. Por causa disso, muito provavelmente ele será retirado do mercado da mesma forma que um produto sem valor concreto.

Por isso, para a construção de uma autoestima sólida é necessário sim certo prestígio das outras pessoas, o que é diferente de dizer que precisamos ser prestigiados por TODAS as pessoas.

Ainda que o VALOR INTRÍNSECO do nosso esforço, resultados e talentos seja enorme, ele pode ser ANULADO na prática pela indiferença (equivocada) dos outros.

Alguns podem dizer: “Ah, mas quem não reconhece o valor concreto de uma pessoa está errado e sai perdendo”. Sim, mas convenhamos que nesse cenário, OS DOIS saem perdendo, pois a pessoa que não tem seu valor concreto reconhecido também perde oportunidades, ainda que injustamente.

Por isso, preocupemo-nos sempre em estar inserido em um ambiente de recompensas. Isso é importante para a PLENA autoestima, o que impactará na nossa motivação.

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Nós mencionamos anteriormente que a ocitocina costuma ser considerada a substância mais importante do quarteto fantástico da felicidade e que os vínculos sociais saudáveis possuem extrema importância na satisfação humana. George Valliant, psiquiatra e professor da Harvard Medical School chega a afirmar que “a única coisa que realmente importa é a sua aptidão social – as suas relações com outras pessoas”. Outro dado interessante é o FIB (Felicidade Interna Bruta), um novo indicador da ONU que leva em conta itens como bem estar humano, esgotamentos dos recursos da natureza, cuidados familiares e utilização do tempo de forma equilibrada. No Relatório Mundial da Felicidade de 2023, a Finlândia aparece como país mais feliz do mundo seguida da Dinamarca e Islândia. Jeffrey Sachs, um dos coautores do relatório, aponta dois fatores essenciais para a felicidade de um país, afirmando que “a lição obtida do relatório, nestes dez anos, é que a generosidade entre as pessoas e a honestidade dos governos são cruciais para o bem-estar”. Reforça-se, mais uma vez, a extrema importância dos vínculos sociais saudáveis.

Vemos por aí muitos cursos sobre “técnicas de atração”, mas tão importante quanto atrair pessoas, é saber distinguir relacionamentos saudáveis dos relacionamentos tóxicos afinal nem todas as pessoas que atrairmos estarão dispostas a praticar a reciprocidade! Sem essa distinção, as nossas lacunas se tornam um parque de diversões para (o ego ferido de) pessoas tóxicas, além de corrermos o risco de nós mesmos sermos tóxicos com os outros se não houver esforço individual para exercitar as características sociais mínimas para um bom convívio.

O ser humano constrói relações com base em afinidades, porém, a questão é: com base em que tipo de afinidades? Quando éramos crianças, as afinidades que nos uniam a outras crianças costumavam estar relacionadas a passatempos, a coisas que nos proporcionavam um prazer imediato. O problema é que nos tornamos adultos e muitos continuam a usar esse mesmo critério, sendo que a vida adulta nos apresenta outros desafios e somos levados a escolher prioridades. É claro que precisamos sempre de momentos de diversão, mas na vida adulta eles não devem ser buscados como meta exclusiva. É próprio da vida adulta buscar construir relações com base em algo mais sólido, recíproco e duradouro e ignorar isso é uma grande porta de entrada para pessoas tóxicas. Amadurecemos com o passar do tempo e as afinidades com pessoas que conhecíamos podem tanto crescer como desaparecer, afinal são inúmeras as possibilidades que a vida proporciona ao longo do caminho de cada um.

Pessoas que realmente desejam que encontremos a nossa melhor versão, não impõem suas vontades na nossa vida, pois compreendem que pessoas têm histórias diferentes e, por isso, desenvolvem talentos diferentes e possuem necessidades diferentes. Fazendo uma analogia, uma mesma doença pode se desenvolver de diferentes formas a depender do organismo e do histórico do paciente. Um bom médico, então, levando em consideração todo o histórico, o organismo como um todo, indica o melhor tratamento para aquela doença dentro das circunstâncias específicas de cada paciente. Um médico que indica um tratamento de forma genérica sem examinar bem o paciente e considerar seu histórico, não está ajudando realmente o paciente da mesma forma que um paciente que mente para o médico e não se esforça para seguir o tratamento indicado não está se ajudando.

“A nossa ajuda deve ter como base as necessidades dos outros e não as nossas”

Nessa mesma linha, Pedro Calabrez, Doutor em Ciências (Ph.D) em Psiquiatria e Psicologia Médica pelo Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, afirma:

Tem gente que acha que empatia é você se colocar no lugar do outro. Está errado! Se você se colocar no lugar do outro, é VOCÊ no lugar do outro. Empatia é você entender que o outro é OUTRO, que ele tem outra história, outras dores, outras competências, outras fraquezas, outras forças, outro perfil emocional, que aquilo que é dor para outra pessoa pode não ter sido para você, mas isso não diminui a dor da pessoa.

Porque tem gente que faz isto: "Ah, eu passei por isso e para mim foi tranquilo". Isso é problema seu! Você nunca sentiu o que aquela pessoa sente e para ela pode ser algo realmente grave. A mesma coisa com as alegrias.

Para que a gente promova a confiança, a gente precisa de mais empatia. A gente precisa entender essa questão de diversidade num sentido amplo. Somos diferentes! Nunca seremos capazes de estar dentro do corpo de outra pessoa e por isso a gente precisa ouvir mais. A gente vive num mundo que só quer falar.

Relacionamentos saudáveis procuram nos proporcionar aquilo que necessitamos e não o que os outros acham o que é melhor para nós apenas usando eles mesmos como referência. Relacionamentos saudáveis nos ouvem e nos auxiliam no processo de autoconhecimento, enxergando os nossos talentos e nos ajudando a desenvolvê-los. Fazem-nos enxergar o valor do EU VERDADEIRO.  

Pessoas que desejam realmente o nosso melhor nem sempre nos falam aquilo que gostaríamos de ouvir, mas não manipulam, dominam, condenam, desmerecem ou ridicularizam, como acontece em relacionamentos tóxicos. A intenção aqui é propositiva, é buscar soluções. É fazer com que voltemos nossos olhos para dentro de nós, afinal podemos estar contaminados pela busca a todo custo da boa fama e não estar enxergando nossos talentos e habilidades. E um ponto importante: ao receber uma visita em casa, normalmente dizemos “Fique à vontade”, não é mesmo? Contudo, o fato de dizer isso a uma visita não quer dizer que ela pode fazer tudo o que quiser na nossa casa. Sem um senso de limite espontâneo por parte da visita, o que há de pior pode começar a aparecer. Portanto, em relacionamentos saudáveis há um espontâneo senso de limite.

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Poderíamos dizer que em relacionamentos saudáveis o foco está na evolução mútua, enquanto que em relacionamentos tóxicos o foco verdadeiro (pois nem sempre é aparente) está em parasitar pessoas e inflar o próprio ego, através da manipulação, dominação, condenação, desmerecimento ou ridicularização dos outros.

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Uma pessoa tóxica vê o mundo como uma gangorra, isto é, para que ela esteja no alto, o outro necessariamente precisa estar embaixo. Possui uma autoestima tão baixa que é incapaz de se relacionar sem ter que medir forças com o outro para tentar se impor de alguma forma. Isso pode chegar ao ponto de fazer a pessoa sentir prazer pelo sofrimento (ou dor) do outro. Esse fenômeno, aliás, tem um nome, de origem alemã: schadenfreude. Neste caso, funciona como um alívio para a baixa autoestima da pessoa.

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Outro detalhe muito importante que costuma ser ignorado é que pessoas tóxicas também podem incentivar e elogiar, mas incentivam e elogiam nossos erros, que muitas vezes não percebemos, para que se beneficiem dos nossos erros, não evoluamos ou nos prejudiquemos no futuro. Pessoas tóxicas também podem ser “generosas” (entre aspas). “Quando a esmola é demais, o santo desconfia” é um famoso ditado popular que nos alerta para o perigo da bondade exagerada. Promessas altas, elogios constantes, recebimento constante de presentes, etc. sem motivos é tática recorrente das pessoas tóxicas. É como se elas enxergassem o outro exclusivamente como um investimento, isto é, essas pessoas costumam investir pouco querendo receber muito. Cedo ou tarde, daí nascem as manipulações, cobranças constantes, etc. Não há equilíbrio, limites ou espontaneidade nessas circunstâncias.

(4) QUAIS SÃO OS SEUS ASPECTOS A SEREM MELHORADOS?

É relativamente simples definir o que é relacionamento saudável para nós, mas será que nos esforçamos para propiciar um relacionamento saudável para os outros? Todos nós somos um misto de luz e trevas, mas quando desejamos a boa fama a todo custo, tendemos a (ainda mais) escancarar aquilo que julgamos ser bom em nós e ocultar ou terceirizar o que há de negativo em nós.

Tal atitude equivocada só causa prejuízos, porque, além de nós nos tornar pessoas extremamente desagradáveis para os outros, uma hora a conta chega. Cedo ou tarde nós nos daremos conta do fardo que é não trabalhar constantemente para melhorar o que precisa ser melhorado em nós. Muito provavelmente afastaremos pessoas de nós e nos veremos impotentes diante das situações, pois estaremos sozinhos e cheio de vulnerabilidades, que preferimos fingir que não tínhamos.

Precisamos ser eternos aprendizes. Precisamos ter consciência que pessoas boas na verdade são aquelas que, sabendo que possuem um lado de trevas, esforçam-se constantemente para dissipá-las e evoluírem de alguma forma todos os dias.

(5) O SEU TRABALHO ATUAL TEM RELAÇÃO COM O QUE VOCÊ REALMENTE GOSTA E COM O QUE VOCÊ REALMENTE TEM HABILIDADE PARA FAZER?

Podemos estar gastando tempo, energia e recursos ESTUDANDO o que não gostamos e temos habilidade e TRABALHANDO naquilo que não gostamos e não temos habilidade, pois costumamos ouvir coisas como “o importante é ter um salário no fim do mês!”

É claro que precisamos de dinheiro para ter o básico e nem sempre somos livres para escolher o emprego que gostaríamos. Como as contas não esperam, a segurança não espera, o estômago não espera, muitas vezes nos vemos obrigados a aceitar qualquer proposta de emprego. Porém, isso pode se tornar uma tortura, um fardo. Por isso, não podemos nos acorrentar a ponto de fechar os olhos para a importância da saúde emocional e para as oportunidades que possam surgir relacionadas àquilo que gostamos e temos habilidade para fazer.

Podemos tentar tirar dessa situação um bem. Não é difícil nos deparar com histórias inspiradoras de pessoas que trabalharam em algo não tão valorizado pela sociedade, investiram seus salários em suas paixões e talentos até o ponto de suas paixões e talentos se tornarem sua fonte de renda. Tais pessoas estavam apenas captando recursos para algo maior e não se preocupavam em ser bem vistas por todos! No fundo, viam o emprego que não gostavam e que não era tão valorizado pela sociedade apenas como PONTE e não como um fim.

Então, cremos que o ideal seja conhecer o que gostamos, os nossos talentos e habilidades, especializar-se e rentabilizar, ainda que se tenha que trabalhar em outras áreas de forma transitória, apenas como forma de captar recursos ou até que oportunidades se apresentem a nós. Normalmente ao trabalhar no que gostamos e temos talento, o nosso desempenho é maior do que se trabalhássemos em outras áreas, além de estarmos mais receptivos a novos conhecimentos. Com isso, a tendência é que as portas se abram com mais facilidade e mais oportunidades de crescimento apareçam.

Alguns podem questionar o que mencionamos afirmando que por natureza o trabalho transforma as coisas em obrigação, podendo fazer com que passemos a não gostar daquilo que gostávamos quando não tínhamos a obrigação de fazer e com isso ofuscar o nosso talento.

Ainda que isso possa realmente acontecer, convenhamos: em tudo na vida há prós e contras e precisamos assumir responsabilidades e compromissos de certa forma. Não há como fugir disso! Não assumir compromissos e responsabilidades faz com que nos tornemos justamente pessoas sem identidade e que não inspiram confiança por não saberem o que querem da vida. O que faz, por exemplo, uma pizzaria entregar a você exatamente a pizza que você pediu? O compromisso, o senso de responsabilidade para com quem confia no trabalho deles. Não faria nenhum sentido a pizzaria não entregar o seu pedido alegando que não quer se sentir obrigada com ninguém. Você não compraria mais nessa pizzaria e não a recomendaria a ninguém, não é mesmo?

Assim como essa pizzaria estaria condenada ao fracasso, pessoas não dispostas a assumir compromissos e responsabilidades também estão! Não podemos ser eternas crianças que não possuem responsabilidades e obrigações, tendo os pais como escudo! Inevitavelmente, nós nos tornamos adultos e com isso novos desafios aparecem! Assumir responsabilidades, honrar compromissos, ganhar e perder, errar e aprender, avançar e recuar, tudo isso faz parte da vida (adulta)!

(6) COMO SUAS HABILIDADES E TALENTOS PODEM AJUDAR A MELHORAR A VIDA DAS PESSOAS E O MUNDO?

Sentir-se útil para as pessoas, para o mundo é muito importante para a saúde emocional e para a sensação de felicidade. Por isso busquemos unir a rentabilização do que se ama e se tem talento para fazer com a colaboração com as pessoas e o mundo. Isso pode ser alcançado, por exemplo, quando fazemos bem o nosso trabalho e percebemos que concretamente ele tem ajudado a melhorar a vida das pessoas, o mundo de alguma forma, seja por um elogio recebido, um depoimento positivo, recomendações que fazem de nós a outras pessoas, etc. Outro exemplo é dedicar uma parte do tempo para algum trabalho voluntário.

(7) COMO SERIAM SEUS ÚLTIMOS MOMENTOS DE VIDA E O AMBIENTE DE SEU VELÓRIO?

Sim... tocar nesse assunto em tempos em que vivemos uma positividade tóxica e uma ditadura da felicidade parece loucura, mas é necessário para uma boa reflexão e autoconhecimento, afinal inevitavelmente... um dia morreremos!

Em seus últimos momentos de vida você gostaria de estar rodeado de pessoas que você ajudou a evoluir e ouvindo delas palavras de agradecimento ou sozinho por ter sido uma pessoa desagradável? Em seu velório você gostaria de ver pessoas comentando o quanto você foi importante na vida delas ou apenas discutindo a partilha dos seus bens?

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Enfim, pense nas MARCAS que você deixará nesse mundo! Bons ou ruins todas as pessoas deixam rastros. Podemos ter APENAS SOBREVIVIDO regidos pela lei da selva ou ter REALMENTE VIVIDO buscando todos os dias evoluir e contribuir com as pessoas e o mundo de alguma forma.

***

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“O verdadeiro prazer do homem é fazer aquilo para que foi feito” (Marco Aurélio, imperador romano)

Diferentemente de um jogo, a vida não possui CHECKPOINTS, pontos que tornam possível “voltar ao passado” para que possamos refazer as coisas a partir desses pontos se algo der errado lá na frente. Só podemos caminhar para frente aprendendo com as experiências boas e ruins e cada dia a mais de vida é um dia a MENOS de vida! Veja como a vida é muito curta para perdemos tempo, recursos e energia com relacionamentos tóxicos, objetivos fantasiosos, objetivos alheios que acreditamos ser os nossos objetivos ou não buscando evoluir como pessoa a cada dia!

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Deixar de querer alcançar os objetivos dos outros (mas que acreditamos serem nossos) é importantíssimo para aproveitarmos melhor nosso tempo, nossos recursos, nossa energia e nosso talento. Deixar de querer ser bem visto por todos é difícil, mas necessário se quisermos nos conhecer verdadeiramente. Não precisamos de muitas pessoas do nosso lado; apenas daquelas que nos auxiliam a descobrir e desenvolver o nosso EU VERDADEIRO!

XXVIII. EM BUSCA DO AMBIENTE DE RECOMPENSAS

Vimos que a dupla esforço individual e ambiente de recompensas é muito importante para se chegar a um objetivo. O esforço individual e o ambiente de recompensas estarão em constante troca, através da qual haverá o benefício mútuo. Pode ocorrer de haver esforço individual estando no lugar errado ou rodeado de pessoas erradas, como também podemos estar em um ambiente de recompensas, mas não haver esforço individual de nossa parte.

Ressaltamos com frequência a importância da dupla esforço individual e ambiente de recompensas, porque no senso comum moderno há uma tendência de se acreditar (e de se afirmar) que o esforço individual é inevitavelmente reconhecido seja onde for, como se esse reconhecimento fosse certo como a matemática e o esforço individual, um valor objetivo e inegável. Por causa disso, é comum presenciarmos afirmações como: “Se você não teve o reconhecimento ainda, é por que VOCÊ não está se esforçando o suficiente”.

Entretanto, no mundo real, o reconhecimento do esforço individual NÃO é certo seja onde for, porque o esforço individual é um valor subjetivo e sujeito a distorções.

Como assim?

Fazendo uma analogia, se perguntássemos: “Qual é a melhor seleção de futebol: a brasileira ou a argentina?”, certamente as respostas seriam diferentes, dependendo a quem perguntássemos. Ressaltando uns aspectos e ignorando outros, cada um tenderia a responder essa pergunta conforme fosse mais conveniente ao seu sistema de crenças, ainda que distorcendo os fatos concretos. A política é um exemplo no qual percebemos essa tendência humana ainda mais claramente.

Queiramos ou não, assim também é o esforço individual: um valor subjetivo, porque antes de estar relacionado aos resultados concretos, passa pelo sistema de crenças de quem o avalia, estando sujeito ainda a distorções (propositais ou não). Ora, estamos falando de HUMANOS, seres dotados de luz e sombra, de conhecimento limitado, preconceitos e livres, e não de máquinas desprovidas de qualquer tipo de parcialidade.

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Diz o famoso ditado: “Cada cabeça uma sentença”. Por exemplo, uma pessoa que estuda 4 horas por dia pode ser vista por alguns como alguém esforçado, mas para outros essa mesma pessoa pode ser vista como alguém preguiçoso, porque na visão de quem avalia, uma pessoa esforçada é quem estuda pelo menos 8 horas por dia. Além do mais, estamos sujeitos a distorções como, por exemplo, a pessoa é vista por outra como alguém esforçado, mas expressar isso poderia ser sinônimo de perder o lugar na empresa. Logo, é melhor desmerecer a pessoa ainda que injustamente.

Portanto, é muito importante que nos preocupemos também em procurar e nos cercar de pessoas que reconheçam o valor do nosso esforço individual, pois por mais esforçados que sejamos, estando no lugar errado e/ou com pessoas erradas, nosso esforço nunca será o bastante ou mesmo não valerá nada! Em um ambiente no qual prevalece a indiferença, originada de preconceitos, falta de conhecimento, instinto de competição, etc., muitos indivíduos com habilidades e talentos valiosos podem ser ignorados e deixados de lado. Isso pode levar a uma perda significativa para a sociedade, pois esses talentos poderiam ser utilizados para melhorar a vida de muitas pessoas.

Aquele que diz “Eu não vou fazer mais nada, porque ninguém reconhece os meus esforços” tem razões para afirmar isso, mas não tem razão em ficar estagnado. Tem razões para afirmar isso, porque em um ambiente de indiferença qualquer esforço será (quase) nulo. Contudo, não tem razão em ficar estagnado, porque parte de uma visão fatalista, como se só existisse esse ambiente para a pessoa e ela não pudesse definitivamente procurar outros. Se o ditado “Cada cabeça uma sentença” tem seu lado negativo, porque estamos sujeitos a julgamentos injustos, por outro lado, se “Cada cabeça uma sentença”, então temos inúmeras possibilidades de ter o nosso esforço reconhecido e recompensado.

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Afirmações como: “Se você não teve o reconhecimento ainda, é por que VOCÊ não está se esforçando o suficiente” nos conduzem a erros de avaliação, pois, como vimos, o esforço não é um valor objetivo e o problema pode estar no ambiente (lugares e/ou pessoas ao redor).

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Contudo, a seguinte pergunta poderá pairar na sua cabeça: “Ok! Realmente é importantíssimo eu me esforçar estando no lugar certo, com pessoas certas. Porém, ainda não consegui encontrar um ambiente de recompensas! Como encontrar esses lugares certos e essas pessoas certas?

Essa pergunta é muito válida, haja vista que o esforço individual é algo CONTROLÁVEL pela pessoa, mas conseguir estar em um ambiente de recompensas DEPENDE de uma série de fatores que podem fugir do controle da pessoa.

Nós já abordamos a questão da aceitação social ao tratar justamente da ferramenta do “AMBIENTE DE RECOMPENSAS”, porém, gostaríamos de ampliar a reflexão tratando de quatro questões importantes. A primeira se trata de um equívoco que muitas pessoas cometem ao procurar um ambiente de recompensa. Isto pode ser chocante, mas o equívoco trata-se de:

“Ter como dogma a crença de que familiares e pessoas que você considera amigos atualmente serão sempre seu ambiente de recompensas!”

Como assim?

Como mencionamos ao tratar da ferramenta do “AMBIENTE DE RECOMPENSAS”, dificilmente nos relacionamos com pessoas que não tenham algo em comum conosco (visão de mundo, gostos, metas, etc.) e poderíamos completar essa afirmação dizendo que dificilmente APOIAMOS ações que não tenham relação com essas coisas. O ser humano constrói relacionamentos com base em afinidades e, se mudamos nossa visão de mundo, gostos, metas, etc., de certa forma é como se nos transformássemos em outra pessoa. É até natural que pessoas com quem nos relacionamos até então, não vejam (muito) VALOR nisso tudo, a menos que passem a se igualar a esse “novo eu” que apresentamos a elas.

Buscar um ambiente de recompensas nos familiares e pessoas que consideramos amigos atualmente é natural, afinal são pessoas que já nos acolhem. Ter que procurar um novo ambiente de recompensas pode ser trabalhoso e ainda corremos o risco de sermos rejeitados! Porém, diante de uma mudança de rumo nossa, é preciso entender que, se quisermos o apoio deles, eles precisam enxergar VALOR nessa mudança de rumo. Precisamos esquecer que são familiares e amigos! Precisamos tentar vender a ideia para eles, como numa relação vendedor e consumidor. Se comprarem a ideia, tudo bem, mas se não comprarem, devemos sair anunciando o nosso “produto”(o nosso objetivo) EM OUTRO LUGAR e PARA OUTRAS PESSOAS até encontrarmos compradores. Até encontrarmos quem esteja indo na mesma direção que esse “novo eu”. Também, é bem provável que se familiares e amigos não comprarem sua nova meta, eles nem o ajudem a procurar quem possa comprar! Fazendo uma analogia, geralmente se um produto não nos interessa, nós pessoalmente não compramos e também não divulgamos para outras pessoas.

É claro que pode haver uma falta de apoio proposital por conta de um sentimento de competição, de uma visão de gangorra, isto é, para que um esteja no alto o outro precisa estar embaixo necessariamente. E isso também vale para laços familiares, infelizmente. Por isso, é preciso ter os pés no chão e desapegar de certas crenças que só acabam causando incômodos em nós mesmos e nas outras pessoas. Precisamos ter expectativas flexíveis e ajustadas com a realidade quando se trata de pessoas também. Ter como dogma a crença de que familiares e pessoas que você considera amigos atualmente serão sempre seu ambiente de recompensas pode ser uma grande causa de desmotivação, se deles você não receber o apoio para uma nova meta.

É uma questão de maturidade entender que pessoas são como barcos buscando direção. Todos nós estamos remando carregando a esperança em busca de nossos objetivos, do nosso propósito. Muitos barcos diferentes passarão ao nosso lado. Alguns virão conosco buscando a mesma direção que nós; outros nos deixarão querendo ir para outras direções. As pessoas são livres para mudarem de direção e, desde que estejam em busca de serem pessoas melhores, qual o problema?

Diante de uma recusa de apoio ou da indiferença de amigos e familiares muitos costumam reclamar: “Puxa! Pensei que você fosse meu amigo!”, “Puxa! Sou da família e você não me apoia!”, etc. Contudo, amigos não são aqueles que ficam para sempre conosco, mas são aqueles que, apesar de tomarem rumos diferentes, desejam sinceramente que encontremos a nossa melhor versão! São aquelas pessoas que vamos encontrando ao longo do caminho e, não importando o tempo que fiquem conosco, colaboram concretamente conosco e nós com elas em busca da melhor versão de cada um. Familiares são como os nossos primeiros instrutores, aqueles que nos ensinam a remar e nos dão as instruções básicas de como enfrentar o mar. Mas não quer dizer que eles vão sempre nos acompanhar. Familiares são aqueles que começam a jornada no mesmo lugar que nós, mas não quer dizer que são obrigados a almejar o mesmo lugar que nós.

Pensar que amigos atuais e familiares são obrigados a sempre nos acompanhar, no fundo é querer que eles anulem suas visões de mundo, gostos e metas por nós! É uma atitude nada saudável! É uma atitude egoísta e manipuladora! O contrário também é verdadeiro: amigos atuais e familiares podem ser justamente aqueles que nos acorrentam impedindo nosso autoconhecimento e desenvolvimento dos nossos talentos verdadeiros! Por exemplo, muitos são os pais que infelizmente apenas desejam se “imortalizar” na figura de seus filhos. Fecham os olhos para os talentos verdadeiros de seus filhos, tratando-os como meras extensões que devem apenas continuar a vida dos pais, sendo o que os pais gostariam de ser e tendo aquilo que os pais gostariam de ter. Assim os pais poderão se sentir finalmente orgulhoso e representados, mesmo que isso tenha anulado a identidade, os talentos verdadeiros de seu filho.

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Aliás, se formos sinceros, muitas vezes nos daremos conta de que precisamos quebrar um ciclo familiar de crenças, valores e atitudes equivocados. Reconhecer essa necessidade pode ser um processo doloroso e desafiador, mas também é um passo importante para o nosso desenvolvimento pessoal e a construção de uma vida mais plena e satisfatória para nós mesmos e para aqueles que nos cercam. Afinal, se nossas feridas emocionais não forem curadas, é bem provável que desejaremos fazer com que os outros sintam as mesmas dores que sentimos.

Cada pessoa é uma peça única e incomparável nesse grande quebra-cabeça e tem um propósito diferente a cumprir. Tem o seu próprio espaço, que deve procurar e preencher. Cada vida é uma história única a ser escrita!

Agora passemos para o segundo ponto importante:

“Ambiente de recompensas virtual ou real?”

O aparecimento das redes sociais e mais recentemente dos aplicativos de relacionamento fez as pessoas caírem em um dilema. O que é melhor? Relacionamentos virtuais ou relacionamentos reais?

Cremos que os dois mundos – virtual e o concreto – tenham suas vantagens e desvantagens. A vantagem do mundo virtual é que há um número muito maior de pessoas com quem podemos interagir, o que faz com as chances de encontrarmos pessoas com afinidades sejam muito maiores. No mundo concreto, esse número é menor, principalmente para quem mora em cidades com menos habitantes. Tal fato pode impactar na motivação, uma vez que a procura por um ambiente de recompensas fica prejudicada.

A desvantagem do mundo virtual é que, na mesma proporção que temos mais chances de criar conexões, há maiores chances de essas relações serem superficiais, de sermos alvos de julgamentos injustos ou de sermos rejeitados, o que pode acabar prejudicando a nossa autoestima, a nossa motivação e nos deixar inseguros ou com outros problemas comportamentais. Nas redes sociais acabamos nos tornando como um produto dentre muitos outros nas prateleiras de um supermercado.

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Isso causa o chamado “PARADOXO DA ESCOLHA”, isto é, quanto maior o número de opções possíveis para nós, maior tende a ser o grau de insatisfação. Na expectativa de encontrar a opção perfeita em meio ao grande número que se apresenta disponível a nós, tendemos a sempre ficar com a pulga atrás da orelha: “Será que escolhi certo?”, “Será que não há opção melhor se eu procurar mais um pouco?”, etc. Daí vem a máxima: “menos é mais (ou melhor)”.

Além disso, o fato de no mundo virtual não presenciarmos concretamente as reações da pessoa atiça o nosso lado sombrio, como a intolerância e a indiferença. Ora, se estamos presencialmente com uma pessoa, tendemos a modular as nossas atitudes de acordo com os sinais que vamos percebendo no outro (o levantar de sobrancelha, o olhar para o lado, etc.) para que não haja mal-entendidos e possíveis danos emocionais ou físicos. Por outro lado, essa falta de percepção das reações do outro pode ser uma vantagem, pois pode fazer com que nos sintamos mais à vontade para expressar nossas opiniões, sentimentos, angústias, etc.

No mundo virtual pessoas podem ser o que elas quiserem ser. Usar a tela de um computador ou de um celular como máscara pode fazer com que fiquemos dependentes disso para interagir com as pessoas e percamos as nossas habilidades sociais concretas. Pode fazer com que nos tornemos antissociais na prática, sendo um personagem virtual agradável e cheio de amigos nas redes sociais, mas completamente desagradável ou inseguro nas relações reais de escola, família, trabalho, etc.

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Por essas e outras razões, é essencial que tenhamos equilíbrio e discernimento. Amizades reais e amizades virtuais podem se complementar. Como afirma o psicólogo Diego Falco, “o problema é se você só tem amizades virtuais e se principalmente o motivo disso é por que você tem medo do que pode acontecer se você investir nas amizades da sua cidade, do seu ambiente. (...) Você vai ficar cada vez mais preso nesse mundo virtual, não saindo, não desenvolvendo as suas relações. (...) Que tenha aí um equilíbrio”. Ainda, a psicóloga Luciana Kotaka afirma que “é importante cuidar para não viver em função dos amigos virtuais e poder ter uma vida real, pois o isolamento social é muito perigoso, os contatos pela internet não substituem as relações presenciais”. Ela continua dizendo que se restringir às relações virtuais “fortalece o individualismo, a falta de traquejo social, atividades prazerosas que fazemos em grupo, como jogar futebol, sair para um happy hour”.

