Pense que aprender é como plantar uma árvore. O que precisamos? Sementes e ferramentas para o plantio? Sim! Mas não é só isso. Ter as sementes e as ferramentas para o plantio não é suficiente, pois igualmente importante são um terreno propício e um clima propício (que influenciará na qualidade do terreno). Com isso, podemos dizer que:
“SEMENTES JOGADAS EM TERRENO INFÉRTIL NÃO BROTAM!”
Em uma primeira analogia, podemos dizer que o terreno é VOCÊ MESMO e as sementes, o CONHECIMENTO recebido. Já em uma segunda analogia, podemos dizer que o terreno é o AMBIENTE no qual você está inserido (pessoas com quem você se relaciona) e as sementes, o seu ESFORÇO. Disso se tira duas conclusões:
(1) O conhecimento não brotará se você mesmo não estiver verdadeiramente receptivo a ele;
(2) Não adianta estar em um ambiente fértil sem esforço individual de sua parte, mas seu esforço individual não terá resultado em um ambiente infértil;
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Sendo assim essa primeira parte visa preparar o TERRENO (você mesmo e o seu ambiente) para o aprendizado da língua japonesa. Ela será talvez A MAIS IMPORTANTE para o seu aprendizado! E se necessário, não hesite em procurar a ajuda de um profissional da área da saúde mental.
“Fraqueza não é reconhecer que temos um problema e procurar por ajuda. Fraqueza é saber que temos partes destruídas dentro de nós e, para não sofrer sozinhos, querer destruir física e/ou emocionalmente os outros”
Você perceberá que muitas coisas expostas nesta seção são óbvias, mas fechamos os olhos para elas porque queremos que as pessoas e o mundo sejam como massinha de modelar nas nossas mãos.
Não são!
Há fatores que podemos controlar, mas há muitos outros que são incontroláveis!
Leia cada parte atentamente, reflita e comece a sua jornada na língua japonesa!
I. UMA MÁQUINA CHAMADA “CÉREBRO”
Parece óbvio, mas se desejamos potencializar nosso aprendizado, primeiro precisamos entender como nosso cérebro seleciona as informações que guardará. O primeiro ponto é que nosso cérebro (e consequentemente nossa memória) é muito seletivo. Podemos traçar um paralelo entre a memória e a unidade de armazenamento de um computador: para manter o sistema saudável, de tempos em tempos fazemos limpezas descartando aquilo que pouco utilizamos ou não precisamos mais para dar lugar a coisas que nos serão úteis e também para otimizar o processamento dessas coisas, não é mesmo? E eis aqui o critério do nosso cérebro para selecionar as informações que guardará: a IMPORTÂNCIA.
Não se sabe ainda qual a capacidade de armazenamento do cérebro. O que sabemos é que ele é a parte do corpo que sozinha consome mais energia. Por essa razão, ele não gosta de gastar energia sem propósito. Ele descarta constantemente informações que considera irrelevantes para que nos concentremos e tenhamos energia para fazer as coisas que nos ajudarão de fato no mundo real.
Mesmo que não percebamos, nosso cérebro ainda age de forma muito primitiva, isto é, para ele é como se nós ainda vivêssemos em ambiente selvagem. Ele quer que guardemos energia e nos foquemos na sobrevivência. Ele quer que fiquemos atentos para possíveis ameaças de predadores e guardemos energia para fugir ou mesmo lutar contra esses predadores. Ele quer que guardemos energia para as tarefas diárias necessárias para a sobrevivência (hoje relativamente simples, mas pesadas nos tempos primitivos). No ambiente selvagem precisávamos de muita energia para caçar, plantar, procurar por abrigo devido ao clima, etc. Segundo apontam especialistas em um estudo publicado na revista cientifica “Neuropsychologia”, “a conservação de energia foi essencial para a sobrevivência dos seres humanos, pois nos permitiu ser mais eficientes na busca por comida e abrigo, na competição por parceiros sexuais e na prevenção de predadores”. Eis, então, um dos fatores que o cérebro utiliza para avaliar a importância de algo: A (NECESSIDADE DE) SOBREVIVÊNCIA.
Agora, de forma geral como o homem primitivo foi tendo consciência daquilo que era bom ou ruim para a manutenção de sua vida? A resposta é: baseado na sensação que um ato e/ou o resultado deste trazia. Por exemplo, todos nós sabemos que precisamos beber água para sobreviver. Porém, não é qualquer água. Nós sabemos que há uma diferença enorme entre beber água tratada e beber água suja, pois as sensações e os resultados são diferentes, não é mesmo? Beber água suja é muito desagradável (tem um gosto ruim), além de poder adoecer a pessoa (resultado ruim). Perceba que não bebemos água suja em sã consciência, ao passo que constantemente bebemos água tratada, pois ela nos dá uma sensação agradável, além de saciar a sede e hidratar o corpo (resultado bom). Em outras palavras: tendemos repetir o que nos traz boas sensações e/ou resultados bons e rejeitar aquilo que nos traz sensações e/ou resultados ruins (fugir da dor e buscar o prazer). Eis, então, outro fator que o cérebro utiliza para avaliar a importância de algo: O PRAZER (SEJA DO ATO, SEJA DO RESULTADO).
Podemos esquematizar da seguinte forma:
Obviamente, o prazer ou o desprazer se estendem as nossas emoções, isto é, ações que geram em nós emoções prazerosas tendem a ser aprendidas e repetidas com mais facilidade (busca do prazer). Já as ações que geram em nós emoções desprazerosas são aprendidas com mais facilidade também, mas como sinal de perigo. Por isso, em vez de repetidas, tendem a ser repelidas (fuga da dor). Um exemplo prático deste mecanismo é que tendemos a nos aproximar de pessoas agradáveis e que nos acolhem, por causa da segurança e prazer emocional que elas nos proporcionam, e nos afastar de pessoas tóxicas, por causa do desprazer emocional que elas nos causam.
Com o que vimos até aqui, podemos concluir que nosso cérebro possui a capacidade de se adaptar ao ambiente no qual está inserido de acordo com a importância das informações (estímulos) que vai recebendo. Ele guarda essas informações importantes, criando assim um banco de dados de experiências passadas, para analisar o presente, fazer associações daquilo que presenciamos agora com o que já sabemos e tentar prever o que pode acontecer, a fim de preservar a nossa vida e para que possamos viver da melhor forma possível dentro de nosso ambiente. Observe a ilustração a seguir:
Aliás, como o cérebro funciona como uma máquina de coleta, análise de dados e previsões visando a nossa sobrevivência da melhor forma possível dentro do ambiente, acredita-se que os sonhos sejam como que um simulador no qual o cérebro tenta executar essa função de forma “mais viva”. Isso nos possibilitaria lidar melhor com as experiências já vividas (como se fosse uma terapia), auxiliaria a nossa criatividade e, consequentemente, a nossa capacidade de resolver problemas atuais e nos apresentaria futuros possíveis e como lidar com eles. Não é raro nos depararmos com casos de pessoas que tiveram ideias muito boas inspiradas por algum sonho que tiveram.
Vale também destacar uma questão que divide opiniões: dada a característica do cérebro de se adaptar aos estímulos do ambiente, o ser humano seria como uma folha em branco ao nascer?
Há duas respostas extremamente opostas para essa questão, sendo que uns dizem que SIM, somos uma folha em branco ao nascer, e outros dizem que NÃO, afirmando que já nascemos totalmente programados, determinados para algo. Porém, os dois extremos parecem estar errados. Sabemos, por exemplo, que os traços de personalidade são fortemente influenciados pelo genótipo. Por outro lado, quanto mais se estuda o cérebro, mais ficamos impressionados com sua capacidade de responder às mudanças sensoriais (estímulos do ambiente). No fim das contas, nosso cérebro parece usar uma interessante mistura de características inatas (a “herança genética” de cada um que nos predispõe para algo) com influências ambientais (estímulos).
Ainda precisamos considerar uma característica extremamente importante: o fator IMPORTÂNCIA nem sempre será uma constante. Em outras palavras, o grau de importância de uma mesma ação poderá variar conforme diversos fatores. Fazendo uma analogia, um guarda-chuva não terá sempre a mesma importância. Em dias de chuva, ele é um objeto importante, mas em dias ensolarados, não, podendo até mesmo se tornar um fardo (ele ocupa o espaço de outro objeto que seria mais proveitoso). Facilmente percebemos que com ações acontece algo semelhante. Há uma infinidade de ações que podemos executar e também uma infinidade de contextos diferentes, o que impactará na importância da ação.
II. CALCULANDO O CUSTO-BENEFÍCIO
Como o nosso cérebro não gosta de gastar energia sem propósito, ele possui o chamado “Sistema de Recompensas”, que é um sistema que constantemente “calcula” o custo-benefício (a importância) das ações baseado em três fatores:
➩ Recompensa (positiva ou negativa, alta ou baixa);
➩ Esforço (quantidade de energia necessária);
➩ Distância (se é uma recompensa imediata ou a curto, médio ou longo prazo).
Por exemplo, beber água estando no meio do deserto é muito importante! Como se torna uma ação diretamente relacionada à necessidade de sobrevivência, a recompensa é muito alta (e necessária). Neste caso, o cérebro entenderá que esforço e distância têm menor relevância, pois o importante é beber água. Por isso, estaremos dispostos a fazer mais esforço e a gastar mais tempo para encontrar água. Em contrapartida, estando no conforto de casa, pode ser que estejamos fazendo coisas mais agradáveis do que saciar a sede em si (assistindo a uma partida de futebol, por exemplo). Saciar a sede, então, torna-se menos importante. Para alguns, é preferível deixar a sede esperar a perder um lance da partida, tendo que levantar do sofá e ir buscar água na geladeira (esforço e distância maiores). Neste caso, assistir a cada lance da partida é mais importante, o prazer é maior (e imediato) e o esforço e distância, menores (custo-benefício melhor em relação a saciar a sede).
A este combustível que nos move em direção a uma recompensa se dá o nome de MOTIVAÇÃO. Podemos dizer que a motivação varia conforme a importância que atribuímos a uma ação ao longo do tempo.
Algumas abordagens apontam 3 ou 5 forças que se relacionam e que vão interferir na IMPORTÂNCIA que damos a alguma ação e consequentemente na motivação para executá-la. São elas:
➩ POSSE: é o desejo de possuir coisas. Isso pode incluir bens materiais, como carros, casas e roupas, ou bens imateriais, como conhecimento, habilidades e relacionamentos. A posse pode fornecer uma sensação de segurança, status e satisfação;
➩ PRESTIGIO: é o desejo de ser admirado e respeitado pelos outros. Isso pode ser obtido por meio de realizações, riqueza, beleza ou outros atributos valorizados pela sociedade. O prestígio pode proporcionar uma sensação de autoestima, significado e pertencimento;
➩ PODER: é o desejo de controlar os outros ou o ambiente ao seu redor. Isso pode ser obtido por meio de dinheiro, posição social, força física ou outros meios. O poder pode proporcionar uma sensação de controle, segurança e realização;
➩ PRAZER: é o desejo de experimentar sensações agradáveis. Isso pode incluir comida, sexo, música ou qualquer outra coisa que traga prazer. O prazer pode proporcionar uma sensação de felicidade, satisfação e relaxamento;
➩ PRESSÃO: é o desejo de evitar consequências negativas. Isso pode incluir a pressão para se conformar com as expectativas sociais, a pressão para ter sucesso ou a pressão para evitar o fracasso. A pressão pode ser uma força poderosa, levando as pessoas a fazer coisas não diretamente ligadas aos seus interesses. Por exemplo, uma pessoa que não gosta de estudar, vê-se pressionada a estudar para uma prova somente para evitar uma consequência negativa (nota baixa), já que não pode evitar fazer a prova.
Pode-se, ainda, levantar três fatores que influenciarão fortemente na motivação. São eles:
(1) Necessidade de Autonomia: melhor fazer algo por vontade e iniciativa próprias do que por obrigação ou pressão. As pessoas tendem a se envolver mais e com maior entusiasmo em atividades nas quais têm a liberdade de escolher, planejar e tomar decisões;
(2) Necessidade de Competência: quem não gosta de sentir que consegue? A sensação de capacidade e progresso é muito importante. Quando as pessoas têm a oportunidade de desenvolver suas habilidades e sentir que estão progredindo, isso fortalece sua confiança e motivação intrínseca. É desmotivador enfrentar tarefas que parecem insuperáveis ou desafios para os quais não se possui as habilidades necessárias;
(3) Necessidade de Pertencimento: quem não fica mais feliz quando se sente parte de um grupo? A necessidade de pertencer a um grupo ou comunidade é inerente à natureza humana. Sentir-se parte de algo maior, onde se compartilham interesses e objetivos comuns, é extremamente importante. Grupos de estudo, colaborações em projetos e interações sociais positivas contribuem para a satisfação dessa necessidade e, consequentemente, para uma experiência de aprendizado mais gratificante.
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De alguma forma, essas cinco forças e essas três necessidades aumentam a nossa chance de sobreviver da melhor forma possível e minimizam os riscos. Também, como podemos perceber, aquilo que nos faz dar IMPORTÂNCIA a uma ação pode ter aspectos tanto positivos como negativos, duradouros ou passageiros. Nesta linha, muito interessante são os conceitos de objetivo AUTOCONCORDANTE e objetivo DISCORDANTE trazidos por Flora Victoria, a Embaixadora da Felicidade e mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia:
Objetivos autoconcordantes são aqueles que são próprios de sua natureza, da sua essência e vem do seu interior! Como exemplo, uma criança pode inspirar-se na medicina por alimentar o sonho em poder salvar vidas ou por ter passado por alguma experiência positiva com um médico que curou uma doença! Desta forma o objetivo de tornar-se um médico, motiva o estudo pelo funcionamento do corpo humana, a busca do conhecimento e a dedicação aos estudos para tornar-se um médico! Os objetivos discordantes são aqueles que nos influenciam a fazer algo por culpa, imposição social ou mesmo por vergonha. Como por exemplo, estudar por obrigação dos pais ou fazer uma faculdade por interesse dos pais. Neste caso o objetivo pode até ser cumprido e alcançado com êxito e mérito, porém não vem do interior, da essência ou mesmo da vontade própria! A sensação de realização e satisfação não influencia no seu estado psicológico de conquista e vitória! |
Como mencionamos anteriormente, nosso cérebro ainda age de forma muito primitiva, isto é, para ele é como se nós ainda vivêssemos em ambiente selvagem. Isso é compreensível, já que, considerando toda a história humana, o homem viveu grande parte de sua existência em ambiente selvagem. A vida moderna representa uma nova e mínima parte da história humana.
Levando em conta essa mudança drástica de ambiente, nasce um problema: na selva o homem tinha uma vida muito mais simples, no sentido de que ele só precisava se preocupar com as suas necessidades mais básicas e com coisas imediatas, como a alimentação para hoje ou para amanhã, por exemplo. Por outro lado, o estilo de vida moderno apresenta uma sobrecarga de estímulos, uma grande quantidade de opções e possibilidades. Na selva, o homem se preocupava basicamente com as coisas a curto prazo e a vida moderna nos obriga a pensar no curto, médio e longo prazo!
O neurocientista Eslen Delanogare afirma que o nosso cérebro “não foi constituído para viver em um ambiente com tanto estímulo” . Em um mundo moderno com novos desafios, nosso cérebro ainda não se atualizou e continua recorrendo a soluções antigas e ultrapassadas. Por causa disso, nosso cérebro ainda tende a dar prioridade a recompensas que tenham três características:
➩ Que seja rápida;
➩ Que seja alta;
➩ Que exija o menor esforço.
Por esta razão tudo que for fácil, muito recompensador e rápido terá a nossa preferência. Aliás, pode-se dizer que as plataformas começaram a usar essa característica primitiva do cérebro, oferecendo vídeos curtos, em grande quantidade e de fácil acesso. Essa característica do nosso cérebro também explica o motivo de perdemos a motivação facilmente diante de tarefas cuja recompensa esteja longe e indeterminada, afinal na selva o homem não tinha e nem precisava ter muitos objetivos e aspirações.
Perceba também que o fator importância de uma ação (e a consequente motivação para executá-la) em muitos casos tem um aspecto fortemente individual. Conforme o exemplo citado, entre saciar a sede e assistir a partida de futebol, a escolha não é óbvia; o custo-benefício de uma mesma ação varia de pessoa para pessoa.
III. PENSAMENTOS SAUDÁVEIS
A importância que atribuímos a uma tarefa e a motivação para executá-la dependerão muito do nosso sistema de crenças, da nossa visão de mundo. Basicamente, são princípios e valores individuais que formamos (ou aceitamos) com base naquilo que vivemos, ouvimos e sobre os quais refletimos. É a partir dessa visão de mundo que analisamos a nós mesmos, os outros e o mundo.
O problema reside no fato de que, independentemente se esses princípios e valores são objetivamente bons ou equivocados, costumamos nos apegar ferozmente a eles. Costumamos questionar princípios e valores dos outros, mas, para nós, os nossos estão sempre corretos, sendo eles a regra padrão que deve ser seguido por todos.
Isso acontece por conta do instinto de sobrevivência. O primeiro aspecto é que o cérebro gosta de certezas. Do ponto de vista da sobrevivência, não são as coisas certas que nos ameaçam, mas sim a incerteza e o desconhecido. Por exemplo, se uma pessoa sabe que dentro de uma garrafa de água há veneno, ela não tomará. Porém, se não souber (ausência de conhecimento), ela acabará tomando e perderá a vida. Portanto, como o cérebro gosta de certezas para que se sinta mais seguro, tendemos a buscar aquilo que confirme as nossas crenças e valores e ignorar, repudiar ou distorcer aquilo que gera questionamentos acerca de nossas crenças e valores.
Outro aspecto ligado ao instinto de sobrevivência (e a nossa segurança) é que nós sabemos, embora dificilmente admitamos, que não somos autossuficientes e que precisamos da colaboração dos outros para sobreviver da melhor forma possível. E para que os outros se aproximem e permaneçam conosco, é preciso de certa forma que tenhamos uma boa fama, sejamos prestigiados pelos outros. Ora, admitir estar equivocado é como revelar uma vulnerabilidade que pode prejudicar o nosso prestígio. Por isso, tendemos a esconder nossas vulnerabilidades e a nos apresentar como pessoas infalíveis, seja com relação às ideias ou ações, tendo uma justificativa mirabolante para tudo e não admitindo ser contrariado.
E esse apego às próprias crenças e valores fica ainda mais forte quando nossas crenças e valores são validados pelos outros. Validação é uma forma de se sentir prestigiado e de obter prestígio! Nesse quesito as redes sociais exercem uma influência grande, pois se antes do surgimento delas não era tão fácil encontrar validação dado o universo restrito de pessoas com quem podíamos interagir, com a diversidade e o grande número de usuários presente nas redes sociais agora é possível encontrar validação para qualquer tipo de coisa, seja ela boa ou ruim. Os algoritmos das redes sociais nos fornecem o conteúdo que se adequa as nossas preferências, fazendo com que permaneçamos mais tempo conectado.
Isso só reforça as nossas crenças e valores e passamos a nos fechar em bolhas, podendo até mesmo nos tornar fanáticos das próprias ideias. Daí geralmente nasce (ainda mais) o desejo de impor aos outros as nossas crenças e valores. Daí também nasce o fato de que eles podem constituir uma barreira para o aprendizado. Como ensina a psicóloga Marinalva Callegario “toda crença é autorrealizável e as nossas palavras são profecias”. Um só pensamento ou palavra negativa pode se tornar gatilho para traumas ou para a estagnação. Daí é que vem o famoso ciclo:
Pensamento gera sentimento que conduz a uma ação que tem um resultado. Esse resultado, então, confirma o pensamento. Por exemplo, se uma pessoa vive alguma situação negativa relacionada à “matemática”, ela provavelmente passará a acreditar que é péssima em matemática. Em outras palavras, essa pessoa criará um pensamento que tende a ficar martelando na cabeça:
“Sou péssimo em matemática! Sou péssimo em matemática!”
Esse diálogo interno constante, essa mesma conversa consigo mesmo o tempo todo terá como consequência evidente um sentimento de repulsa com relação à matemática. Como resultado, muito provavelmente essa pessoa passará a enxergar a matemática como algo sem importância (ou danoso) e não terá motivação para aprender. Lembre-se que nosso cérebro quer que fujamos da dor e busquemos o prazer! E, se ainda assim a pessoa tentar aprender, qualquer erro que cometer por mais simples que seja, vai fazê-la dar razão a ela mesma (dar razão ao pensamento – “É FATO que sou péssimo em matemática!”), aumentando o sentimento de repulsa e fazendo-a desistir de aprender matemática de vez. E esse sentimento de repulsa geralmente vem acompanhado de um desmerecimento numa tentativa de aliviar o sentimento de suposta incapacidade para algo, como, por exemplo, “É FATO que sou péssimo em matemática, mas veja bem... a matemática não é tão importante assim!”
Perceba como tendemos a generalizar as coisas. Lembre-se que nosso cérebro é como um banco de dados de experiências vividas, portanto, ele vai analisar o presente e tentar prever o futuro com base nesses dados. Contudo, a generalização é uma faca de dois gumes. O lado bom da generalização é que isso poupa energia e nos poupa de possíveis situações desagradáveis. Por exemplo, suponhamos que você gosta de videogames e o Super Nintendo foi o primeiro console com o qual você teve contato. O que precisamos fazer para começar a usá-lo? Precisamos conectar atrás dele um cabo que vai ser ligado na tomada e outro que vai ser conectado na televisão. Na parte da frente do Super Nintendo há duas entradas, nas quais precisamos conectar os controles. Ele tem um botão para ligar e outro para ejetar o cartucho. Então, generalizando a experiência com o Super Nintendo, somos capazes de manusear consoles mais recentes como o Playstation 4 sem precisar aprender (muitas) coisas novas.
Por outro lado, a generalização tem seu aspecto negativo. No caso do exemplo citado com a matemática, a pessoa passou por apenas uma situação ruim com relação à matemática e já começou a acreditar que todas as outras situações com a matemática serão igualmente ruins. Por isso prefere evitar a matemática. Veja como a generalização pode fazer com que cultivemos crenças equivocadas com relação a nós mesmos, a situações, a pessoas e ao mundo. No fim das contas, de tanto querer poupar energia e evitar possíveis situações desagradáveis, acabamos estagnando e perdendo possíveis oportunidades.
Essa propensão para a NEGATIVIDADE tem suas razões. Por ter como meta principal a sobrevivência, poderíamos dizer que o cérebro tem uma tendência de se preocupar mais com o risco de perder do que com a possibilidade de ganhar, afinal é o risco, o desconhecido que podem ser sinônimos de energia desperdiçada, de ameaça ou mesmo de morte. Hao Li, neurologista do Salk Institute, afirma que “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”.
Considerando o contexto selvagem, esse modo de funcionar do cérebro faz todo sentido, pois o homem na selva não tinha (e não precisava de) inúmeras possibilidades, muitas aspirações para viver, como no mundo moderno. Além de ter uma expectativa de vida bem menor, na selva o homem precisava apenas se preocupar com as necessidades mais básicas e com as coisas a curto prazo (a alimentação para hoje ou para amanhã, por exemplo). Por outro lado, o homem moderno se vê diante de inúmeras possibilidades, tendo muitas aspirações e é praticamente obrigado a pensar no curto, médio e longo prazo.
Diante dessa mudança na vida do homem, precisamos aprender a lidar com o medo. Fazendo uma analogia, um soldado que vai à guerra precisa sentir um certo grau de medo, caso contrário, ele não se equiparia com os melhores armamentos possíveis e com as melhores proteções possíveis. Contudo, ele não pode se deixar dominar pelo medo, pois acabaria estagnando e não indo à guerra. Assim também é o homem moderno: sentir medo da incerteza é natural e necessário, mas ao mesmo tempo não podemos deixar que esse medo nos impeça de agir constantemente buscando melhores oportunidades para a nossa vida. Aliás, podemos até mesmo dizer que o medo pode ser um motivador se pensarmos que ficar estagnado pode representar um risco muito maior, já que pode nos fazer perder tudo o que conquistamos até o presente.
Por falar do aspecto negativo da generalização, uma coisa precisa ficar clara: todos nós somos seres humanos, então, independentemente de quem a pessoa seja, da posição social que ela ocupa ou do lugar de onde ela seja, os mecanismos de sobrevivência, formação de crenças e valores, aceitação e interação com outras pessoas são os mesmos. O que existem são ambientes e fatores individuais diferentes que fazem com que determinado mecanismo seja realçado ou reprimido.
Ter isso em mente é importante para que não coloquemos ninguém no pedestal ou na lama simplesmente por a pessoa ser isso ou aquilo ou ser de tal lugar. Cada um de nós carrega dentro de si a luz e a sombra, e essa perspectiva nos ajuda a sermos mais tolerantes e compreensivos, pois o aspecto negativo que apontamos no outro precisa ser trabalhado em nós também. Cada um de nós deve trabalhar para iluminar essas sombras e transformá-las em aspectos positivos, buscando sempre crescer e evoluir como ser humano.
A pessoa boa não se rotula como pessoa boa, pois sabe que tem um lado sombrio; ela prefere constantemente agir para transformar suas sombras em luz
Como já mencionamos, o nosso cérebro quer que sobrevivamos no ambiente da melhor forma possível. Só que existe um detalhe: como nós humanos vivemos a maior parte da nossa existência como espécie em ambiente selvagem, foi necessário que o cérebro desenvolvesse o que chamaremos de “mecanismo da competição”, afinal na selva os recursos eram escassos e era muito trabalhoso obtê-los. Por causa dessa escassez de recursos, muitas vezes nossos ancestrais tinham que disputar entre si arriscando a vida o almoço do dia, uma simples macieira, um território com rio, etc.
Sendo assim, poderíamos dizer que nosso cérebro desenvolveu um princípio que continua válido ainda hoje. Ele é muito simples, mas muito desatualizado considerando a quantidade de recursos e oportunidades que a vida moderna nos proporciona:
“O sucesso do outro representa uma ameaça e o fracasso do outro, uma segurança”.
Como pontua a psicóloga Meiry Kamia “a competição é o berço da inveja. (...). A gente começa a aprender desde pequeno que eu sou um sucesso quando todo mundo é um fracasso”. Considerando o “mecanismo da competição”, necessário para a sobrevivência em ambiente hostil e de poucos recursos, esse princípio é uma consequência natural. Por exemplo, se o outro conquistasse uma macieira, muito provavelmente teríamos que batalhar por ela ou enfrentar os perigos da selva para procurar por outra macieira. Além de trabalhoso, isso causava uma insegurança muito grande não só física como emocional. Batalhar é risco de morte. Não encontrar uma macieira (alimento), também! Ter que enfrentar os perigos da selva procurando por macieiras, também! Além disso, ser o mais fraco em um ambiente competitivo representava não somente risco de ser abatido pelo mais forte, mas de sofrer o desprestigio dos outros . E solidão na selva é risco de morte também!
Disso tudo, conclui-se que instintivamente procuramos evitar não só a dor física, mas também a dor emocional. Se não tentamos reeducar o nosso cérebro mostrando a ele que não estamos mais na selva, acabamos inteiramente conduzidos pelos instintos primitivos, dentre eles o mecanismo da competição. Com isso, o sucesso do outro sempre nos causará dor emocional, como se tudo continuasse escasso. Aliás, uma das formas de aliviar essa dor emocional é desmerecer, criticar constantemente o outro, afinal, isso diz ao nosso cérebro desatualizado que ainda estamos em vantagem (ou pelo menos em igualdade) nessa competição dentro da selva.
Agora, observe a figura a seguir:
Na grande maioria das vezes, o pensamento que inicia o ciclo é extremamente simplista. No caso da imagem, o cavalo se convenceu que ele está preso. Entretanto, se ele refletisse um pouco mais, se ele fosse realista, considerando as diversas variáveis que as situações podem ter, perceberia que na verdade NÃO está preso. O que o mantém preso não são questões da Física, do mundo concreto, mas tão somente um pensamento equivocado, limitador que ele criou ou aceitou. Por isso, não coloque a expressão “É fato que...” em qualquer lugar. Daí vem a importância de ter diálogos internos saudáveis e realistas. Daí vem a importância de reestruturar crenças equivocadas sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo, pois uma visão distorcida para mais ou para menos de nós mesmos, dos outros ou do mundo é a maior vilã para o aprendizado, para a nossa evolução como pessoas. Afinal, se fundamentamos nossas metas, as causas de problemas, etc. em distorções (ou idealizações) da realidade, todo o resto será prejudicado, como em um efeito dominó.