E convenhamos: mesmo aqueles que gostam de fazer amizades no mundo virtual, uma hora ou outra sentirão o desejo de encontrar presencialmente os amigos virtuais, fazendo que deixem de ser amigos virtuais propriamente ditos. Ou seja: no fim das contas, instintivamente sentimos falta do contato físico com as outras pessoas, do olho no olho, seja um aperto de mão, um abraço, etc. Isso gera maior confiança e solidez.

Outro ponto a se considerar nesta questão é que para o aprendizado de línguas é essencial que a relação seja estável e duradoura. Na internet, quem já não se deparou com a situação, por exemplo, de ter conseguido encontrar um nativo, mas a relação foi tão superficial que acabou durando apenas alguns dias? A relação não se solidificou. Com isso, a pessoa acaba entrando em um ciclo de “procura contato, encontra contato, perde contato...”. O tempo vai passando e a motivação diminuindo dada a dificuldade de se construir uma relação sólida e evoluir de fato nas habilidades comunicativas.

Portanto, cremos que para a prática de idiomas, relacionamentos no mundo real tenham uma certa vantagem sobre relacionamentos virtuais dada à possibilidade de maior confiança e solidez, mas é claro: quem decidirá o que é melhor é VOCÊ MESMO considerando as suas circunstâncias individuais. Na internet podemos procurar nativos em redes sociais voltadas para a aprendizado de idiomas e no mundo concreto, frequentar lugares na cidade onde possam haver nativos como instituições (filantrópicas, esportivas, de ensino, etc.) e comunidades de nativos.

Passemos para o terceiro ponto:

“Ambiente de recompensas ANTES de iniciar a jornada ou DURANTE a jornada?”

Essa questão é importante porque geralmente influencia DIRETAMENTE a motivação. Ao tratar da ferramenta “Satisfação no Presente”, mencionamos a importância de se encontrar satisfação AGORA MESMO no próprio processo de aprendizado. Isso se refere essencialmente a uma motivação interna, isto é, aquela que nasce de dentro de nós mesmos, como a satisfação em realizar uma tarefa ou o desejo de alcançar uma meta pessoal. Já a motivação externa é aquela que nasce de fatores externos, como reconhecimento e ganhos financeiros.

Que fatores externos são importantes para mantermos nossa motivação e alcançarmos nossos objetivos, ninguém duvida. O vendedor mais competente será visto como incompetente se pessoas forem indiferentes ou (propositalmente) não enxergarem suas qualidades. Também, o reconhecimento por si só de suas habilidades como vendedor não dará frutos se pessoas concretamente não comprarem seus produtos, pois a capacidade de um vendedor é medida justamente pela habilidade de conquistar clientes e fazê-los comprar. Mas se o vendedor não procurar mostrar suas qualidades mesmo que ainda não tenha compradores propriamente ditos, dificilmente terá compradores no futuro.

Que dilema para o vendedor! Esforçar-se para conquistar compradores ou esperar compradores para só depois aí sim se esforçar para melhor atendê-los?

Essa pergunta parece boba, mas reflete um desejo de todos nós humanos: o desejo da certeza para não correr riscos!

O cérebro é uma máquina voltada para a sobrevivência e não gosta de gastar energia sem propósito. Por ter como meta principal a sobrevivência, poderíamos dizer que o cérebro tem uma tendência de se preocupar mais com o risco de perder do que com a possibilidade de ganhar, afinal é o risco, o desconhecido que podem ser sinônimos de energia desperdiçada, de ameaça ou mesmo de morte. Hao Li, neurologista do Salk Institute, afirma que “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”.

Movidos por esse instinto de evitar o desconforto e o desperdício de energia, muitos podem pensar: “Se ninguém acredita em minhas habilidades, não vou fazer nada! Será sempre inútil!”. Tal maneira de pensar conduz ao seguinte ciclo:

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Infelizmente (ou felizmente) não há como não correr o risco do “desperdício de esforço” se quisermos evoluir, aprender. Poderíamos até dizer que o simples fato de desejar algo novo já é como assinar um termo de responsabilidade estando ciente do risco que corremos. Uns menos, outros mais. Cabe a cada um, considerando questões individuais e incomparáveis, analisar até quando vale a pena correr esses riscos.

No caso do ambiente de recompensas, não há como negar que é preferível que já estejamos inseridos em um ao iniciar nossa jornada. Isso nos dá logo de cara maior segurança e maiores indícios de que nossos esforços não serão em vão. Por outro lado, se este não for o caso, teremos que sair em busca de um ambiente de recompensas e não querer correr o risco do esforço desperdiçado, poderá dificultar a nossa inserção em um ambiente de recompensas, já que pessoas possivelmente não sentirão firmeza em nosso propósito. Não transmitiremos credibilidade, passando a imagem de pessoas pouco comprometidas. E tendo que buscar um ambiente de recompensas durante a jornada, haverá sim o risco de a motivação diminuir na medida que demoramos para nos inserir em um ambiente de recompensas.

Refletir sobre o NÍVEL DE CREDIBILIDADE que transmitimos é importante, pois naturalmente as pessoas precisam sentir que estamos realmente comprometidos com algo para nos apoiar.

A CREDIBILIDADE é fundamental para estabelecer relações interpessoais bem-sucedidas e a falta dela pode afetar negativamente a imagem de uma pessoa e torná-la menos confiável e menos propensa a interagir com outras pessoas, ainda que injustamente. Infelizmente, muitas vezes isso acontece devido a estereótipos e preconceitos enraizados na sociedade, o que torna a mudança de comportamento em nível social uma tarefa árdua e lenta.

Transcrevemos agora uma fala do professor Reinaldo Polito, Mestre em Ciências da Comunicação:

"Desejamos tanto qualidades que às vezes falamos como se já as possuíssemos. Só que as pessoas que estão a nossa volta percebem que a história é um pouco diferente. (...) Começa a existir uma espécie de divórcio entre a palavra e a atitude e a credibilidade vai embora"

Ele também destaca um trecho do Sermão da Sexagésima, do Padre Antônio Vieira:

"Sabem, Padres pregadores, porque fazem pouco abalo os nossos sermões? -- Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos. Porque convertia Batista tantos pecadores? -- Porque assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos"

Ao mencionar anteriormente o ditado popular “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”, afirmamos que ele ilustra bem a tendência que temos de nos moldar de acordo com o ambiente (ou pessoas) com o qual estamos interagindo ou queremos interagir ou, ainda, o fato de escolhermos o ambiente (ou pessoas) que melhor acolha o nosso jeito de ser. Tudo isso por que buscamos a aceitação, a boa fama diante dos demais. Outro aspecto que esse ditado mostra é que de certa maneira os outros tendem a ver em nós as qualidades ou defeitos do grupo em que estamos inseridos.

Podemos usar analogias para entender melhor essa situação. Por exemplo, assim como um jogador de futebol em um bom clube tende a ser mais bem visto do que um jogador em um clube pequeno, um profissional que trabalha em uma multinacional famosa é mais bem visto do que um desempregado há três anos. O jogador em um clube de renome tende a conseguir as melhores oportunidades, assim como o profissional em uma multinacional. Ou seja, estar inserido em um ambiente bom ou bem visto tende a ser encarado pelos outros como um atestado espontâneo de capacitação. Disso podemos montar o seguinte ciclo:

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Do ponto de vista evolutivo esse comportamento parece ter uma explicação. Como já sabemos, o nosso cérebro tem como meta a nossa sobrevivência e para ele evitar o perigo é mais importante do que buscar recompensas. Por causa disso, é como se tivéssemos uma tendência de “terceirizar os riscos”, de modo que é mais seguro escolher alguém já selecionado antes por alguém (de “comportamento testado”) do que escolher alguém nunca selecionado (de “comportamento não testado”), pois neste caso o risco passa a ser todo nosso. Essa validação ou não validação anteriores de comportamentos e ações costuma ser chamada de “prova social”. Por isso seria mais fácil, por exemplo, arrumar um emprego estando empregado, pois se uma empresa já nos escolheu, aos olhos de outra empresa é como se isso fosse um atestado de valor. Se uma pessoa está desempregada há muito tempo ou ficou pouco tempo nas empresas anteriores, isso tende a desfavorecer a pessoa, pois é como se isso indicasse um forte indício de que ela não tem valor e dar uma oportunidade a ela é correr um risco.

Uma coisa que podemos fazer é tentar minimizar o risco de desperdício de esforço. Além de metas flexíveis e ajustadas com a realidade que se apresenta a nós e conhecimento e resultados concretos, fazendo uma analogia, se desejamos ir às montanhas, devemos nos focar em dois tipos de pessoas:

➩ nas pessoas que REALMENTE querem ir às montanhas (e que ACREDITAM em nosso desejo e capacidade de ir);

➩ nas pessoas que já foram às montanhas e voltaram (e que ACREDITAM em nosso desejo e capacidade de ir).

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O problema é que muitos perdem tempo tentando convencer pessoas próximas que não querem ir às montanhas e/ou não dão credibilidade ao propósito e capacidade de ir às montanhas. Assim como ninguém é obrigado a acompanhá-lo até as montanhas ou dar credibilidade a você, você não é obrigado a deixar de ir às montanhas por conta de pessoas que não querem ir ou não acreditam em você. Se for uma meta viável, qual o problema? Se tiver que procurar novos relacionamentos, que serão seu ambiente de recompensas para essa meta, qual o problema?

Agora, vamos ao quarto ponto:

“Rejeição não é sinônimo de ter pouco valor de fato

A interação constante e sólida com nativos é ponto fundamental para o aprendizado de idiomas, mas a aceitação por parte deles é um fator que não está em nossas mãos. Estaremos sujeitos à rejeição e isso pode afetar a nossa autoestima e, consequentemente a nossa motivação. Afinal, muitas vezes a rejeição é interpretada como sendo causada exclusivamente por uma falta de valor em nós e que todas as outras pessoas enxergarão essa mesma falta de valor.

Esse é um GRANDE engano. Como vimos, cada pessoa é uma SOMA de DIFERENTES experiências vividas e, por isso, desenvolve DIFERENTES talentos e DIFERENTES necessidades. Isso torna cada pessoa ÚNICA no mundo. Partindo dessa perspectiva, sofrer UMA rejeição significa simplesmente que UMA pessoa, ÚNICA no mundo, rejeitou o outro. Significa simplesmente que UMA única pessoa no mundo não enxergou, com base em seu sistema de crenças pessoal, algum benefício em manter uma relação social com outro.

Claro que diante de uma rejeição é sempre bom fazer uma autorreflexão para analisar se não estamos de fato falhando em algo, mas isso é diferente de afirmar categoricamente que rejeição é causada por uma falta de valor pessoal que será percebida por TODOS. Fazendo uma analogia, não é por que uma pessoa não compra determinado produto que ele DE FATO seja sem valor. Ele apenas não atende as necessidades individuais da pessoa. Haverá muitas outras pessoas que necessitam desse mesmo produto.

Alguém pode questionar o que mencionamos afirmando que existe o senso comum, o comportamento de manada, que muitas vezes acaba ditando as ações dos indivíduos, fazendo-os agir da mesma forma diante de um mesmo estímulo ou circunstância.

Sim, realmente existe o comportamento de manada, mas há um ponto muito importante aqui: o comportamento de manada é (e sempre será) uma TENDÊNCIA, afinal as pessoas SÃO LIVRES para agirem. Então, mesmo considerando o comportamento de manada, não há como saber de fato, quem está “dentro dessa manada”. Sendo assim, a incógnita com relação ao comportamento de uma pessoa ainda permanece e, justamente por isso, o que mencionamos ainda é válido, isto é, UMA rejeição se refere a UMA pessoa (e não a uma suposta massa).

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Portanto, procuremos encarar a rejeição como algo referente exclusivamente à pessoa que rejeita e não a uma suposta massa, pois as pessoas SÃO LIVRES e podem não estar nessa suposta massa! Diante de uma rejeição, pratiquemos sim a autorreflexão, como todos devem fazer constantemente, mas não atribuamos a rejeição a uma categórica falta de valor em nós! Apenas as pessoas são diferentes e possuem necessidades diferentes que buscam suprir. Podemos sofrer 200 rejeições, mas elas dizem respeito a 200 pessoas e não ao mundo inteiro.

Agora, apresentaremos a REGRA DE OURO:

Esteja disposto a praticar a RECIPROCIDADE sem esperar ou exigir generosidade dos outros, afinal todos têm alguma necessidade que buscam suprir

Quem nunca rotulou alguém de interesseiro, não é mesmo? O interesseiro é aquela pessoa que se relaciona com os outros buscando suprir APENAS suas próprias necessidades.

Note que destacamos a palavra “apenas”, pois o problema está nela. Do ponto de vista comportamental (e mesmo motivacional) todos nós estamos buscando suprir as nossas necessidades. O problema não está nisso em si, mas na falta de reciprocidade, não entendendo que, assim como nós, o outro também tem necessidades a serem supridas.

Muitos relacionamentos humanos, não importando sua natureza, fracassam justamente por que queremos que o outro nos ajude a suprir as nossas necessidades, mas não estamos dispostos a ajudar o outro a suprir as suas necessidades. Consciente ou inconscientemente ficamos exigindo generosidade dos outros. A palavra “generosidade”, segundo o Dicionário Aulete, significa “qualidade daquele que é capaz de sacrificar seus próprios interesses em benefício de outrem”. Assim, acabamos exigindo que o outro sacrifique seus próprios interesses como se fôssemos os únicos a ter necessidades ou julgando que as nossas necessidades são sempre mais importantes.

De novo: do ponto de vista comportamental (e mesmo motivacional) todos nós estamos buscando suprir as nossas necessidades. Portanto, temos que nos atentar para a importância de haver TROCA nos relacionamentos. Entender o que o outro procura para, SE for possível, estabelecer uma relação (de troca!) com ele.

Muito interessantes são as palavras de Alberto Dell'Isola: "Eu tenho que gerar networking com pessoas que tenham uma conexão natural. Só que a galera começa, pela importância de relacionamentos, a querer forçar para se relacionar com qualquer pessoa. Mas é muito ruim, porque as pessoas não gostam". Dale Carnegie, escritor e orador norte-americano, diz: "Estamos todos interessados no que nós queremos. Assim, o único meio existente na Terra para influenciar uma pessoa é falar sobre o que ela quer e mostrar-lhe como realizar o seu intento".

É claro que essa exigência de generosidade pode ser derivada de um mau-caratismo, mas pode também derivar do receio instintivo de desperdiçar energia, como, por exemplo, ajudar uma pessoa e não ser ajudado por ela. Logo, a pessoa espera a ajuda do outro somente, atitude que pode ser interpretada por muitos como mau-caratismo também.

A generosidade pode, contudo, existir em um relacionamento e é bom que ela exista. Porém, ela deve brotar espontaneamente e nunca ser exigida do outro. Se em um primeiro momento o outro não está disposto a nos ajudar ou nós mesmos não estamos dispostos a ajudar o outro, paciência... essa relação não é possível. Afinal, ninguém duvida que está procurando viver da melhor forma possível, não é mesmo? O outro também.

Dito isso, precisamos de contato constante com nativos e de pessoas que nos auxiliem em nossa jornada, mas o que podemos oferecer a eles? O que eles estão buscando e poderíamos lhes proporcionar? O que podemos agregar?

A atitude de (maliciosamente) esperar ou exigir generosidade dos outros só vai causar em você frustração, além de fazer com que as outras pessoas o vejam como uma pessoa desagradável, parasitária. Consequentemente vão acabar se afastando. Portanto, os dois lados precisam se completar.

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É muito importante ter em mente essa ideia de não procurar generosidade, mas sim estar disposto a completar no outro o que lhe falta, pois diante de tudo que apresentamos neste tópico, você deve ter pensado:

“OK, o ambiente importa e eu devo tentar me inserir em ambientes nos quais existem pessoas acolhedoras e capacitadas naquilo que eu desejo dominar. Porém, sendo eu um estudante iniciante, será que essas pessoas já capacitadas me aceitariam? Pois em tese não precisam de mim!”

Percebe como instintivamente sabemos que não deveríamos procurar por generosidade, afinal TODOS nós estamos buscando suprir as nossas próprias necessidades? Aceitando essa realidade, de fato, um estudante iniciante não teria muito a contribuir com estudantes mais avançados ou nativos e a tendência é que ele seja rejeitado. Porém, neste caso podemos recorrer à "inserção indireta".

Como assim?

Mesmo que para estudantes mais avançados ou nativos um estudante iniciante não seja tão interessante, esse mesmo ambiente pode necessitar de OUTRA habilidade não relacionada à língua japonesa que o estudante iniciante tenha! Por exemplo, se o estudante iniciante for um desenhista, ele pode procurar ambientes em que existam estudantes avançados ou nativos que estejam precisando de desenhistas. Procurar nativos japoneses que queiram aprender português ou fazer um trabalho voluntário também são bons exemplos de "inserção indireta".

Seja como for, não procure generosidade! Esteja disposto a trocar! Aliás, o que é um curso presencial pago se não a troca do dinheiro, que o professor precisa, pela habilidade dele, que o aluno deseja? Pode-se questionar as coisas em termos quantitativos e qualitativos, mas até mesmo a natureza funciona na base da reciprocidade.

Você pode pensar:

“Nossa! Que dureza de coração! Então, as relações humanas são simplesmente uma troca de favores? Onde está o AMOR?!”

Respondemos: a reciprocidade espontânea é o sinal de verdadeiro amor!

Como assim?

Para entender, se alguém lhe perguntasse o que é SE SENTIR amado, provavelmente você diria que se sentir amado é perceber que existem pessoas que se importam com você, que desejam ajudar você a aliviar suas dores e aumentar suas alegrias, bem como a desenvolver seus talentos, não é mesmo?

Pois bem! SER AMADO significa RECEBER todas essas coisas. Logo, AMAR significa DAR todas essas coisas, isto é, eu também me importar com o outro, eu também ajudar o outro a aliviar suas dores e aumentar a sua alegria, bem como desenvolver o talento do outro! Reciprocidade!

Dizem que o amor é cego, mas não é verdade. Cega é a falta de amor. Quando se ama, existe a reciprocidade. A pessoa ENXERGA o outro, sua importância e suas necessidades, buscando ajuda-lo. Por outro lado, a falta de amor nos faz cegos para a importância do outro e suas necessidades. Tratamos o outro como mero objeto para satisfazer apenas as nossas necessidades. Somos INDIFERENTES ao outro. Aliás, não é de se surpreender que muitos tem dito que o contrário do amor é a indiferença.

O senso comum nos faz ter uma ideia completamente romantizada e equivocada do que é o amor. Ele não é um mero sentimento, mas antes de tudo é algo expresso em ações concretas  e eficazes que visam, digamos, tornar a própria vida e a do outro (também!) melhor.  O amor envolve enxergar, entender, preocupar-se e cuidar. A indiferença, apenas usar e descartar. Na verdade, nós já sabemos disso; só que na maior parte das vezes queremos apenas receber do outro. Assim, não amamos o outro; apenas amamos a nós mesmos.

O psicólogo Rafael Ayres diz que “As pessoas se permitem ser infelizes em função do outro e isso é confundido com demonstração de amor. E não é! ‘Poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons’ (citando Freud)”. Por causa do senso comum, acreditamos que sofrer por amor é algo virtuoso, mas esse modo de pensar acaba sendo alimento para pessoas que vivem no “modo animal” (sendo conduzidas apenas pelos instintos primitivos). Na prática, é um mal que fazemos a outra pessoa também, pois é como se disséssemos a ela: “Você não precisa ter nenhuma responsabilidade para com as outras pessoas. Você é o rei e todos nós, seus servos”.

Aliás, é preciso que tomemos cuidado com o que chamaremos de “reciprocidade forçada”. Na reciprocidade propriamente dita, a pessoa primeiro entende as necessidades do outro e busca proporcionar aquilo que ele realmente necessita. Já na reciprocidade forçada, a pessoa dá ao outro algo de que ele não necessita apenas para se sentir no direito de exigir algo que ela necessita de fato. Com receio de parecer rude em não aceitar, o outro acaba se vendo em um relacionamento abusivo, no qual a pessoa dá pedras exigindo que o outro lhe dê ouro.

***

Este tópico nos leva a questionar coisas que para o senso comum são intocáveis como amizades atuais e laços familiares, pois estas pessoas são sempre vistas como os nossos próximos. Entretanto, vamos fazer uma analogia com a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). Costuma-se dizer que ela ensina a importância da compaixão mesmo para com pessoas estranhas, mas vamos refletir sobre um aspecto pouco falado sobre ela.

Já reparou que a parábola é contada após o doutor da lei perguntar a Jesus: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29)?

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Povos antigos costumavam ter a ideia de que a proximidade com outra pessoa se dava por questões de sangue e/ou compartilhamento dos mesmos valores e costumes. Ou seja, provavelmente o doutor da lei esperava que Jesus respondesse algo como “O seu próximo é quem é sangue do seu sangue e compartilha da mesma visão de mundo”, mas não foi o que aconteceu. O homem atacado na estrada não foi socorrido por alguém próximo; os próximos foram indiferentes! Quem socorreu o homem caído foi um estranho, alguém que na visão de mundo daquela época não era um próximo! Tanto que Jesus termina a parábola perguntando ao doutor da lei: “Qual desses três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?” (Lc 10,36).

Reparou como a pergunta foi formulada? É como se Jesus tivesse colocado a visão de proximidade daquela época em xeque, dizendo algo como: “Vocês acham que proximidade se dá por laços de sangue e/ou compartilhamento da mesma visão de mundo, mas quem foi que enxergou concretamente o homem caído na estrada e se preocupou em dar aquilo que ele necessitava?” O doutor da lei percebe isso e responde: “Aquele que usou de misericórdia para com ele” (Lc 10,37).

Esse pensamento antigo de proximidade ainda está presente no mundo moderno em maior ou menor grau. Costumamos nos fechar em grupos (políticos, religiosos, étnicos, familiares, etc.) tratando os de fora sempre com desprezo ou como se fossem inimigos. Porém, com certa frequência nos deparamos com os “próximos distantes”, isto é, pessoas que são consideradas próximas, mas que não conseguem enxergar ou não se importam com nossas necessidades mais profundas. Amigos falsos e uma família disfuncional podem ser exemplos de "próximos distantes", que estão presentes em nossa vida fisicamente, mas que estão humanamente distantes, não sendo capazes de (ou não querendo) nos ajudar a evoluir e crescer como indivíduos.

Dessa forma, a parábola do Bom Samaritano nos mostra a importância de deixarmos de lado nossas noções limitadas de proximidade e abrirmos nossos corações (e mentes) para o "estranho", para o "de fora". Afinal, é ao nos expormos a novas ideias e a pessoas diferentes de nós que podemos encontrar novos caminhos e oportunidades para evoluir como seres humanos. Pode ser que estejamos “caídos na estrada” e somente um estranho esteja disposto a (ou seja capaz de) nos proporcionar aquilo que realmente necessitamos para prosseguir em nossa jornada.

***

Diante de tudo o que abordamos neste tópico, uma coisa fica clara: a importância de investirmos no conhecimento do comportamento humano.

Durante muito tempo se deu demasiada ênfase ao conhecimento técnico (diplomas, certificações, etc.), mas convenhamos: é o nosso comportamento que acaba sendo o nosso CARTÃO DE VISITA (e não os nossos rótulos, como imaginamos). Ou seja, não adianta ter conhecimento técnico se no final AFASTAMOS pessoas de nós, ainda que tenham sido inicialmente atraídas pelos nossos rótulos relacionados ao conhecimento técnico. Afinal, quem vai nos valorizar? Quem vai nos dar uma oportunidade de crescimento de carreira? Quem comprará o nosso produto? Quem nos indicará a outras pessoas? E no caso de idiomas, com quem vamos INTERAGIR? Veja como uma coisa complementa a outra.

Vivemos em sociedades, não em ilhas individuais com todos os recursos disponíveis. Portanto, invistamos constantemente no conhecimento do comportamento humano. Não é de hoje que percebemos também que a maior dificuldade para aprender japonês (ou qualquer outra coisa) não se relaciona à TEORIA propriamente dita, mas sim à PSICOLOGIA/NEUROCIÊNCIA. Por isso criamos esta seção "Como Aprender?" e ficamos muito felizes quando recebemos mensagens de pessoas dizendo que ELA as ajudou a encarar o aprendizado de outra forma e a deixar de lado comportamentos nocivos.

Entender como funciona o ser humano nos ajuda a evoluir e a entender o comportamento alheio. Afinal, apesar de a serpente ser um animal imponente, ela afasta por ser venenosa.

Será que não somos assim?

A psicóloga e palestrante Meiry Kamia diz que “está faltando o lugar onde nós podemos fracassar, o lugar onde a gente pode falir. Esse lugar era a nossa família”.

Perceba aqui um ponto interessante: nós aprendemos nossa língua nativa dentro de um ambiente que justamente nos proporcionava segurança e no qual podíamos cometer erros de linguagem. Esse ambiente é a FAMÍLIA e, como extensão, os amigos e a escola.

Assim como uma família disfuncional, sem acolhimento e cheia de competitividade entre os membros, atrapalha o desenvolvimento de uma criança e isso repercute na vida adulta, relacionamentos disfuncionais no âmbito do aprendizado de línguas é algo extremamente prejudicial. Ter um espaço seguro para cometer erros é crucial para construir a confiança dos aprendizes e incentivá-los a persistir.

Como podemos cobrar perfeição de nós mesmos e/ou dos outros numa língua estrangeira se não somos perfeitos nem na nossa língua nativa? Nem o professor Pasquale é perfeito! Em uma entrevista em 2013 no programa “Agora é Tarde” ele disse: “É claro que na minha fala cotidiana eu não vou ficar usando os pronomes de acordo com a gramática normativa. Eu misturo “você” com “te”, o que para a gramática normativa está errado. Mas eu misturo. Claro que eu misturo. Eu sou normal. Eu não sou maluco”.

XXIX. AINDA FALTA ALGO!

Tudo o que abordamos até aqui relacionado à felicidade parece muito óbvio. De fato, todos nós buscamos no fim das contas nos sentir seguros, amados e úteis no presente para que tenhamos boas perspectivas constantes sobre o futuro. Contudo, há um fator incontrolável que talvez seja uma das principais causas das chamadas crises existenciais. Esse fator é a INJUSTIÇA que presenciamos no mundo.

Primeiramente, segundo o Dicionário Aulete, a palavra “justiça” significa “1. Situação em que cada um recebe o que lhe cabe, como resultado de seus atos ou de acordo com os princípios e a lei da sociedade em que vive”. Essa definição pode parecer bonita à primeira vista, sendo a que muitos consideram em seus julgamentos acerca das pessoas e do mundo. Porém, essa definição friamente analisada gera um problema prático:

Justiça e MERECIMENTO estão intimamente ligados?

Em caso positivo, podemos cair em um tipo de “seleção social”, análogo à seleção natural, segundo a qual aquele que melhor se adapta ao ambiente tem maiores chances de sobreviver. Então, as pessoas que não têm condições físicas, financeiras, intelectuais, estéticas, etc. estariam fatalmente condenados e, em maior ou menor grau, assim são tratadas nas sociedades. Em caso negativo, porém, fatalmente essa definição de justiça estaria perdida.

Como resolver esse dilema?

Vê-se que a justiça por si só não resolve as questões práticas de nossa vida. Mesmo que a justiça fosse aplicada de forma implacável no mundo, ainda haveria insatisfação e sofrimento por parte daqueles que sem culpa não se encaixam “nas regras do jogo”. Sendo assim, pode-se dizer que a justiça estrita perpetua desigualdades, pois as pessoas são diferentes e possuem necessidades diferentes.

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Portanto, tão importante quanto a justiça em si são os valores como o bom senso, a empatia e a compaixão. Afinal, é muito conveniente uma pessoa defender estritamente a justiça (e o merecimento) quando ela tem as condições favoráveis ou alguma circunstância a beneficia. Esse cenário dá a ela uma “vantagem competitiva” em relação ao outro. Do contrário, muito provavelmente esta mesma pessoa estaria desejando o bom senso, a empatia e a compaixão das outras pessoas.

Outro ponto a se considerar nessa questão é que pessoas podem usar equivocadamente a sua liberdade e passar a viver totalmente no MODO ANIMAL em vez do MODO HUMANO. Assim como na selva, no modo animal, passamos a ter apenas um critério, ainda que não admitamos: a CONVENIÊNCIA.

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A conveniência anula não só a justiça como também o bom senso, a empatia e a compaixão, ainda que às vezes tenha aparência de alguma delas. E é aqui que talvez nasça o nosso problema com aquilo que chamamos de INJUSTIÇA porque ela é algo extremamente difícil de se aceitar. Doenças, a morte ou fenômenos naturais desastrosos têm uma explicação natural, são uma soma de outros fatores naturais. A doença e a morte, por exemplo, são processos que fazem parte da natureza, oriundos de um desgaste natural e esperado do corpo. Decorrem de fatores que podem ser minimizados ou potencializados pela ação do homem, mas sempre ocorrerão.

Por outro lado, a injustiça frustra demais porque consciente ou inconscientemente a encaramos como algo que poderia ser facilmente evitado. Em outras palavras, a injustiça não é fruto de fatores naturais certos e esperados, mas sim de ESCOLHAS do ser humano, frequentemente baseadas na mera conveniência.