O que somos hoje se origina da soma de experiências do passado. Por meio dessas experiências vividas, analisamos o presente e nele vivemos, ao mesmo tempo que projetamos o futuro. Podemos dizer que no presente existe uma batalha constante entre duas forças extremamente opostas, isto é, as lembranças do passado e o receio (pois não o conhecemos) do futuro. No presente, cabe a cada um de nós manter essas duas forças opostas em equilíbrio para que que o elo da saúde emocional não se quebre e consequentemente saibamos dar importância às coisas realmente relevantes. Só assim cada um de nós terá motivação para agir.
Não podemos esquecer o passado, mas podemos com ele aprender para melhor agir. Também, não podemos deixar de pensar no futuro, pois embora desconhecido agora, inevitavelmente estaremos diante dele e de alguma forma precisamos estar preparados para ele. O tempo presente é o nosso momento de ação!
Aceitemos ou não a realidade concreta cedo ou tarde se impõe diante dos nossos olhos. Por isso, refletir e se avaliar constantemente, considerando o EU VERDADEIRO (autoconhecimento) e as CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS que vão se apresentando a nós, bem como dar um novo sentido (positivo) para as experiências negativas vividas será de grande auxílio para a sua motivação e para o seu aprendizado!
IV. A MEMÓRIA
Imagine agora como é a rede elétrica de sua cidade:
Uma rede elétrica é composta por diversos cabos conectados uns aos outros através dos quais a energia elétrica é transmitida para diversos pontos da cidade. Com o nosso cérebro acontece algo parecido: nele há bilhões de neurônios, que são como os cabos da rede elétrica e eles se conectam uns aos outros formando padrões diferentes. Cada padrão de conexão entre os neurônios resulta em uma memória.
Observe como os neurônios (in vitro) se conectam uns com os outros:
As diferentes conexões neurais não têm, entretanto, todas a mesma força e podemos dizer que a duração de cada memória depende do tempo que sua respectiva conexão permanece ativa. Lembre-se sempre que o cérebro consome muita energia e, por isso, ele não gosta de gastar energia sem propósito. Por isso, aceitemos ou não, esquecer é fundamental para evitar sobrecarga do nosso cérebro! Fazendo uma analogia, não há motivos para mantermos ligado na tomada um equipamento eletrônico que não utilizamos. Ele estaria consumindo energia inutilmente, além de estar ocupando espaço de outro equipamento que seria mais proveitoso!
Essa característica do cérebro nos faz perceber que nossa memória é naturalmente transitória. Podemos saber muito de um assunto hoje, mas se não nos preocuparmos em MANTER essas informações, fatalmente as esqueceremos.
E por que isso acontece?
Talvez não nos damos conta disto, mas estamos o tempo todo recebendo informações através dos nossos sentidos. Seja o som de um carro que passa na rua, o cheiro de alguma coisa, as placas que vemos na estrada, um novo pensamento... não paramos de receber novas informações e tudo isso acaba “ocupando espaço”. Didaticamente, podemos comparar a nossa memória com um copo. O que acontece se começarmos a colocar água nele sem parar? Exato! Chegará um momento em que não haverá espaço para tanta água e a água que já estava no copo começará a ser jogada para fora a fim de dar espaço para a água que está entrando no copo. Da mesma forma, nosso cérebro precisa constantemente selecionar o que guarda e o que será jogado no lixo.
Entender que a nossa memória é transitória por natureza é fundamental para o aprendizado. Um dos maiores erros de quem está estudando é achar que “uma vez aprendido, jamais esquecido”. Muitas pessoas estudam algo apenas até conseguirem memorizar as informações e acham que isso é o suficiente. Entretanto, passado algum tempo, percebem que já se esqueceram de tudo que tinham estudado. Fatalmente se veem em um ciclo de “aprende, esquece, aprende, esquece...” achando que nunca aprenderão de fato! Aliás, é oportuno mencionar aqui o conceito de “Curva do Esquecimento”. Segundo o site CPC Concursos “o conceito de curva do esquecimento é antigo. Foi criado pelo psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus (1850 – 1909)”. (...) ela ocorre “porque o cérebro entende que não é preciso registrar informações que não são usadas. Ou seja, quanto menos aquele conteúdo for visto, menos relevante ele se torna para o cérebro. Logo, é essencial estimular a memória ao longo do tempo para não descartar a informação estudada”.
Segundo o blog Folha Dirigida, “a teoria do filósofo alemão diz que, após estudar um conteúdo, você está com 100% daquela informação na sua memória. Segundo Ebbinghaus, o que acontece em seguida, é que seu cérebro, ao longo do tempo, vai “desarmazenando” o que foi aprendido, pois ele não é capaz de reter toda a informação de uma vez. Após 20 minutos, você vai ter esquecido cerca de 42% do que aprendeu. Depois de uma hora, mais da metade do conteúdo já foi esquecida (56%). Passados 30 dias, 80% do conteúdo que você estudou é esquecido também”. E nos apresenta um interessante gráfico:
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Dadas essas características do nosso cérebro, costuma-se dividir a memória em dois tipos:
➩ Memória de curto prazo: refere-se à retenção por um breve período de tempo das informações recebidas;
➩ Memória de longo prazo: refere-se ao armazenamento duradouro das informações recebidas. Como ensina Eric Kandel, neurocientista ganhador do Prêmio Nobel em 2006, “aprender significa criar memórias de longa duração”.
Já a transição das informações entre a memória de curto prazo e a memória de longo prazo se chama “consolidação”.
Portanto, precisamos fazer o cérebro entender que as informações que estamos estudando são importantes e, por isso, devem ser armazenadas – consolidadas – na memória de longo prazo.
Seu objetivo principal deve ser alcançar a “automatização”, isto é, a capacidade de realizar uma tarefa com o mínimo de esforço consciente, de modo automático, assim como é a nossa relação com a língua portuguesa. É o que se costuma chamar de “fluência”. Fazendo uma analogia, aprender uma língua estrangeira (e isso vale para qualquer coisa nova que desejamos aprender) é como pegar um carro pela primeira vez: como é algo novo, existe aquele receio natural do desconhecido e você começa a guiá-lo numa velocidade reduzida, toma mais cuidado ao fazer as curvas, atenta-se em demasia às placas de sinalização, aos botões do painel, etc. Em outras palavras, no começo o ato de dirigir é feito de forma totalmente racional. Por isso, é lento e exige esforço mental. Entretanto, conforme o ato de dirigir vai se tornando um hábito, a sua confiança vai aumentando e o receio vai diminuindo. Chega a um ponto no qual você começa a pisar mais no acelerador e os cuidados diminuem. Em outras palavras, aquilo que no começo era feito com receio, de forma extremamente racional, exigindo esforço mental, tornou-se uma ação natural, espontânea, automática.
Alcançar o nível da automatização é algo que o cérebro gosta. Uma ação automatizada passa a exigir menos energia, e o cérebro fica liberado para gastar energia com outras tarefas. Usando o exemplo de dirigir, no começo quase ninguém vai gostar de dirigir ouvindo música, pois todo esforço mental está voltado para dirigir de forma correta. A música pode atrapalhar. Entretanto, depois que o ato de dirigir se torna automatizado, ouvir música é algo que agrada, pois podemos prestar atenção nela; não estamos mais totalmente ocupados aprendendo a dirigir.
O que houve entre o momento no qual a pessoa começou as aulas na autoescola e o momento no qual o ato de dirigir se tornou automatizado? Embora constantemente brotem na internet figuras desconhecidas vendendo “cursos milagrosos” intitulados “Aprendizagem Acelerada”, “Método Revolucionário”, “Fluência em 6 Meses” etc., no fundo esses cursos não passam de abordagem e aplicação (muitas vezes mal feitas) de princípios óbvios (que estamos abordando nessa introdução), mas que acabamos ignorando por diversos fatores. Esteja ciente de que, como tudo que é novo, no início será exigido GRANDE ESFORÇO de sua parte (e NÃO há como evitar isso!), mas tenha perseverança!
V. SEDENTARISMO
Por falar em grande esforço, quando se fala em sedentarismo, provavelmente a primeira coisa que vem na cabeça da maioria das pessoas é aquele indivíduo que não pratica exercícios físicos. Costuma-se atribuir como uma das principais causadas do sedentarismo físico as praticidades da vida moderna, isto é, as coisas estão cada vez mais acessíveis com facilidade e rapidez, exigindo cada vez menos esforço. Entretanto, há também o que chamaremos de “sedentarismo mental”. Responda às perguntas a seguir:
➩ Quantos números de telefone você sabe de cor?
➩ Quantos percursos você sabe de cor?
➩ Quantas datas de aniversário você sabe de cor?
➩ Quantas receitas você sabe preparar de cor?
Não se surpreenda se a resposta para todas essas perguntas for “ZERO”, afinal tudo isso pode ser resolvido facilmente com o celular, não é mesmo?
Embora muitos recomendem o uso de aplicativos (como Anki, por exemplo) e sites com funções automatizadas para os estudos devido à rapidez e a praticidade, é justamente essa rapidez e praticidade que podem ser prejudiciais se não houver boa medida. Assim como uma pessoa pode deixar de fazer exercícios físicos porque tem a sensação de ter “tudo ao seu alcance” de forma rápida e com o mínimo de esforço, nosso cérebro também pode deixar de “se exercitar” pelas mesmas razões. Ao utilizar o computador, celular e aplicativos em excesso para estudar, como muitas vezes a informação já vem pronta, a pessoa não precisa estimular o pensamento. O cérebro se torna preguiçoso, sedentário.
Ora, assim como um músculo, o cérebro precisa ser estimulado para se desenvolver, para funcionar melhor. Não evite fazer esforço mental. Assim você estará com seu cérebro matriculado em uma academia, ele não será sedentário e seu aprendizado será otimizado.
É muito importante estimular o cérebro a buscar por conta própria a informação desejada. Afinal, é assim que funciona no mundo real. A vida concreta é muito mais exigente do que os exercícios presentes nos livros. Nas conversas no mundo real, não há legendas, listas de vocabulário para consulta ou muito tempo para entender um nativo. Quanto mais rápido processarmos as informações, melhor. Fazendo uma analogia, há quem diga que quando se trata da tabuada de multiplicação, ou a pessoa responde na hora ao ser questionada quanto é um número vezes o outro, ou ainda não aprendeu bem. De certo modo, comunicação é assim também. Veja como no português não precisamos de tempo para processar as coisas durante uma conversa (a menos que a pessoa use um vocabulário e/ou construções complexas, pouco comuns). Também, se um estrangeiro perguntar o que significa “casa”, saberemos responder na hora, não é mesmo? Isso é por que já estamos familiarizados com o português, por conta de muita exposição às mesmas coisas repetidas vezes. A língua portuguesa de uso diário já está “tão memorizada” que se tornou algo natural, automático para nós.
VI. AS FERRAMENTAS DE APRENDIZADO
UFA! Considerando tudo o que abordamos até aqui, por melhor que seja o material didático escolhido, se você não utilizar o que chamaremos de “FERRAMENTAS DE APRENDIZADO”, o seu aproveitamento será quase nulo. Portanto, tenha em mente que sem elas é como querer fazer limonada sem limões, ou seja, sem o ESSENCIAL para a limonada. O material didático é apenas parte do processo (e talvez a menos importante!). Sem motivação, sem esforço pessoal, materiais didáticos são apenas letras mortas que não provocam nenhum efeito prático! Cabe unicamente a VOCÊ dar vida a essas letras!
Até aqui, vimos que nosso cérebro é extremamente seletivo com as informações que recebe, guardando somente aquelas que ele julga importantes para a nossa vida prática. O nosso cérebro não é como uma pessoa a quem podemos simplesmente dizer: “Ei, Fulano! Guarde isso, porque é importante para mim”. Digamos que nosso cérebro precisa constantemente de provas acerca da importância de algo. Lembre-se: o nosso cérebro consome muita energia e não gosta de gastar energia sem propósito! Seria como se Fulano nos dissesse: “Eu guardo isso para você, mas você terá que me provar todos os dias que isso é realmente importante para eu manter isso guardado. Não tenho um espaço infinito disponível e tenho gastos altos!”
E como podemos “provar” ao cérebro que uma informação é importante? Nós já respondemos a esta pergunta de certa forma: basicamente através de SINAIS que nós podemos enviar e que são enviados pelo nosso corpo ao nosso cérebro, de acordo com a necessidade de sobrevivência ou com o prazer que sentimos ao fazer algo (considerando também o resultado da ação).
Sendo assim, o que se deseja com essas ferramentas é otimizar a motivação e a memória e minimizar os fatores que prejudicam esses elementos. Então, sem mais delongas, vamos conhecer as “ferramentas de aprendizado”:
1) INTERESSE: apaixone-se profunda e incondicionalmente pela língua japonesa! Aprenda usando o cérebro, mas principalmente o coração, pois o sinal do coração é o sinal de importância mais forte que podemos mandar para o nosso cérebro! Todos os outros sinais dependerão da força do sinal do coração!
Parece óbvio, mas um dos maiores bloqueios para o aprendizado é a falta de interesse naquilo que se estuda. Pessoas podem passar horas e horas tentando decorar fórmulas matemáticas, mas se houver falta de interesse e/ou maus pensamentos, a sua mente encarará a situação como algo danoso para você e passará a criar mecanismos de autodefesa para afastá-lo disso, tais como distração ou sonolência. Portanto, lembre-se: quanto maior o interesse, maior é o poder da memória para guardar determinada informação. Ainda, segundo a Dra. Carla Tieppo, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e neurocientista, “o hipocampo seleciona aquilo que tem valor para ser guardado ou não. (...) E como ele está ligado à emoção, acreditamos que isto explique o fato de o cérebro armazenar algumas coisas e outras não, de acordo com o valor que elas têm para nós”.
“Encontre algo que você ame tanto fazer que você espere o sol nascer só para poder fazer de novo” (Chris Gardner)
Vamos fazer uma analogia: imaginemos que um rapaz tenha iniciado um emprego novo e logo no primeiro dia se depara com uma menina que lhe desperta interesse à primeira vista. Vão se passando os dias, o rapaz fica só a observando e o interesse vai aumentando, mas ainda não tiveram a oportunidade de conversar. São convidados então para uma dinâmica em duplas na qual um terá que expor certas informações pessoais ao outro. Agora, responda com sinceridade: se você estivesse no lugar do rapaz fazendo dupla com a menina que outrora despertara seu interesse, as chances de você guardar as informações pessoais que ela expor não são muito maiores do que se você estivesse fazendo dupla com qualquer outra menina na qual você não estivesse interessado?