Um mundo em que não houvesse leis se tornaria uma selva. Porém, as leis, em qualquer tempo e lugar, muitas vezes não punem (ou não punem como deveriam) quem age concretamente mal. Com isso, presenciamos muitas vezes pessoas que vivem totalmente no modo animal conquistando as coisas e suas metas, ao passo que quem vive no modo humano, agindo com ética, muitas vezes não consegue aquilo que gostaria.

Quem nunca se perguntou se vale a pena ser bom, não é mesmo? Diante do sucesso e impunidade dos que vivem no modo animal, ficamos insatisfeitos e infelizes tendo a sensação que agir bem não vale a pena. Tudo parece continuar sendo uma verdadeira selva na qual só os mais fortes e espertos vencem. Quem os punirá concretamente por seus atos maus e recompensará aqueles que se esforçam para viver no modo humano?

Tradicionalmente se apontava para a dimensão bio-psico-social do ser humano para a preservação de sua saúde como um todo. Trocando em miúdos, significa a preocupação com o corpo, com a mente e com as relações sociais. Em 1988, porém, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o elemento espiritual, que não tem a ver com especificamente seguir uma doutrina religiosa, mas sim com encontrar um sentido/propósito para a vida, algo que a religião pode facilitar, já que todas as religiões pregam de algum modo a ideia de que estamos neste mundo de passagem mirando algo maior. Isso nos remete de certa forma à importância de estar sempre aberto ao aprendizado, evoluir e a ser útil para alguém/para o mundo e mesmo um ateu pode chegar a essa conclusão.

A necessidade de uma autoridade superior (ou uma razão maior, mas desconhecida) ao nosso mundo para resolver principalmente o problema da injustiça constante sempre acompanhou o homem e ultimamente a própria ciência tem se debruçado sobre a relação da espiritualidade (não necessariamente religião) e a felicidade humana. De acordo com uma análise de dados de pesquisas realizadas nos Estados Unidos e em mais de duas dúzias de outros países feita pelo Pew Research Center, as pessoas que participam ativamente de congregações religiosas tendem a ser mais felizes e mais engajadas na vida cívica do que os adultos sem filiação religiosa ou os membros inativos de grupos religiosos. Ainda, Dra. Ana Beatriz Barbosa diz que “é impossível ser feliz sem algum grau de espiritualidade. Não tem nada a ver com religiosidade. (...) A espiritualidade me dá a certeza que a coisa não acaba aqui. Então eu não me frustro”.

Em um esforço para entender por que a espiritualidade está relacionada à felicidade, Chaeyoon Lim, da Universidade de Wisconsin-Madison, e Robert Putnam, da Universidade de Harvard, examinaram dados de uma amostra representativa de adultos americanos pesquisados em 2006 e contatados novamente em 2007. Os pesquisadores descobriram que a participação em um grupo religioso teve um forte impacto sobre a felicidade entre as pessoas com muitos amigos em suas comunidades, mas não entre aquelas com poucos amigos em suas comunidades.

No final das contas, uma visão espiritualista saudável ajuda a satisfazer a nossa necessidade de nos sentirmos seguros, amados, úteis e com boas perspectivas para o futuro. Flora Victoria, a Embaixadora da Felicidade e mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia, diz que “A religião une as necessidades humanas de propósito e de socialização. Além disso, a maioria das doutrinas estimula sentimentos positivos, recurso poderoso para concentrar a mente nas coisas boas do presente”. Uma visão espiritualista nos proporciona uma sensação de segurança, pois acreditamos que uma entidade superior nos protege, guia-nos e fará justiça no devido tempo. Sentimo-nos amados, pois acreditamos no amor proveniente dessa entidade superior e nos sentimos parte de uma comunidade maior, conectados a algo mais amplo que nós mesmos. Essa percepção de pertencimento nutre nosso senso de utilidade, pois reconhecemos um propósito transcendente em nossa vida atual, ao ajudarmos os outros e sermos ajudados no presente.

Isso também acaba facilitando a busca de crescimento em outras áreas da vida, como um emprego melhor e a construção de riqueza, por exemplo. Em outras palavras, aqueles que participam com frequência de alguma comunidade podem ter mais pessoas com as quais podem contar para obter informações e ajuda nos momentos bons e ruins, além de alimentarem a esperança de que no futuro receberão as recompensas por seus atos benevolentes.

Também, ao reconhecer que nossa vida presente está intrinsecamente ligada a uma dimensão maior, seja qual for a crença específica, encontramos uma maior capacidade para lidar com os desafios e a constante questão da injustiça no mundo. Acreditando que, em algum momento, todos receberão recompensas ou punições de acordo com seus atos, adquirimos um senso de justiça que transcende as vicissitudes da vida.

Por fim, o sentimento de injustiça pode brotar de um aspecto extremamente SUBJETIVO. Por causa do orgulho, reconhecer o mérito honesto do outro ou que as coisas têm um preço é o caminho mais difícil. Não raramente vemos pessoas chamando de injustiça o que na verdade é uma falta concreta de esforço ou idealizações fantasiosas, como por exemplo, desejar se tornar milionário sem encarar um árduo processo, apenas esperando ganhar na loteria. Por causa do orgulho, temos a dificuldade de admitir que há muitas coisas sobre as quais não temos controle e isso NÃO É necessariamente injustiça! Por exemplo, aqui podemos citar as escolhas de amizades que uma pessoa faz. Neste caso, a escolha ou a rejeição tem um aspecto pessoal e não tem a ver com justiça.

Como mencionado anteriormente, o “falso senso de justiça”, que brota do orgulho, faz com que pessoas enxerguem que apenas um caminho é honesto para se chegar a um objetivo, sendo que ele está geralmente relacionado ao caminho que a própria pessoa escolhe ou é obrigada a escolher. O falso senso de justiça também causa a sensação de injustiça quando nos faz crer que uma pessoa "inferior" ou “superior” não merece alcançar o sucesso não importa o que ela faça.

Por causa do “falso senso de justiça”, alimentamos em nós o famoso e aleatório "Eu mereço!", que geralmente vem acompanhado de ódio e frustração. Se um parente compra uma casa, “Eu mereço!” simplesmente por ser da mesma família. Se um colega ganha um aumento salarial, “Eu mereço!” simplesmente por ser da mesma equipe. Se uma pessoa que julgamos INFERIOR prospera em algo, “Eu mereço!” por que nos julgarmos superiores a ela.

Aliás, o schadenfreude, a alegria pela desgraça do outro que citamos anteriormente, pode ser explicado por uma série de fatores, incluindo:

Comparação social: quando vemos alguém que está pior que nós, isso pode nos fazer sentir melhor com nossas próprias vidas;

Justiça: quando vemos alguém que merece sofrer, pode nos dar uma sensação de justiça;

Consolidação do ego: quando vemos alguém que é igual ou melhor que nós sofrer, pode nos ajudar a sentir que somos superiores.

No caso de pessoas com baixa autoestima, o schadenfreude pode ser uma forma de se sentirem melhor consigo mesmas. Ao verem que outras pessoas estão passando por problemas, elas podem se sentir menos mal com suas próprias vidas.

Diz o famoso ditado “Cada cabeça uma sentença”. Por isso, poderíamos dizer que cada um tem uma ideia de justiça diferente dentro de si. Contudo, de alguma forma, se quisermos nos manter motivados e saudáveis emocionalmente, temos que nos desapegar daquilo que subjetivamente (pessoalmente) consideramos JUSTIÇA. Caso contrário, sempre nos acharemos o príncipe dos Sayajins, arrogantes e intolerantes conosco e principalmente com os outros. Não respeitaremos a individualidade justa e honesta dos outros, assim como não respeitaremos nem mesmo a nossa própria individualidade, pois sempre buscaremos ser uma “cópia” exata de alguém.

A vida concreta é uma soma de diversos fatores muitas vezes incompreensíveis. Aliás, mesmo sobre a injustiça objetiva não temos controle total.

Sejamos sinceros: dos quatro elementos, isto é, bio-psico-socio-espiritual, o ser humano tem negligenciado no elemento social e ainda mais no elemento espiritual. A vida moderna acelerada e a impressão de que temos tudo ao nosso alcance nos dá a falsa sensação de que podemos ser autossuficientes, tendo o mínimo de (ou nenhum) contato social. Isso é um grande equívoco, já que a própria natureza se encarregou de nos trazer ao mundo INSERIDOS em um grupo social, a família, na qual bem ou mal fomos acolhidos, aprendemos a nossa primeira língua e as regras básicas de convívio social. Nela, também tivemos as nossas primeiras referências. Além disso, do ponto de vista evolutivo, foi extremamente necessário que andássemos em grupos, seja pela troca de experiências, seja pela nossa fragilidade se comparados com outros animais selvagens.

Ninguém duvida que se alimentar é uma necessidade básica do ser humano. E já há estudos que apontam que se isolar socialmente causa um estado aversivo semelhante à fome! Rebecca Saxe, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) diz que "as interações sociais positivas são uma necessidade humana básica, e a solidão aguda é um estado aversivo que motiva as pessoas a reparar o que está faltando, semelhante à fome".

O isolamento social causa o acúmulo de uma substância química específica no cérebro, chamada taquicinina 2, que segundo um estudo realizado com roedores, aumentou a agressividade e a hipersensibilidade a estímulos ameaçadores.

A vida moderna e o excesso de opções afetam também a nossa dimensão espiritual, uma que têm nos feito cada vez mais imediatistas na busca de prazeres como isso fosse nos trazer felicidade plena. Não se pensa no futuro, em ser útil para alguém ou em uma razão maior para tudo isso. Para ilustrar, o Brasil se tornou o país com a maior prevalência de ansiedade no mundo. Será que isso não é causado por essa corrida interminável por prazeres imediatos e sem sentido? Será que não estamos vivendo como animais selvagens (apenas sobrevivendo) achando que estamos vivendo uma vida normal? Quando estamos no “modo animal”, a ética, o respeito e o amor pelo outro somem, pois estamos querendo apenas sobreviver a qualquer custo, mesmo que tenha que prejudicar o outro.

Assista ao curta "Happiness", que ilustra bem a vida moderna, competitiva e muitas vezes sem sentido.

Segundo Adriano do Banheira de Conhecimento, as três perguntas mais realizadas ou pesquisadas no mundo são:

1. Qual o significado da vida?

2. O que acontece depois da morte?

3. Como eu posso ser feliz?

Talvez, a regra da vida seja o aprendizado espontâneo.

Como assim?

Nós humanos podemos aprender simplesmente porque alguém nos obrigou, nos ameaçou ou nos ofereceu um prêmio muito grande. Neste caso, porém, não se pode garantir que o aprendizado realmente dê frutos, pois não é algo que brotou da própria pessoa; ela aprendeu somente para evitar algo ruim ou ganhar algo muito valioso. É algo superficial e condicionado. Por outro lado, se uma pessoa chega por livre e espontânea vontade à conclusão de que precisa aprender, evoluir e ser útil para os outros, pode-se dizer com mais firmeza que haverá uma mudança concreta na pessoa.

Pode parecer contraditório, mas se tivéssemos certeza absoluta do motivo de estarmos neste mundo, a nossa vida seria um verdadeiro caos, além de falsa e superficial. Se com certeza absoluta existisse recompensa e punição pós-morte, as pessoas se tornariam robóticas e internamente frias; se com certeza absoluta não existisse nada após a morte, as pessoas se tornariam selvagens na tentativa de aproveitar o máximo desta vida. E de certa forma presenciamos extremos dos dois lados: há religiosos que tratam sua crença religiosa com tanta certeza a ponto de ficar rebaixando, discriminando os outros que não a seguem ou, na pior das hipóteses, pregando a aniquilação dos infiéis a sua religião. Na outra ponta há ateus que da mesma forma têm tanta certeza na inexistência do divino/transcendente que acabam agindo da mesma forma que os religiosos fanáticos. De algum modo, a certeza absoluta transforma religiosos e ateus na mesma coisa: em pessoas que praticam maldades, não se preocupando em evoluir e ser úteis aos outros.

Se forem sinceros, pela simples observação ateus e não ateus podem chegar à mesma conclusão: independentemente do que aconteça depois da morte, neste mundo presente o mal precisa ser evitado e o bem precisa ser feito. Aliás, esse é o princípio básico da maioria das religiões.

Não é o mundo que é injusto (no sentido das leis da natureza), mas sim as pessoas que usam mal a sua liberdade. Se existem países mais desenvolvidos do que outros ou pessoas que nascem mais afortunadas do que outras, isso é fruto de uma sucessão de erros (ou acertos) de pessoas de agora e do passado! Por exemplo, um pai que vende todos os seus bens buscando satisfazer prazeres imediatos certamente prejudicará a sua descendência. E sua descendência prejudicará a descendência se não optar por boas ações, quebrando o ciclo iniciado por seu antepassado. Sendo assim, todos nós precisamos refletir constantemente se não estamos perpetuando ações questionáveis de nossos antepassados para que nossos descendentes (e nós mesmos) não sofram as consequências das nossas más ações.

Mas como fica a questão da INJUSTIÇA para um ateu?

Para um religioso, a questão da injustiça se resolve facilmente: Inferno, mais reencarnações, degredo (envio para mundos inferiores na próxima reencarnação), etc. Por outro lado, um ateu pode encarar a questão da injustiça como algo causado exclusivamente pelo homem, tanto do lado de quem comete a injustiça como do lado de quem tem poder de punir, mas não pune (ou não pune como deveria). Podemos citar como exemplos os pais, professores, chefes e os governantes por meio das leis civis e penais de um respectivo país. Ou seja, a injustiça deixa de ser um problema na medida que haja uma cultura que consiga equilibrar o bem-estar coletivo e o bem-estar  individual, além de leis civis e penais eficazes que garantam esse equilíbrio.

Além disso, o ateu pode levar em consideração o custo psicológico e social que uma injustiça proporciona a quem a comete, ainda que isso possa ser menos visível.

Como assim?

Tendemos a avaliar somente o resultado de uma ação. Agindo assim, pode parecer realmente que uma pessoa que age mal se dá bem (tem resultados positivos) com frequência. Entretanto, nós nos esquecemos do custo (atual e futuro) dessas ações maldosas. Fazendo uma analogia, um jogador que usa códigos de trapaça pode se dar bem em um jogo da mesma forma que um jogador que joga o mesmo jogo honestamente. Porém, ainda que o jogador desonesto se dê bem e possa ser visto pelos outros como um bom jogador, o custo psicológico disso é muito grande, pois o jogador sabe que tudo isso é falso e custoso, no sentido que fazer um teatro e mantê-lo pressiona-o constantemente (prejuízo pessoal). Além disso, por quanto tempo ele conseguiria manter toda essa aparência falsa de bom jogador? Ao ser descoberto, certamente ele perderá todo o prestígio conquistado e passará a ser mal visto (prejuízo social). Em outras palavras, ainda que muitos não percebam, agir mal constantemente é como tentar segurar uma avalanche: uma hora isso se torna impossível e a avalanche acabará esmagando a pessoa.  

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Essa perspectiva do aprendizado espontâneo pode ser muito benéfica, pois, se houver uma vida depois da morte, receberemos a nossa recompensa, teremos as nossas lágrimas enxugadas e também teremos feito o bem no mundo, podendo deixar legados maravilhosos. Se não houver nenhuma vida depois da morte, pelo menos teremos feito o bem no mundo, o que considerando as atrocidades que somos capazes de fazer, é um ENORME feito. Em outras palavras, não teremos apenas sobrevivido como animais selvagens, guiados pela regra do vale tudo para sobreviver.

E podemos ir além: no “modo animal” somos capazes de fazer pior do que um animal selvagem, pois o animal selvagem não tem a capacidade de ficar tramando contra os outros animais. Mas nós humanos temos! Basta ligarmos a televisão para constatar isso facilmente: notícias de crimes, guerras, golpes, corrupção, etc.

“A morte despe-nos dos nossos bens para nos vestir das nossas obras” (Jules Petit-Senn, poeta suíço)

No elemento espiritual, ateus e não-ateus podem concordar: todos deixam marcas neste mundo e nas pessoas. Então, que essas marcas sejam positivas!

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Dizem que a morte nos faz todos iguais, mas não é verdade, pois uns terão realmente contribuído com alguém/mundo e serão sempre lembrados com alegria. Outros, porém, tendo apenas sobrevivido como animais selvagens (ou pior do que eles), serão esquecidos ou serão sempre lembrados de forma extremamente negativa.

A escolha é individual!

Por fim, um ponto muito importante: de forma simplista, na família biológica fomos inseridos “à força”, isto é, não escolhemos nossos pais e não fomos escolhidos por eles, por isso, aprendemos a nos gostar. Porém, no mundo fora de cas, a regra costuma ser outra, isto é, temos que ser aceitos! E é aqui que talvez muitos se equivocam, pois esperam um acolhimento forçado, obrigatório semelhante ao que tiveram na família biológica.

“Isso de amar sem esperar nada em troca, é bonito nos contos de fadas. Mas na vida real, um amor maduro exige um delicado equilíbrio entre dar e receber, pois tudo aquilo que não é mútuo é tóxico” (frase atribuída a Bert Hellinger, filósofo e psicoterapeuta alemão)

É por isso que EVOLUIR e SER ÚTIL é importante. Em seu livro sobre networking, Alexandre Caldini afirma coisas muito interessantes como: “Se quisermos um bom networking, sejamos interessantes e não interesseiros” e “Pensar em construir uma relação às pressas apenas quando se necessita do outro é leviandade e ingenuidade. A outra parte se sentirá usada. Não funciona. O querido amigo e excelente networqueiro Max Gehringer afirma: Networking é uma questão de paciência e não de urgência”. Além disso, citando o filme “E.T. O Extraterrestre” (1982) de Steven Spielberg, ele afirma “ET deve ser o rei do Networking em sua galáxia, pois ditou a essência de um bom relacionamento que é também a essência do bom Networking: sermos bons. Ser bom é respeitar os outros. É ser útil”.

XXX. META OU IDEALIZAÇÃO?

Ao longo desta seção, tratamos da importância do esforço pessoal e de relacionamentos saudáveis para desenvolvimento das habilidades pessoais e como facilitador para se chegar a um objetivo. Tratamos da importância de se ter pensamentos saudáveis e realistas, que possibilitam expectativas ajustadas e flexíveis com a realidade (concreta!) que vai se apresentando a nós ao longo da nossa jornada. Afinal, a vida é como uma estrada extremamente nebulosa, cuja névoa só vai se dissipando conforme vamos avançando!

Vimos também que precisamos daquele pingo de insatisfação constante, que mantém o nosso radar de oportunidades e ameaças ativo, pois podemos escolher pessoalmente não mudar, mas como os fatores externos mudam e nos afetam queiramos ou não, precisamos estar preparados para lidar com eles.

Leia agora um relato do Nelson, criador e organizador deste blog:

Durante mais de 12 anos, eu trabalhei na mesma empresa e nesse período completei uma graduação e uma pós-graduação, além de fazer alguns cursos livres. Contudo, o que era para fazer com que eu tivesse mais facilidade para me recolocar no mercado de trabalho, acabou se tornando um grande obstáculo.

Por que?

Como todos sabem, no Brasil existe uma lei de cotas. O grande problema, porém, é que na prática, muitas empresas acabam nivelando por baixo todos os PCDs não importando qual seja a deficiência (isso quando a cumprem a lei).

Com isso, mesmo ficando mais de 12 anos na mesma empresa, eu tive muitas funções “aleatórias e quebradas (não participando de todo o processo)”, além de cargos baixos.

Baseado nas indiretas que ouço nas entrevistas, penso que os entrevistadores imaginam: “Como ele pode ter uma pós-graduação se só teve funções ‘aleatórias’ e cargos baixos? Ou é mentira ou ele é muito incompetente”.

Não julgo os entrevistadores, afinal eles têm pouquíssimo tempo para formar um veredito baseados numa folha de papel e no que o entrevistado diz sobre si mesmo. É claro que eles poderiam considerar o fato de que é muito comum não haver plano de carreira para os PCDs e que muitas empresas nos contratam apenas para cumprir a lei. Porém, a pós-graduação por si só não “me garante”, pois também nunca tive a oportunidade de ter uma "exposição verdadeira" às rotinas da área; só tive funções “aleatórias e quebradas”. Ou seja, mesmo que me dessem uma oportunidade na área, eu não daria conta por falta de experiência concreta.

Perceba que, embora eu tenha conhecimento teórico, ele de nada serve, pois NÃO encontra aplicação no mundo REAL pela falta de exposição concreta aos desafios do mundo real.

Com línguas é a mesma coisa: não adianta focar excessivamente em conhecimento teórico, quantitativo se não buscamos enfrentar desafios concretos no mundo real. São esses desafios que nos tornarão fluentes.

Também, vejam como faltou em mim uma análise mais realista, pois eu estava muito preso a idealizações – do tipo “diploma me garante”, “eu vou construir uma carreira profissional” e “eu nunca serei demitido por causa da lei das cotas”. O meu grau de idealização era tão grande que, mesmo sendo aprovado em um concurso público em 2011, desisti de assumir o meu cargo.

A empresa fechou no meu Estado.

Eu gosto de compartilhar as minhas experiências positivas e negativas. Neste caso, acredito que ela também pode nos fazer ver a importância de não focar EXCESSIVAMENTE em algo – seja competência ou um meio específico para conseguir algo - a ponto de perder contato com a realidade concreta. Eu poderia ter uma carreira profissional, mas por que não numa repartição pública, não é mesmo?

Eu estava tão focado em ter uma carreira numa empresa privada que a minha meta de construir uma carreira profissional literalmente foi para a privada.

Será que você não está abrindo mão de sua meta justamente por estar focado EXCESSIVAMENTE nela? Isso parece contraditório, mas não é, pois isso pode nos fazer sair da realidade concreta e ignorar oportunidades reais. De algum modo, mesmo focados não deveríamos perder contato com a realidade concreta. As idealizações nos enganam.

Aliás, isso tudo aconteceu por que eu NÃO tinha uma META, mas sim uma IDEALIZAÇÃO. Desde o começo eu fui contratado para que a lei das cotas fosse cumprida. PONTO. Tanto que aceitei um salário três vezes menor que a média do departamento. Digamos que essa era a regra do jogo, e eu a ignorei.

Do ponto de vista pessoal é claro que buscar conhecimento foi bom. Porém, dado o contexto em que fui contratado, isso era irrelevante. Percebe a desarmonia entre o contexto e aquilo que eu tinha como meta (que na verdade era uma idealização)?

Crenças equivocadas, falta de conhecimento nos fazem construir idealizações em vez de metas. E o pior: podemos realmente nos motivar para elas, gastando recursos e tempo. Idealizações realmente são prazerosas, pois com elas podemos nos imaginar como desejamos – constantemente eu me imaginava subindo de cargo e me tornando chefe. Eu comprei diversos livros acadêmicos, que hoje estão encostados numa caixa organizadora. Chamo-a de “caixa da vaidade” e olho para ela sempre que preciso de um “choque de realidade”. Ela acabou se tornando para mim um remédio contra idealizações.

Lembre-se: metas são realistas, mensuráveis e alcançáveis. Por outro lado, idealizações se restringem a nossa imaginação, ainda que pareçam reais, mensuráveis e alcançáveis. Nas metas conhecemos de antemão as regras do jogo; as idealizações nos fazem ignora-las.

Neste relato, temos uma diferenciação de meta e idealização. Vamos desenvolver mais essa ideia: 

META: tem como base a realidade concreta. Por isso, é flexível à realidade que se desdobra diante de nós, além de ser algo mensurável e alcançável. É mensurável, pois podemos perceber concretamente avanços ou retrocessos durante o processo. É alcançável, pois, já que se baseia na realidade concreta, sendo a ela flexível, estamos cientes das “regras do jogo” e sabemos de antemão e durante o caminho se podemos ou não alcançar essa meta. Sendo um ato racional, faremos somente o que for possível dadas as nossas circunstâncias individuais atuais;

Por exemplo, uma pessoa pode ter a meta de perder 10 quilos em 6 meses. Essa meta é baseada na realidade concreta, pois é algo possível de ser alcançado com dieta e exercícios físicos. A meta é flexível, pois a pessoa pode ajustar o plano de ação conforme necessário, caso não esteja alcançando o objetivo no prazo previsto. A meta é mensurável, pois a pessoa pode acompanhar a sua evolução através do peso e do percentual de gordura corporal. A meta é alcançável, pois a pessoa está ciente de que é necessário se esforçar para alcançar o objetivo, mas que é possível.

IDEALIZAÇÃO: tem como base a imaginação. Na verdade, é uma tentativa de moldar a realidade a fim de atender a uma necessidade individual – financeira ou emocional. É um ato constantemente irracional, rígido e inflexível.

Observe um quadro resumo:

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Diante disso, perguntemos a nós mesmos: Qual o motivo de aprender japonês? Tenho uma meta ou uma idealização?

Quando perseguimos metas, estamos mais propensos a alcançar o sucesso, pois estamos cientes das nossas limitações e estamos dispostos a trabalhar para alcançar o nosso objetivo. Quando perseguimos idealizações, estamos mais propensos a nos decepcionar, pois estamos criando expectativas irreais que não serão atendidas.

Para distinguir metas de idealizações, podemos nos fazer as seguintes perguntas:

➩ A meta é baseada na realidade concreta ou na imaginação?

➩ A meta é concebida de forma racional ou irracional?

➩ A meta é flexível ou rígida?

➩ A meta é concretamente mensurável ou totalmente subjetiva?

➩ A meta é alcançável ou impossível de alcançar, dadas as minhas circunstâncias individuais atuais?

➩ Tenho questões emocionais ou financeiras mal resolvidas e que julgo urgentes?

Por mais difícil que seja fazer essa reflexão, pois as idealizações são prazerosas, ela é necessária para que saibamos direcionar os nossos esforços e recursos corretamente. Movidos por nossas idealizações, podemos imaginar um Japão dos sonhos, como mostrado nos animês e doramas. Aliás, uma atitude que pode indicar que estamos sendo movidos por idealizações, é sempre generalizar as coisas para o bem ou para o mal, a fim de sustentar esta idealização.

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Como assim?

Enxergando um Japão dos sonhos, a pessoa relativiza qualquer ponto negativo concreto do Japão atribuindo este ponto negativo a todos os países e pessoas, como se tudo ocorresse na mesma medida, sob o mesmo olhar cultural e no mesmo tempo histórico. Por exemplo, é inegável que em todos os lugares existe preconceito, mas há países que já se conscientizaram disso e possuem leis mais eficazes para coibir esta prática se comparado a outros países. Outro exemplo desse tipo de distorção seria relativizar a criminalidade no Brasil dizendo que em todos os países existem criminosos. Sim, mas há países “mais avançados” neste quesito! Investem mais em segurança pública e em leis rigorosas que coíbem mais a criminalidade. Também, não faria sentido tentar relativizar os índices atuais de criminalidade do Brasil afirmando, por exemplo, que na década de 1980 (passado) nos Estados Unidos havia também muitos crimes.

Outra tática comum dos idealizadores é usar a famigerada frase: “Nós brasileiros não temos moral para falar do Japão”. Essa frase é discriminatória, pois com ela se presume que pessoas de um determinado grupo social não têm capacidade de avaliar ou julgar situações por serem supostamente inferiores. Além disso, essa frase aponta para algo que não tem nenhuma relação lógica, pois significa dizer que uma afirmação é correta ou equivocada dependendo de quem a emite ou de sua posição em relação ao outro e não de fatores concretos, observáveis e atestáveis.

Em outras palavras, a veracidade de uma afirmação não depende da pessoa que a faz, mas da evidência que a sustenta. Se assim não fosse, apenas um matemático poderia afirmar que 2 + 2 é igual a 4, o que seria um absurdo.

Por mais difícil que possa ser, é preciso separar a veracidade ou não de uma informação daquele que a emite, mesmo que esteja agindo com hipocrisia. Por exemplo, um político que defende a redução da desigualdade social, mas vive uma vida luxuosa, está sendo hipócrita. No entanto, sua afirmação sobre a importância da redução da desigualdade social é verdadeira.

No fundo, frases como “Nós brasileiros não temos moral para falar do Japão” é uma forma de silenciar as críticas, questionamentos e de impedir o debate público sobre questões importantes. É importante estarmos atentos a essa tática e refutá-la sempre que possível. Aliás, aqui estão alguns exemplos de como essa tática é usada:

➩ Um governo autoritário pode usar essa tática para silenciar os críticos de seu regime;

➩ Uma empresa pode usar essa tática para desacreditar as denúncias de corrupção contra ela;

➩ Um influenciador digital pode desejar manter seus seguidores no mundo das idealizações para deles tirar algum proveito;

➩ Um indivíduo pode usar essa tática para evitar assumir a responsabilidade por seus atos.

Portanto, é importante estarmos cientes dessa tática e combatê-la sempre que possível.

Por falar em generalizações fantasiosas, é oportuno refletirmos sobre os influenciadores digitais. Certa vez, ouvimos que a internet democratizou as oportunidades e que agora todos têm as mesmas chances de se tornarem famosos.

Há atualmente muitos autoproclamados influenciadores digitais, que conseguem de fato muitos seguidores. Mas todos nós sabemos que nem todos os influenciadores digitais estão preocupados em realmente nos informar! Muitos espalham desinformação.

Isso é culpa do influenciador ou de quem consome o conteúdo?

Esse é um longo debate, mas responderíamos: as duas coisas. Se analisarmos friamente, veremos sempre o mesmo mecanismo sendo usado, apenas com elementos e contextos diferentes. É um CICLO:

(1) de um lado, alguém com uma visão fantasiosa/incompleta sobre algo buscando validação para ela;

(2) do outro lado, alguém que VALIDA essa visão fantasiosa/incompleta com meias verdades.

Dessa forma, o influenciador vai atraindo para si um público grande e fiel e formando a sua BOLHA.

Como já afirmamos, o nosso cérebro gosta de certezas para se sentir seguro, então, a nossa tendência não é questionar a nós mesmos, mas sim buscar aquilo que confirme o que já temos como verdade, ainda que seja algo definitivamente fantasioso. Isso é o chamado viés de confirmação.

O equívoco daqueles que estão fora da bolha de determinado influenciador é achar que o influenciador deveria ser honesto e “resgatar” do mundo da fantasia, da visão incompleta aqueles que o seguem. Alguns influenciadores podem até ter essa atitude, mas parece não ser a maioria, afinal é a fantasia e ignorância de muitos que serve de alimento para a sua popularidade! Daí presenciamos constantemente longos, acalorados e inúteis debates.

“As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas” (frase atribuída a Sigmund Freud)

Talvez aceitar que a internet democratizou o “direito” de fantasiar e de se fechar em bolhas, mesmo que sendo constantemente enganados, seja a melhor opção. O que era “cada um no seu quadrado” parece ter se tornado “cada um na sua bolha”. E é claro que isso tem impactos negativos sobre a sociedade como um todo, pois fragiliza o tecido social, uma vez que, cada um tendo determinado influenciador digital como guru, detentor da verdade absoluta, as pessoas se fecham para a diversidade de opiniões, tornando-se cada vez mais intolerantes com quem pensa ou é diferente.

Todo conhecimento saudável vem de uma soma de diferentes pontos e contrapontos. Tomemos cuidado com qualquer discurso de caráter exclusivista, do tipo: “Os outros estão errados. Só eu estou certo!” e/ou surpreendentemente muito recompensador/ameaçador. Se há pessoas que preferem viver no mundo da fantasia e/ou visão incompleta, afinal é prazeroso, apenas torçamos para que algum dia elas acordem por si mesmas.

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É importante deixar de lado as idealizações e o “Japão dos sonhos” para que não nos decepcionemos no futuro. Na verdade, não é a realidade concreta que nos decepciona, pois ela sempre está onde está. São nossas expectativas desajustadas (idealizações!) que nos cegam.

Observe a animação a seguir:

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Pode ser que estejamos presos nessa “Roda da Idealização”. A gente se esforça de fato e ela cruelmente nos dá a impressão de que estamos progredindo, quando, na verdade, não estamos saindo do lugar. A idealização parece estar bem a nossa frente, alcançável, mas ao mesmo tempo nunca a alcançamos. E só nos daremos conta de que estávamos na Roda da Idealização quando dela cairmos e tocarmos o chão do mundo real, vendo-a de fora.

XXXI. A CULTURA E AS TRADIÇÕES

Por falar em idealizações, muitas delas são formadas a partir da cultura e tradições do Japão, não é mesmo? Ou pelo menos a partir do RECORTE que apresentam a nós.

Como assim?

Como já sabemos, o nosso cérebro tende a fazer GENERALIZAÇÕES, afinal este é o caminho mais fácil para ele. Observe, por exemplo, como as publicidades sempre focam em nos apresentar as melhores características de um produto, serviço ou lugar, pois a partir disso, tendemos a generalizar como se tudo no produto, serviço ou lugar fosse igualmente maravilhoso. Porém, quem já não se arrependeu de ter comprado algo, pois percebeu que as coisas não eram bem assim, não é mesmo?

Vamos exemplificar pegando a cidade de São Paulo. Ela ocupa, desde 1960, o posto de capital mais rica e populosa do país, gerando, sozinha, cerca de 10% de toda riqueza nacional. Além disso, se pegarmos o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022 da cidade de São Paulo e se ela fosse um país, a capital paulista seria a 60ª maior economia do mundo, ficando à frente de países como Marrocos, Bulgária, Luxemburgo e Uruguai.

Certamente, são dados muito animadores e que atrairiam muitas pessoas. Porém, perguntamos: a cidade de São Paulo representa o Brasil como um todo?

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É claro que não!

No Brasil, assim como em qualquer lugar do mundo, existem diferentes aspectos circunstanciais, que fazem com que regiões de um mesmo lugar não sejam homogêneas. Pegando agora o Japão como exemplo, Tóquio não representa o Japão como um todo! Sendo assim, não presenciaremos os mesmos aspectos tecnológicos e sociais de Tóquio nas cidades menores do Japão! Assim como uma publicidade do Brasil focada somente em São Paulo e/ou nas coisas positivas induziria as pessoas a análises equivocadas do Brasil, uma publicidade do Japão focada somente em Tóquio e/ou somente nos aspectos positivos nos induziria também a análises equivocadas do Japão!

Portanto, uma análise realista e saudável envolve pesar os pontos positivos e os pontos negativos!

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De certa forma, o senso comum nos leva a acreditar que rupturas culturais ou de tradições são sempre ruins, como se tudo o que viesse do passado fosse melhor. Analisando friamente, porém, percebe-se que a cultura e as tradições são apenas um produto da interação entre indivíduos. São elementos que, em determinado momento da História de uma sociedade, melhor responderam aos anseios, necessidades e preferências dela. Ou, ainda, podem ter sido a ela impostos por questões políticas, por exemplo. Esses elementos de cultura e tradição, portanto, têm naturalmente um caráter mutável, pois as circunstâncias da vida humana mudam constantemente.

O culto exagerado das práticas e tradições antigas sem questionar ou adaptar a cultura às necessidades atuais pode ser prejudicial para o progresso. Em outras palavras, enfrentamos novos desafios ao longo do tempo e a cultura e as tradições não deveriam ser motivo para impedir o avanço e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Embora as tradições e os valores culturais sejam importantes, existem avanços tecnológicos e científicos extremamente benéficos, além de uma maior atenção a valores universais atualmente, como direitos humanos, igualdade e justiça, que também devem ser considerados. Às vezes, certos aspectos culturais ou tradições podem entrar em conflito com esses valores e avanços cientifico-tecnológicos, e é importante reconhecer e corrigir tais desequilíbrios.

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Para exemplificar, a carruagem em determinado momento da História foi um grande avanço como meio de transporte, mas seria concretamente imprudente dizer que ela continua sendo atualmente o melhor meio de transporte só por que já foi em um passado distante. Seria extremamente imprudente fechar os olhos para os carros, metrô e aviões “em respeito” à carruagem só por causa do que ela representou em um passado distante. E a importância da abertura para o novo e benéfico fica ainda mais clara quando consideramos a área da medicina! Quantos avanços foram possíveis graças ao não apego a práticas obsoletas!

Digamos que, por mais difícil que possa ser, deveríamos analisar os fatos e as coisas dentro do seu respectivo período histórico (a carruagem foi importante no seu respectivo período histórico. PONTO), compreendendo que na dinâmica das circunstâncias e resposta ao ambiente, algumas coisas ainda podem ser mantidas, outras precisam ser atualizadas diante dos novos desafios e algumas precisam ser completamente abandonadas.

O discurso de que uma ruptura cultural ou de tradições é algo sempre maléfico geralmente vem de pessoas ou grupos que se beneficiam de alguma forma do estado atual das coisas. Por exemplo, um fabricante de carruagens certamente não gostou da chegada dos carros a motor, afinal isso prejudicou o seu negócio, tirando-o também de sua zona de conforto. Além disso, o seu prestígio ficou prejudicado, pois as pessoas começaram a colocar os holofotes no fabricante de carros, já que estes representavam um grande avanço, uma melhoria se comparados às carruagens. Da mesma forma, a tecnologia atual pode fazer com certos empregos desapareçam em um futuro próximo (como a inteligência artificial substituindo dubladores) e, portanto, pode haver pressão de grupos para regulamentar seu uso.

Gostemos ou não, rupturas culturais e de tradições são constantes e muitas vezes imperceptíveis na vida humana. Por exemplo, quantas músicas deixamos de ouvir? Quantas roupas deixamos de vestir? Quantas palavras e expressões deixamos de usar no português? Quantas festas já não celebramos como nossos avós celebravam?

Um argumento usado contra essas rupturas culturais e de tradições é que uma cultura e tradições sólidas formam a identidade de grupo e o senso de pertencimento, aspectos realmente importantes para a motivação e também para a autoestima, pois em certa medida precisamos nos sentir prestigiados pelos outros para prestigiarmos a nós mesmos.

Porém, aqui nasce um dilema: manter a identidade de grupo é importante para nortear as pessoas, mas inevitavelmente as pessoas mudam conforme mudam as circunstâncias nas quais elas estão inseridas, pois elas percebem coisas benéficas com a mudança.

Como resolver?

Como sempre a melhor maneira de resolver um dilema é através do diálogo e da reflexão. É importante que as pessoas estejam dispostas a discutir as questões envolvidas e a encontrar soluções que sejam benéficas para todos. É um desafio contínuo que exige flexibilidade, compreensão e respeito mútuo. Até por que a identidade de grupo também não deixa de ser uma coisa mutável. Ou alguém acha que os brasileiros de 2023 são os mesmos brasileiros de 1800 em termos de valores, costumes, estética, aspirações e oportunidades? Ora, da mesma forma, os brasileiros de 2400 serão muito diferentes dos brasileiros de 2023.

XXXII. ESTRADA FECHADA

É natural pensar que podemos nos deparar com a vontade de desistir durante a nossa jornada. Por mais que nos esforcemos e procuremos ter expectativas flexíveis e ajustadas com a realidade que vai se abrindo para nós, a combinação dos fatores externos, que fogem do nosso controle, pode acontecer de tal modo que impossibilite a continuidade do nosso avanço na estrada.

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Fazendo uma analogia, suponhamos que uma pessoa deseja ir à praia pela primeira vez. Ela se prepara, providencia o mapa do percurso, analisa-o e verifica como está a condição do carro para que a viagem ocorra da melhor forma possível. A pessoa, então, pega a estrada, mas em dado momento se depara com um aviso:

“ESTRADA EM OBRAS – PASSAGEM PARA O LITORAL TEMPORARIAMENTE FECHADA”

Como obras na estrada demandam tempo, não faria sentido a pessoa pensar: “Ah, eu vou ficar aqui esperando, pois não quero desperdiçar todo o esforço que fiz para chegar até aqui”, afinal a vida tem outros aspectos importantes que não podem ser ignorados. Então, a pessoa decide deixar a viagem para outra oportunidade.

Muitos estudantes, apesar das condições atuais e incontroláveis não serem favoráveis, insistem com alguma meta, pois não querem ter a sensação de “esforço desperdiçado”. Contudo, levantemos alguns pontos importantes:

➩ Há diferença entre desistir e adiar;

➩ Não existe culpa por ter que adiar;

➩ Não existe esforço desperdiçado;

➩ Não existe oportunidade perdida;

➩ O fracasso não é definitivo.

Analisando friamente a analogia que fizemos, a pessoa não desistiu de ir à praia; apenas teve que ADIAR a sua viagem devido a fatores que fugiram de seu controle (obras na estrada) naquele momento. Isso aliás é ter expectativas flexíveis e ajustadas com a realidade. E a realidade é que naquele momento não havia como prosseguir na estrada!

Não há motivos para a pessoa se culpar por não ter ido à praia, pois tudo o que estava ao seu alcance ela fez e ela só não foi por causa de fatores incontroláveis. E não houve esforço desperdiçado, porque a pessoa ganhou experiência com relação à estrada. Esse conhecimento adquirido facilitará a sua ida à praia quando os fatores externos forem favoráveis. Então, mesmo um fracasso aparente frutifica!

Como a analogia com um jogo de RPG que fizemos ao tratar da ferramenta “SATISFAÇÃO NO PRESENTE”, a pessoa apenas teve que recuar e recuar não significa não tentar em outra oportunidade.

Ao tratar da ferramenta “DESTEMOR”, mencionamos um interessante relato feito no Fórum Quora, do qual destacamos três pontos fundamentais:

➩ A interação com falantes nativos é a chave;

➩ Você tem que estar disposto a cometer erros;

➩ O que mais importa é que as pessoas entendam você, não que você fale perfeitamente.

O autor destaca que a chave para ele aprender português foi a interação com falantes nativos. A questão aqui é que interação com pessoas, sejam elas quem forem, envolve aceitação, que é um fator que não está sob controle do estudante. E arriscaríamos dizer que na mesma medida que conseguir ter essa interação de forma sólida e constante aumenta muito a motivação, a dificuldade para ter essa interação é um dos aspectos mais desmotivantes no aprendizado de línguas. Assim como o aspecto mais importante para um vendedor é conquistar clientes e vender constantemente, o aspecto mais importante para um estudante de línguas é poder interagir com nativos e se dar conta de que a comunicação acontece, ainda que precise ser ajustada gradualmente. Afinal, é para isso que ele dedica horas de estudo.

Uma coisa precisa ficar clara: todos somos seres humanos, então, independentemente de quem a pessoa seja e de onde ela seja, os mecanismos de sobrevivência, formação de crenças e valores, aceitação e interação com outras pessoas são os mesmos. O que existem são ambientes e circunstâncias diferentes, que fazem com que determinado instinto seja realçado ou reprimido.

Todos nós, brasileiros, americanos, japoneses, etc. temos uma preferência instintiva de interagir apenas com pessoas que julgamos trazer a possibilidade de algum benefício, ainda que a ideia do que seja benefício varie de pessoa para pessoa. Por exemplo, pode-se ouvir de algum estudante estrangeiro que o que facilita aprender português é o fato de o brasileiro gostar de ter contato e de interagir com estrangeiros, mas será que esse acolhimento brasileiro é igual com pessoas de qualquer país? Instintivamente falando, provavelmente nós vamos gostar de interagir preferencialmente com pessoas cujo país admiramos e/ou que podem trazer algum benefício para nós.

Embora a ideia de que nossas escolhas e comportamentos são influenciados por instintos primitivos possa parecer arcaica nos tempos modernos, é importante reconhecer que esses instintos ainda têm um papel importante em nossa tomada de decisão. No entanto, isso não significa que estamos limitados a agir apenas com base nesses instintos. Como seres racionais, podemos reconhecer esses padrões e trabalhar para superá-los, buscando uma maior compreensão e aceitação das diferenças culturais e individuais.

Ter isso em mente é importante para que não coloquemos ninguém no pedestal ou na lama simplesmente por ser isso ou aquilo ou ser de tal lugar; assim, criamos expectativas ajustadas com relação a pessoas. Todos nós nascemos biologicamente humanos, mas devemos “nos tornar humanos” ao longo da nossa vida, moderando nossos instintos primitivos e cultivando valores como a reciprocidade, o respeito e a generosidade.

A aceitação e interação sólida e constante com nativos é ponto fundamental para o aprendizado de línguas e a falta disso pode fazer você sentir que a estrada está (temporariamente) fechada para continuar sua jornada. O senso comum nos leva a acreditar que o resultado é o único fator que importa, e que todo esforço feito em busca de um objetivo deve ser justificado por um sucesso absoluto. Essa ideia pode nos levar a pensar que qualquer esforço que não resulte em sucesso é desperdiçado, e por isso, muitas pessoas têm medo de fracassar e desistem antes mesmo de tentar.

No entanto, o verdadeiro valor do esforço não está no resultado final, mas no caminho percorrido para alcançá-lo. Cada passo dado, cada obstáculo superado, cada desafio enfrentado, é uma oportunidade de aprendizado e crescimento pessoal. Não devemos ter medo de tentar e falhar, mas sim de não tentar e perder a oportunidade de aprender e evoluir.

Vamos para o outro ponto. Como assim não há oportunidade perdida se é comum que as pessoas digam o contrário, isto é, que oportunidades não voltam?

Gostaríamos de propor uma perspectiva diferente sobre "oportunidade" e para responder à pergunta inicial, questionamos:

Somos capazes de prever o futuro com certeza absoluta?

A resposta com certeza absoluta é NÃO!

Sendo assim, se refletirmos com sinceridade, é impossível saber se uma determinada situação é uma oportunidade de fato sem antes conhecer o desdobramento dos acontecimentos.

Como assim?

Por exemplo, suponhamos que você esteja concorrendo em um sorteio a uma viagem com tudo pago para a Disney. Você não ganha e se entristece por ter perdido uma “oportunidade” que não volta mais. Então, o avião decola levando o ganhador do sorteio, mas sofre um acidente e cai.

Agora perguntamos:

O fato de não ganhar o neste sorteio foi uma oportunidade perdida?

NÃO!

Com isso queremos dizer que no fim das contas oportunidade é apenas uma possibilidade, pois ninguém é capaz de prever o futuro com absoluta certeza. Aliás, a palavra oportunidade vem do latim “opportunus”, que significa “o que empurra para o porto”, ou seja, “vento favorável” e originalmente a palavra era usada apenas para representar os ventos mediterrâneos que colaboravam para os barcos à vela partirem de, ou chegarem a um determinado porto.

Há inúmeras oportunidades (que são possibilidades) disponíveis no PRESENTE e muitas outras (e melhores) serão disponibilizadas no FUTURO. É questão de sermos FLEXÍVEIS com o fato de que elas podem não acontecer no momento que desejamos e exatamente COMO desejamos no início.

Oportunidade é apenas um vento FAVORÁVEL. Por isso, não há motivos para nos culparmos por uma “oportunidade” perdida. O importante é estar aberto às oportunidades que surgirem e saber que elas são apenas possibilidades, que podem ou não se concretizar. Novos ventos favoráveis aparecem constantemente.

A realidade é complexa e cheia de variáveis e cremos que o correto seja dizer que podem haver possibilidades mais favoráveis ou menos favoráveis. Temos a mania de nos colocar como juízes de nós mesmos depois que os fatos acontecem, mas isso é muito fácil e injusto.

Por fim, o fracasso não é definitivo.

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Como assim?

Façamos uma analogia com jogos. Em um jogo de videogame a expressão “Game Over” pode ter dois sentidos:

FRACASSO MOMENTÂNEO: o jogador gastou todas as suas vidas e não conseguiu atingir momentaneamente o objetivo de chegar ao final do jogo. Contudo, ele pode melhorar, refletindo sobre sua experiência “de fracasso” anterior e aprendendo com ela, e continuar tentando sempre que quiser!

SUCESSO NA JORNADA: o jogador finalmente cumpriu a missão do jogo, não importando quantos fracassos momentâneos (game over) ele teve durante a jornada.

E aqui acrescentaríamos mais um sentido que se aplica àquele jogador que não tenta jogar o jogo. É o FRACASSO ABSOLUTO, pois nessa situação não há a mínima possibilidade de chegar ao final do jogo.

Lembra-se da “caixa da vaidade” que o Nelson citou? Nela está a importância de não negarmos os nossos equívocos do passado, mas refletir e aprender com eles. Ainda que tenham sido muito custosos.

A vida é cheia de altos e baixos, fatores controláveis e muitos fatores incontroláveis. Se aprendermos a valorizar o esforço em si, em vez de apenas o resultado, podemos lidar melhor com os momentos de fracasso aparente e encará-los como uma oportunidade de aprendizado, crescimento pessoal e de construção de uma vida mais rica e plena. Portanto, o verdadeiro fracasso não é não atingir um objetivo (por enquanto), mas sim não tentar e não se permitir crescer e evoluir como ser humano.

XXXIII. AINDA VALE A PENA APRENDER JAPONÊS?

Apresentamos a seguir um trecho de “Alice no País das Maravilhas”:

— Ufa, até aqui tudo bem — comentou Alice. — Você poderia me dizer, por favor, para qual lado devo seguir?

— Isso depende bastante de aonde você quer chegar — respondeu o Gato.

— O lugar não me importa… — disse ela.

— Então também não importa para qual lado você vai — afirmou o Gato.

***

Ao longo desta seção abordamos alguns pontos que podem fazer com que você fique em dúvida se REALMENTE vale a pena aprender japonês.

É isso que desejamos!

Como assim?

Como o nosso cérebro aprende baseado na importância que algo tem para nós, é muito importante que saibamos onde realmente estamos pisando para que decidamos se vale pagar o preço ou não.

Não há como negar que nos últimos anos tem se criado muito “oba-oba” com relação ao Japão e à cultura japonesa. Parece que o Japão se resume a animês, mangás, alta tecnologia, ninjas, samurais, mulheres e homens fofos, etc. Isso seria a mesma coisa que dizer, por exemplo, que o Brasil tem carnaval, samba, churrasco e praia o ano todo, o que não é verdade, ainda que esses elementos façam parte da cultura brasileira.

Todos nós humanos estamos sujeitos a enxergar as coisas por meio de estereótipos, que segundo o Dicionário Aulete, é um tipo de padrão “formado a partir de uma imagem alimentada mais por conceitos fixos e preconcebidos do que pela própria realidade”. É o caminho mais fácil para o nosso cérebro. Por isso, é necessário colocar os pés no chão e apontar a realidade dos fatos, de novo, para que a pessoa decida se realmente quer pagar o preço!

Você pode dizer que já sabe que há muita propaganda idealizada do Japão e que já está ciente das dificuldades de se aprender japonês, da escassez de materiais didáticos em português, das diferenças culturais e da ainda insatisfatória abertura dos japoneses aos estrangeiros, o que afetará o seu aprendizado, já que é necessário ter uma “exposição verdadeira”.

Apesar desses fatores, ainda você pode afirmar:

“Eu quero aprender japonês para ter uma oportunidade de emprego”

Sobre essa questão, temos que considerar o dinamismo e a mutabilidade das circunstâncias. Como afirmamos anteriormente, nem sempre as velhas fórmulas produzem no presente os bons resultados que já produziram no passado. Nesse aspecto, é comum se dizer que a economia do Japão está estagnada. Se no final da década de 1980 os japoneses eram mais ricos do que os americanos, agora eles ganham menos do que os britânicos. Há décadas, o Japão vem lutando com uma economia lenta, prejudicada por uma profunda resistência à mudança e um apego obstinado ao passado. Agora, sua população está envelhecendo e diminuindo.

Confira também o ranking das dez maiores economias do mundo em 2023, segundo projeção do FMI:

De certa forma, esse ranking reflete a dificuldade que os japoneses têm de abraçar as mudanças que os novos tempos exigem. E a consequência disso é mais do que esperada: ficar para trás. Até 2010, o Japão era a segunda maior economia do mundo, quando foi ultrapassado pela China. Como vimos, se as projeções do Fundo Monetário Internacional se concretizarem, a Alemanha fechará 2023 ocupando o lugar do Japão, que não parece muito distante da Índia e do Reino Unido. Aliás, segundo uma projeção da S&P Global Market Intelligence, por volta de 2030 a Índia poderá ter superado o Japão. Ou seja, se as projeções se concretizarem, o Japão terá perdido três posições em apenas 20 anos.

Façamos uma analogia: o Brasil tem cinco Copas do Mundo, mas ATUALMENTE pode ser considerada a MELHOR seleção masculina de futebol?

O torcedor mais realista diria que NÃO, afinal as outras seleções evoluíram e desde 2002 o Brasil não tem ganhado mais nenhuma Copa. Também, não faria sentido avaliar o tempo presente através de um tempo passado distante. Seria a mesma coisa que dizer que a carruagem é o melhor meio de transporte atualmente, porque já foi no passado. Daí vem aquela famosa frase: “Futebol é momento”.

Assim como o futebol, a economia também é momento. Assim como as seleções de futebol, os países evoluem ou “param no tempo”. A economia é dinâmica e as leis de imigração sofrem constantes mudanças. Nesse sentido estrito, atualmente qual o benefício de trabalhar no Japão que outros países (Canadá, Estados Unidos, Irlanda e outros países da Europa, por exemplo) não poderiam oferecer na mesma proporção ou até melhor ou mais facilmente para nós brasileiros?

Diante desta pergunta, fazemos outra:

“Você deseja trabalhar no Japão porque julga que os salários são bons. Porém, você chegou a essa conclusão porque só conhece o Japão como opção? Ou você já procurou se informar sobre outros países?”

Com o processo de globalização em curso, a busca por profissionais altamente qualificados tem crescido em escala mundial, intensificando a competição por talentos entre os países. Contudo, no Japão, apenas 1% dos trabalhadores altamente qualificados são estrangeiros, uma proporção significativamente inferior aos 23% no Reino Unido e aos 16% nos Estados Unidos. Uma das razões que podem explicar essa disparidade notável reside no fato de que os salários no Japão, de maneira geral, estão abaixo da média em comparação com outros países desenvolvidos. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o salário médio no Japão registrou um aumento de apenas 3% ao longo de três décadas, uma cifra consideravelmente inferior aos 40% na Coreia do Sul e aos 29% nos Estados Unidos no mesmo período.

Especialistas apontam que as empresas japonesas, apesar disso, relutam em mudar a cultura de trabalho. Hisashi Yamada, economista do Instituto de Pesquisa do Japão diz que “o Japão fica para trás por causa dos salários abaixo da média”. Esse talvez seja um dos fatores que faz Keisuke Yoshida, da Transcend-Learning, uma organização que ajuda empresas japonesas a encontrar estudantes internacionais talentosos, afirmar que “quanto mais alta for a classificação da universidade, menos os estudantes desejam trabalhar no Japão”.

Keisuke Yoshida também afirma que “quando converso com estudantes estrangeiros, eles dizem que se assustam quando veem o JLPT nível 1 como um requisito para o cargo. É como se os japoneses dissessem que não estão aptos para trabalhar no Japão, e os estudantes desistem”. E, diante das altas exigências, mas dos baixos salários, julgamos muito oportuno o que diz Kaori Akiyama, diretora administrativa da Japan-Asia Youth Exchange Association, uma organização que supervisiona estagiários: “estamos dizendo às empresas japonesas: se vocês querem mão de obra qualificada, precisam pagar mais”.

Uma pesquisa de 2021 mostrou alguns dados interessantes. Observe:

Perceba que trabalhar propriamente no Japão parece NÃO ser o desejo da maioria daqueles que querem (ou estão) estudando japonês. De acordo com os dados e falas de especialistas, este fato, no entanto, não surpreende.

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Muitas exigências das empresas, dificuldade de adaptação (cultura fechada, inflexível e muito diferente para muitos, falta de acolhimento dos japoneses, etc.) e salários baixos em comparação a outros países desenvolvidos. Diante disso, muito sensata é a fala do Baka Gaijin, youtuber brasileiro que mora no Japão:

“Se você está pensando em sair do Brasil só por causa de dinheiro, é melhor você ir tipo para o Canadá. Lá a imigração é menos exigente do que aqui no Japão e os salários são até mais altos do que aqui no Japão. Para você querer competir no mercado de trabalho japonês, tem que ser por que você GOSTA do Japão e você quer morar aqui especificamente”

Mesmo diante desses fatores, não raramente presenciamos pessoas justificando ou se cegando para os aspectos negativos do Japão por causa da segurança, organização e/ou salários melhores em comparação ao Brasil.

Contudo, não vemos sentido algum em tal atitude, porque o Japão NÃO é o ÚNICO país a oferecer melhor segurança, organização e salários em comparação ao Brasil. O raciocínio, aliás, deveria ser: “Atualmente, qual país DESENVOLVIDO não ofereceria melhor segurança, organização e salários em comparação ao Brasil?”.

O que queremos dizer é que, a depender da REFERÊNCIA usada para a comparação, as conclusões podem variar e, com isso, a nossa visão se fechar ou se expandir. Por exemplo, via de regra nós brasileiros acreditamos que o Brasil é um país ruim. Porém, para pessoas de países como a Venezuela, o Brasil é uma terra de oportunidades.

Analisando estatísticas e as comparando com as de outros países (o que faremos a seguir), ouvindo especialistas e pessoas sensatas que já moram (ou moraram) no Japão, perceberemos que o Japão NÃO é a única opção para nós brasileiros. E diríamos mais: em termos gerais, NÃO é nem de longe a melhor opção possível atualmente.

Mesmo que inconscientemente, as pessoas levam em consideração essas variáveis e isso acaba afetando o grau de importância que elas dão ao aprendizado da língua japonesa ao longo do tempo. Some-se a isso a resistência dos japoneses a mudanças (em parte devido ao governo e à falta de alternância de poder), o que aumenta mais a insegurança das pessoas com relação à economia do país e à qualidade de vida. Ao dar menos importância, é natural que o engajamento da pessoa diminua gradativamente.

Outro ponto a se considerar é que a língua japonesa restringe muito as nossas possibilidades.

Quando tratamos de metas, estamos falando sempre de futuro e, consequentemente, de possibilidades. E neste quesito, não há como negar que, considerando determinadas variáveis atuais, algumas possibilidades são mais propensas de ocorrer em comparação a outras.

Perguntamos: será que muitos de nós não nos desmotivamos com o estudo da língua japonesa justamente por que em dado momento nos damos conta de que as possibilidades que ela nos oferece são, atualmente, muito restritas?

Façamos uma analogia: suponhamos que deem a você um prêmio de R$ 100.000 caso você consiga fazer com que dois dados caiam com o número 6 para cima. Então, oferecem duas opções: uma tentativa ou dez tentativas.

Cremos que todos nós escolheríamos a opção “dez tentativas”, não é mesmo? E o motivo é óbvio: com dez tentativas a possibilidade de ganhar é muito maior. Em outras palavras, podemos ganhar com uma tentativa, mas é “mais seguro” escolher dez tentativas.

Com essa analogia meio maluca, não há como negar que a língua japonesa acaba sendo sim muito restritiva, isto é, diminuindo as nossas possibilidades, ao contrário de alguém que aprende inglês, por exemplo. Afinal, há mais países cuja língua oficial ou cooficial é o inglês. De uma forma simplista, se alguém que domina o inglês não conseguir emprego nos Estados Unidos, poderá tentar no Canadá, Austrália, Irlanda, etc.