Um aspecto importante sobre o interesse é que tendemos a acreditar que o interesse deve sempre preceder o envolvimento em qualquer atividade ou aprendizado. Contudo, nem sempre é assim. Lembremo-nos que não somos seres onipresentes e oniscientes e, portanto, tudo o que neste exato momento consideramos bom, promissor, belo, etc. se baseia unicamente no conjunto de informações que temos até agora.
Se você se interessa, por exemplo, por animês hoje é por que teve informações prévias da existência de animês, teve algum contato com eles e isso causou em você um certo prazer. Porém, já imaginou do que você estaria gostando hoje se não soubesse que animês existem? Já imaginou que pode haver muitas outras coisas que você não conhece e só não se interessa pela falta de conhecimento da existência e pela falta de contato? Já imaginou que você pode ter um talento do qual ainda não se deu conta?
Com isso queremos dizer que, pela nossa natural limitação de conhecimento, sempre haverá coisas com as quais primeiro teremos que conhecer, ter contato e/ou aprender para só aí despertarmos interesse por essas coisas. Em outras palavras, de algum modo estar sempre de portas abertas para o novo. Muitas vezes, o interesse é despertado pela curiosidade ou pelo prazer que surge após uma primeira interação positiva com algo novo. Podemos ter talentos ou gostos que ainda não descobrimos simplesmente por que nunca tivemos a oportunidade de entrar em contato com as atividades ou os campos nos quais eles poderiam florescer.
2) ORGANIZAÇÃO: quanto mais organizada a mensagem, maior será a retenção. A memória não acumula dados de qualquer maneira. Ela efetua, sem percebermos, um trabalho de organização. O cérebro opera uma organização inconsciente. Podemos ajudar a memória organizando a informação de modo consciente fazendo esquemas lógicos, o que implica em comparar, selecionar, classificar, ordenar, associar, esquematizar.
“Se a informação que você precisa memorizar estiver uma completa bagunça, você dificilmente conseguirá retê-la” (Alberto Dell’Isola)
Outro ponto sobre a importância de organizar as informações é que, de forma geral, é preferível partir do geral para o específico. Por exemplo, se você ainda não teve nenhum contato com a língua japonesa, é melhor pegar um material que apresente uma visão geral do idioma (por isso criamos o “Gramática Fácil”), antes de partir para o “Gramática Avançada”. Ter uma visão geral prévia de um assunto ajuda a desenvolver familiaridade com ele. Ora, quanto mais familiaridade tivermos com determinado assunto, mais facilmente o aprenderemos.
Aliás, a familiaridade é um dos motivos pelos quais há pessoas que aprendem com mais facilidade e com maior rapidez um determinado assunto em relação a outras pessoas. Por exemplo, Fulano que gosta de matemática tende a aprender Física com mais facilidade e em menos tempo se comparado a Sicrano que não gosta de Matemática. A Física tem pontos em comum com a Matemática, que Fulano já sabe.
E organização se refere também ao ambiente de estudo. Quanto mais acessível o material de estudo estiver, quanto mais organizado, melhor. Por exemplo, o trabalho que você pode ter para pegar um livro pode fazer com que sua motivação diminua.
3) CONCENTRAÇÃO: possuir interesse não significa necessariamente que você estará focado sempre quando necessário. Afinal, situações mais atraentes, como uma partida de futebol, ou ainda, questões de ambiente como barulho, pouca ou muita luz podem surgir durante o seu tempo de estudo, minando completamente a sua concentração. Outro fator prejudicial é o desvio de foco por imaginações que podem surgir ao vermos uma palavra ou figura durante a leitura; acabamos focando mais nessa palavra ou figura e damos as costas para o tema estudado.
“O homem que quiser conduzir a orquestra tem de dar as costas ao público” (Max Lucado)
Absorver várias informações diferentes ao mesmo tempo mina a concentração e prejudica a memorização. Vivemos em um tempo em que há excesso de informações e acabamos querendo consumir o máximo possível disso tudo. Tomamos o café da manhã lendo o jornal, assistindo à TV ao mesmo tempo que navegamos pelas redes sociais através do celular. Contudo, nosso cérebro não gosta da multitarefa. Dra. Carla Tieppo afirma que “quando você não está inteiramente concentrado naquilo, você está dizendo para o seu cérebro que aquela informação não é tão importante para você, e é provável que ela acabe sendo descartada”. Por isso, evite a multitarefa, faça uma coisa de cada vez. Quando estiver estudando, elimine todas as possíveis intrusões – desligue o celular, a TV, feche-se no seu quarto... e concentre-se apenas no estudo.
4) NOVIDADE: as distrações são prejudiciais para o aprendizado, contudo, elas são causadas por um instinto natural do nosso cérebro, isto é, ele gosta de novas informações. Nosso cérebro entende que quanto mais informações tivermos do ambiente no qual estamos vivendo, melhor será a nossa sobrevivência. Da mesma forma que nosso cérebro gosta de rotina, porque de certa forma é sinal que estamos seguros, para essa mesma segurança, ele quer que estejamos atentos às mudanças de ambiente e preparados para lidar com elas. Imagine um homem da selva que rotineiramente pega lenha no mesmo lugar. Certo dia ele ouve um rugido de um leão que está por perto. Se o homem não tiver registradas informações sobre o animal leão, ele continuará fazendo seu trabalho rotineiro e muito provavelmente será pego pelo animal. Sim, a falta de informação pode tornar difícil uma tarefa que seria fácil como também pode nos causar danos irreparáveis ou mesmo a morte.
É por isso que tendemos a ser curiosos. É por isso que aplicativos de mensagens e redes sociais nos prendem, afinal sempre têm algo novo (e possivelmente relevante). É por isso que principalmente notícias ruins e teorias da conspiração tendem a chamar mais a atenção. Por exemplo, diante de uma notícia de um desastre natural que causa muitas mortes, nosso cérebro quer que tenhamos o maior número de informações a respeito para que evitemos estar na mesma situação que causou esse desastre ou saibamos escapar da melhor forma possível. Já teorias da conspiração causam a sensação de que estamos sendo enganados e, portanto, prejudicados de alguma forma.
Vamos fazer uma analogia: repare como em jogos cada nível ou trecho sempre têm algo de novo em relação ao que foi presenciado anteriormente pelo jogador. Desafios novos, gráficos novos, inimigos novos, armas novas, sons novos, uma combinação nova, etc. Se um jogo fosse composto de níveis ou trechos exatamente iguais, muito provavelmente o jogador perderia rapidamente a motivação para continuar a jogá-lo. Então, dentro de um mesmo jogo, do começo ao fim presenciamos uma inovação constante que gera o fator surpresa, que acaba prendendo o jogador no jogo.
“A novidade ajuda a manter a motivação”
Conhecendo essa característica do nosso cérebro, se você tiver dificuldade em se manter focado, faça com que a língua japonesa pareça algo sempre novo, inserindo um elemento novo a cada sessão de estudo. Por exemplo, você pode usar um material didático diferente, estudar um assunto diferente, ler um mangá diferente, assistir a um animê diferente, ouvir e analisar uma música diferente, ler e analisar as notícias do dia, etc. Sempre inove dentro da mesma coisa, no caso aqui do estudo de língua japonesa.
5) REPETIÇÃO: outro pilar da memória e principalmente da automatização é a repetição. Analogamente, se você consegue digitar rapidamente agora, deve se lembrar de como era um “catador de milho” no começo. Entretanto, conforme foi repetindo o ato de digitar – e com o desejo, interesse em dominar a digitação –, gradativamente foi ganhando velocidade, não é mesmo? Ou ainda, já parou para pensar por que não nos esquecemos da nossa língua materna?
Aliás, você precisará desenvolver quatro habilidades para dominar qualquer idioma: (1) ler, (2) escrever, (3) falar e (4) ouvir. Você sabe qual é a “fórmula mágica” para aprender idiomas? Apresentamos a seguir:
➩ para aprender a ler, leia bastante;
➩ para aprender a escrever, escreva bastante;
➩ para aprender a falar, fale bastante;
➩ para aprender a ouvir, ouça bastante.
A repetição precisa se tornar um hábito, ou seja, ela precisa ser feita constantemente, mesmo que a informação já esteja bem memorizada. Como mencionamos anteriormente, nossa memória é naturalmente transitória, pois estamos recebendo novas informações o tempo todo e, para evitar uma sobrecarga e um gasto de energia desnecessário, nosso cérebro precisa constantemente selecionar o que guarda e o que será jogado no lixo. Então, a repetição é uma forma de indicar que, dentre tantas informações recebidas, aquela específica é importante. Quanto mais reativamos uma mesma conexão neural (memória), mais ela se torna firme, sólida.
O contrário também é verdadeiro, ou seja, pode-se dizer que informação não repetida será informação esquecida.
“Quanto mais você revisa, se expõe a algo, mais o cérebro se acostuma com aquela informação e a fixa na memória”
É importante, porém, saber usar a repetição a seu favor. Se mal usada ela pode se tornar vilã, pois o cérebro precisa de tempo para processar uma informação. Não bombardeie seu cérebro repetindo as coisas alucinadamente e/ou com muitas informações ao mesmo tempo! Em 1913, P. B. Ballard, um psicólogo inglês, apontou o que foi chamado de “Fenômeno da Reminiscência”. Esse fenômeno nos indica que a fixação de um conteúdo é maior algum tempo depois do que imediatamente depois de estudar. Por isso, a repetição precisa ser feita com tranquilidade e com um espaço de tempo.
Costuma-se dividir a repetição (ou revisão) em ativa e passiva. A repetição passiva é quando revisitamos a fonte da informação (por exemplo, revejo a lista de vocabulário que estudei ontem). Segundo este artigo do site Guia do Estudante, Alberto Dell’Isola recomenda três passos para lidar com a curva do esquecimento:
1) Nas primeiras 24 horas após a sessão de estudo, para cada leitura de uma hora, faça uma revisão de dez minutos. Ela deve ser feita nesse período de tempo, porque é o momento em que mais perdemos informações e isso será suficiente para “segurar” a sua memória. Para ajudar no processo você pode usar fichas-resumo, reler as informações anotadas no caderno ou gravar trechos da aula para ouvi-los depois.
2) No sétimo dia após a sessão de estudo (ou seja, uma semana depois) dedique apenas cinco minutos para reativar na memória esse material.
3) Ao final de 30 dias, pratique o conteúdo durante 2 a 4 minutos e isso deverá ser suficiente para ajudá-lo a se lembrar novamente do que estudou.
Já a repetição (ou revisão) ativa é aquela em que há o esforço para lembrar de algo sem revisitar a fonte da informação. Observe o exemplo a seguir:
Já há estudos que apontam que a repetição ativa gera melhores resultados, pois é como se o esforço que fazemos para puxar algo da memória (esforço mental) fizesse o cérebro entender: “Puxa, está havendo um esforço para a lembrança de uma informação. Ela é importante!”. Fazendo uma analogia, se a cada vez que Hiroshi perdesse determinado brinquedo, sua mãe lhe desse outro igual, a tendência é Hiroshi se acomodar com relação a esse brinquedo. Porém, se logo na primeira vez que Hiroshi perdesse o brinquedo, sua mãe lhe dissesse “Procure!”, a tendência é Hiroshi dar mais valor para o brinquedo, tomando mais cuidado para não o perder.
Então, procure dar preferência a repetição ativa, usando preferencialmente papel e caneta (ferramenta nº 7), pois com a escrita à mão aumentamos ainda mais o esforço e concentração do cérebro, o que auxilia na fixação da informação na memória. Aliás, você pode usar também a “AUTOEXPLICAÇÃO”, que é você explicar algo para si mesmo, como por exemplo alguma construção gramatical ou mesmo o significado de uma palavra. Ou você pode imaginar que é professor de uma turma e precisa explicar algo para a sua turma (sempre havendo o esforço mental para puxar as informações da memória).
Também, ao revisar o conteúdo, procure começar pelas informações que você achou mais difíceis de guardar. Por exemplo, quando estiver estudando vocabulário poderá colocar as palavras em uma planilha e criar a coluna “NÍVEL DE MEMORIZAÇÃO” com três níveis: “1” para “ruim”, “2” para “médio” e “3” para “bom”. Assim, da próxima vez que fizer a repetição, ordene as palavras pelo nível de memorização, começando com as de nível 1. Alguns, entretanto, dirão que é melhor dar prioridade às informações com nível de memorização intermediário (nível 2) para que elas se tornem informações com nível de memorização alto (nível 3). Já as informações de nível 1 (memorização ruim) devem ser revisadas bem aos poucos, num ritmo menor, exigindo fatalmente mais tempo para serem memorizadas. O motivo é que focar demais naquilo que não se sabe (nível 1) prejudica a memorização daquilo que ainda não está bem fixo na memória (nível 2). Assim, facilmente se entra em um ciclo interminável de alternância entre os níveis 2 e 1, causando a sensação de aprender e esquecer, aprender e esquecer...”. Avalie-se e veja o que é melhor para você. Outra possibilidade é usar o software “Anki”.
Outro ponto que vale ressaltar é que, uma vez que você tenha memorizado de forma satisfatória, é importante misturar as informações a serem revisadas. Por exemplo, observe a tabuada do 4 a seguir:
Veja que a forma como as tabuadas nos são apresentadas segue sempre um padrão. Isso tem um lado bom e um lado ruim: o lado bom é que isso ajuda muito na memorização. O lado ruim é que podemos acabar fixando demais no padrão e condicionando o cérebro a lembrar da informação apenas dentro desse padrão. Idiomas têm a ver com comunicação e comunicação é um processo criativo e interativo. Embora cada língua tenha seus padrões como cumprimentos, expressões idiomáticas e palavras que costumam ser mais usadas com outras específicas, na prática, podemos usar as palavras do jeito que a gente quiser, desde que haja entendimento mútuo. Precisamos estar cientes disso e preparados para esse fato. Por exemplo, se você estiver memorizando palavras por meio de uma lista de frequência de uso (o que recomendamos), uma vez que você tenha memorizado bem as palavras, comece a revisá-las alterando a ordem das palavras a cada revisão. Não deixa de ser também uma forma de verificar se você memorizou bem cada palavra ou acabou na verdade “memorizando o bloco” por causa do padrão de ordenamento. Fazendo uma analogia com a tabuada, todo mundo há de concordar que quem sabe mesmo a tabuada do 4 é capaz de responder, por exemplo, quanto é “4x8” com rapidez e em qualquer contexto.