Aliás, o site Babbel Magazine listou as 11 línguas mais faladas no mundo usando como critério o NÚMERO DE PAÍSES que adotam determinada língua como oficial ou cooficial. Seguem as 5 primeiras:

1. Inglês: 60 países;

2. Francês: 29 países;

3. Árabe: 23 países;

4. Espanhol: 20 países;

5. Português: 10 países.

Novamente: ser restrito não significa que não poderemos chegar onde desejamos; estamos falando apenas de maior ou menor possibilidade de algo ocorrer dadas as circunstâncias atuais. O problema nisso tudo é que normalmente agimos como “engenheiros de obra pronta”, isto é, avaliamos as coisas depois que os fatos concretamente ocorrem. Contudo, antes que as coisas ocorram concretamente estamos ainda no campo das possibilidades, sendo elas maiores ou menores.

E já que estamos falando de línguas mais restritas e mais amplas, façamos agora um contraponto ao tópico “XVI. INGLÊS, A LÍNGUA UNIVERSAL?”, no qual afirmamos que a melhor forma de se comunicar com um nativo de qualquer país é falando a mesma língua dele.

Não encare isso como dogma, pois ninguém duvida (e a realidade concreta atual e globalizada nos IMPÕE isto) que é preciso haver abertura para ADAPTAR a comunicação quando necessário. Ou seja, entre pessoas que falam línguas diferentes é preciso haver uma língua comum que possibilite a comunicação. Gostemos ou não, esta língua comum atualmente é a LÍNGUA INGLESA!

No tópico “XVI. INGLÊS, A LÍNGUA UNIVERSAL?” mencionamos que na edição de 2021 do Índice de Proficiência em Inglês da EF, o Japão ficou na 78º posição. Já na edição de 2022, o Japão caiu duas posições em relação a 2021 ficando na 80º posição em um ranking com 111 países. Tal posição classifica o Japão como tendo “baixa proficiência” e, ao contrário do que se pode esperar, o Japão só vem perdendo posições neste ranking ao longo dos anos. Vejamos:

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Em uma entrevista um famoso influenciador digital japonês disse, em outras palavras, que não há nada de errado em os japoneses não saberem inglês e que é arrogância dos estrangeiros esperarem que os japoneses se comuniquem em inglês. Ele disse: “Não seja esse tipo de estrangeiro”. Também, disse que “você não pode esperar que os japoneses aprendam inglês a menos que você aprenda japonês”.

Ao influenciador digital japonês parece faltar um senso de relevância dos idiomas. Ele fala como se inglês e japonês tivessem a mesma relevância e alcance no mundo.

É claro que não! E isto não é um achismo. É um FATO CONCRETO e facilmente ATESTÁVEL.

O japonês é uma língua restrita, local, ao passo que o inglês se tornou uma língua global. É a língua que UNE pessoas de idiomas diferentes. Portanto, NÃO É arrogância nenhuma imaginar que pessoas consigam se comunicar em inglês. É algo mais do que esperado. É uma NECESSIDADE imposta a nós pelo mundo globalizado. Bem-vindo ao mundo REAL!

O famoso influenciador digital japonês disse, em outras palavras, que não há nada de errado em os japoneses não saberem inglês. Claro que há! Os japoneses ficam para trás ao não se abrirem para a adaptação da linguagem usando o inglês, quando necessário. Não estamos mais em um mundo em que a comunicação e o intercâmbio entre países eram bastante limitados! Por esse e outros motivos, são os próprios japoneses que perdem oportunidade de melhores negócios e clientes usando placas como esta:

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O famoso influenciador digital japonês disse também que “você não pode esperar que os japoneses aprendam inglês a menos que você aprenda japonês”. Com esta fala totalmente desconexa do mundo real, o arrogante nessa história acaba sendo o influenciador japonês que, dotado de um pensamento ultrapassado e mimado (nós somos assim e ponto final), não enxerga a diferença de relevância natural que há entre idiomas. Aliás, nesse quesito seria mais realista dizer que não há nada de errado em os estrangeiros não saberem JAPONÊS, já que é uma língua restrita e são os JAPONESES que deveriam se abrir às tendências comunicativas atuais! Eles que deveriam aprender inglês. E claro, porém, que para morar no Japão o ideal e saber se comunicar na língua local, mas isso vale para QUALQUER lugar.

Será que se o famoso influenciador digital japonês vier visitar o Brasil, vai vir com um português fluente ou vai ser arrogante (como ele diz) assumindo que nós brasileiros sabemos falar inglês? Aliás, ele mesmo faz seus vídeos falando em inglês com os estrangeiros.

No fundo, o influenciador digital (que felizmente não representa TODOS os japoneses mais jovens) carrega parte daquele sentimento antigo (e tolo) de superioridade japonesa. Ele coloca erroneamente o japonês e o inglês no mesmo patamar e tenta compensar o equívoco dos japoneses em não se abrirem ao inglês atribuindo aos estrangeiros o mesmo tipo de equívoco ao não aprenderem japonês, dizendo infantilmente: “você não pode esperar que os japoneses aprendam inglês a menos que você aprenda japonês”.

Como se as duas línguas tivessem a mesma relevância no mundo atual. Esta é, aliás, uma das armas dos incompetentes/ignorantes: tentar de forma fantasiosa igualar os outros a si mesmo atribuindo a eles a sua incompetência/ignorância.

Esse pensamento fechado, ultrapassado (que nenhum aspecto cultural justifica) tende a apenas prejudicar os próprios japoneses, que ficam parecendo aquele vizinho mimado e aquém das mudanças do mundo que justifica sua ignorância atribuindo-a aos outros vizinhos, que ao contrário dele, estão evoluindo.

É importante frisar que quando se fala que é importante saber se comunicar em inglês, não se está pregando o americanismo, colonialismo ou desrespeito a uma cultura local. Apenas se está apontando para um fato concreto e facilmente atestável, isto é, gostemos ou não, a língua inglesa se tornou uma língua global, é a língua que UNE pessoas de idiomas diferentes. A questão aqui é apenas a adaptação da linguagem para que possa haver comunicação entre as partes.

Abrir-se a essa adaptação de linguagem não significa de forma alguma abolir uma língua ou cultura local. Pode até ser uma forma de mantê-la, pois assim mais pessoas de fora tendem a se interessar por ela, já que torna a língua e cultura amigáveis aos estrangeiros. Muito mais do que tentativas (implícitas ou explícitas) de IMPOSIÇÃO.

Peguemos como exemplo a expansão do Cristianismo. É sabido que no tempo de Jesus havia alguns que atribuíam a si mesmos o título de Messias. Por que a mensagem de Jesus permanece até hoje e a de outros sumiu?

É claro que houve inegáveis episódios de imposição, mas uma das explicações é que a mensagem de Jesus sempre teve um caráter universal, ao contrário de outros que visavam atender aos anseios do povo local ou da elite deste povo.

Ao se dirigirem a outros povos, os discípulos de Jesus trataram de tornar a mensagem amigável usando, por exemplo, o grego, que naquela época tinha relevância parecida com a que o inglês tem hoje. Mais tarde, a Igreja foi se tornando amigável a povos ditos pagãos se utilizando de elementos da cultura destes povos.

Perceba como essa abordagem flexível facilitou a aceitação do Cristianismo em várias partes do mundo. Sendo assim, a comunicação em inglês pode perfeitamente coexistir com a preservação e valorização das línguas e culturas locais. A diversidade linguística e cultural é uma riqueza, e a comunicação em inglês pode ser vista como uma ferramenta para facilitar o entendimento e a colaboração entre diferentes partes do mundo.

Você pode dizer:

“Eu sei que atualmente existem opções melhores para quem quer ganhar dinheiro. Mas eu realmente gosto do Japão por causa da cultura única!”

Realmente o aspecto cultural japonês é um enorme atrativo. Contudo, neste aspecto precisamos considerar quatro pontos:

Todos os países têm uma cultura única: povos foram se desenvolvendo ao longo da História através de experiências diferentes e, com isso, foram desenvolvendo uma cultura diferente das demais. Desse modo, é extremamente errôneo atribuir ao Japão uma cultura única e/ou superior. Todas as culturas são únicas no mundo e a questão de “superioridade” (entre aspas) é uma questão extremamente pessoal;

➩ Temos que saber diferenciar o fazer turismo e o viver a vida no Japão: a menos que trabalhemos com algo relacionado à cultura japonesa, a experiência cultural por si só não paga as nossas contas e não preenche as necessidades humanas mais básicas. Viver a vida no Japão vai muito além dos animês, jogos, ninjas, samurais e garotas e garotos fofos, por exemplo. Temos que nos preocupar com coisas como arrumar um emprego digno, moradia e construir relações sociais saudáveis;

➩ O que você gosta é a cultura como um todo ou apenas parte dela?: pensemos que a cultura de qualquer pais quando vista de fora é como um carro na loja. Para chamar a atenção dos clientes, as lojas se preocupam muito com a lataria do veículo, porque instintivamente costumamos julgar o conteúdo pela aparência externa. É depois que compramos um carro e o utilizamos que percebemos os problemas. Sendo assim, será que o que você chama de cultura não é apenas a “aparência externa” dela? Ou você já examinou o seu conteúdo, a parte interna?

➩ Será que você aprecia tanto a cultura japonesa porque não conhece outras?: a questão dos afetos é mais maleável do que imaginamos. Basta analisarmos a nossa própria vida e perceberemos que ao longo do tempo já gostamos de algumas coisas e desgostamos de algumas outras. E isso tem muito a ver com o conhecimento que temos até determinado momento, as circunstâncias mutáveis da vida e as oportunidades que vão se apresentando ao longo do caminho. Por exemplo, há algumas décadas fazer um curso de datilografia era considerado essencial. Atualmente, isso já não é considerado mais essencial diante dos avanços tecnológicos e o uso de computadores. Portanto seria muito imprudente “ficar ancorado” a cursos de datilografia nos dias atuais. Claro que a questão do afeto faz parte do ser humano, mas ele tem que de alguma forma nos fazer evoluir também. Não deveria ser uma âncora ou uma fuga da realidade.

A questão cultural vai muito além da bela aparência externa. Envolve também questões sociais, que muitas vezes são omitidas (como os defeitos de um carro na vitrine), e que devem ser pesadas também. Por exemplo, o World Giving Index (WGI) é um relatório anual publicado pela Charities Aid Foundation que classifica mais de 140 países do mundo de acordo com o grau de caridade. O objetivo do World Giving Index é fornecer informações sobre o escopo e a natureza das doações em todo o mundo. No relatório publicado em 2022, O Japão aprece na penúltima colocação na classificação geral (como comparação, o Brasil aparece na 18ª posição):

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E se considerarmos alguns dados específicos do relatório, a situação parece ainda mais desanimadora, já que o estudo analisa três aspectos do comportamento relacionados à generosidade, perguntando “No último mês, você praticou alguma das seguintes ações?”. Seguem as perguntas e as respectivas porcentagens obtidas pelo Japão:

(1) Ajudou um estranho ou alguém que não conhecia que precisava de ajuda? – 24% (ficou na 118ª posição)

(2) Doou dinheiro a uma instituição de caridade? – 18% (ficou na 103ª posição)

(3) Dedicou o seu tempo como voluntário em alguma instituição? – 17% (ficou na 83ª posição)

Os extremos se tocam. É interessante como o coletivismo extremo pode resultar no mesmo problema do individualismo extremo, isto é, a indiferença, por razões diferentes. Ou seja, pessoas podem ser indiferentes aos outros por pensarem: “Não posso me destacar, nem mesmo para o bem!” (pensamento coletivista) ou serem igualmente indiferentes por pensarem: “Não me importo, pois não é problema meu” (pensamento individualista).

No caso do Japão, alguns afirmam que os japoneses costumam não ser solidários uns com os outros não apenas por receio de se destacar, mas por respeito.

Como assim?

De algum modo, preservar uma boa imagem é muito importante no Japão. Neste sentido, poderíamos dizer que mostrar sinais de fraqueza (precisar de ajuda) seria vergonhoso. Sendo assim, as pessoas fingiriam não perceber quem está precisando de ajuda para que a pessoa não se sinta ofendida. Tanto que é comum os japoneses NÃO oferecerem seu lugar para idosos nos transportes coletivos. Além disso, a própria pessoa que precisa de ajuda não desejaria ser ajudada para não ser um incômodo para os outros e também não gerar uma espécie de dívida moral para si em relação ao outro.

E é claro que essa indiferença que paira sobre a sociedade japonesa geralmente causa insegurança não somente para os próprios japoneses, mas também para os estrangeiros, podendo ser ainda mais evidente. Some-se a isso a preocupação excessiva com a “estética” de coisas e comportamentos, o que faz com que o Japão tenha um número excessivo de regras implícitas e explicitas. Tal fato costuma causar muita insegurança principalmente nos estrangeiros, já que o mínimo deslize pode ser sinônimo de exclusão perante um grupo. De certa forma, essa preocupação excessiva com a “estética” das coisas, apesar de conservar a beleza para quem a vê de fora, gera intolerância aos que são diferentes.

Conforme aponta o relatório de 2023 sobre direitos humanos da Human Rights Watch, o Japão AINDA “não tem leis que proíbam a discriminação racial, étnica ou religiosa, ou a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero”. Também pontua que “o Japão não tem uma instituição nacional de direitos humanos”.

O professor Junko Kotani, do departamento de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Shizuoka, afirma que o Japão “não tem nenhuma lei que proíba a discriminação racial por entidades privadas no mercado de trabalho ou em locais públicos. Por exemplo, mesmo que o proprietário de uma loja coloque uma placa com os dizeres ‘Somente japoneses’ na porta da loja, ou que o proprietário de uma empresa discrimine um funcionário por causa de sua origem étnica, ele não está infringindo diretamente nenhuma disposição legal”.

Indo na contramão de muitas nações e mantendo a posição de que os pensamentos racistas não são disseminados e a discriminação racial não é incitada no país, o Parlamento japonês demonstrou ressalvas em relação ao artigo 4 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD), que pede às nações membros que criminalizem esse tipo de discurso de ódio, por conflitar com o direito à liberdade de expressão.

Diante dos crescentes incidentes de discurso de ódio no Japão, em 2014, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial observou a falta de uma legislação antidiscriminação no Japão e encorajou o governo a combater o discurso de ódio racista. Então, o Japão promulgou a Lei de Eliminação do Discurso de Ódio em 2016, informando ao Comitê que a considerava inadequada pelo padrão da ONU, porque a lei promulgada não criminaliza esse tipo de discurso. Na lei, o discurso de ódio é chamado de “discurso e comportamento discriminatório injusto” e é apenas considerado “inapropriado” e “inadmissível”.

Cremos que essa atitude do Parlamento japonês é muito preocupante e leviana, pois numa sociedade etnicamente homogênea como a japonesa (cerca de 98% da população é japonesa) e também, de certa forma, de pensamento homogêneo, os estrangeiros tendem a ser as maiores vítimas do discurso de ódio,  ficando desamparados. Todo esse contexto, aumenta ainda mais a sensação de insegurança social nos estrangeiros.

Aliás, a considerar pelas estatísticas, a harmonia social que se propagandeia com relação ao Japão não é tão única e bela assim tendo em vista o alto grau de rigidez presente na sociedade japonesa. Ou seja, há países que não têm o mesmo grau de rigidez social do Japão, mas cujo grau de harmonia social é igual ou até superior ao do Japão. Podemos considerar aqui, por exemplo, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que leva em consideração a riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população, especialmente das crianças. Na edição de 2022, o Japão ficou na 19º posição:

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O site Wage Centre listou os 25 países com maiores salários em 2023. Segundo informações do site, os valores devem ser considerados sem os impostos e são baseados em dados oficiais de governos e agências de estatísticas governamentais. O Japão NÃO aparece nesta lista. Seguem os 15 primeiros:

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Por falar em salários, uma pesquisa feita pelo McKinsey Health Institute em 2023 envolvendo 30 países e mais de 30.000 trabalhadores apontou que o Japão é o pior país quando o assunto é bem-estar dos trabalhadores. A pontuação do Japão foi 25 e, para fins de comparação, o Brasil ficou na 13ª posição com 62 pontos. Seguem os dez primeiros:

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Embora as empresas japonesas tenham construído uma reputação de oferecer emprego vitalício e segurança no trabalho, isso também significa que os funcionários podem ter dificuldade para mudar de emprego se não estiverem satisfeitos.

E não há como falar de salário sem falar de custo de vida. Segundo o site Living Cost, o Japão ocupa a 69ª posição em um ranking com 197 países:

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O Expat Insider é um estudo abrangente baseado nas experiências de pessoas vivendo em país estrangeiro. Segundo o relatório de 2023, que considerou a experiência de 12.000 pessoas vivendo em solo estrangeiro, o Japão ficou entre os piores países para estrangeiros ocupando a 44ª posição de 53 considerando uma média de todos os aspectos analisados no relatório. Para fins de comparação, o Brasil ocupou a 15ª posição. Veja alguns dados referentes ao Japão:

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O Índice Global de Aposentadoria avalia qual o melhor sistema de aposentadoria com base em cinquenta indicadores aproximadamente. No relatório de 2023 foram comparados 47 sistemas de aposentadoria em todo o mundo e o Japão ficou na 30ª posição com uma média de 56,3. Para fins de comparação, o Brasil ficou na 33ª posição com uma média de 55,7 e ambos receberam a nota C. Os dez melhores países foram:

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Há também o Índice Global de Paz, que faz uma análise sobre as tendências da paz, o valor econômico e como desenvolver sociedades pacíficas, usando 23 indicadores qualitativos e quantitativos em três aspectos: o nível de segurança e proteção social, a dimensão do Conflito Doméstico e Internacional em Curso, e o grau de militarização. Na edição de 2023, o Japão foi considerado o 9º país mais pacífico do mundo:

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O México foi classificado como o melhor país para estrangeiros. Diante deste dado muitos podem ficar surpresos. Porém, será que não é por que muitos de nós apenas se preocupam com a questão financeira e a questão da segurança e tentam fechar os olhos para outros aspectos que, pelo menos A LONGO PRAZO, acabam pesando mais? A considerar o parecer do relatório em relação ao México, perceberemos que o Japão deixa MUITO a desejar na maioria destes aspectos. Veja que eles se relacionam de algum modo a QUESTÕES SOCIAIS. Segue:

O desempenho superior do México não chega a ser uma surpresa, pois o país sempre esteve entre os 5 primeiros colocados desde que a primeira pesquisa foi realizada em 2014. E ao longo dos 10 anos do Expat Insider, o México sempre se classificou entre os melhores no Índice de Facilidade de Integração (1º em 2023). Os estrangeiros apreciam a simpatia local (1º): a maioria considera os residentes locais amigáveis em geral (91% vs. 67% globalmente) e em relação aos residentes estrangeiros em particular (89% vs. 65% globalmente).

Encontrar amigos (2º) também não é problema. Cerca de três em cada quatro estrangeiros (74%) dizem que é fácil fazer amizade com os mexicanos (residentes locais), em comparação com apenas 43% em outros países. Essa é provavelmente uma das razões pelas quais os estrangeiros no México têm uma rede de apoio pessoal (2º) e estão satisfeitos com sua vida social em geral (4º). O México garante outro 1º lugar na subcategoria Cultura e Boas-vindas. Os estrangeiros relatam que é fácil se acostumar com a cultura mexicana (1º).

O país tem outro forte desempenho no Índice de Elementos Essenciais Para Estrangeiros (12º). A moradia (6º) é um destaque especial, pois os estrangeiros dizem que acomodação no México não é apenas fácil de encontrar, mas também acessível (7º para ambos). A acessibilidade econômica é uma tendência geral no México. Ele ocupa a 2ª posição no Índice de Finanças Pessoais. E 71% estão satisfeitos com o custo de vida geral, em comparação com apenas 44% em nível global. No geral, 80% estão satisfeitos com sua situação financeira (contra 58% globalmente).

O México tem resultados positivos no Índice Geral de Trabalho no Exterior (22º). Os estrangeiros estão especialmente satisfeitos com suas oportunidades pessoais de carreira (4º), remuneração justa (5º) e equilíbrio entre vida pessoal e profissional (7º). O Índice de Qualidade de Vida (26º) revela resultados bastante mistos. Do lado negativo, o México ocupa apenas a 45ª posição em termos de estabilidade política, e 18% dos estrangeiros não se sentem seguros no país, mais do que o dobro da média global (8%). Do lado positivo, as opções de lazer do país (2º) estão entre as melhores do mundo. No geral, 90% dos estrangeiros estão satisfeitos com sua vida no México, em comparação com 72% em outros países.

O Índice de Percepção da Corrupção é o principal indicador de corrupção do mundo. Quanto maior a pontuação, menor é a (percepção de) corrupção. Na edição de 2022, o Japão ficou na 18ª posição:

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O Índice Global de Diferenças de Gênero (Global Gender Gap Index) avalia anualmente o estado atual e a evolução da paridade de gênero em quatro dimensões principais (Participação e Oportunidade Econômica, Nível Educacional, Saúde e Sobrevivência e Participação na Política). É o índice mais antigo que acompanha o progresso dos esforços de vários países para preencher essas lacunas ao longo do tempo desde sua criação em 2006. Na edição de 2023, em um ranking com 146 países, o Japão ocupou a 125ª posição. Para fins comparativos, o Brasil ocupou a 57ª posição.

Os dez países que apresentaram maior igualdade de gênero foram:

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De novembro a dezembro de 2020, uma pesquisa perguntou a 22.000 pessoas de 21 países como elas classificavam sua autoestima, felicidade e bem-estar. A pesquisa mostrou que Coreia do Sul, Arábia Saudita, França, Japão e Espanha tiveram pontuações muito baixas, enquanto Austrália, Dinamarca e Estados Unidos ficaram no topo da lista com a maior pontuação média de amor-próprio:

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De acordo com os pesquisadores, os usuários frequentes das redes sociais têm níveis mais baixos de amor-próprio. Globalmente, quase 1 em cada 3 pessoas que ficam nas redes sociais por mais de 2 horas por dia tiveram as pontuações mais baixas no Índice de Amor Próprio. As pessoas concordaram que os influenciadores, as celebridades e o(a)s modelos em anúncios contribuem muito para a baixa autoestima.

Também, em termos globais, a maior parte das pessoas acredita que a indústria da beleza pode ter um impacto negativo na sua autoconfiança, devido à utilização de imagens retocadas e a afirmações irrealistas. As mulheres mais jovens consideram a falta de diversidade na publicidade como um impacto negativo importante, mais do que as mulheres mais velhas.

Considerando o FIB (Felicidade Interna Bruta), na edição de 2023, o Japão ficou na 47º posição, um pouco acima do Brasil, que ficou na 49º posição. Segue o histórico do Japão neste índice comparado com o Brasil:

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No relatório sobre felicidade de 2023 feito pela Ipsos com 32 países, o Brasil aparece na 5ª colocação e o Japão, na 29ª posição, ficando atrás apenas da Polônia, Coreia do Sul e Hungria. Contudo, no item “Tenho um ou vários amigos próximos ou familiares com quem posso contar para me ajudarem em caso de necessidade”, Brasil e Japão estão nas últimas colocações: o Brasil ficou na 31ª posição e o Japão ficou na última posição:

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É interessante que dois países culturalmente opostos tenham índices tão parecidos neste quesito, não é mesmo? Cremos que a raiz disso está naquilo que mencionamos no tópico “O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL”, isto é, de alguma forma os extremos opostos se tocam resultando nas mesmas coisas. Neste caso, resulta na INDIFERENÇA. O Japão por que tem uma visão coletivista beirando o extremo. Por outro lado, o brasileiro está cada vez mais individualista, também beirando o extremo. O acesso facilitado às coisas e o excesso de opções possivelmente esteja gerando em nós brasileiros (e no mundo) uma sensação de autossuficiência.

Em décadas passadas, não tínhamos muitas opções e, por isso, tínhamos consciência de que precisávamos uns dos outros: brincávamos na rua, pedíamos coisas emprestadas, íamos na casa de amigos para jogar um jogo ou videogame que (ainda) não possuíamos, etc. Como não tínhamos muitas opções, o nosso cérebro não “se enjoava” tão rapidamente das coisas e das pessoas como acontece hoje.

Como não tínhamos tantas pessoas com quem nos compararmos, como acontece hoje por causa das redes sociais, tendíamos a nos sentir mais satisfeitos com o que possuíamos e com o pequeno grupo de pessoas com quem era possível interagir.

Aliás, segue um interessante relato de um canadense que mora há mais de 12 anos no Japão:

Sou canadense e moro no interior do sul de Shikoku há mais de 12 anos. (...). Minha meta nos primeiros 5 anos era me integrar totalmente à sociedade japonesa. Por isso, evitei estabelecer relacionamentos com outros estrangeiros e me concentrei apenas em estudar japonês e conhecer japoneses. O que percebi é que a integração como estrangeiro é impossível. Até hoje, não tenho um único amigo japonês. Não importa quanto esforço eu faça para construir relacionamentos, nunca é recíproco. Claro, tenho conhecidos no trabalho e em outros lugares, mas os relacionamentos são muito superficiais e sempre há uma barreira invisível entre nós.

Quando saio do escritório, vivo uma vida completamente isolada, sem vida social. Um japonês nunca, jamais, fará qualquer esforço para construir um relacionamento com um estrangeiro.

As regras são intermináveis e as expectativas de se comportar exatamente da mesma forma que todos ao seu redor são constantes. Como pensador independente, percebi que realmente não me encaixo na sociedade japonesa. Se eu expressar minha opinião diferente da do grupo, isso é realmente mal visto.

Tenho uma bela casa tradicional e uma pequena fazenda aqui, mas o isolamento contínuo está me fazendo querer voltar para o Canadá.

Percebeu neste relato a presença de aspectos do pensamento japonês tradicional? De algum modo, o relato reforça algo que mencionamos anteriormente, isto é, como estudante, NÃO procure interagir com qualquer japonês, mas sim procure interagir com japoneses que já tenham interesse na cultura estrangeira, que estejam aprendendo português, inglês, etc. É importante que lhes sejamos úteis de alguma forma.

Aliás, como precisamos ser úteis de alguma forma para os japoneses já que somos nós que estamos interessados no Japão e na cultura japonesa, NÃO deveríamos tirar conclusões precipitadas baseados em experiências que não seriam as nossas.

Como assim?

É claro que, por exemplo, um jogador de futebol famoso que desperte interesse nos japoneses tenderá a ser bem tratado, tendo até algumas regalias, afinal, foram os japoneses que primeiro se interessaram por ele, viram nele justamente alguma utilidade. Esse, no entanto, não será o caso de muitos de nós. Logo, deveríamos nos basear em experiências daqueles em situação parecida com a nossa. Por exemplo, se você vai trabalhar em fábrica, quais são os prós e contras daqueles que foram para o Japão trabalhar em fábrica? Se você tem uma deficiência física, quais são os prós e contras dos estrangeiros que têm alguma deficiência física e vivem no Japão? E assim por diante.

Em outras palavras, por mais que tenhamos dificuldade de aceitar isto, na maioria dos lugares o tratamento que receberemos, as facilidades ou dificuldades que encontraremos dependerão muito da nossa utilidade (social, técnica, financeira, etc.) para o outro e, infelizmente, até de como somos vistos (os pré-conceitos) pelo outro.

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Além disso, é importante considerarmos o quesito diversidade, pois ela tende a fazer com que as pessoas sejam mais tolerantes com os que são diferentes. Sendo assim, morar em grandes centros urbanos é preferível a morar em cidades menores por possuírem diversidade e, com isso, temos mais probabilidades de integração, algo muito importante para o bem-estar de uma pessoa por gerar a sensação de pertencimento. 

Agora, veja mais um relato que encontramos em uma discussão na internet:

“Entrei em um aplicativo de idiomas no ano passado e conheci meu primeiro parceiro de idiomas nesse aplicativo. Éramos muito próximos, embora ele fosse mais jovem do que eu. Durante meses, continuamos com nossas rotinas: mensagens de ‘bom dia’, mensagens no almoço e chamadas de vídeo à noite. Depois, as mensagens e as ligações foram reduzidas para duas vezes por semana, depois para uma vez por mês e, por fim, para um ano. Ele não disse que estava ocupado ou algo assim. Ele simplesmente desapareceu, mas continua postando stories em seu perfil. É uma pena porque ele era um amigo querido”.

A discussão aqui é sobre o ghosting (a prática de desaparecer repentinamente sem motivo aparente) no Japão. Quem já não passou por isso, não é mesmo? E isso pode se tornar um grande motivo para nos desmotivarmos com a língua japonesa.

Primeiramente, pode-se dizer que o ghosting sempre existiu e em todo lugar; as redes sociais apenas facilitaram essa prática. Não encontramos dados que comprovem que no Japão o ghosting seja uma prática mais comum em comparação a outros países, embora pode-se supor que SIM devido à questão cultural – a preferência pela comunicação indireta e o evitar conflitos. Aliás, encontramos relatos que apontam que na Coreia o ghosting também seria uma prática muito comum.

E por que as redes sociais facilitam o ghosting? Um dos motivos é o chamado “paradoxo da escolha”, que nos diz que quanto mais opções pudermos escolher, mais insatisfeitos ficamos com as escolhas atuais por causa da sensação de estarmos perdendo algo melhor. Por isso, deveríamos continuar procurando a opção “perfeita”.

Gostemos ou não, as redes sociais nos transformaram em produtos na prateleira. Um produto pode ser muito procurado em uma semana, mas na outra surge um melhor e o produto que era muito procurado se torna esquecido.

Cremos que isso é uma coisa que veio para ficar, infelizmente. Dizemos infelizmente, pois um produto não tem aspirações e sentimentos, mas nós humanos temos. Ser visto pelo outro como inútil ou que não somos tão bons assim – é o que a pessoa que aplica o ghosting no fundo está nos dizendo – pode ferir muito a nossa autoestima.