A repetição é extremamente importante também para o desenvolvimento da fala. Como falar envolve músculos, como todo músculo, os músculos da fala precisam ser estimulados constantemente para que se crie a chamada “memória muscular” Basta pensar nas pessoas que tocam piano e que possuem “memória” nos dedos (o mesmo vale para a escrita). Isso só se adquire com prática e treino; não basta saber como são os sons do idioma que você quer aprender ou ficar só ouvindo. Você precisa treinar os músculos faciais todos os dias!
6) ASSOCIAÇÃO: associar é vincular uma informação a outra já armazenada. Nossa memória usa a associação de modo espontâneo, inconsciente, mesmo que não percebamos. Cada informação em nossa memória está conectada a outras de uma forma ou de outra. Por exemplo, se alguém disser a palavra "maçã", o que vem a sua mente? Talvez algo parecido com isto:
➩ MAÇÃ: vermelha, redonda, doce, árvore, fruta.
“A associação facilita a lembrança”
Suponhamos que você deseja prender uma bicicleta a um poste. Como acha que ela ficará mais segura? Prendendo-a com apenas uma corrente ou usando várias correntes presas a diferentes pontos do poste e da bicicleta? Certamente a segunda opção é preferível, não é mesmo? Assim também é nossa memória: quanto mais associações (correntes) formos capazes de fazer com relação a uma informação, mais ela ficará segura em nossa memória. E há várias formas de associar uma nova informação a algum conhecimento prévio:
➩ associar a lugares;
➩ associar a objetos, de preferência que sejam bem desproporcionais;
➩ associar a movimentos, de preferência rápidos e amplos;
➩ associar a histórias, de preferência engraçadas;
➩ associar a imagens, de preferência que contenham exageros;
➩ associar a cores;
➩ associar a símbolos;
➩ associar a emoções, sejam positivas ou negativas;
➩ associar a músicas ou filmes conhecidos ou que você gosta. Também, crie músicas e paródias. A criação de um padrão rítmico e melódico auxilia a memorização;
➩ associar aos cinco sentidos, sendo que quanto mais sentidos usarmos para aprender a mesma coisa, melhor, pois há uma variação de estímulos para a mesma coisa. Por exemplo, se quisermos memorizar a palavra inglesa “coffee” (café), podemos ler (visão) a palavra e escutar (audição) a pronúncia. Além disso, podemos associar “coffee” ao sabor (paladar), ao cheiro (olfato) e à textura (tato) de café que conhecemos.
Enfim, use sua criatividade!
Se analisarmos bem, é assim que aprendemos nosso idioma materno e novas palavras: pelo uso constante (repetição) das mesmas coisas e buscando, seja instintivamente, seja de forma consciente, uma relação (associação) entre essas coisas nas diferentes situações que vivenciamos. Então, veja como repetição e associação estão intimamente ligadas. Através de associações é que construímos o conhecimento. Observe a figura a seguir que ilustra a importância de construirmos conhecimento e não apenas ter informações soltas:
Uma técnica que você pode usar é a chamada “aprendizagem espaçada”. De forma simplista, é se expor ao mesmo conteúdo por três vezes intercalando intervalos de 10 minutos, sendo que cada uma dessas três exposições tem que ser feita de forma diferente. Por exemplo, ao estudar vocabulário, na primeira exposição você apenas lê em voz alta cada palavra e seu respectivo significado. Na segunda exposição, você pode usar a repetição ativa (tentar lembrar o significado de cada palavra), também em voz alta. Finalmente, na terceira exposição, você pode montar frases com cada uma das palavras recém-aprendidas (buscar associações com o seu conhecimento prévio) e dizê-las em voz alta. Note que destacamos “em voz alta”, porque um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Waterloo, no Canadá, apontou que ler informações em voz alta resulta numa melhor memorização, por se tratar também de uma maneira de estudar ativamente.
Enfim, use sua criatividade! Estimule o seu cérebro!
7) PAPEL E CANETA: você deve estar pensando o quanto isso é inútil nos dias de hoje em que a tecnologia é tão presente, não é mesmo? Entretanto, estudiosos têm mostrado que retemos melhor as informações quando escrevemos à mão do que quando as digitamos. Além de exercitar diferentes áreas do cérebro, como a escrita à mão é mais lenta e exige movimentos distintos, passamos mais tempo em contato com a informação e, por isso, concentrados nela. Também, ao escrever notas à mão, tendemos a ser seletivos, porque não se pode escrever à mão tão rapidamente como quando digitamos. Essa etapa extra de processamento também permite uma retenção e análises mais profundas.
Repare como na frente do computador ou do celular muitas vezes ficamos na superficialidade da informação, seja por que nos distraímos com outras coisas interessantes, seja por que apenas utilizamos o famoso “copia e cola” sem prestar atenção de fato no que estamos copiando e colando.
“O computador nos permite rapidez e a caligrafia nos permite um processamento profundo. É uma questão de descobrir como unir as duas coisas” (Jared Hovarth, do Centro de Pesquisa Científica de Aprendizagem da Universidade de Melbourne)
Como mencionamos anteriormente, assim como um músculo, o cérebro precisa ser estimulado para se desenvolver, para funcionar melhor. Então, apesar de mais trabalhosos, não deixe de lado os métodos manuais de estudo.
8) INTERVALO: tendemos relacionar quantidade à qualidade. Ouvimos com frequência frases como “Nossa, ele passou 8 horas estudando sem parar. Que esforçado!”. Contudo, alternar momentos de estudo e de relaxamento auxilia a memorização. É preferível, por exemplo, repetir o ciclo de estudar por uma hora e logo em seguida relaxar (pode ser tirar uma soneca) a estudar cinco horas seguidas, afinal não conseguimos nos manter focados por muito tempo. O cérebro usa mais glicose do que qualquer outra atividade corporal e se estima que a média de tempo que conseguimos nos manter focados em algo é 60 minutos. Então, avalie-se e procure ter TEMPO ÚTIL de estudo, isto é, aquele período no qual você consegue se manter focado, pois é neste espaço de tempo que você está realmente absorvendo informações.
“Os intervalos são a chave da produtividade”
9) BEM-ESTAR: estar física e psicologicamente bem só há de potencializar as demais ferramentas de aprendizado. Portanto, evite estudar se você não estiver bem, pois poderá ser tempo perdido. Avalie o quão disposto você está para realizar determinada atividade, considerando fatores como horário do dia, nível de energia, etc..
“O pensamento e a memória funcionarão melhor quando a pessoa estiver em boas condições de saúde e, principalmente, descansada” (Fabiana Mendonça, psicóloga)
Também, há estudos que apontam que para ter uma boa memória, é fundamental um sono suficiente e descanso do cérebro. Durante o sono profundo, o cérebro se desconecta dos sentidos, processa, revisa e armazena a memória. Aliás, especialistas recomendam que se faça uma revisão antes de dormir. A insônia, por outro lado, leva a um estado de fadiga crônica e prejudica a habilidade de se concentrar e armazenar informações. Então, procure ter uma boa noite de sono para que o conteúdo estudado seja consolidado com mais facilidade. Além disso, exercícios físicos regulares, especialmente os de natureza aeróbica, ajudam o cérebro a funcionar melhor.
Neurocientistas costumam citar o “quarteto fantástico” da felicidade. Sem usar termos técnicos, são quatro substâncias que quando liberadas proporcionam uma sensação de prazer. Sendo assim, melhoram significativamente o nosso processo de aprendizagem. São elas:
a) Dopamina: relacionada à motivação e foco. É acionada quando você dá o primeiro passo em direção a um objetivo (visando uma recompensa futura) e também quando alcança uma meta ou recebe uma recompensa por uma ação executada;
b) Endorfina: conhecida como um analgésico natural. Sua produção é estimulada pela prática de atividades físicas (aeróbicos e/ou anaeróbicos), de dança, de canto e atividades em equipe ou quando recordamos momentos felizes em nossas vidas;
c) Ocitocina: é relacionada ao vínculo social (físico ou emocional), sendo para alguns a substância mais importante. Ser generoso, cultivar boas relações, ser gentil, abraçar, ser honesto e ter compaixão são atitudes capazes de aumentar os níveis de ocitocina na circulação sanguínea;
d) Serotonina: é considerada um antidepressivo natural, sendo muito importante para o desenvolvimento de redes neurais. Como sua produção se concentra no intestino, ela é favorecida por uma dieta saudável, principalmente rica em triptofano (alimentos como leite, banana, aveia, chocolate, etc.). A exposição ao sol e ouvir a música que você tanto gosta são outras maneiras de aumentar sua produção.
Vale ressaltar também a importância de mais três substâncias:
➩ Acetilcolina: é relacionada à atenção e ao foco. Ela facilita a comunicação entre as células do cérebro e, por isso, quando está em falta, essa comunicação falha e surgem dificuldades em memorizar e aprender. Alguns alimentos ricos em acetilcolina são o ovo, leite, queijo cottage e salmão;
➩ Noradrenalina: é relacionada à atenção e à concentração. Quando há níveis baixos de exigência, o aumento de noradrenalina tende a ser agradável, orientando nossa maneira de pensar e possibilitando maior criatividade na solução de problemas. Entretanto, nos níveis altos de exigência, o aumento exagerado de noradrenalina irá produzir uma baixa eficiência da conduta e ansiedade;
➩ Cortisol: essa substância é muito importante entre outras coisas, por gerar em nós o estado de alerta, o estresse. Imagine o que aconteceria na selva se não nos “estressássemos” ao ver um leão na nossa frente. Não fugiríamos dele ou não lutaríamos com ele. Facilmente seríamos pegos. O problema é que o cortisol tem um efeito devastador para o aprendizado se secretado por períodos longos e em nível elevado. Isso por que causa a perda das ligações entre os neurônios, prejudicando as funções de pensamento mais profundo, memorização e tomada de decisão. Repare como o estresse nos faz agir de maneira extremamente instintiva, dando a sensação que perdemos a racionalidade! Aliás, pode-se dizer que controlar o estresse é um dos maiores desafios do homem moderno. Se vivendo na selva o homem tinha basicamente a preocupação de sobreviver, o homem moderno além de sobreviver (ou para sobreviver) tem uma série de estímulos diferentes e constantes que o “ameaçam”: estudo, trabalho, trânsito, contas a pagar, status, etc..
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Alguns pesquisadores têm chamado o intestino de “segundo cérebro”. Nele, existem cerca de 500 milhões de neurônios e mais de 30 neurotransmissores, incluindo cerca de 50% de toda a dopamina e por volta de 90% da serotonina presentes no organismo. Além disso, dentro de nosso intestino existe uma população de micro-organismos chamada de microbiota capaz de alterar os níveis de várias substâncias e, por sua vez, influenciar o cérebro, afetando aspectos como o sono, humor, etc. Daí vem a importância de se ter uma dieta saudável. Desequilíbrios na microbiota intestinal podem ser evitados com o consumo de probióticos (microrganismos vivos capazes de melhorar o equilíbrio microbiano intestinal) e de prebióticos, isto é, componentes alimentares não-digeríveis que estimulam a proliferação ou atividade de populações de bactérias do bem. Os prebióticos são encontrados em alimentos como banana, maçã, cebola, alcachofra, cereais integrais, etc. Já o consumo excessivo de proteína animal, açúcar e gordura contribui para a diminuição das bactérias boas e aumentos das bactérias ruins.
10) EXPOSIÇÃO VERDADEIRA: como mencionamos ao tratarmos da ferramenta da REPETIÇÃO, você precisará desenvolver quatro habilidades para dominar qualquer idioma: (1) ler, (2) escrever, (3) falar e (4) ouvir. Assim:
➩ para aprender a ler, leia bastante;
➩ para aprender a escrever, escreva bastante;
➩ para aprender a falar, fale bastante;
➩ para aprender a ouvir, ouça bastante.
Não há como fugir disso! Contudo, façamos uma analogia: você confiaria em um motorista que se expôs constantemente a um carro e a uma estrada, mas a um carro de brinquedo e a uma estrada feita em casa? Em outras palavras: que praticou constantemente o ato de dirigir, mas usando um carro de brinquedo em uma estrada de mentirinha? Provavelmente, não! Isso por que um carro de brinquedo e uma estrada feita na própria casa não reproduzem, ainda que possam ter algumas semelhanças, um carro real e os desafios de uma estrada do mundo real.
Essa analogia pode parecer meio maluca, mas infelizmente muitos estudantes de idiomas acabam se tornando como o motorista que citamos. A prática precisa ser constante, mas não é só isso. A prática precisa ser condizente com aquilo que se faz no mundo real. Sendo assim:
➩ Não adianta ler constantemente, lendo materiais que não são voltados para os nativos;
➩ Não adianta escrever constantemente, escrevendo de uma maneira que um nativo não escreveria;
➩ Não adianta falar constantemente, falando de um modo que um nativo não falaria;
➩ Não adianta ouvir constantemente, ouvindo materiais feitos para estudantes;
➩ Não adianta falar, ler ou “ouvir” constantemente as pessoas, usando aplicativos e tradutores eletrônicos.
Sim, assim como o motorista que citamos, você pode se expor constantemente, mas se expor constantemente de uma maneira errada. Certamente, você já se deparou com situações em que não conseguiu compreender uma palavra ou expressão dita por um nativo, e ao vê-la no papel você se frustrou ao saber que você já a conhecia. Isso acontece, porque muitos estudantes acabam se expondo ao idioma de maneira errada. Assim, fatalmente o cérebro vai considerar que aquilo que se aprendeu e praticou (de maneira errada), é o praticado pelos nativos no mundo real.
Como já mencionamos o nosso cérebro funciona como um banco de dados de experiências vividas. Ora, um banco de dados é dependente dos dados que recebe. Se um banco de dados é alimentado, por exemplo, com dados de espécies de plantas, não podemos esperar que esse mesmo banco de dados nos dê informações sobre espécies de peixes!
Um banco de dados não é mágico! Um banco de dados não analisa ou cruza qualquer tipo de dado! Um banco de dados trabalha somente com os dados que recebe! Se o alimentamos com dados insuficientes ou incorretos, ele nos dará informações insuficientes ou incorretas. Se inserimos dados sobre espécies de plantas, todo o trabalho do banco de dados será tão somente em cima de dados sobre espécies de plantas! É um ciclo.
Assim também funciona o nosso cérebro: através de ciclos nos quais tudo dependerá da qualidade e quantidade das informações inseridas em nosso banco de dados de experiências vividas. Se o alimentamos com informações não condizentes com o “mundo real”, todo o trabalho de análise e/ou cruzamento de dados será mal feito, pois é no mundo real que vivemos e é aos desafios do mundo real que estamos expostos!
Mesmo em nossa língua nativa nós só entendemos aquilo ao qual já fomos expostos e algo que atesta isso é o fenômeno chamado no Brasil de "VIRUNDUM". Trata-se de uma percepção imprecisa de uma frase ou conjunto de palavras. Um exemplo é a música “A Noite do Prazer”, de Cláudio Zoli, na qual a frase de seu refrão “Tocando B.B. King sem parar” costuma ser interpretada como “Trocando de biquíni sem parar”.
Isso ocorre justamente por que o cérebro só entende as coisas conforme os dados que constam no banco de dados de experiências passadas. Ou seja, se uma letra de uma canção usa palavras ou frases com as quais o ouvinte não está familiarizado, elas podem ser mal interpretadas como usando termos mais familiares.
“Exponha-se constantemente e de forma correta a cada uma das quatro habilidades!
Imagine-se como um nativo da língua que você está estudando. Nativos não aprendem sua língua materna através de matérias direcionados a estudantes estrangeiros! Leia materiais que os nativos leem (revistas, jornais, mangás, etc.). Procure se socializar com nativos. Procure ter contato com comunidades de japoneses em sua cidade. Procure ter contato com japoneses na internet. Procure falar como os nativos falam. Procure ouvir da forma natural que os nativos ouvem. Procure escrever da maneira que os nativos escrevem. Se sentir dificuldade com revistas, jornais e livros para nativos, aja da mesma forma que fizemos no nosso processo de aprendizagem da nossa língua materna, isto é, comece consumindo materiais direcionados a crianças (nativas!) e vá dificultando aos poucos até chegar ao ponto de eliminar completamente o português dos seus estudos!
Apesar de tentadores, não use aplicativos e tradutores eletrônicos como intermediários principalmente entre você e um nativo. O único prejudicado será você mesmo. Acredite! No quesito comunicação, nenhuma máquina substitui o poder de nosso cérebro e o nosso poder de interação com as outras pessoas! Além de aplicativos e tradutores eletrônicos não serem 100% confiáveis, podendo até mesmo causar mal-entendidos por alguma tradução errada, quem precisa ser capaz de entender as coisas, de se comunicar é VOCÊ. Usando aplicativos e tradutores eletrônicos como intermediários quando você tem a oportunidade de interagir com um nativo (ou texto), o que diferenciaria você de alguém que nunca estudou uma língua, mas que usa aplicativos e tradutores eletrônicos só para quebrar o galho em situações de necessidade?
Não se sabote! Dê valor às suas horas dedicadas de estudo! Dê valor aos seus esforços! Pratique cada habilidade (falar, ouvir, ler e escrever) corretamente e com foco e concentração. Por exemplo, para melhorar sua habilidade de ouvir, você tem que ouvir verdadeiramente. Você tem que escutar com foco e atenção. Ouvir passivamente (fazendo outras coisas ao mesmo tempo) não trará bons resultados.
A exposição verdadeira é fundamental, pois é no mundo real que vivemos e é no mundo real que os nossos talentos e conhecimentos serão colocados à prova!
Muitos estudantes acabam se fechando na bolha da exposição de mentirinha. Ela é cômoda e pode nos dar a sensação de que estamos progredindo. Porém, cedo ou tarde essa bolha do “faz-de-conta” estourará e seremos inevitavelmente colocados à prova. Aí nos daremos conta de que nada (ou muito pouco) do que fizemos dentro da bolha serviu concretamente e nos sentiremos completamente despreparados para enfrentar os desafios que concretamente se apresentam a nós. Por isso, apesar de ser mais trabalhoso e incômodo, procure o quanto antes se expor constante e verdadeiramente ao idioma do "mundo real"!
11) DESTEMOR: quando se trata de aprender um novo idioma, o medo é natural, pois comunicação é algo que não se restringe à teoria; é preciso pôr em prática no mundo real esse conhecimento prévio teórico interagindo com pessoas reais. Existe aquele receio de errar e ser julgado. Porém, já se perguntou o motivo de normalmente as crianças aprenderem idiomas com mais facilidade? A resposta essencialmente é: o receio de errar e ser julgado geralmente é coisa dos adultos. A criança não fica pensando nas dificuldades do seu idioma materno ou no que os outros dirão se ela se expressar de maneira equivocada. Para ela tudo é uma diversão, uma brincadeira.
Quanto mais você demorar para se expor, pior será e mais cedo a frustração aparecerá. Se você não se expõe por que acha que não está preparado, então, você nunca se sentirá preparado. Não devemos ficar bons no japonês para aí sim conversar com nativos. Devemos conversar com nativos para aí sim ficarmos bons no japonês! Somente se expondo é que você será capaz de verificar realmente o que precisa melhorar. Expor-se, acertar, errar, ser corrigido, corrigir-se, expor-se novamente... esse é o processo, esse é o ciclo e não há como evitar essas etapas. Aliás, foi assim que nos tornamos fluentes em nossa língua nativa quando éramos crianças!
“Evitar se expor por receio de errar e ser julgado é o mesmo que deixar de aprender”
Nem todos, porém, têm esse destemor de se expor, nem todos sabem lidar com o receio de errar e se julgado. O que fazer então? Fato é que não há como fugir da necessidade de se expor ao japonês do “mundo real” e da possibilidade de errar, se você quiser realmente aprender. Se o receio está em ser julgado pelos nativos por conta dos erros que cometer, então, procure o quanto antes fazer amizades com nativos (um só é suficiente) que, sabendo que você está em processo de aprendizado, não te julguem pelos erros, mas sim estejam dispostos a corrigi-lo e a incentivá-lo. Aliás, você pode começar procurando japoneses que estejam aprendendo português. Assim, ambos podem se ajudar. Desse modo, você irá ganhando confiança, experiência e se sentirá seguro para lidar com pessoas desconhecidas.
Segue um interessante relato feito no Fórum Quora:
Sou um falante nativo de inglês que aprendeu a falar português como adulto, sem nunca ter vivido em um país de língua portuguesa. O segredo foi fazer aulas com falantes nativos e conversar online todos os dias com falantes nativos. A interação com falantes nativos é a chave – você não precisa viver onde eles vivem, só precisa falar com eles. Depois de ter aprendido a falar português, fui morar e trabalhar no Brasil. Lá, recebi muitos elogios dos meus colegas de trabalho pelo meu português. Eu falo com sotaque, mas todos me entendem. Uma vez, um amigo repórter me pediu para substituí-lo como tradutor. Eu não sou um tradutor e relutava em aceitar, mas era urgente. Então, acabei servindo como tradutor para um ministro do governo brasileiro em uma entrevista com um repórter dos Estados Unidos. A entrevista começou com uma hora de atraso porque o ministro estava se reunindo com o presidente. Mas, quando finalmente aconteceu, correu muito bem. Uma coisa sobre aprender um idioma como adulto - você tem que estar disposto a cometer erros. Por exemplo, em português, ao contrário do inglês, todos os substantivos têm um gênero. Existem padrões, mas às vezes você simplesmente não vai saber com certeza o gênero de um substantivo específico. Tudo bem. O que mais importa é que as pessoas entendam você, não que você fale perfeitamente. |
Pontos que destacamos desse valioso relato:
➩ A interação com falantes nativos é a chave;
➩ Você tem que estar disposto a cometer erros;
➩ O que mais importa é que as pessoas entendam você, não que você fale perfeitamente.
O destemor significa não ter receio de se expor, errar, ser julgado e perder oportunidades. Em outras palavras, significa não ter receio de ser rejeitado.
Contudo, temos uma notícia para dar a você:
“VOCÊ CERTAMENTE SERÁ REJEITADO!”
Como já sabemos, o nosso cérebro deseja que sobrevivamos da melhor forma possível no ambiente em que estamos inseridos. O trecho “da melhor forma possível” significa que consciente ou inconscientemente procuramos as melhores oportunidades possíveis. Mas não é só isso! Procuramos também as melhores PESSOAS possíveis.
O psicólogo Rafael Ayres diz que “tudo o que você faz, você só faz se tem um ganho secundário. Ainda que o ganho secundário seja disfuncional a você, ele tem que existir. (...) Todo comportamento só se mantém para a ciência se tem um ganho secundário”.
Abordaremos essa questão mais adiante, mas o importante aqui é entender que o comportamento humano pode ser definido através do famoso ditado popular “Não existe almoço grátis”, ou seja, para que haja um comportamento, precisa haver um ganho para a pessoa, como diz Rafael Ayres. Essa noção do que é recompensa, contudo, varia de pessoa para pessoa, sendo uma questão individual. Para alguns, a recompensa está em fatores externos como dinheiro, fama ou mesmo uma possível grande recompensa futura (por isso pessoas jogam na loteria ou apostam muito dinheiro em jogos de azar, por exemplo). Para outros, a recompensa está em fatores internos, como a satisfação pessoal em realizar algo ou encarar a felicidade de alguém como um prêmio por seus atos.
Cientes disso e analisando friamente, podemos dizer que a ideia (do senso comum) de que pessoas podem agir de forma incondicional (por exemplo, amar) não é verdadeira, pois no mínimo alguma recompensa interna (como o prazer em dar amor) ou uma possível grande recompensa futura (como entrar no paraíso ou abreviar o ciclo reencarnatório, por exemplo) existe.
Então, TODO relacionamento humano envolve TROCA de alguma forma. Daí vem o que dissemos acima, isto é, “Você certamente será rejeitado!”, afinal não teremos sempre aquilo que o outro procura! (lembre-se: a noção de recompensa, correta ou equivocada, é uma questão sempre individual).
Aprender a ser rejeitado, o que não significa achar isso legal, é necessário, pois isso é algo inevitável. Ter isso em mente nos ajuda a estarmos sempre abertos ao aprendizado, ao autoconhecimento e a mudarmos comportamentos atuais que podem ser nocivos. Afinal, não deveríamos chegar a uma pessoa ou grupo de mãos vazias e/ou para atrapalhar. Todos podem contribuir de alguma forma, desenvolvendo um “poder de contribuição” e o aprimorando constantemente. Saber QUEM somos, o que QUEREMOS e o que podemos OFERECER (afinal precisa haver troca) é o primeiro passo se quisermos ser acolhidos pelos outros.
Talvez você seja rejeitado porque não sabe nem quem você é ou o que você deseja de fato. Ou, talvez, porque não quer oferecer nada a ninguém (às vezes nem mesmo um bom tratamento/comportamento). Assim, você estará procurando pessoas no lugar errado, além de não proporcionar nenhum benefício aos outros (nem mesmo o prazer por estarem com você). Também é importante dizer que a rejeição nem sempre é reflexo de você, mas sim da outra pessoa, que ainda não sabe quem é, o que deseja ou nada quer oferecer aos outros.
Com base nisso, estas perguntas podem ajudar a diminuir o risco de rejeição. Lembrando que a outra parte também deveria refletir sobre estas questões:
➩ Quem sou eu?
➩ O que realmente desejo?
➩ De quais tipos de pessoas preciso?
➩ Possuo atualmente algum poder de contribuição?
➩ Estou realmente disposto a exercer meu poder de contribuição com as pessoas que me acolherem?
➩ Estou realmente disposto a entender quais são as necessidades das pessoas que me acolherem?
➩ De algum modo, o meu poder de contribuição é realmente capaz de satisfazer as necessidades das pessoas que procuro?
Se houver algum “NÃO” nas quatro últimas perguntas, provavelmente você será rejeitado em algum momento. É claro que se por algum motivo de força maior (e somente nesses casos, pois as pessoas percebem o parasitismo!) o seu poder de contribuição for muito baixo ou nulo, é recomendável procurar por instituições filantrópicas ou religiosas, pois teoricamente nesses ambientes há pessoas cuja recompensa está no prazer em ajudar e/ou em algo vindouro.
E sobre aceitação e rejeição, não há como negar o fator PRECONCEITO. Como mencionamos anteriormente, o nosso cérebro tende a generalizar em suas análises feitas a partir de experiências vividas (pré-conceitos), pois este é o caminho mais fácil e mais rápido e fazia todo o sentido no ambiente selvagem, no qual passamos a maior parte de nossa existência como espécie. Novamente, tenha em mente a afirmação de Hao Li, neurologista do Salk Institute:
“Do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”
Neste sentido, podemos dizer que TODOS NÓS somos preconceituosos, pois só podemos analisar o mundo e as pessoas com base nas informações que adquirimos ao longo da vida. A questão é apenas se tendemos a generalizar algo ou alguém de maneira positiva (a partir de pré-conceitos positivos) ou de maneira negativa (a partir de pré-conceitos negativos).
Um exemplo de generalização positiva é considerar que “produtos eletrônicos estrangeiros são bons” (pré-conceito positivo). De forma contrária, podemos fazer uma generalização negativa, considerando que “produtos eletrônicos feitos no Brasil são ruins” (pré-conceito negativo). A generalização negativa é o que na prática chamamos de preconceito, discriminação e é ela infelizmente que faz com que, frequentemente, fechemos os olhos para as qualidades daquilo que generalizamos negativamente.
Por mais difícil que seja aceitar isso, é preciso entender esse mecanismo, pois a generalização negativa (ou preconceito, como chamamos) faz com que muitas vezes nossas contribuições e qualidades concretas sejam ignoradas e sejamos rejeitados apesar delas!
Portanto, uma pergunta que você também deve fazer é esta:
➩ O grupo em que estou tentando me inserir possui algum PRECONCEITO com relação a mim por causa de alguma característica minha? Este grupo ou pessoa faz alguma generalização negativa com relação a tatuagens, piercings, gosto musical, modo de se vestir ou, por exemplo, diante de pessoas com alguma deficiência?
Como instintivamente tendemos a procurar a confirmação de nossas próprias crenças e não a questioná-las, se a resposta a esta pergunta for POSITIVA, infelizmente é muito provável que você será rejeitado, apesar de suas contribuições e/ou talentos. Neste cenário, pessoas são capazes de se apegar a coisas pequenas para dar razão a elas mesmas. Sendo assim, nestas circunstâncias, cremos que o melhor a se fazer é buscar outro ambiente (ou pessoas), pois você estará jogando sementes em um terreno infértil.