Cremos que dois pontos precisam ser considerados:

(1) Há muita idealização com relação ao Japão e aos japoneses e nos esquecemos de que os japoneses são humanos como nós. Os aspectos culturais são apenas nossa embalagem e a receita de bolo que impõem a nós. Os ingredientes (o ser humano) funcionam basicamente da mesma forma, em qualquer tempo e lugar. Em outras palavras: se desconsiderarmos os padrões comportamentais e estéticos impostos, estaremos diante de alguém com as mesmas fraquezas e necessidades humanas;

(2) O ghosting veio para ficar nas redes sociais e, desconsiderando a discussão sobre a ética, precisamos aprender a lidar com isso. Talvez se nos déssemos conta de que somos seres em constante construção, que ainda não somos o melhor que poderíamos ser, nós não ficaríamos abalados ao sermos “descartados”, pois o outro também precisa aprender ainda. A autoestima tem a ver também com o aceitar a nossa imperfeição buscando melhorar o que precisa ser melhorado. Não queiramos ser como o Vegeta.

Não estamos dizendo que o ghosting é legal. Longe disso! Mas também não temos controle sobre as atitudes do outro. Podemos tirar lições: de alguma forma, a rejeição pode nos ajudar a olhar para as nossas imperfeições que não vemos e também a analisar se a meta que estamos perseguindo é mesmo o que queremos (ou é a melhor para nós).

Agora, veja outro relato a seguir que retiramos de um fórum na internet:

"Acredito que o japonês é visto como uma língua estrangeira de prestígio por muitas pessoas. É fácil aumentar o ego com isso, mesmo quando se tem apenas um conhecimento rudimentar do idioma.

Eu também já caí na armadilha de me sentir presunçoso perto de outras pessoas porque sei falar um pouco de japonês. É claro que isso é burrice e há uma grande diferença entre sentir-se orgulhoso e sentir-se presunçoso.

Meu conselho é que faça o que está fazendo agora. Evite as pessoas tóxicas e aproveite para passar o tempo e aprender em uma comunidade que o apoia".

Infelizmente, não é difícil nos depararmos com comentários e/ou reclamações, seja na internet ou na vida real, sobre a toxidade dos estudantes de japonês.

De fato, existe uma certa MÍSTICA com relação às línguas orientais, como se quem conseguisse aprender (ou mesmo ainda está aprendendo) fosse alguém acima da média. Isso faz com que, no geral, haja muita vaidade entre os estudantes de língua japonesa ("Eu já sou JLPT 1", "Eu já sei 2.000 Kanjis", "Eu já sei 3.000 palavras", "Eu sei mais gramática do que um japonês nativo", etc.) e com isso vão se criando ambientes extremamente competitivos, em vez de ambientes acolhedores como deveria ser.

Japonês é uma língua como qualquer outra. A questão da suposta dificuldade independe de genialidade. Depende muito mais dos ambientes em que a pessoa já está inserida (ou vai se inserir), além do esforço pessoal. Mas esses dois fatores valem para tudo. Não apenas para o japonês.

Por falar em vaidade e ambientes competitivos em vez de ambientes acolhedores, talvez, aqui encontramos uma vantagem dos cursos tradicionais e aulas particulares SE estivermos tendo dificuldade para encontrar um ambiente de recompensas. De certa forma, um bom professor particular ou um bom curso tradicional podem ser um meio inicial para desenvolvermos o destemor, pois um professor particular ou um curso tradicional nos acolhem e são adaptativos ao nosso nível.

Assim, podemos ir nos expressando mesmo com um conhecimento ainda limitado e mesmo ainda tendo insegurança. Isso até que sintamos que o nosso japonês se tornou pelo menos funcional, isto é, nós nos tornamos capazes de entender e sermos entendidos, ainda que tenha que haver ajustes como pedir que usem palavras mais simples ou falem mais devagar. Afinal, fluência e repertório são coisas distintas. Uma pessoa pode ser fluente e não ter repertório (o caso de muitos nativos) ou ter repertório, mas não ser fluente (o caso de muitos estudantes de línguas estrangeiras).

Além disso, refletindo recentemente sobre os nossos fracassos com colaboradores diretos, digamos que encontramos mais uma vantagem dos cursos tradicionais e professores particulares presenciais, o que de certa forma se aplica a qualquer tipo de relacionamento humano.

O mundo virtual tem muitos pontos positivos, mas ele proporciona duas coisas que facilitam muito o modo de agir daqueles que buscam criar personagens de si mesmos para impressionar e tirar proveito em algum aspecto: o TEMPO e a DISTÂNCIA.

Em cursos ou com um professor particular presencial, o estudante tem o que chamaremos de ATESTAÇÃO EM TEMPO REAL DA HABILIDADE do professor (ou curso). Isso também vale para os nossos companheiros de estudos presenciais (ambiente de recompensas).

No mundo virtual, tendo a seu favor o TEMPO e a DISTÂNCIA, uma pessoa com a intenção apenas de impressionar pessoas e tirar delas proveito pode montar um completo teatro (escrevendo postagens difíceis, desmerecendo constantemente outras pessoas por motivos banais, dizendo possuir um nível de conhecimento que no mundo real não tem, etc.) E se for questionado, tem o TEMPO e a DISTÂNCIA a seu favor. Pode pesquisar no Google ou perguntar a alguém e se "apropriar" da resposta em postagens ou mensagens próprias. Além disso, pode até mesmo usar a tática da “falsa autoridade” para fundamentar seus erros e idealizações – por exemplo, “eu tenho um amigo (inexistente) que é médico que disse!”.

Impressionadas com toda essa ostentação falsa, pessoas podem perder tempo e até mesmo dinheiro, felizes achando que finalmente encontraram um amigo ou professor virtual muito conhecedor do assunto (só que não!). Na verdade, é o criador desse teatro todo que quer alguma coisa de quem nele acredita.

Claro que nem todas as pessoas na internet agem assim. Claro que podemos encontrar "criadores de teatro" no mundo real também. Porém, convenhamos que no mundo real é mais fácil identificar essa situação porque podemos confrontar em tempo real a pessoa. Ela não tem o TEMPO e a DISTÂNCIA a seu favor para pesquisar ou perguntar a outra pessoa e se apropriar da resposta. Presencialmente, a enrolação ou desqualificação de quem confronta são táticas geralmente usadas para tentar encobrir o teatro.

Um conselho que damos é que se houver incoerência entre o que a pessoa diz de si mesma (frequentemente engrandecendo-se e desmerecendo os outros) e o seu comportamento concreto, leve sempre em consideração o comportamento e não considere as palavras.

Isto infelizmente é muito comum, mas é um grande EQUÍVOCO analisar um país apenas pela questão econômica e estética, ignorando a questão social. Pense que são PESSOAS que reconhecerão (ou não) nossos talentos e habilidades. São PESSOAS que nos darão (ou não) uma oportunidade de emprego. São PESSOAS que nos manterão (ou não) em nossos empregos. E, ainda que tenhamos nosso próprio negócio, são PESSOAS que comprarão (ou não) nossos produtos e nos indicarão (ou não) a outras pessoas. Mesmo um influenciador digital só se torna famoso se PESSOAS começam a lhe dar fama. São essas mesmas PESSOAS, aliás, que têm o poder de cancelar o influenciador.

Não há como negar que no Japão, assim como em qualquer lugar, existem aspectos culturais que, apesar de belos na superfície, vêm perpetuam questões muito negativas e que deveriam ser revistas. Como vimos pelas estatísticas, a rigidez social presente no Japão não se justifica, já que há países que estão muito mais avançados como sociedade e que alcançam isso sem o alto grau de rigidez social ou mesmo ações ultrapassadas e questionáveis como no Japão. Além da indiferença e hostilidade implícitos que pairam na sociedade japonesa diante dos diferentes ou considerados mais fracos, o que leva a um tipo de “seleção social”, até 1996, o Japão possuía uma lei eugênica, que visava “impedir o nascimento de descendentes de má qualidade”. Entre 1948 e 1996, cerca de 16.000 pessoas foram operadas sem consentimento e até hoje as vítimas demandam indenizações.

Algo também importante a se abordar é como a sociedade japonesa lidaria com as pessoas com deficiência. Quando se trata desse assunto, julgamos que dois aspectos precisam ser levados em consideração:

(1) Acessibilidade oferecida:

(2) Olhar da sociedade.

Com relação à acessibilidade oferecida, o Japão de maneira geral costuma ser bem classificado. Contudo, o que muitos se esquecem é que, como cada deficiência tem seu grau e particularidade (como uma impressão digital), nenhuma acessibilidade por si só será capaz de satisfazer as necessidades de todas as pessoas com deficiência. Por exemplo, o banheiro adaptado que serve para alguns, não servirá para outros.

Para preencher esta LACUNA é importante considerar o que chamamos de “olhar da sociedade”, isto é, o respeito e o desejo que as pessoas têm de espontaneamente ajudar a pessoa com deficiência e incluí-la. Afinal, não adianta uma pessoa com deficiência poder entrar numa universidade que possui acessibilidade se dentro dela as pessoas a tratarem com INDIFERENÇA, não lhe proporcionando o sentimento de pertencimento. Neste caso, a aparente inclusão se torna uma verdadeira e torturante exclusão. A inclusão se dá no dia a dia, nas conversas informais, no respeito e desejo espontâneos das pessoas de ajudar e fazer com que a pessoa com deficiência se sinta importante e PARTE do grupo. A inclusão não se dá apenas em situações de curta duração ou quando a lei obriga.

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No aspecto “Olhar da Sociedade” o Japão infelizmente parece estar muito atrasado em relação a outros países. Segundo o “The Japan Times”, uma pesquisa apontou que para 88,5% dos entrevistados, a discriminação contra pessoas com deficiência “existe” ou “existe até certo ponto” no Japão. O acadêmico Michael Gillan Peckitt, que possui uma doença congênita desde o nascimento e que mora em Kobe, relatou ao “International Press Foundation (IPF)” que no Japão “a vergonha de ter um filho com deficiência é muito grande. A deficiência geralmente é escondida. Minha esposa, que é japonesa e professora em uma universidade daqui, também tem paralisia cerebral. Quando ela tinha 11 anos, simplesmente se presumia que a mãe dela não queria que ela frequentasse o ensino médio. Ela realmente teve de lutar para mantê-la na escola. A situação está melhorando, mas aponta para uma cultura de vergonha”.

Takashi Ono, padrasto de um sobrevivente de um ataque ocorrido em 2016 em uma clínica para pessoas com deficiência perto de Tóquio, no qual morreram pelo menos 19 pessoas, disse à Reuters que “Certamente, alguns talvez não queriam que seus filhos fossem submetidos ao escárnio público. (...) No Japão, as pessoas com deficiência são discriminadas e, por isso, as famílias quiseram ocultá-las”. Essa declaração foi feita diante do fato de que nenhuma informação sobre as vítimas que morreram, exceto seus gêneros e idades, variando de 19 a 70 anos, foi divulgada.

Ainda segundo a reportagem da Reuters, no Japão, “as pessoas com deficiências, especialmente as cognitivas, ainda podem sofrer estigma e, ao contrário do que ocorre em muitos países ocidentais avançados, suas famílias compartilham a vergonha”.

Agora, você pode pensar:

“É quase um consenso mundial que os japoneses são pessoas educadas e respeitosas. Fiquei confuso agora!”

Isso acontece justamente porque muitos se deixam levar pelas aparências, procurando até justifica-las cegamente para satisfazer o seu sistema de crenças. O estereótipo de que todos os japoneses são educados e respeitosos tem sido perpetuado por muitos anos e é frequentemente reforçado pela mídia popular e por representações culturais. No entanto, é preciso entender de onde brota o ato de educação e respeito:

➩ É algo superficial apenas para cumprir um protocolo ou uma expectativa social dentro de circunstâncias específicas?

➩ É algo teatral para causar uma falsa boa impressão e assim atrair, por exemplo, turistas e satisfazer interesses econômicos e políticos?

➩ É algo seletivo, direcionado a apenas alguns grupos, que seriam aqueles que estão de acordo com as expectativas sociais?

➩ É algo natural, que uma pessoa vem exercitando espontaneamente ao longo da vida?

É claro que há japoneses (ou qualquer outra pessoa no mundo) que exercitam o ser educado e o respeitar o outro espontaneamente, mas, de maneira geral e em qualquer parte do mundo, podemos dizer que existem situações que nos forçam a ser educados e respeitosos superficialmente, como em uma reunião de negócios, em uma situação de compra e venda, etc. Ou seja, a hospitalidade, a educação, o respeito e um bom atendimento ao cliente, ainda que superficiais, são aspectos fundamentais para se fazer negócios, para o setor de serviços e para a imagem de qualquer país. Perceba também que aqui estamos falando de circunstâncias de curta duração.

E, justamente por um ato de educação e respeito poder ser apenas um protocolo ou um cumprimento de uma expectativa social para determinadas situações de curta duração, não deveríamos confundi-lo com o gostar, amar ou querer por perto. Aliás, por causa dessa confusão é que muitos estrangeiros acabam “se decepcionando” com os japoneses achando que se eles foram (aparentemente) educados e respeitosos uma vez o serão sempre e é por que eles já gostaram da gente e já vão nos quer sempre por perto. É por isso que turistas se encantam e é por isso que não raramente nos deparamos com afirmações de que existe um Japão para se fazer turismo e existe outro Japão, completamente diferente, para se viver como estrangeiro.

Aliás, assista ao documentário “Japan's Disability Shame”, que legendamos e disponibilizamos em nosso canal no Youtube. Não divulgado aqui no Brasil, esse documentário aborda a questão da forte discriminação que existe contra pessoas com deficiência no Japão, a ponto de as famílias esconderem membros que possuem alguma deficiência com medo de serem vistas como inferiores e/ou serem criticadas. Além disso, houve até 1996 uma lei de eugenia que podia fazer com que pessoas com alguma deficiência física ou intelectual fossem esterilizadas à força.

Diante disso, os fantasiosos com relação ao Japão podem dizer que em todos os lugares existe preconceito e discriminação.

Sim, é verdade.

A questão, porém, é que não vemos ninguém idolatrando, por exemplo, o Brasil por ser a terra da educação e do respeito. Não vemos ninguém relativizando o problema da criminalidade no Brasil afirmando que em todos os lugares existem crimes. Essas são atitudes de quem apenas quer satisfazer o seu sistema de crenças, mesmo que tenha que negar a realidade concreta. Assim como há países muito mais avançados no combate à criminalidade em relação ao Brasil, há países muito mais avançados no combate ao preconceito e à discriminação (e como sociedade no geral) em relação ao Japão. Ora, em uma terra dita ser exemplo de educação e o respeito, NÃO deveria haver preconceito e discriminação. A educação e o respeito deveriam ser para TODOS.

Embora existam fatores culturais e sociais que contribuem para o estereótipo de que os japoneses são todos educados e respeitosos o tempo todo, é importante reconhecer suas limitações e possíveis danos. Os estereótipos podem criar expectativas irreais, mal-entendidos e perpetuar mitos prejudiciais. É importante abordar as diferenças culturais com a mente aberta e evitar fazer conclusões para o bem ou para o mal com base em experiências ou percepções limitadas.

***

O Japão é um exemplo de como um país pode ser avançado economicamente, mas socialmente deixar muito a desejar. Não estamos dizendo, porém, que o Japão seja um país ruim. Estamos afirmando apenas que, baseados em dados, o Japão não é a melhor opção. Para entender, façamos uma analogia: suponhamos que você precise colocar um prego na parede. Qual a melhor ferramenta para fazer isso? Concordamos que é o martelo, não é mesmo?

Contudo, dizer que o martelo é a melhor ferramenta não significa que ela é a única coisa que pode ser usada para se colocar um prego na parede. Uma pessoa poderia usar, por exemplo, um sapato em cinco situações:

(1) Na falta de um martelo. Neste caso é preferível usar um sapato a não usar nada;

(2) Na falta de conhecimento da existência do martelo. Neste caso, a pessoa recorre a uma opção pouco eficaz, mas satisfatória por NÃO ter a informação sobre a existência do martelo;

(3) A opção mais fácil disponível. Neste caso, a pessoa SABE que o martelo é a melhor opção, mas usa um sapato porque é a opção mais fácil em dado momento;

(4) Satisfação do sistema de crenças. Neste caso, a pessoa SABE da existência do martelo, mas QUER se convencer de que o sapato é a melhor opção, mesmo que precise negar a realidade objetiva;

(5) Pura preferência. Neste caso, a pessoa SABE da existência do martelo e que ele é a MELHOR opção. Porém, por uma questão de preferência, usa, mesmo assim, o sapato.

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Em linhas gerais, a noção de melhor ou pior nasce do conhecimento (ou não) da existência de outras opções e da comparação da nossa situação atual com as opções que conhecemos, podendo ser aquilo que parece estar mais próximo de nós e/ou mais fácil. Neste sentido, existe no Japão uma certa blindagem (por omissão e/ou manipulação de informações) contra influências externas com alguns até acusando o governo, a mídia e o sistema educacional de fazerem um tipo de lavagem cerebral. Assim, é mais do que esperado que os japoneses ACHEM que o Japão é a melhor opção disponível para eles. E talvez não seja à toa que praticamente o mesmo partido governa o Japão há quase 70 anos!

É claro que se formos considerar, por exemplo, o quesito salário, o Japão é melhor se comparado à média salarial do Brasil, assim como o Brasil seria uma opção melhor para pessoas de países economicamente em situação menos favorável. A questão é quantas opções conhecemos, isto é, o Japão NÃO é o único país que oferece um salário melhor. Levando em consideração os dados desfavoráveis do Japão, alguns ainda poderão escolher o Japão por desconhecerem os dados melhores referentes a outros países. Outros, poderão ainda escolher o Japão por ser a opção mais fácil, considerando suas circunstâncias individuais. Haverá outros que ainda escolherão o Japão por quererem acreditar que ele é a melhor opção, negando os dados concretos. E haverá outros que ainda escolherão o Japão apenas por preferência mesmo estando ciente de que ele não é a melhor opção possível.

Você pode ainda pensar:

“Eu quero aprender japonês para ter oportunidade de emprego no Brasil mesmo. Não estou interessado em morar no Japão”

Pelo menos em um primeiro momento, no quesito emprego esta é a opção mais escolhida, conforme a pesquisa que destacamos anteriormente.

É claro que há mercado para se trabalhar com a língua japonesa no Brasil, como por exemplo, tradutor e intérprete ou professor. Porém, é claro também que, se comparamos com as línguas inglesa ou espanhola, as oportunidades com a língua japonesa são bem reduzidas, até por questão da própria demanda.

Não há como negar que, pelo menos atualmente, a língua japonesa ainda é muito ligada ao entretenimento, algo que tende a ser temporário, facilmente substituível por outras formas de diversão, como por exemplo, a onda coreana com o K-pop e K-dramas, além dos quadrinhos e animações.

Perceba a diferença, por exemplo, com as línguas inglesa e espanhola: o inglês é uma língua GLOBAL, e o espanhol pode abrir muitas oportunidades para nós brasileiros por conta do MERCOSUL, por exemplo, além de ser também uma língua amplamente falada no mundo.

***

Diante de tudo o que abordamos neste extenso tópico você pode pensar:

“O nosso cérebro não foi feito para ser bombardeado por estímulos diferentes e os próprios psicólogos afirmam que ‘menos é mais’, em referência ao paradoxo da escolha. Sendo assim, os japoneses não estariam certos em se ‘blindar’ das influências externas, buscando ‘apenas viver com o necessário’? “

Respondemos que um médico pode acertar muito no diagnóstico de uma doença, mas também pode errar muito no tratamento dessa doença. Uma coisa é dizer que menos estímulos para o nosso cérebro é melhor. Nisso os especialistas estão de acordo. Outra coisa é forçar as pessoas a terem menos estímulos através de ações extremamente questionáveis para os tempos atuais.

Por exemplo, muito se relaciona as redes sociais com a baixa autoestima devido aos supostos altos padrões nelas exibidos, o que tende a causar em que vê tudo isso a sensação de que sempre está abaixo desses padrões.

Vamos banir as redes sociais ou obrigar as pessoas a NÃO usá-las?

Claro que não! A tecnologia, as redes sociais, o excesso de opções e o acesso facilitado a elas, embora tragam pontos negativos, são coisas necessárias para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. A chave é o USO CONSCIENTE de todas essas coisas. E para que haja uso consciente, é preciso que as pessoas tenham LIBERDADE para conhecer, ter informações e escolher, coisa que o Japão parece ainda não querer dar plenamente a seus cidadãos.

Imagine-se numa estrada: você está indo reto, mas logo à frente aparece uma curva. O que você faz? Continua indo reto ou faz a curva?

Faz a curva para ACOMPANHAR e CONTINUAR na estrada, não é mesmo?

Assim é o nosso mundo! Não sabemos quais curvas virão à frente, mas se quisermos continuar na estrada, temos que ser flexíveis às curvas que aparecerem, sob pena de sairmos da estrada e de ficarmos para trás!

Mas parece que o Japão quer ignorar as curvas e fazer seus cidadãos não terem a possibilidade de fazer as curvas por si mesmos.

Poderíamos dizer que a cultura japonesa se baseia na ideia da “mesmice”. Ela nasce de uma visão rígida de que qualquer coisa fora da norma é vista com estranheza. Qualquer coisa que possa causar um desequilíbrio nessa "mesmice" é desaprovada quase que religiosamente pelo governo e, surpreendentemente, pela nação como um todo. É como se os japoneses adotassem o princípio "o que não vejo, não existe”.

O grande problema dessa blindagem contra “estímulos diferentes” é que isso não se restringe a coisas ou ações, mas se estende a pessoas diferentes! Homossexuais, pessoas com deficiência, etc. Por isso, não é de se espantar que os japoneses se cobrem tanto para que se mantenham os protocolos sociais impostos nos mínimos detalhes. E isso recai também sobre os estrangeiros: falta de empatia com tentativas de imposição cultural total aos estrangeiros e ridicularização/evitamento deles (ao ponto de haver xenofobia) caso não cumpram esses protocolos sociais nos mínimos detalhes.

De certa forma, isso nos faz lembrar da fala do psicólogo Marcos Lacerda, que destacamos no tópico “O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL”:

“Existe uma grande vingança social que é a seguinte: eu não posso ser o que eu quero. Está certo! Eu vou pagar esse preço, mas eu vou cobrar a mesma coisa de você. Você também não será livre!”

Isso se aplica a todos nós, mas será que no fim das contas a rigidez da cultura não faz dos japoneses pessoas revoltadas e, por isso, vingativas e passivo-agressivas com qualquer coisa ou pessoa minimamente diferente?

Essa pergunta pode parecer provocativa, mas é necessária. Aliás, veja a seguir as palavras de um japonês ao responder à pergunta: “Algumas culturas formam pessoas mais passivo-agressivas do que outras?

Definitivamente, eu diria que meu país natal, o Japão, ou mais especificamente a cultura japonesa, desenvolve muitos traços de agressividade passiva nas pessoas. Os japoneses são conhecidos por serem educados e flexíveis, por obedecerem às regras e por não fazerem objeções. No entanto, toda essa aparência de ordem tem um custo enorme, pois, afinal de contas, eles são humanos como todo mundo.

É preciso uma enorme força psicológica e sacrifício para manter, em um nível superficial, essa polidez intacta na sociedade, tanto que a hostilidade e o ressentimento acumulados se infiltram na vida cotidiana das pessoas de maneiras inesperadas, sutis e extremas. O resultado final não é apenas o comportamento passivo-agressivo, mas também fenômenos nacionais, como altas taxas de suicídio, altas taxas de bullying escolar e uma associação sombria de sexualidade e imagens infantis, conforme evidenciado pelos grupos de meninas idols no Japão, cujos membros mais jovens geralmente estão no início da adolescência, enquanto a maioria dos fãs são homens japoneses de meia-idade.

Conclusão: só posso falar sobre o Japão, mas, pelo que percebi, quanto mais reprimida, formal e rígida for uma cultura, mais ela promove o comportamento passivo-agressivo.

E essa idolatria pela mesmice é danosa para os próprios japoneses. A população está ficando cada vez mais envelhecida, com uma quantidade surpreendente de pessoas solteiras morando sozinhas. Isso resultará em uma população extremamente baixa nas próximas décadas, incapaz de se sustentar como sociedade. Veja alguns dados:

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Além de vir acumulando anos consecutivos de queda populacional, as projeções para o futuro não são animadoras. Segundo o The National Institute of Population and Social Security Research, a população japonesa deverá diminuir para cerca de 110,92 milhões em 2040, cair abaixo dos 100 milhões para 99,24 milhões em 2053, e cair para 88,08 milhões em 2065. Logo, percebe-se que a realidade concreta está dizendo que essa política da “mesmice”, no mundo moderno, não funciona mais, ainda que no passado tenha produzido algo de bom e de certa forma para alguns é o que manteria o aspecto único da cultura.

Diante desse dilema, irá o Japão se abrir para a diversidade, caminho que parece inevitável ou irá preferir ir se apagando? Será que isso é visto como um processo natural e algo até desejado para supostamente manter os recursos?

Como assim?

A escassez de recursos é um tema que gera acalorados debates com uns defendendo que os recursos, mesmo com os avanços tecnológicos, são limitados e, por isso, um certo controle de crescimento populacional (e também migratório) é necessário. Outros, porém, dizem que os recursos NÃO são limitados e o problema está no acúmulo de recursos por parte de alguns. Veja o quanto o 1% da população mais rica de cada país detém da riqueza nacional segundo o relatório da Riqueza Global de 2023, publicado pelo banco Credit Suisse (quanto maior a porcentagem, pior):

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Alguns poderão ainda dizer que, mesmo que o problema dos recursos esteja no acúmulo por parte de alguns, um certo controle de crescimento populacional e migratório se faz necessário por questões territoriais, isto é, naturalmente os lugares têm uma capacidade limitada para acomodar pessoas. Neste aspecto, o Japão tem o tamanho de 377.973 km², sendo a soma aproximada dos territórios dos Estados do Mato Grosso do Sul (357.125 km²) e Sergipe (21.910 km²). Porém, o Japão tem uma população (de 122,4 milhões) muito maior que a desses dois Estados juntos (5.868.817 de habitantes). A densidade demográfica do Japão é de aproximadamente 326 habitantes/km² e, para fins de comparação, a do Brasil é de 24 habitantes/km² aproximadamente. E só uma curiosidade: para que a densidade demográfica do Japão se equiparasse a do Brasil, a população japonesa precisaria ser de aproximadamente 10 milhões ou o seu território precisaria ser aumentado em pelo menos 13 vezes.

Estaria aí também um dos motivos para a rígida legislação japonesa de imigração e a dificuldade de os japoneses acolherem os estrangeiros? Será que há um pensamento (implícito) na sociedade japonesa de que não precisam dos estrangeiros por já terem gente demais e poderem dar conta de tudo sozinhos? Como se bastasse qualificar o povo japonês e, por um processo análogo à seleção natural, os melhores prevaleceriam?

Segundo Makiko Ando, vice-secretária da ONG Rede de Solidariedade aos Migrantes do Japão, o pensamento é claro: “O Japão não quer que os estrangeiros fiquem aqui por muito tempo. Eles só querem trabalhadores temporários”. Jeff Kingston, professor de estudos japoneses da Universidade Temple diz que “o Japão trata os trabalhadores estrangeiros como se fossem lenços de papel. É a filosofia do usar e jogar fora”. Ao comentar sobre os casos de assédio no trabalho, o professor Yoshihisa Saito da Graduate School of International Cooperation Studies e especialista em direito trabalhista, estagiários estrangeiros e a situação atual no Vietnã, diz que “o Japão continua vendo os trabalhadores estrangeiros não como amigos que vivem lado a lado, mas como objetos descartáveis aos quais deve ser dado o mínimo apoio. (...) Isso pode ser resumido se pensarmos nos frutos da árvore do vizinho ao lado de seu jardim. Digamos que você pegue, morda e jogue de volta por cima da cerca a quantidade de frutas que quiser e depois plante apenas as sementes das frutas mais deliciosas em seu próprio jardim. Seu comportamento seria corretamente chamado de desprezível. Essa situação precisa ser profundamente corrigida”.

Se os japoneses tendem a pensar que são autossuficientes ou que no máximo precisam de estrangeiros temporariamente apenas para aprenderem dos estrangeiros algo necessário, por outro lado, não é isso que os dados têm mostrado. Segundo o relatório Global Talent Shortage de 2023, no Japão 78% dos empregadores relataram dificuldade para preencher vagas em aberto, sendo que a média global é de 77% e, para fins comparativos, a taxa no Brasil foi de 80%. Ainda, em 2018 esse índice chegou a 89% vindo de uma série de sucessivos aumentos:

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O político Keisuke Tsumura, membro do Partido Democrático para o Povo, diz que “o Japão se tornará mais globalizado. (...) Haverá mais casamentos com estrangeiros e, em algum momento no futuro, o inglês poderá ser nosso idioma nacional.” Segundo ele, a sociedade japonesa está ciente de que há um limite para o crescimento se o Japão “continuar a ser homogêneo”. Já o professor Yoshihisa Saito afirma que:

“Antes de perguntar o que precisamos fazer para tornar o Japão o destino preferido dos estrangeiros, precisamos pensar por que os japoneses não se sentem atraídos por determinadas regiões e setores.

É o mesmo que acontece com os alimentos e a energia – primeiro é preciso pensar em medidas sustentáveis para poder lidar com isso por conta própria. Se continuarmos a solicitar mão de obra estrangeira ‘descartável’, o que acontecerá se essas pessoas não vierem para cá? Os setores que dependem apenas de estrangeiros não poderão continuar.