Finalmente, reflita: ao não nos expormos por causa do receio de sermos rejeitados, nós JÁ estamos sofrendo agora mesmo os mesmos efeitos da rejeição, isto é, a perda de oportunidades. Logo, não deveríamos ter receio de nos expormos e correr o risco de errar, ser julgado e perder oportunidades! Em outras palavras: não temos nada a perder ao correr o risco da rejeição e, por causa disso, perder oportunidades, pois não fazendo nada agora, nós JÁ estamos perdendo oportunidades!
12) AMBIENTE DE RECOMPENSAS: nós somos seres naturalmente sociais, portanto, pode-se dizer que consciente ou inconscientemente buscamos ser bem vistos pelos outros, desejamos ter boa fama. Da necessidade de sobrevivência surge a necessidade de interação com as outras pessoas, sendo que essa interação é, consciente ou inconscientemente, muitas vezes seletiva. Em outras palavras, dificilmente nos relacionamos com pessoas que não tenham alguma característica pessoal dentro do aceitável considerando os valores de uma sociedade ou de um ambiente específico. Dificilmente nos relacionamos com pessoas que não tenham algo em comum conosco (visão de mundo, gostos, metas, etc.). O famoso ditado “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és” ilustra bem a tendência que temos de nos moldarmos de acordo com o ambiente (ou pessoas) com o qual estamos interagindo ou queremos interagir ou, ainda, o fato de escolhermos o ambiente (ou pessoas) que melhor acolha o nosso jeito de ser. Tudo isso por que buscamos a aceitação, a boa fama diante dos demais.
Instintivamente, tendemos a depositar nossa confiança em pessoas que tenham (ou pelo menos aparentam ter) a mesma visão de mundo, gostos, metas, etc. que nós, porque elas se tornam previsíveis, passando assim segurança. Em qualquer tipo de relacionamento, TODOS NÓS gostamos de segurança, de estabilidade. Ora, se uma pessoa pensa ou age muito diferente de nós estando nas mesmas situações, ela se torna imprevisível, uma caixinha de surpresas e possivelmente uma ameaça. Torna-se, portanto, uma pessoa não confiável. Neste sentido, poderíamos dizer que em termos práticos raramente haverá uma aceitação incondicional, pois, ainda que pessoas não tenham coisas em comum, valerá sempre a regra básica de convívio social, isto é, não prejudicar (seja como for) o outro.
Note que grifamos a palavra “aparentam” no parágrafo anterior, porque estudos têm mostrado que instintivamente precisamos de apenas alguns segundos para elaborarmos uma primeira impressão sobre uma pessoa, sendo que essa primeira impressão é a que fica. Podemos dizer que existem três “primeiras impressões”:
➩ A pessoa trará algo positivo: sendo vista como alguém que possivelmente trará algum benefício (seja qual for), as chances de ela ser acolhida pelo outro são muito grandes;
➩ A pessoa trará algo negativo: sendo vista como alguém que possivelmente trará algum prejuízo (seja qual for), as chances de ela ser rejeitada pelo outro são muito grandes;
➩ A pessoa é neutra: sendo vista como alguém que não trará nada negativo, mas também nada positivo, essa pessoa muito provavelmente será colocada no grupo daqueles com quem apenas convivemos por força das circunstâncias, como por exemplo, um colega de sala de aula.
Ainda, costuma-se apontar três critérios que usamos (in)conscientemente para a formulação de um julgamento sobre alguém:
(1) A disposição externa: trata-se de características externas capazes de despertar na outra pessoa simpatia e segurança considerando seus valores e crenças, como o sorriso ou a maneira de se vestir associada a alguma profissão ou grupo estimados por essa pessoa. Se a disposição externa causar antipatia ou insegurança, tendemos a já rejeitar o outro;
(2) As primeiras palavras e primeiros gestos: satisfeito o primeiro critério, tendemos a analisar as primeiras palavras e primeiros gestos da pessoa como forma de confirmação para a disposição externa. Ora, pode acontecer de uma pessoa ter uma disposição externa que desperta simpatia e segurança, mas isso não se sustentar por causa de suas primeiras palavras e primeiros gestos, tais como a arrogância e o não saber ouvir;
(3) O conteúdo: servindo também como forma de confirmação para a disposição externa, trata-se basicamente das crenças e valores da pessoa, bem como suas perspectivas para o futuro. O conteúdo também pode fazer com que a simpatia e a segurança transmitidos pela disposição externa não se sustentem. Ora, todos nós buscamos estabilidade em nossos relacionamentos, portanto, a previsibilidade é algo (in)conscientemente desejado.
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Além disso, Ana Daniela Coentrão Dourado, em seu artigo apresentada à Universidade Fernando Pessoa para obtenção do grau de Mestrado em Psicologia do Trabalho e das Organizações, cita aspectos que influenciam na primeira impressão:
➩ Familiaridade: A exposição frequente a uma pessoa pode aumentar nosso apreço por ela;
➩ Proximidade: Tendemos a formar relações mais fortes com pessoas que estão geograficamente próximas de nós;
➩ Semelhança: Gostamos mais de pessoas que compartilham características semelhantes às nossas, como personalidade, atitudes e valores;
➩ Aparência física: A aparência física desempenha um papel crucial na formação de estereótipos. Pessoas atraentes são frequentemente vistas como mais sexualmente atraentes, impressionantes, sensíveis, amáveis, interessantes, fortes, equilibradas, modestas e sociáveis;
➩ Qualidade do humor: Um humor positivo facilita a construção de percepções positivas, enquanto um humor negativo tende a resultar em percepções negativas.
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Geralmente, essa primeira impressão é difícil de ser mudada, pois costumamos nos apegar às nossas convicções ao ponto de muitos negarem a realidade para darem razão a si mesmos. Contudo, aqui nasce um problema: de certa forma, esse julgamento baseado nas primeiras impressões envolve muito mais imaginar e apostar com base nas próprias crenças e valores do que conhecer alguém de fato.
É claro que essa tendência humana de elaborar um julgamento do outro rapidamente e com base em critérios tão superficiais pode ter tido sua utilidade em tempos passados. Em meio à hostilidade do ambiente selvagem e à escassez de recursos relacionados à sobrevivência, não podíamos perder tempo fazendo reflexões complexas sobre o caráter de alguém ou arriscar nos relacionar com pessoas que aparentemente não atendiam às nossas crenças e valores. Afinal, podiam ser predadores! Então, dado o contexto, era preferível rejeitar, ainda que injustamente, quem não inspirasse confiança e segurança e nos cercar apenas de pessoas que se encaixassem em nossas crenças e valores. Como afirmamos no tópico “Pensamentos Saudáveis”, o cérebro gosta de certezas, pois entende que não são as certezas que nos ameaçam, mas sim as incertezas e o desconhecido.
Embora o contexto atual seja outro, ainda conservamos essa tendência, sendo que uns têm esse aspecto mais realçado do que outros, a depender do ambiente que estão inseridos. Uns são abertos ao desconhecido e outros preferem se apegar as suas certezas, mesmo que concretamente equivocadas. Tal fato pode ser (e geralmente acaba sendo) um fator limitador para o aprendizado, pois é como se isso ativasse em nós o instinto de autopreservação, desenvolvendo o receio de nos expormos, errarmos e sermos julgados pelos outros. Afinal isso pode acarretar em sermos mal vistos e ter as portas fechadas para oportunidades (ainda que injustamente).
Embora o ideal seja moderar essa busca pela boa fama (não podemos ser extremamente dependentes disso), como isso nem sempre é fácil e rápido, sugerimos uma forma de você usar essa característica natural como potencializador do aprendizado. Para tanto, procure se inserir no que chamaremos de “Ambiente de Recompensas”, isto é, procure se cercar de pessoas (o ideal é que nesse grupo de incentivadores haja falantes nativos) que o ajudem a desenvolver o seu potencial; que enxerguem as suas qualidades. Um ambiente no qual reinem os incentivos mútuos e, por ventura, haja críticas realmente construtivas (chamemos de “sugestões”) e não as críticas destrutivas e/ou a competição.
Receber uma recompensa como um elogio, incentivo, ou prêmio por algo bom e bem feito faz com que nós tenhamos sensações e sentimentos bons, como prazer, felicidade e euforia, não é mesmo? Ora, isso está ligado ao neurotransmissor dopamina, que modula diretamente a nossa motivação, interesse, atenção e, consequentemente, potencializa nossa retenção e aprendizado. Como ensina Andrei Mayer, professor e neurocientista da UFSC, “a dopamina sinaliza para o cérebro que algo muito importante aconteceu; o cérebro entende ‘então, vamos fazer de novo!’. A partir daí, muda-se o circuito cerebral, fazendo a pessoa querer mais, a buscar mais. Gera aquela força quase que mágica que a gente chama de motivação”. No caso de aprendizado de japonês, é como se a dopamina fizesse o cérebro entender: “Aprender japonês realmente é bom! É muito importante!! Como me faz sentir bem, vamos continuar com o aprendizado!!”. Esquematizando, teríamos:
Não nascemos cada um em uma ilha com todos os recursos necessários para a nossa sobrevivência e gostos. Nascemos e vivemos em sociedade, no meio de pessoas, cada uma com suas qualidades e limitações. Interagir com pessoas boas e construir relações saudáveis com elas é uma das habilidades mais importantes da vida, afinal ninguém neste mundo é autossuficiente (embora haja quem acha que seja). Segundo o neurocientista Andrei Mayer “se tem uma coisa que o cérebro odeia – e nós somos programados para odiar isso – é isolamento social”. E não se trata apenas de isolamento social de fato, mas também da sensação de isolamento, isto é, estar rodeado de pessoas e mesmo assim se sentir sozinho. Ainda, o psicólogo Wataru Nishida, da Universidade Temple de Tóquio, afirma que “o isolamento é o fator número um que antecede a depressão e o suicídio".
Seja estar isolado de fato ou apenas ter a sensação de estar sozinho geram muito estresse (causado por uma situação de ameaça PRESENTE) e ansiedade (causada por uma possível situação de ameaça FUTURA). É claro! No fundo uma pessoa sabe que estando (ou se sentindo) sozinha, os desafios (presentes ou futuros) da vida serão sempre uma ameaça; ela sabe que tem limitações (mesmo que não admita). Isolada e diante das diversas adversidades com as quais não consegue lidar devido as suas limitações, a pessoa tende a ir perdendo a esperança ao mesmo tempo que se vê incapaz de pedir ajuda ou acha que não será ouvida por ninguém.
Facilmente percebemos que quando unimos nosso esforço pessoal com o esforço pessoal de outras pessoas – estar em um ambiente de recompensas – nós nos sentimos muito mais motivados! É claro! Se o isolamento social (ou a mera sensação de isolamento) nos faz sentir inseguros, mais fracos com relação aos desafios presentes e futuros da vida, estar acompanhado de pessoas certas nos dá maior segurança para enfrentar os desafios que aparecerem pela frente! Nós nos sentimos muito mais fortes!
Relações sociais saudáveis geram em nós o sentimento de pertencimento, isto é, passamos a nos sentir como parte importante de um todo. Daí nascem a confiança e o respeito mútuos. Isso faz com que cada pessoa entenda que precisa dos talentos dos outros. Faz ela entender que para que ela esteja bem, os outros precisam estar bem também. E nesta troca saudável, sem atitudes interesseiras (se quer ser ajudado, esteja disposto a ajudar também), auxiliamos as pessoas a chegarem onde desejam e somos ajudados por elas a alcançar nossos objetivos.
Dificilmente as pessoas se motivam através de críticas, por isso, evitemos ao máximo fazer críticas! Pense que uma crítica pode levar segundos para ser feita, mas pode levar uma eternidade para ser esquecida por quem a recebe! Sim, podemos “matar” uma pessoa por meio de palavras ditas de forma inconveniente! Nosso cérebro quer fugir da dor e buscar o prazer, então, tende a cravar críticas na memória como sinal de alerta e o crítico passará a ser visto como uma ameaça a ser evitada. Por essa razão, crítica tende a gerar desconfiança (com relação a si mesmo e aos outros) e o afastamento entre as pessoas. Procuremos, então, motivar as pessoas através do afeto, acolhimento, reconhecimento das qualidades, dos esforços que elas têm feito e dos bons frutos que elas têm colhido por suas boas escolhas! Isso é o que gera confiança entre seres humanos! Para que o outro nos ouça, primeiro ele tem que sentir que queremos o seu bem! Tomemos cuidado com nossas palavras e atitudes e busquemos constantemente refletir sobre esses aspectos!
Faz parte do senso comum a ideia de que a aceitação incondicional é algo virtuoso e que incluir a palavra “TROCA” em relacionamentos necessariamente é sinônimo de ser interesseiro, ser uma pessoa má. Contudo, são justamente essas crenças que conduzem a relacionamentos tóxicos. Entender que via de regra não existe aceitação incondicional pode ser difícil, mas ao mesmo tempo nos ajuda a sermos pessoas melhores, a refletirmos constantemente sobre nossas ações e a estarmos em constante evolução.
No fundo, uma pessoa que pensa que ela NÃO DEVE NADA a ninguém e que os outros são OBRIGADOS a aceitá-la do jeito que ela é, INCONDICIONALMENTE, mesmo que ela cause danos, apenas quer SERVOS que satisfaçam suas vontades. Não está disposta a retribuir verdadeiramente, desejando apenas PARASITAR os outros. Ora, biologicamente falando, se o cérebro quer que sobrevivamos da melhor forma possível, por que ele nos faria aturar alguém que constitui um prejuízo a nossa sobrevivência?
Por essa razão, a regra “não prejudicar (seja como for) o outro” se torna como que a CONDIÇÃO MÍNIMA para a construção e a continuidade de relacionamentos saudáveis. Se desejamos ter relacionamentos saudáveis, precisamos ser PRIMEIRO uma pessoa saudável emocionalmente e uma pessoa ética. Não constituir uma ameaça (física, emocional, material, etc.) é o mínimo que podemos dar em troca ao outro.
O problema não está em falar em “TROCA”, afinal todos nós nos relacionamos buscando a melhoria em algum aspecto da vida; o problema está na ausência total ou na desproporcionalidade intencional das trocas. Por exemplo, uma pessoa deseja muito adquirir um Playstation 5. Ela tem o dinheiro para comprar, mas não quer gastar. Então, propõe ao vendedor trocar o Playstation 5 por um lenço que ela carrega no bolso. Obviamente, o vendedor se recusa dada a desproporcionalidade intencional da oferta (a pessoa tem o dinheiro, mas não quer gastar). Irritada, a pessoa sai da loja dizendo que o vendedor é uma pessoa má.