Primeiro, precisamos oferecer aos japoneses um equilíbrio adequado entre vida pessoal e profissional. Devemos criar um ambiente no qual as pessoas com filhos pequenos possam trabalhar com facilidade. Tornar o trabalho atraente para os japoneses é a prioridade. Depois, podemos pensar em quem gostaríamos de atrair para cá. Acho que o desenvolvimento de políticas requer uma visão de longo prazo, e não apenas o foco em questões atuais”.

Contudo, um estudo publicado em 2022 apontou que o Japão precisará de cerca de 6 milhões de trabalhadores estrangeiros em 2040, aproximadamente quatro vezes mais do que tem hoje, para atingir a meta de crescimento econômico do governo.

Será que o Japão conseguirá se tornar atraente para os estrangeiros diante da concorrência de outros países? Será que o Japão conseguirá fazer com que os japoneses se interessem por áreas e setores que hoje não lhes despertam interesse? Ou será que veremos um movimento cada vez maior de saída dos japoneses para países estrangeiros?

Isso só o tempo dirá...

***

Agora, vamos recapitular alguns pontos negativos de se estudar japonês:

➩ Tendência ao comportamento agressivo-passivo devido à rigidez cultural (busca pela uniformidade, identidade de grupo), o que reprime os japoneses, tornando-os intolerantes e “vingativos” com o diferente (coisas, ações e pessoas);

➩ O Japão ainda deixa a desejar no quesito acolhimento aos estrangeiros;

➩ O Japão ainda deixa a desejar no quesito adaptação na comunicação;

➩ Questões culturais como a preferência pela comunicação indireta e o evitar conflitos tendem a levar os japoneses a praticarem o ghosting (o cortar relações sem motivo aparente, desaparecendo repentinamente) com muita frequência;

➩ Essa falta de acolhimento dos japoneses dificultará a nossa inserção em um ambiente de recompensas e consequentemente poderá diminuir muito a nossa motivação ao longo do tempo  pela falta de sentimento de pertencimento;

➩ O aspecto cultural tem realmente valor único, pois cada povo tem sua própria cultura. Embora o Japão possa ser muito atraente no quesito cultural, não é recomendável considerar esse aspecto isoladamente em todas as circunstâncias. Em outras palavras, uma coisa é fazer turismo; outra é viver por um longo período no país. Neste caso, todos nós precisamos ter uma vida social saudável e um bom trabalho para viver satisfatoriamente;

➩ No quesito viver por um longo período, o Japão já não é tão atraente financeiramente e o mesmo vale para o bem-estar geral proporcionado, sendo que há atualmente países com melhores oportunidades, melhor nível de bem-estar proporcionado e cuja adaptação cultural e linguística tende a ser mais fácil (e menos rígida!) para nós brasileiros;

➩ Como há muita idealização e “oba-oba” com relação ao Japão, podemos nos deparar constantemente com pessoas (principalmente influenciadores digitais) tentando nos manipular a fim de obterem para si algum benefício (posse, prestígio e/ou poder);

➩ A língua japonesa restringe muito as nossas opções, servindo praticamente apenas no Japão. Comparando-a com o inglês, por exemplo, há cerca de 60 países que adotam o inglês como língua oficial ou cooficial;

➩ Há uma escassez de materiais didáticos em português;

➩ Os estudantes de língua japonesa e admiradores da cultura japonesa tendem a ser muito fantasiosos na sua maneira de ver o Japão e, por isso, muitas vezes acabam induzindo os recém-interessados a ações e análises equivocadas;

➩ Os estudantes de japonês tendem a ser muito competitivos em vez de acolhedores. Isso tem a ver com a vaidade (pois quem estuda ou se comunica em línguas asiáticas costuma ser visto {erroneamente!} como alguém acima da média), mas também pode estar relacionado à existência de processos seletivos rigorosos para empregos e bolsas de estudo. Em outras palavras, a existência de mais estudantes ou ajudar o outro significa criar concorrentes.

Considerando todos esses aspectos, muitos estudantes acabam se tornando como os participantes da prova da ponte de vidro da série Round 6. Até querem aprender japonês, mas carregam uma grande insegurança (inconsciente) quanto aos benefícios futuros, o que faz com não se engajem de fato e busquem fórmulas certeiras e milagrosas para não “pisar em falso”.

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Muitos estudantes acabam agindo como uma pessoa que se diz fã de um animê, mas pensa:

“Eu sei que o animê que eu gosto precisa de engajamento e retorno financeiro para continuar existindo, mas os outros fazem isso. Eu mesmo não compro nada oficial. Os outros que comprem! Existem os produtos piratas!”

Esse é o tipo de pessoa que, mesmo que negue, na prática não quer pagar o preço para que o animê exista. Se todos pensarem assim, o animê não se sustentará. No fundo, isso é a mesma coisa que dizer “tanto faz” para a existência do animê, ainda que a pessoa afirme que gosta do animê.

Outra analogia que podemos fazer é daquele jogador que quer jogar determinado jogo, mas fica esperando descobrirem algum código secreto para que tenha certeza absoluta de que chegará ao final do jogo. Ora, um jogador que age assim está também dizendo “tanto faz” por conta de uma insegurança quanto aos resultados futuros.

Em todos os aspectos da vida temos uma tendência de achar que as coisas podem acontecer sem que tenhamos que pagar um preço por elas, mas não é assim! Por exemplo, em qualquer relacionamento humano, se todas as partes não estiverem dispostas a “investir” no relacionamento, ele afundará. Ou você se sentiria satisfeito com uma pessoa que dissesse: “Eu não vou retribuir, pois não sei se nosso relacionamento dará certo”. Uma pessoa que assim pensa está dizendo “tanto faz” para o relacionamento e o cenário piora ainda mais quando essa pessoa passa exigir coisas do outro mesmo não estando disposta a retribuir.

O nosso cérebro é muito chato. Podemos até mesmo dizer que no quesito “importância”, ele é binário, isto é, para ele só existe o “É importante” ou o “Não é importante”. O “tanto faz” é o “Não é importante”, ainda que inicialmente pareça o contrário.

Nós sabemos o que temos que fazer para aprender uma língua estrangeira. Como dissemos anteriormente, basicamente temos que ESPELHAR aquilo que fazemos na nossa língua nativa. A única diferença é que na nossa língua nativa não tivemos escolha, isto é, era realmente necessário que aprendêssemos nossa língua nativa para sobreviver melhor em nosso ambiente original. Já numa língua estrangeira temos que passar pelos mesmos processos de forma voluntária, isto é, temos o poder da escolha. Em princípio, aprender ou não uma língua estrangeira não prejudicará a nossa sobrevivência.

Diante de tudo que abordamos neste longo tópico (UFA!), você pode ainda pensar:

“O futuro é sempre incerto e a visão de mundo de cada pessoa, variável. Portanto, digam o que disserem, uma pessoa só vai saber mesmo se o Japão é bom ou ruim se ela mesma morar no Japão”

Esse tipo de afirmação é muito comum e, à primeira vista, parece correta. Porém, pode nos induzir a grandes equívocos.

Por quê?

Troquemos as palavras: “(...) Você só vai saber se VENENO mata ou não se tomar você mesmo tomar o veneno”.

Perguntamos: você tomaria veneno?

O que queremos dizer é que falar de futuro, de fato, é sempre um jogar de dados, possibilidades, mas existem resultados mais esperados de ocorrer do que outros. Ou seja, você pode não morrer ao tomar o veneno, mas o resultado mais esperado é a morte.

Além disso, ações têm custos diferentes. A menos que a pessoa tenha dinheiro sobrando e/ou uma rede de apoio (o que pode NÃO ser a realidade da maioria), "experimentar um país" não é tão simples como experimentar uma roupa ou calçado numa loja, isto é, "sem custo". Decisões complexas envolvem estatísticas comparadas com as de outros países, experiências de pessoas NA MESMA situação e projeções de especialistas.

A questão é que costumamos usar como parâmetro experiências que NÃO seriam as nossas. Ou seja, se vamos trabalhar numa fábrica, deveríamos considerar as experiências de "pessoas iguais", isto é, que já trabalham ou trabalharam em fábrica. O problema está em usarmos como parâmetro, por exemplo, a experiência do Zico no Japão, ou a daqueles influenciadores digitais famosos. Ora, são realidades completamente DIFERENTES.

Você pode ainda pensar:

“Mas e se o Japão for bom para mim? Melhor tentar do que se arrepender depois por não ter tentado e ficar pensando ‘E se...’”

Algo que pode nos ajudar a lidar com o pensamento “e se...” é nos conformarmos que nunca seremos capazes de experimentar tudo e, por isso, sempre estaremos perdendo algo, muitas dessas coisas podendo ser ainda para nós desconhecidas no momento.

Desta maneira, o pensamento “e se...” pode brotar na nossa cabeça independentemente de tentarmos algo ou não. Por exemplo, muitos de nós estão aprendendo japonês porque querem encontrar melhores oportunidades de trabalho. Porém, já imaginou que a sua melhor oportunidade de trabalho pode estar na Alemanha, por exemplo?

Percebeu? Você pode estar estudando japonês para tentar algo melhor e não se arrepender depois (“E SE eu tivesse estudado japonês...”). Contudo, mais para frente e ainda mais com a Alemanha assumindo a terceira posição como economia mundial, você pode, da mesma maneira, arrepender-se por ter estudado japonês e não ter estudado alemão (“E SE eu tivesse estudado alemão e não japonês?!”).

Cremos que o problema com o pensamento “e se...” está em querer ser o que é impossível sermos: seres oniscientes e onipresentes. Portanto, o melhor que podemos fazer é buscar conhecimento constantemente e aceitar as mudanças necessárias. Agindo assim, nós nos daremos conta de que estaremos tomando as melhores decisões POSSÍVEIS com as ferramentas que temos no momento.

Portanto, reflita agora e constantemente:

“Quero realmente pagar o preço para aprender japonês ou para mim tanto faz? Os benefícios que o Japão pode me oferecer qualquer país pode oferecer igual, melhor ou mais facilmente?”

Talvez você acabe se desmotivando com relação à língua japonesa. Ou, talvez, depois de refletir sobre todas essas questões a sua motivação fique ainda mais forte. Seja como for, o que desejamos é que você saiba onde quer pisar (ou está pisando) e o faça da forma mais consciente possível – pesando os prós e os contras como devemos agir diante de qualquer meta. Afinal, podemos sim nos motivar por razões equivocadas. Assim, nos esforçaremos de fato, gastaremos recursos e tempo, mas não colheremos os frutos desejados. Precisamos alicerçar nossas metas sobre a rocha firme, ainda que as alicerçar sobre a areia seja mais prazeroso.

XXXIV. COISAS MAL RESOLVIDAS

Vários aspectos podem ser apontados para explicar a falta de flexibilidade dos japoneses com relação à influência externa, mas gostaríamos de fazer uma analogia que poderá ajudá-lo a entender essa característica que causa surpresa em muitos. Perguntamos:

“Pessoas de religiões diferentes se casam?”

Diríamos que sim, desde que ambas as partes estejam dispostas a se entender mutualmente, fazendo concessões para o bem dos dois e da relação.

Contudo, esse não seria o cenário de duas pessoas de religiões diferentes que levam a sua religiosidade a sério. Ou NÃO se casariam ou uma das partes teria que abrir mão de sua religião para poder se casar com a outra pessoa, possivelmente tendo que se converter. Essa é a prática ainda hoje geralmente de denominações religiosas mais tradicionais no Brasil e no mundo.

Veja, por exemplo, o que diz o site da Canção Nova sobre o casamento entre uma pessoa católica e não católica:

A Igreja chama de “casamento misto” quando uma das partes tem o batismo, mas não é católica; e de “casamento com disparidade de culto” quando uma das partes não é batizada. Neste segundo caso, para ter o casamento válido, é preciso ter a permissão do ordinário local. Outra condição é que o casal deve se comprometer a educar os filhos na fé católica (cf. Catecismo da Igreja Católica 1633 a 1637).

Então, podemos dizer que os japoneses encaram sua cultura como sua religião. Disso, podemos traçar alguns paralelos com um fiel religioso:

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses não estão dispostos a fazer concessões, sendo você a parte que tem que “se converter” se quiser com eles se relacionar;

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez julguem a própria cultura como modelo e por isso a querem manter “protegida” de influências externas;

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez se cobrem tanto para se manterem “na linha”, excluindo o “fiel herege”, isto é, aquele que está no meio deles, mas é diferente;

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez fechem os olhos e/ou “passem pano” para aspectos extremamente questionáveis da própria cultura;

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez tenham a visão de panelinha, olhando com menosprezo os “de fora”;

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez tenham a tendência de criticar constante e ferozmente “os de fora”, mesmo que manipulando informações, para se convencerem de que sua cultura e país é o que há de melhor e, assim, evitar questionamentos e saídas (emigrações);

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses podem acabar justificando o preconceito, a discriminação ou qualquer outra ação reprovável em nome da cultura ou da proteção dela;

➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa respeita a nossa liberdade de não querer nos converter desde que não frequentemos o templo dele, os japoneses tendem a respeitar essa nossa liberdade desde que não a queiramos exercer estando Japão. Em outras palavras, se não concordamos com todos os aspectos da cultura deles e não queremos praticá-los, somos livres para não ir ao Japão.

E assim por diante...

É claro, porém, que em denominações religiosas também existem aqueles seguidores não tão fieis assim e é por isso que recomendamos que você prefira interagir com japoneses  “não tão fiéis” assim, que não tenham receio de questionamentos e mudanças necessárias e/ou estejam procurando melhores oportunidades fora do Japão.

O fato de os japoneses tenderem a não negociar os mínimos aspectos da própria cultura pode causar muita estranheza, já que, na maioria dos países, há uma certa margem, uma noção de grau de importância e, por isso, liberdade para as pessoas locais e estrangeiros. Ou seja, é claro que em qualquer país devemos respeitar as leis locais. Isso é de extrema importância. Mas dar esse mesmo peso aos costumes nos mínimos aspectos e exigir isso dos (turistas) estrangeiros pode ser visto como uma atitude muito questionável e desrespeitosa.

Neste sentido, perceba como a cultura japonesa, quando vista de fora, pode parecer bela e única, porém, quando estamos inseridos nela, pode se tornar um dos principais contras de se morar no Japão. Há uma certa etiqueta para fazer quase tudo no Japão e, não raramente, vamos nos deparar com japoneses justificando o tratamento ruim dado a um estrangeiro por este não entender a cultura e/ou a língua. Como se não entender os mínimos aspectos de uma cultura tivesse o mesmo peso de se cometer um crime e, por isso, a pessoa merecesse ser hostilizada. Isso, aliás, nos faz lembrar da mentalidade de caranguejo, da qual falamos anteriormente.

Por mais óbvias que tenham sido, é muito importante você se conscientizar de todas as coisas que abordamos até aqui, porque o aprendizado de japonês pode estar sendo uma ARMADILHA.

Em que sentido?

Precisamos avaliar constantemente se o aprender japonês (ou de qualquer outra coisa) não está sendo uma resposta as nossas feridas emocionais do passado (um tipo de compensação) ou até mesmo uma tentativa de resolver uma situação financeira urgente.

Uma má situação emocional ou financeira causa consequências AGORA MESMO e, por isso, nos faz olhar para o curto prazo. O aprendizado de qualquer língua por si só, no entanto, é um processo que exige um longo prazo, um tempo indeterminado. Além disso, exige conexão com pessoas de diferentes culturas.

Logo, aprender línguas NÃO resolve situações de curto prazo. Seria como querer matar a nossa fome de agora plantando uma macieira e esperando ela dar frutos. Não faria sentido, não é mesmo? Também, se nos sentirmos rejeitados em algum momento – some-se a isso a ainda insatisfatória abertura dos japoneses aos estrangeiros –, isso pode acabar abrindo ainda mais as nossas feridas emocionais e, com isso, vem aquela rápida desmotivação.

Outra questão importante é que, como mencionamos anteriormente, a língua japonesa é muito restrita, isto é, as nossas opções ficam muito reduzidas. Então, a menos que já estejamos em um ambiente propício – o que pode aumentar a nossa probabilidade de sucesso –, a língua japonesa definitivamente NÃO É a melhor opção para tentar resolver questões financeiras urgentes.

Com isso queremos dizer que, como problemas financeiros e problemas emocionais são urgentes, serão resolvidos através de metas de curto prazo e que ofereçam uma maior probabilidade de sucesso. Como exemplo podemos citar fazer terapia (de preferência ANTES de começar a aprender japonês!), candidatar-se para um emprego que pague mais, reduzir os gastos desnecessários, procurar passatempos mais populares ou fazer um trabalho voluntário para ter mais chances de interação com outras pessoas.

Poderíamos dizer que o processo de aprendizado exige SAÚDE EMOCIONAL e, de certa forma, uma TRANQUILIDADE FINANCEIRA, o que não significa ser rico. Ainda mais a língua japonesa que é muito restrita. Observe a tabela a seguir:

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Veja que as coisas não deveriam ser trocadas, isto é, não deveríamos querer aprender japonês no curto prazo para tentar resolver problemas urgentes (o que muita gente faz infelizmente!).

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Cremos que o melhor cenário é aprender japonês como um UPGRADE para nossa vida, isto é, melhorar o que está bom no presente e não como um REMÉDIO para nos curar de algo. Até por que se estivermos desesperados, a tendência é que passemos a agir como ANIMAIS SELVAGENS, deixando de lado a ética e o respeito para com os outros. Assim, nós nos tornamos aquilo que NINGUÉM gosta: chatões e parasitas!

Aliás, é por isso que o Ganbarou Ze! já vai fazer quase 10 anos: não estamos em busca de dinheiro ou fama, mas sim temos o PRAZER de COMPARTILHAR conhecimento e experiências. Não usamos o japonês para curar nossas feridas, algo urgente, mas sim o encaramos como um possível UPGRADE. Se dependêssemos de fama ou dinheiro, esse projeto teria acabado no primeiro ano.

E por que nesses quase 10 anos de projeto não conseguimos montar uma equipe de colaboradores?

Cremos que é justamente por que nos deparamos com pessoas querendo resolver suas questões (emocional ou financeira) urgentes através de algo que exige plantio e paciência para se desfrutar dos frutos.

Poderíamos ser a maior comunidade sobre a língua japonesa do Brasil (e quem sabe do mundo!) não fosse o desespero de pessoas para resolver suas questões urgentes.

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Todos nós sonhamos. Mas há sempre aqueles que se alimentam de sonhos alheios para manipular a fim de obterem para si posses, prestígio ou poder. A vida concreta não é um completo inferno, mas também não é um completo paraíso. Tomemos muito cuidado com desequilíbrios (principalmente causados por influenciadores digitais) nesta balança. Os “Zecas Urubus” estão constantemente a nossa espreita. Ainda mais agora com a isenção de visto para turismo (até 90 dias) para brasileiros.

A verdadeira ESPERANÇA não nasce de idealizações, mas sim de metas realistas, pois só através delas podemos perceber concretamente que estamos progredindo na estrada.

Agora, imagine-se como uma peça de um quebra cabeça. Você NÃO se encaixará em qualquer lugar. Como peça de um quebra cabeça, você foi feito para COMPLETAR uma parte em algum lugar no conjunto da mesma forma que você será COMPLETADO estando em seu devido lugar.

Perceba que até em um quebra-cabeça precisa haver uma relação de RECIPROCIDADE entre as peças. Uma peça fora do seu lugar acaba sendo inútil da mesma forma que uma peça de outro quebra-cabeça também!

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Com essa analogia reforçamos mais uma vez a importância de conhecermos a nós mesmos e de sermos úteis uns aos outros. Além disso, é importante refletirmos constantemente se o lugar no qual queremos nos encaixar é de fato o nosso lugar e não o lugar que apenas idealizamos estar, sendo este lugar errado considerando a nossa "configuração" (experiências vividas, talentos e habilidades).

Será que o Japão e os japoneses serão capazes de completá-lo realmente? Será que você será capaz de completar o Japão e os japoneses de alguma forma também?

Como mencionamos anteriormente, ao longo da vida começamos a gostar de coisas e passamos a desgostar de outras, dependendo do nosso conhecimento e das circunstâncias e oportunidades que vão surgindo ao longo da estrada. O que era bom passa a não ser tão bom... o que não era bom passamos a ver com outros olhos... conhecemos coisas novas... e nesse ciclo caminhamos.

                    

Por isso pergunte-se constantemente: a língua japonesa tem me dado asas, o que me faz evoluir em algum aspecto ou tem sido uma âncora, o que me faz ficar para trás, parado no mesmo lugar ou mesmo preso em uma realidade paralela idealizada?

XXXV. SOCIALIZE-SE JÁ!

Nos últimos anos, temos testemunhado uma preocupante tendência de romantização de dois fatores que são muito prejudiciais ao bem-estar humano:

➩ A solidão;

➩ A inutilidade.

Em novembro de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a solidão como um grave problema de saúde pública em escala global, chegando ao ponto de estabelecer uma comissão dedicada a lidar com essa questão.

Vivek Murthy, vice-presidente da comissão e nomeado, pelo presidente Joe Biden, o 21º Cirurgião-Geral dos Estados Unidos (algo como o médico-referência do país), afirma que “por muito tempo, a solidão existiu por trás das sombras, invisível e subestimada, causando doenças físicas e mentais. Agora, temos a oportunidade de mudar isso”. Segundo ele, a solidão tem efeitos na mortalidade equivalentes ao consumo diário de 15 cigarros e, por isso, pessoas solitárias enfrentam um risco maior de morte prematura. Em pessoas da terceira idade, a solidão está associada a um aumento de 50% no risco de desenvolver demência. Também há relação entre o problema e um aumento de 30% no risco de doença arterial coronariana ou acidente vascular cerebral.

Pesquisas indicam que os laços sociais são um dos principais fatores que influenciam a saúde mental. Uma pesquisa com 100 mil pessoas do Reino Unido descobriu que a partilha de segredos e encontros com amigos e familiares são o principal fator de proteção contra a depressão, entre mais de 100 fatores estudados. Gillian Sandstrom, uma psicóloga britânica, destacou em uma de suas pesquisas que mesmo pequenas interações sociais positivas com indivíduos desconhecidos podem melhorar nosso bem-estar.

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Até por conta do conceito de “Indicadores de Aptidão” que citamos anteriormente, isto é, pessoas instintivamente procuram em nós “sinais de qualidade (ou não)”, sendo que isso está relacionado inevitavelmente ao senso comum (conceito de beleza, posses, círculo social, etc.), uma pessoa solitária pode ser (e geralmente é) vista como alguém sem valor, pois ninguém ainda a “escolheu”, assim como um produto que ninguém compra é visto como inútil, ainda que seja intrinsicamente valioso.

Assim como um produto na prateleira precisa ter alguma utilidade para ser prestigiado e comprado por consumidores, nós também precisamos ter alguma utilidade para sermos prestigiados e acolhidos por alguém. Assim, poderíamos que a utilidade e a socialização fazem parte de um ciclo:

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A inutilidade prejudica não só o nosso prestígio e socialização (quem gastaria tempo e dinheiro em um produto que não agrega nada?), mas afeta diretamente o nosso sentido e propósito de vida.

O que nos faz acordar todos os dias e enfrentar as adversidades inevitáveis da vida?

Se em tudo isso não encontrarmos algo que seja maior do que apenas sobreviver e buscar prazeres imediatos como um animal selvagem, cedo ou tarde um grande vazio e sofrimento tomarão conta de nós. Estudos mostram que quanto maior for o nível da presença de sentido de vida, menores serão os níveis de ansiedade, depressão e estresse, ainda que a procura por um sentido de vida cause o inverso, isto é, níveis mais elevados de ansiedade, depressão e estresse. Ainda, uma pesquisa realizada pela Nielsen em 2014 mostrou que 67% dos respondentes preferem trabalhar em uma empresa socialmente responsável e 55% deles estariam dispostos a pagar mais por serviços ou produtos de empresas comprometidas com impacto socioambiental.

A socialização é fundamental no processo de aprendizado de idiomas, por que nenhum curso em si nos tornará fluentes. Isso não só por causa da falta de naturalidade nas aulas (é um “ambiente controlado” como as aulas em uma autoescola), mas também pela questão de QUEM nos acolhe e nos proporciona validação.

Como assim?

Fazendo uma analogia com carros, o que nos faria sentir que realmente sabemos dirigir? Em um primeiro momento, seria perceber que nos tornamos capazes de dirigir no mundo real, fora do ambiente controlado. Sendo assim, diríamos que essa percepção de capacidade em idiomas só pode ser dada de fato a nós pelos NATIVOS. Ou seja, uma coisa é ser capaz de se comunicar com o professor e/ou colegas dentro da sala de aula (ambiente controlado). Outra coisa é “sair para a estrada” e perceber que somos capazes de nos comunicar naturalmente com NATIVOS, recebendo deles acolhimento e validação.

Para ilustrar o que estamos dizendo, observe um comentário muito interessante que encontramos na internet:

“Qualquer estrangeiro que morar no Brasil por um ano apenas, aprende o idioma e faz amigos, porque na nossa cultura não faz sentido não integrar o estrangeiro ao nosso ambiente. Já conheci duas alemãs que aprenderam nosso idioma desse jeito, em menos de um ano, repletas de amigos…”

Percebeu o grande poder que o acolhimento e a validação por parte dos nativos têm para o aprendizado de línguas? Acolhimento e validação que, aliás, são necessidades inerentes à natureza humana.

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Ao longo desta seção frequentemente abordamos a importância do aspecto social (e consequentemente emocional) da linguagem humana. Afinal, ninguém veio ao mundo do nada. Nascemos em um grupo social composto por nativos da língua portuguesa, a nossa família. Sendo acolhidos e validados por nossa família, fomos aprendendo a língua portuguesa até nos tornarmos nela fluentes.

Esses mesmíssimos aspectos que tivemos no ambiente familiar quando éramos pequenos (acolhimento e validação por parte dos NATIVOS – aspectos social e emocional) deveriam ser abordados também nos cursos de idiomas, mas infelizmente são totalmente esquecidos. Isso não faz nenhum sentido, pois é como se esquecer do óbvio.

Pode surgir aí, no entanto, um ponto:

Diferentemente de uma criança em fase de aquisição da linguagem, um adulto já pode ter desenvolvido traumas e/ou preferências que podem fazê-lo não querer se socializar ou restringir muito essa socialização.

De fato, crianças não têm as mesmas obrigações que os adultos têm e, portanto, a aceitação de um adulto em um grupo envolve critérios bem mais rígidos, digamos assim. Além disso, uma criança na fase da aquisição da linguagem normalmente ainda não terá desenvolvido traumas e/ou preferências que possam fazê-la não querer se socializar ou restringir muito essa socialização.

Contudo, diríamos que assim como já ter uma certa afinidade com a bola é PRÉ-REQUISITO para alguém que deseja se tornar um jogador de futebol, ter certa habilidade social é pré-requisito para quem quer aprender idiomas. Por essa razão, é importante trabalhar em nós essa questão, com a ajuda de um profissional, se necessário, antes de iniciar os estudos de qualquer idioma. Até por que cedo ou tarde, o aprendizado de idiomas vai envolver o acolhimento e validação dos nativos ou a rejeição por parte dos nativos. Não aprenderemos satisfatoriamente trancados no quarto apenas lendo livros e falando com as paredes. A socialização faz parte do processo e é parte fundamental.

Assim como tivemos a nossa família de nativos da língua portuguesa que nos acolheu e nos validou até desenvolvermos a fluência, a segurança com relação à língua portuguesa, temos que encontrar uma família de nativos da língua japonesa que igualmente nos acolha e nos valide até desenvolvermos a fluência, a segurança com relação à língua japonesa. Reconhecemos, no entanto, que por diversos fatores somados, os japoneses tendem a ser fechados, até com eles mesmos, no aspecto da socialização, acolhimento e validação. Isso de fato pode dificultar MUITO o aprendizado do japonês em comparação com outras línguas e nos desmotivar rapidamente.

Frequentemente também nos referimos a algo inerente à natureza humana: a busca por recompensas. Entenda-se com isso que conscientemente ou inconscientemente estamos buscando SEMPRE as melhores oportunidades possíveis, sejam elas ações ou pessoas. Neste sentido, quando nos referimos ao comportamento humano também vale aquela máxima de não existir almoço grátis. Somos caçadores de recompensas.

Em outras palavras, uma pessoa só faz algo ou acolhe alguém se visualizar algum tipo de recompensa. Ainda que alguém diga que faz coisas por satisfação pessoal ou por algum motivo religioso, aí está a sua recompensa: a satisfação pessoal causada pela ação efetuada ou a possibilidade de prêmio divino (ou evitamento de uma punição eterna).

Perceba como a noção de recompensa é muito variável e imprevisível. Por exemplo, a recompensa pode ser evitar um perigo, como aceitar um trabalho ruim só para não ficar sem dinheiro para pagar as contas e comer. Pode ser também subjetiva e/ou disfuncional, como uma pessoa que permanece em um relacionamento abusivo, porque “prefere” estar mal acompanhada a estar sozinha. Ou uma família que esconde um familiar com deficiência, porque “prefere” o prestígio social, a correr o risco de ser vista como uma família “fracassada” por causa desse familiar com deficiência.

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Com isso temos que considerar que quanto mais uma pessoa se sentir confortável em sua situação atual, mais a sua “medida de recompensa” tende a aumentar para que ela aceite alguma mudança. Ou seja, nós humanos tendemos a buscar sempre as melhores oportunidades possíveis, usando “checkpoints” como num jogo; procuramos sempre ir para frente a partir daquilo que já conquistamos e não o contrário. Como em um jogo, só “voltaremos para trás” se nos dermos conta de que há algum tipo de recompensa valiosa, algo importante ignorado no caminho já percorrido.

Considerando tudo isso, é preciso agora aceitar que, gostemos ou não, a cultura japonesa, além de restrita, favorece um comportamento de conformismo. Por isso talvez os japoneses sejam, de forma geral, tão reticentes diante de mudanças. É como se eles pensassem: “Já estou muito bem assim. O que pode haver de melhor?”. Além disso, não raramente nos deparamos com relatos de estrangeiros dizendo que sentem que o governo (cujo mesmo partido governa por praticamente 70 anos, com raríssimas alternâncias), a mídia e até mesmo o sistema educacional tentam criar constantemente espantalhos das pessoas e países estrangeiros como se quisessem dizer aos japoneses que o Japão é o melhor país para eles.

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Percebe a dificuldade de mudança e de aceitação de estrangeiros por parte dos japoneses neste cenário? É como se juntássemos nele o conformismo pela (aparente) sensação de bem-estar pleno e visões distorcidas com relação ao mundo exterior como se este fosse “inferior”. Com estes dois ingredientes, aliás, quem de nós pensaria em “olhar para trás”, ainda que pudesse existir realmente algum tipo de recompensa? Torna-se naturalmente um comportamento pouco esperado, seja para quem for.

Uma coisa parece certa: uma mudança de mentalidade dos japoneses passa também por uma mudança política profunda e duradoura. Ainda mais numa sociedade hierarquizada como a japonesa. Enquanto isso não acontece, recomendamos que você busque japoneses “já abertos” para o mundo exterior. Que estejam aprendendo português, inglês, etc. (se você puder realmente ajudá-los, é claro) e/ou opte pelo voluntariado numa associação cultural, em eventos, em escolas, em organizações religiosas, etc. Enfim, o que você poderia oferecer aos japoneses que os faria considerar que vale muito a pena sair da zona de conforto deles, destruir possíveis espantalhos e estar com você?

O importante é desejar contribuir verdadeiramente, não sendo um chatão e/ou desesperado, sob o risco de se tornar um parasita e ser (com muita razão) rejeitado. Ninguém gosta desse tipo de pessoa. Nem você mesmo. Não somos tão espertos como pensamos a ponto de ninguém perceber más intenções. A nossa família pode ter nos acolhido automaticamente, afinal precisávamos sair de algum lugar. Porém, no mundo dos adultos, a regra mais básica é a reciprocidade.

“O bom relacionamento obrigatoriamente envolve duas pessoas capazes de dar e receber apoio” (Gabriel Paiva, médico psiquiatra e psicoterapeuta)

Dar-se conta de que no comportamento humano não existe almoço grátis nos ajuda a entender a importância do ser útil e da reciprocidade para que construamos relacionamentos de qualquer natureza que sejam saudáveis. A ideia da aceitação incondicional, tão presente em nosso senso comum, é falsa e só faz com que não evoluamos e cobremos “generosidade” dos outros o tempo todo.

Como já mencionamos, uma pessoa pode ter determinado comportamento que não envolva uma “troca direta” com o outro, porém, ainda assim, a noção de recompensa estará presente em algum lugar: na satisfação (ou prazer) proporcionada ao ver a felicidade do outro por algo feito a ela, no prestígio social proporcionado ou na possibilidade de prêmio ou fuga de um castigo divino, por exemplo.

Dito isso, também pode acontecer de nossa utilidade ser inútil para o outro. Assim como um produto na prateleira pode NÃO nos ser útil, ainda que tenha utilidade para os outros, pessoas também podem não necessitar do que temos a oferecer. Precisamos aceitar que isso acontecerá e isso é NORMAL. Ora, pessoas estão inseridas em circunstancias diferentes e desenvolvem (graus de) necessidades diferentes. Ninguém duvida que está agora mesmo procurando as melhores oportunidades possíveis, não é? Os outros também. Ninguém duvida que está procurando sempre progredir e não regredir, não é? Os outros também...

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Deixar de lado a ideia da aceitação incondicional, que só nos torna mimados, e aceitar que a rejeição, embora dolorosa, é algo que faz parte, porque cada tem suas necessidades é passo fundamental para nos conhecermos melhor, saber realmente o que queremos, trabalhar as nossas qualidades, buscando a nossa melhor versão, e oferecê-las a quem realmente precisa delas.

Tentar forçar uma necessidade no outro só para que ele nos acolha é uma das piores coisas que podemos fazer. Afinal, ninguém gosta de um vendedor insistente que tenta vender um produto (a nossa utilidade não deixa de ser um produto) que não precisamos, não é mesmo?

Outro ponto importante da socialização é este:

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Como assim?

Durante milhares de anos da nossa existência como espécie, nós nos comunicamos falando apenas. A escrita surgiu muito depois e ainda sendo restrita a uma elite. A alfabetização em massa é algo relativamente recente na História e a falta dela NÃO impediu que as pessoas se comunicassem satisfatoriamente. Aliás, qualquer nativo aprende a sua língua materna falando primeiro e usando um vocabulário pequeno e simples. Só depois aprende a escrever e continua aprimorando o que já sabe.

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Métodos tradicionais de ensino de idiomas, porém, incluindo os da língua japonesa, fazem o caminho inverso. Eles NÃO partem da conversação e do vocabulário básico e simples usado nesta modalidade natural por conta do princípio do menor esforço, mas sim de materiais escritos, como jornais e revistas (algo mais restrito).

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Com isso, os estudantes de idiomas frequentemente se deparam com um grande abismo entre aquilo que é ensinado nos livros e aquilo que é praticado pelos falantes nativos. Como diz o professor e linguista Ataliba Teixeira de Castilho, “a língua escrita como um documento linguístico mente pra caramba!”.

De alguma forma, sempre haverá um abismo entre o que os falantes estão fazendo agora com a sua língua e o que a gramática e a escrita absorvem depois. É como se a língua falada estivesse sempre no presente, enquanto a gramática e a escrita, ainda no passado (ou no mundo do ideal).

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Para exemplificar, um caso interessante de “erro” dos falantes do português que se tornou o padrão depois é o da palavra “floresta”. Originalmente ela deriva do latim “forestis”, passando pelo francês antigo “forest” (1200-1300) e tendo inicialmente em português as formas “foresta” e “furesta”. Perceba que tanto na palavra latina quanto nas formas iniciais do francês e do português não existia a letra “L”.

O que houve é que provavelmente os falantes do português começaram a associar a palavra “foresta” com “flora” (conjunto das espécies vegetais de uma região ou país), fato que deu origem à forma atual “floresta”. E curiosamente a forma inicial francesa “forest” permanece no inglês atual.

Outro caso interessante é o do nome “Tiago”. Ele se origina do latim “Iacobus”, vindo do hebraico “Ya'akov”, que também deu origem a “Jacó”.

Do latim “Iacobus”, surge o nome “Iago”, que ao ser usado com a palavra “Santo” (Santo Iago), deu origem à forma abreviada “Santiago”. Por um “erro” dos falantes do português, “Santiago” passou a ser entendido como “São Tiago” e isso acabou se popularizando.

Agora, tentemos viajar no tempo: um estudante da língua portuguesa aprenderia pelos livros as formas “foresta” e “furesta”, mas ouviria os falantes nativos usando “floresta” e o seu professor diria que “floresta” está errado! Da mesma forma para o nome Tiago, em que os livros e os professores diriam que só existe “Iago”.

Percebe o mesmíssimo problema do abismo com que os estudantes de idiomas se deparam devido aos métodos tradicionais de ensino de idiomas que partem da escrita? Os livros, presos ao passado (ou ao ideal), dizem uma coisa; os falantes nativos, vivendo o presente, fazem outra. Se no passado os livros e os gramáticos diriam que “floresta” e o nome “Tiago” não existem, HOJE os livros registram “floresta” e “Tiago” e nenhum gramático ousaria dizer que “floresta” e o nome “Tiago” não existem, afinal a língua é viva e o que chamamos de certo ou errado na verdade é apenas uma questão de preferência, de popularidade (ou prestígio) considerando determinado período da História de um povo.

“Ninguém tem nenhum problema para resolver as suas questões do dia a dia por causa da língua. De jeito nenhum” (professor Pasquale)

Até por conta do já citado Princípio do Menor Esforço, o vocabulário usado em conversações do dia a dia tende a ser bem menor, contendo as palavras mais simples! Como não podemos pedir explicações a um texto, pois ele é algo estático, a clareza é fundamental. Por isso, na escrita é exigido um vocabulário maior, mais avançado e preciso para que não haja dúvidas no leitor.

Para exemplificar, recentemente adicionamos ao Dicionário Ganbarou Ze! a base de dados “Conversação”. Ela contém aproximadamente 2.500 palavras e cobre cerca de 90% das conversações diárias. Porém, se considerarmos os jornais, a cobertura fica em aproximadamente 73%.

Não nos esqueçamos também que nós só nos tornamos fluentes no português, porque fomos acolhidos e validados por um grupo de falantes nativos do português (a nossa família), sendo expostos ao português do mundo real, da língua falada. Ninguém leu um livro de gramatica do português enquanto estava na barriga da mãe.

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Com o que abordamos nessa seção até aqui, sugerimos que você faça um “TERMO DE COMPROMISSO” com você mesmo. Elaboramos um modelo que você pode baixar clicando aqui. Recomendamos que você o escreva à mão, deixe-o em um lugar acessível e visível e o leia todos os dias.

XXXVI. RELATOS DO NELSON

Eu cursei Gestão Financeira e fiz pós-graduação em Controladoria e Finanças entre os anos de 2013 e 2016 na modalidade EAD. Porém, em 2005 cheguei a cursar dois semestres de Administração de Empresas na modalidade presencial. E foram dois semestres através dos quais aprendi uma coisa que tenho como filosofia de vida até hoje...

Já desde o começo do curso me deparei com a desconfiança dos colegas de sala. Eu tentava interagir, mas sempre faziam pouco caso de mim. Logo tomei consciência que estava sendo "julgado pela capa" e que as coisas ficariam muito difíceis quando chegasse o momento de ter que montar grupos para fazer os trabalhos. E assim aconteceu...

Logo na primeira vez que tivemos que montar um grupo, sabendo eu que seria difícil me aceitarem, sentei perto de um grupo que estava sendo formado. Eis que me dizem apontando para outro grupo: "Nelson, naquele grupo está faltando gente. Vai lá." Fui, mas não fui aceito... tive que fazer aquele trabalho sozinho...

Em outra oportunidade, numa aula de psicologia, a professora pediu para que juntássemos as carteiras a fim de formar grupos. Eu sentava na frente perto da porta para facilitar a minha locomoção. Ninguém juntou a carteira comigo. Então, a professora resolveu questionar a sala: "Ninguém quer fazer grupo com o Nelson?". Um silêncio se fez presente na sala e novamente tive que fazer o trabalho sozinho...

A partir de então decidi que começaria a fazer os trabalhos em grupo sozinho e que não iria me abater com aquela situação. E assim foi por alguns trabalhos...

Um professor percebeu que o pessoal me olhava com desprezo e como eu tirava boas notas nas provas e trabalhos, começou a fazer algo interessante: toda nota boa que eu tirava nas provas e trabalhos ele anunciava de forma "solene" na sala. Pedia silêncio aos alunos e dizia coisas como "Parabéns, Nelson. Você tirou a nota X!". Esse professor também passou a fazer perguntas aos alunos a respeito da matéria que ele estava explicando. Ele perguntava para duas ou três pessoas e sempre quando ia perguntar pra mim dizia coisas como "Silêncio, pessoal. Agora eu vou perguntar pra quem realmente sabe da matéria". Eu sempre respondia de forma correta e ele dizia: "É isso mesmo! Pessoal, aprendam com o Nelson".

A partir daí, o que você acha que aconteceu?

EXATO! O pessoal começou a me querer nos grupos.

Talvez você esteja pensando ou chegará um momento que pensará:

"Se ninguém acredita em mim, se não tenho os resultados que desejo, melhor desistir mesmo".

Porém, imagine se eu tivesse me abatido, desistido e/ou respondido o desprezo, a desconfiança com o mal? Eu não poderia mostrar o meu potencial quando surgiu a “OPORTUNIDADE DE OURO”, quando surgiu alguém que acreditou em mim, alguém que quis ser um degrau para mim naquela turma para que o meu potencial fosse conhecido: aquele professor que anunciava solenemente minhas boas notas e elogiava minhas respostas corretas. Tudo mudou dali pra frente. Se eu tivesse me abatido, desistido, ou pior ainda, respondido o desprezo, a desconfiança com o mal, a única coisa que eu estaria fazendo é DAR RAZÃO A QUEM NÃO ACREDITAVA EM MIM.

Portanto, esforcemo-nos para manter a motivação e a alegria mesmo diante das adversidades, dos resultados que não chegam na hora que desejamos (ou como desejamos). Esforcemo-nos para responder com o bem a desconfiança, o desprezo. Uma hora pode surgir alguém que queira acreditar em você, que queira ser um degrau para que seu potencial seja conhecido, aquela “OPORTUNIDADE DE OURO”. Esteja sempre preparado para esse grande momento que fará tudo ter valido a pena.

NÃO QUEIRA DAR RAZÃO A QUEM NÃO ACREDITA EM VOCÊ!!

Guarde bem isso:

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Por menor que seja a possiblidade de sucesso, ainda existe possibilidade de sucesso. Se desistirmos, é certeza que não haverá possibilidade alguma. Seu divisor de águas, o fator determinante para tudo ser diferente pode estar a uma atitude diferente e /ou a uma pessoa de distância somente (no meu caso estava a uma pessoa de distância: aquele professor que acreditou em mim). É muito melhor olhar para trás e pensar com alegria: “Puxa, como lutei para chegar até aqui” do que olhar para trás e pensar com dúvida: “Puxa, se eu não tivesse desistido, como eu estaria hoje?”. Se você acha que as coisas estão ruins, entre essas coisas ruins e o sonho da sua vida podem existir inúmeras possibilidades e oportunidades que você deixa de perceber por estar paralisado por achar que as coisas estão ruins. Já imaginou que você pode estar sendo como o cavalo que ACHA que está preso na cadeira? Já pensou que você pode estar deixando de ter experiências magníficas por causa de apenas UM pensamento equivocado?

Essa é a filosofia que aplico ao projeto “Ganbarou Ze!”. Alguns dizem para eu retirar da página inicial do blog a minha foto com as muletas e a informação que sou deficiente físico, porque isso afasta as pessoas. Infelizmente tendemos a agir de acordo com aquilo que ACHAMOS ser verdade (no caso, achar que deficiência física implica em incapacidade intelectual, logo, o blog não é bom) e não nos damos o trabalho de conhecer melhor as coisas e as pessoas (como os meus colegas de sala fizeram). Também, pode ser que o ORGULHO afaste as pessoas (não querer aprender de um portador de necessidades especiais, alguém que a pessoa considera inferior a ela). Porém, não vou retirar! Eu tenho deficiência mesmo ué... não posso esconder isso.

Se queremos que os outros nos aceitem, temos que ser os primeiros a nos aceitar. Se há pessoas que julgam o blog por causa disso, quem perde são elas (assim como os meus colegas de sala perderam – e depois que perceberam que estavam errados, vieram me procurar). Uma hora pode aparecer a “OPORTUNIDADE DE OURO”, pode aparecer quem acredite no projeto, da mesma forma que aquele professor universitário acreditou em mim, e queira ser um degrau para que todo o potencial do blog brilhe, seja conhecido. A mim, resta apenas continuar fazendo as coisas com motivação e alegria para não dar razão a quem julga mal o projeto pela capa.

Aliás, gostaria de destacar um ponto muito importante sobre a atitude do professor, que muitos de nós não percebemos. Quando somos ou vemos um grupo rejeitar injustamente alguém, podemos ter estas atitudes:

(1) não fazer nada;

(2) dar lição de moral;

(3) Denunciar a rejeição a alguém com autoridade para que resolva a situação;

(4) Se temos essa autoridade (ou a pessoa com autoridade), obrigar a aceitação;

(5) Mostrar concretamente as qualidades para que o grupo perceba o que está deixando de ganhar.

***

Os demais professores não fizeram nada. Se apenas dessem lição de moral na sala ou apenas obrigassem o pessoal da sala a me aceitar, muito provavelmente além de não me aceitarem de fato, o sentimento de repulsa iria aumentar. Já o professor optou pela opção (5), não é mesmo? Ele escancarou as minhas qualidades (notas boas e conhecimento sobre a matéria) para a sala fazendo com que meus colegas percebessem o que estavam deixando de ganhar por me rejeitarem injustamente. É claro que o fato de o professor ter autoridade perante a sala contribuiu para toda essa virada na situação. Se fosse qualquer outro colega que fizesse isso (alguém na mesma posição hierárquica), talvez não se teria o mesmo resultado. Portanto, ao chegar em um grupo ou se sentir rejeição, procure mostrar com humildade suas qualidades a alguém que tenha autoridade ou prestígio perante o grupo. A validação por parte dessa pessoa tende a facilitar a aceitação por parte do grupo.

Ao comentar sobre a importância da HUMILDADE, mencionei que diplomas e certificados não são um atestado infalível e eterno de que seu possuidor tenha o conhecimento, afinal não sabemos o que motivou a pessoa a buscar o diploma (ou certificado) ou como a pessoa se portou durante o curso (quem é – ou foi – estudante universitário sabe que há diversas artimanhas possíveis para se obter notas).

Certa vez fui chamado para uma entrevista de emprego numa empresa que tinha aberto um processo seletivo para pessoas com necessidades especiais e como é de praxe, o entrevistador começou falando da empresa e depois pediu que eu falasse um pouco sobre mim e sobre a minha experiência profissional até então.

Em dado momento, ele pegou meu currículo e começou a fazer comentários sobre cada item que eu havia colocado. Ao comentar sobre o fato de eu possuir pós-graduação em Controladoria e Finanças, ele disse: "Eu estou vendo que você tem pós-graduação em Controladoria e Finanças. Que legal! Você gostou do curso? Você aprendeu?"

No momento, aquela pergunta soou para mim como uma afronta afinal eu havia terminado a graduação com mérito acadêmico – média geral acima de 8 – e por conta disso, ganhado um desconto na mensalidade da pós-graduação. "Como poderia não ter aprendido?", eu pensei. Porém, chegando em casa, refleti e percebi que aquela pergunta, apesar de estranha, fazia todo sentido. No fim das contas, questione-se sempre:

Tenho diploma (ou certificação), mas aprendi? Tenho esse conhecimento atestado no passado HOJE e procuro me manter atualizado?

Por falar em HOJE, eu disse que precisamos ter satisfação no presente, isto é, que você tenha como maior recompensa o PROCESSO de estar aprendendo japonês AGORA MESMO. Muitos se desmotivam justamente por focar demais naquilo que ainda não têm – "Estou aprendendo japonês para (no futuro...)". Isso uma hora ou outra só vai gerar insatisfação, porque não importa o que sejamos ou tenhamos, vamos querer ainda mais, nada estará bom. O projeto “Ganbarou Ze!”, inclusive, não existiria mais se a minha maior recompensa não fosse o fato de estar compartilhando AGORA MESMO conhecimento com você e ajudando pessoas que nem conheço, de diversos lugares. O que eu mais ouço são coisas como:

- "Desista do projeto. Desde 2014 o que você teve de "reconhecimento"? (aqui provavelmente se referindo a resultados financeiros direta ou indiretamente);

-"Você pode estar trabalhando de graça para alguém que pega seu conteúdo e ganha dinheiro e reconhecimento";

De novo, minha recompensa é o compartilhar conhecimento e ajudar pessoas HOJE. Para mim, o presente é um presente sempre!

Eu costumo ouvir de pessoas próximas coisas como “Eu queria ter essa facilidade que você tem de aprender!”. Além da pós graduação, já estudei música (por recomendação do meu médico) e desde pequeno sempre tive curiosidade com relação a idiomas. Se tenho alguma facilidade de aprender, creio que seja por que eu estudo o que eu gosto, o que tenho interesse e não fico me comparando com ninguém. Apenas quero desfrutar os resultados da melhor forma!

Por fim, gostaria de contar mais uma história. Em 2005 comecei a trabalhar em uma empresa perto de casa. Eles estavam precisando preencher a cota para deficientes e fui aprovado no processo seletivo dessa empresa. Daí então comecei a alimentar em mim o desejo de construir uma carreira dentro dessa empresa. Ganhava bem menos que os meus colegas, mas acreditava que com esforço, conseguiria chegar onde desejava.

Em 2011 fui aprovado em um concurso público estadual, mas como o prédio da repartição pública fica longe de onde moro e o salário inicial era parecido com o que eu ganhava, decidi permanecer na empresa, pois ainda alimentava o desejo de construir uma carreira profissional. Então, de 2013 a 2016 concluí o curso de Gestão Financeira e a pós-graduação em Controladoria e Finanças.

Porém, algo inusitado aconteceu...

Em 2017, essa empresa que eu trabalhava se mudou para outro prédio. Coincidentemente o novo prédio ficava na mesma rua onde fica o prédio da repartição pública (a distância era de apenas 350 metros!). Era possível ver o prédio da repartição pública de onde eu trabalhava e alguns colegas meus brincavam apontando para o prédio da repartição pública: “Puxa, Nelson! Era para você estar lá! Não aqui!”

Em 2018 a empresa que eu trabalhava encerrou as atividades no Estado e fui demitido. Todo aquele desejo de construir uma carreira profissional e todo o meu estudo (graduação e pós-graduação) pareceram ter sido inúteis.

Com essa experiência, faço a seguinte reflexão:

UMA CRENÇA EQUIVOCADA: naquela época eu acreditava, equivocadamente, que o esforço individual era o suficiente e que ele seria naturalmente (e quase que obrigatoriamente) reconhecido em qualquer lugar e por qualquer pessoa. Essa crença equivocada me fez fechar os olhos para a realidade e para outros fatores tão importantes quanto o esforço individual;

A FALTA DE UM AMBIENTE DE RECOMPENSAS: embora de certa maneira eu estivesse me esforçando buscando aprender qualquer tarefa que me davam e posteriormente buscando formação (cursos livres, graduação e pós-graduação), a empresa não era um ambiente de recompensas, pois ela não estava interessada em me proporcionar uma carreira; estava tão somente interessada em cumprir a lei das cotas (como ocorre com a maioria das empresas nessa situação). Ou seja, eu estava me esforçando no lugar errado. Eu estava plantando as sementes do esforço individual em terreno infértil. Do mesmo modo, eu não me preocupava em buscar um ambiente de recompensas, pois acreditava que o meu esforço individual seria quase que obrigatoriamente reconhecido;

EXPECTATIVA DESAJUSTADA: como eu desconsiderei a realidade dos fatos (eu tinha sido contratado apenas para que a lei das cotas fosse cumprida), devido a uma crença equivocada, criei uma expectativa desajustada e agi o tempo todo com base nela a ponto de perder uma grande oportunidade, não indo trabalhar na repartição pública. Se eu tivesse uma expectativa flexível e sempre ajustada com a realidade, e tivesse a consciência da importância de se esforçar, mas se esforçar no lugar certo e estando com pessoas certas, eu teria percebido que aquele não era um lugar para eu construir uma carreira e eu teria assumido meu cargo na repartição pública.

OBJETIVO RESTRITO: repare no erro grave na formulação do meu objetivo: construir uma carreira profissional NAQUELA empresa (que eu já estava). Dessa forma, eu estava restringindo, condicionando o meu objetivo àquela empresa. Por que tinha que ser especificamente NAQUELA empresa se há inúmeras empresas por aí? Por que tinha que ser especificamente NAQUELA empresa se eu havia passado no concurso público? No fim das contas, sem perceber estar NAQUELA empresa acabou se tornando mais importante do que construir uma carreira profissional em si, como pegar um ônibus especifico se tornou mais importante para o estudante do que chegar à escola naquela ilustração do tópico “O TEMPO E AS OPORTUNIDADES”.

Construir uma carreira NAQUELA empresa dependia também de um fator que fugia do meu controle. Ora, eu não tinha controle sobre a maneira como a empresa me enxergava, isto é, apenas como um cotista. Porém, eu me fixei numa expectativa desajustada, fruto dos meus anseios e crenças equivocadas. Perceba a bola de neve que isso se tornou: a minha crença equivocada me fez criar uma expectativa desajustada, que me levou a agir o tempo todo de maneira equivocada. No fim, as coisas foram desabando pouco a pouco. A realidade concreta se impôs e eu fiquei sem nada daquilo que eu gostaria, pois eu mesmo tornei as oportunidades escassas desejando crescer profissionalmente NAQUELA empresa ESPECIFICAMENTE. Ora, se sem perceber eu havia restringido, condicionado o meu objetivo a estar em um lugar específico, uma vez que eu não estava mais lá, não havia mais o que ser feito.

SATISFAÇÃO EM EXCESSO: se a insatisfação em excesso é prejudicial, porque de certo modo nos faz fechar os olhos para a realidade, a satisfação em excesso também causa a mesma coisa. Eu estava muito satisfeito com o meu trabalho acreditando que uma hora eu construiria uma carreira. Faltou aquele pingo de insatisfação, aquele contraponto para me fazer abrir os olhos, refletir e questionar se aquele era mesmo o lugar certo para plantar as sementes do esforço e chegar onde eu desejava;

BUSCA PELA BOA FAMA: parte da satisfação em excesso vinha da validação de pessoas que eu considerava amigas na época e dos meus chefes. De modo geral, as pessoas que eu considerava amigas reforçavam minhas crenças equivocadas e expectativas desajustadas com a realidade me incentivando a continuar naquela empresa, pois uma hora eles me dariam uma oportunidade. E meus chefes também me faziam acreditar que eu estava no caminho certo elogiando o fato de eu ser prestativo e estar aberto a aprender qualquer serviço que precisasse para “tapar buracos”.

No fim, ao ser demitido ouvi da empresa que não havia lugar para mim naquela mudança que estavam fazendo, pois eu tinha um grau acadêmico muito elevado para o que eles tinham a oferecer. Os mesmos que não haviam me dado uma oportunidade de crescimento por conta do meu grau acadêmico elevado, mas me elogiavam pela prestatividade. E depois de ser demitido, das pessoas que eu considerava amigas na época ouvi que o problema foi insistir em ficar em uma empresa que não dava perspectivas de crescimento. Os mesmos que antes me incentivavam a ficar na mesma empresa, porque uma hora iriam me dar uma oportunidade.

Por isso, devemos moderar a busca pela boa fama e saber distinguir relacionamentos saudáveis de relacionamentos tóxicos. Relacionamentos tóxicos também incentivam e elogiam, mas incentivam e elogiam os nossos ERROS para que continuemos neles e não cresçamos (ou se aproveitem dos nossos erros).

FALTA DE “EXPOSIÇÃO VERDADEIRA”: certa vez numa entrevista, a entrevistadora me disse com outras palavras que a minha formação acadêmica não condizia com as funções que eu exerci na empresa que eu havia trabalhado. Eu tinha formação para cargos gerenciais, mas na prática, eu não tinha experiência para tal, já que eu só tive cargos operacionais. Tanto que ela seguiu dizendo que o cargo que eles tinham a me oferecer era operacional e me perguntou se eu aceitaria exercê-lo, apesar da minha formação. Dei-me conta do dilema no qual eu havia me colocado (experiência prática e formação acadêmica incompatíveis) e disse que sim, desde que houvesse possibilidade de crescimento dentro da empresa.

Essa entrevista me fez refletir sobre a importância de “nos expormos verdadeiramente”, e isso vale para qualquer coisa. Da mesma forma que ao estudar idiomas precisamos nos expor ao idioma do mundo real, eu, tendo graduação em Gestão Financeira e pós graduação em Controladoria e Finanças, deveria ter procurado me expor verdadeiramente às rotinas dessas áreas para ir ganhando experiência. Na empresa que eu trabalhava, eu estava tendo uma exposição “de mentirinha”, sendo praticamente um funcionário “tapa-buraco”, que acaba aprendendo muito pouco de muita coisa. Isso me prejudicou, pois, mesmo tendo um conhecimento teórico, eu não havia desenvolvido a habilidade de aplicar esse conhecimento teórico no mundo real, enfrentando os desafios do mundo real. Eu era o motorista que se expôs constantemente ao ato de dirigir, mas usando um carro de brinquedo e uma estrada de mentirinha feita em casa. Eu me acomodei dentro da bolha da exposição de mentirinha. Era cômodo e eu achava que estava progredindo. Porém, essa bolha do “faz-de-conta” estourou e aí me dei conta de que nada (ou muito pouco) do que eu fiz dentro dessa bolha serviu concretamente.

***

Com isso, quero ressaltar a importância da dupla “esforço individual e ambiente de recompensas”, bem como criar expectativas flexíveis, sempre ajustadas com a realidade que se desenrola para nós, ao contrário do que costumamos fazer, isto é, criar expectativas fixas com base em ideias pré-concebidas e naquilo que ACHAMOS ideal, como se tivéssemos controle sobre tudo. Nós não temos controle sobre tudo! Isso só vai fazer com que tomemos decisões erradas, fechemos os olhos para oportunidades concretas e nos frustremos com os resultados indesejados. A frase “sonhar com os pés no chão” é clichê, mas é válida. Além disso, a exposição verdadeira é fundamental, pois é no mundo real que vivemos e é no mundo real que os nossos talentos e conhecimentos serão colocados à prova! Como eu mencionei na ferramenta da “EXPOSIÇÃO VERDADEIRA”, apesar de ser mais trabalhoso e incômodo, procure o quanto antes se expor constante e verdadeiramente ao idioma do "mundo real"! Desafie-se!

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 Fontes: 

Acesse as referências bibliográficas aqui.