Ora, mas o vendedor não está errado em querer “trocar” o Playstation 5 apenas pelo devido valor monetário dele. É claro que o vendedor poderia agir com GENEROSIDADE, abrindo mão do justo valor monetário devido, mas o comprador não pode exigir generosidade do vendedor, afinal generosidade deve ser algo livre e espontâneo. Ambos podem, no entanto, exigir reciprocidade. É simples: a pessoa dá o devido valor monetário e o vendedor dá o Playstation 5.
Esse exemplo é meio exagerado, mas ilustra uma das características do relacionamento tóxico: a falta de reciprocidade. Isso sim é ser INTERESSEIRO, isto é, o buscar atender somente os próprios interesses, geralmente agindo maliciosamente, sem se importar com o outro, que também tem interesses a serem atendidos. O exigir absolutamente tudo das pessoas, mas se achar no direito de intencionalmente dar muito pouco (ou absolutamente nada) a elas. O sempre exigir GENEROSIDADE dos outros por julgar que os outros têm tudo e de sobra ao contrário da pessoa, que constante e maliciosamente se coloca como alguém vulnerável.
Por outro lado, em relacionamentos saudáveis, a ética, o respeito mútuo, o senso de limites e a reciprocidade (“trocas saudáveis”) são aspectos constantes e espontâneos. Aliás, em relacionamentos saudáveis a generosidade aparece espontaneamente. No “amar o próximo como a si mesmo" existe um comparativo de IGUALDADE, indicando a importância da RECIPROCIDADE entre as partes. Assim como uma pessoa se ama, cuida de si mesma e tem necessidades próprias a serem supridas, o OUTRO também precisa ser amado, precisa ser cuidado e tem necessidades próprias a serem supridas. Qualquer desequilíbrio intencional ou anulação de partes nessa dinâmica é tóxico.
Isso não tem a ver com exigir perfeição da parte dos outros. Ninguém é perfeito e é justamente por isso que precisamos nos relacionar com outras pessoas, isto é, para que nossas necessidades sejam supridas e supramos as necessidades dos outros. Porém, precisamos ter consciência que todos nós somos um misto de luz e escuridão, exercitar constantemente em nós pelo menos atitudes mínimas e exigir isso dos outros para que haja relacionamentos saudáveis. Observe a ilustração abaixo:
Fazendo uma analogia com jogos, para que um jogo rode em um computador, é necessário que o computador tenha pelo menos os requisitos mínimos exigidos pelo jogo. Na figura acima, comparamos uma configuração de um computador da década 1990 com os requisitos mínimos exigidos pelo jogo Red Dead Redemption 2, lançado em 2018 sendo considerado um dos mais pesados da atualidade. Ora, não faria nenhum sentido querer rodar esse jogo em um computador da década de 1990, não é mesmo? Para um vaga de emprego, para entrar em um time de futebol profissional, etc. são necessários requisitos (ou habilidades) mínimos (não perfeição!) da parte da pessoa. E para relações sociais saudáveis também. Aliás, relacionar-se saudavelmente com pessoas não deixa de ser uma habilidade que muitos infelizmente ainda não possuem ou não querem exercitar.
Fazendo outra analogia, todo produto busca suprir uma necessidade de seu público-alvo. Uma empresa busca aumentar seus ganhos com o dinheiro de seus consumidores oferecendo a eles algo que lhes falta e os consumidores compram o produto para suprir essa necessidade. Há aqui uma relação de troca entre a empresa e seus consumidores.
Para conquistar consumidores, a empresa investe em ações de marketing para que seu produto se torne conhecido. A empresa pode, então, optar por aquilo que chamaremos de marketing saudável ou marketing malicioso. Assim:
➩ Marketing saudável: foco nas qualidades concretas do produto, mostrando com dados concretos e facilmente atestáveis que o produto realmente supre a necessidade dos consumidores. O consumidor pode atestar no presente momento a veracidade da oferta;
➩ Marketing malicioso: foco em promessas, cuja veracidade da oferta é difícil de ser atestada com dados concretos e no presente momento. São usados (veladamente) recursos de manipulação como ameaças, uma recompensa extremamente alta e ridicularização para constranger o consumidor e ele compre o produto.
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Diz o ditado: “De médico e louco todo mundo tem um pouco”, mas acrescentaríamos aqui a palavra “VENDEDOR”. Isso por que não devemos apenas esperar que as pessoas reconheçam nossas qualidades e talentos! É muito importante que saibamos “vender” com habilidade nossas qualidades e talentos. E já que podemos comparar nossas qualidades e talentos com produtos, precisamos nos atentar a alguns aspectos para otimizar nossas vendas:
➩ SER CONHECIDO: o produto mais precioso do mundo não seria comprado se ele permanecesse oculto da vista das pessoas;
➩ ALVO CERTO: o produto mais precioso do mundo não seria comprado se fosse anunciado estritamente a pessoas que não enxergam valor nesse produto;
➩ ASPECTOS DE TRATAMENTO: o público certo ficaria reticente em comprar um produto que em um primeiro momento lhes desperta interesse SE suas expectativas não forem confirmadas por conta de vendedores que falham por não transmitir (1) acolhimento, (2) humildade, (3) autenticidade e (4) confiança.
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É muito importante buscar conquistar o nosso espaço dentro de um grupo através das nossas qualidades e talentos concretos e atestáveis NO PRESENTE. Precisamos mostrar aos demais que chegamos para AGREGAR, não para parasitar! Afinal, para que um produto seja vendido, ele precisa primeiro ser conhecido pelas pessoas que enxergam que ele AGREGA algo de positivo em suas vidas, e nós, vendedores de nossas qualidades e talentos, não podemos nos esquecer dos aspectos de tratamento! É isso que realmente conquista pessoas! Não são promessas vagas, manipulações, aparências ou atitudes parasitárias! Não queiramos viver de um marketing pessoal malicioso!
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Você conhece a história de Pigmaleão? Na mitologia grega, Pigmaleão era um escultor que certo dia criou uma estátua de uma mulher pela qual acabou se apaixonando. Entretanto, por ela não ser real, acabou se frustrando. Então, a deusa Afrodite se comoveu e transformou a estátua de mármore em uma mulher de carne e osso, fazendo com que aquilo que o escultor esperava se tornasse realidade. Daí vem o que se chama em psicologia de “Efeito Pigmaleão”. Em linhas gerais, esse fenômeno nos mostra que as nossas expectativas com relação ao outro vão influenciar na nossa maneira de lidar com ele de modo a induzi-lo a agir conforme esperamos, confirmando assim a nossa expectativa. Embora esse fenômeno seja mais visível em relações em que há uma autoridade (pais e filhos, professor e aluno, chefe e empregado, etc.), vemos a importância de cultivar pensamentos saudáveis não somente com relação a nós mesmos, mas também com relação aos outros para que possam trabalhar melhor suas qualidades.
O cenário IDEAL para o nosso aprendizado (e para se chegar a qualquer objetivo) é:
“Sejamos incentivadores e degraus uns para os outros! Assim, todos ganham de alguma forma!”
Uma pesquisa com aproximadamente 3.000 pessoas apontou que 85% de todas as vagas de emprego são preenchidas via rede de relacionamentos. Interpretando esse resultado, muitos podem concluir que, então, 85% do nosso objetivo dependem das pessoas com quem nos relacionamos. Independentemente da porcentagem, o importante é que notemos mais uma vez o grande mal que representa achar que somos autossuficientes e que o isolamento social é o melhor caminho. Aquele ditado popular “Antes só do que mal acompanhado” deveria ser reformulado para “Tão ruim quanto estar só é estar mal acompanhado”, pois tanto o isolamento quanto relações tóxicas são péssimos. Busquemos construir pontes. Busquemos trabalhar em nós boas maneiras de tratar os outros. Busquemos auxiliar pessoas. Busquemos dar o nosso melhor possível sempre. Busquemos cultivar relacionamentos saudáveis.
13) SATISFAÇÃO NO PRESENTE: estar em um ambiente de recompensas é muito importante, mas convenhamos: quanto mais as praticidades do mundo moderno se tornam acessíveis, mais tendemos a pensar que somos autossuficientes. Com isso muitos acabam preferindo o isolamento e o individualismo, fato que acarreta uma série de problemas de ordem pessoal e social.
Porém, não é somente o acesso fácil às praticidades que tendem a nos deixar mais individualistas e preferir o isolamento. As redes sociais têm sua parcela de culpa nesse processo. Antes da existência das redes sociais, o universo de pessoas com quem podíamos interagir era muito pequeno, restringindo-se ao pessoal da rua, da rua mais próxima, algumas pessoas da escola, um conhecido de outro conhecido, etc. Com isso, consciente ou inconscientemente acabávamos sendo mais tolerantes. Tínhamos que tolerar características secundárias (gostos, aparência, etc.) que não nos agradavam nas pessoas mais próximas se quiséssemos construir relações sociais. Precisávamos ser menos exigentes com os outros. O surgimento das redes sociais, a grande quantidade de usuários, de filtros de pesquisa para encontrar contatos e a sensação de que na internet não há fronteiras fizeram com que ficássemos extremamente exigentes. Se antes características secundárias eram toleradas, hoje se tornaram essenciais. Leia o trecho a seguir:
Fulano procura contatos na internet. Para ele, não basta a pessoa ser boa e ser uma incentivadora, propondo-se a ajudar a desenvolver suas qualidades. Além disso, e tão importante quanto, ela precisa gostar de futebol, saber tocar violão e piano, precisa morar no Japão, ter 1,70cm de altura e ser descendente de japonês com americano. Se não possuir exatamente todas essas características, não serve, não é uma boa pessoa para Fulano. |
Ora, é óbvio que quanto mais categorizamos os outros, menos opções nos restarão. Hoje, descartamos pessoas com extrema facilidade, como se fossem produtos facilmente substituíveis. Daí o aumento da sensação ou do desejo de isolamento. E pior ainda quando essas atitudes fazem a pessoa chegar ao ponto de pensar que ninguém no mundo presta, assim como como rotulamos um produto que não atende todas as nossas exigências.
Infelizmente, as redes sociais também têm nos tornado pessoas mais vaidosas. Buscar ter posses (dinheiro, bens materiais), prestígio e poder sempre foi da natureza do ser humano. Contudo, a possibilidade de construir uma grande plateia para si, de se tornar um influenciador, uma referência para muitas pessoas e de poder ganhar dinheiro por causa disso têm dificultado ainda mais a busca de um equilíbrio entre posses, prestígio e poder, favorecendo distorções de personalidade.
Alguns poderão dizer que tal comportamento, embora questionável, é compreensível, haja vista que na própria natureza impera a lei do mais forte. Animais institivamente procuram caminhar com os mais fortes e em grupos numerosos a fim de se protegerem dos predadores e sobreviverem da melhor forma possível, criando assim uma relação de troca. Em outras palavras, os animais procuram caminhar com os mais fortes, porque se sentem seguros e os mais fortes acabam sendo protegidos pelo bando que os acompanha. Então, nós humanos tenderíamos a fazer o mesmo – procurar somente os “mais fortes” –, usando como critérios as posses, o prestígio ou o poder das pessoas. A diferença estaria apenas na maneira como cada sociedade, grupo ou pessoa define (ou pesa) posses, prestígio e poder. Por exemplo, para alguns, posses é ter o necessário para viver dignamente, mas o que é mais importante são o prestígio e o poder (de influência) baseados nas qualidades pessoais, como ser um cidadão esforçado, honesto e solidário (valorização do SER). Para outros, posses é consumir compulsivamente coisas desnecessárias e as ostentar, sendo que o prestigio e o poder (de influência) nascem unicamente do agir dessa forma (valorização do TER).
Em cenários nos quais se valoriza o TER (os mais comuns atualmente) imperam o individualismo e a seleção extrema. Nessas circunstâncias é muito mais fácil nos depararmos com críticas destrutivas e indiferença do que com reconhecimento e incentivos. No fundo isso acontece por que acabamos vendo o outro sempre como um rival a ser vencido, como se estivéssemos numa gangorra, isto é, para que um esteja no alto o outro tem que estar necessariamente embaixo. Não basta a pessoa estar bem; para que ela se sinta realmente bem, é preciso que todos ao seu redor estejam mal de alguma forma. E, se não estão mal de fato, a pessoa pega um atalho: começa a desmerecer todo mundo, na intenção de se convencer ou convencer os outros que somente ela está realmente bem ou verdadeiramente possui algo. A vida, então, torna-se uma eterna competição na qual só vale ser o primeiro e o único a possuir algo dentro do grupo ao qual se pertence, ser o “mais forte”.
Essa corrida constante faz com que nos tornemos pouco a pouco pessoas egocêntricas, “donas do mundo” obcecadas a ponto de passar a encarar qualquer contrariedade como uma ofensa, um ataque, uma perseguição. Neste ponto, o diálogo se torna impossível e os relacionamentos, tóxicos. Por isso é que devemos moderar a busca pela boa fama.
Segundo o “Princípio de Thorndike”, ações imediatamente seguidas de satisfação serão mais prováveis de ocorrer no futuro. A lei do efeito também sugere que os comportamentos seguidos por insatisfação ou desconforto se tornarão menos prováveis de ocorrer. Sendo assim, antes do reconhecimento e incentivo alheio e dos resultados futuros, procure ter como sua maior recompensa o fato de AGORA MESMO estar fazendo algo bom. No caso de aprender japonês, seja o PROCESSO DE APRENDIZADO a sua RECOMPENSA, sua ALEGRIA, sua DIVERSÃO.
“A satisfação leva à aprendizagem”
As pessoas tendem a sempre visualizar uma situação futura como a ideal. Entretanto, se não formos capazes de encontrar satisfação naquilo de bom que fazemos HOJE e conquistamos até HOJE, não encontraremos satisfação em mais nada. Nosso cérebro não gosta de esperar; o tempo todo nosso sistema de recompensas faz “cálculos” de custo-benefício em relação a uma ação (novamente o “Princípio de Thorndike”: ações imediatamente seguidas de satisfação serão mais prováveis de ocorrer no futuro). Sendo assim, quanto mais distante a recompensa estiver, mais chances teremos de perder a vontade de fazer algo. E fazer as coisas estritamente por um “futuro ideal” é um desses casos, afinal o futuro sempre estará a nossa frente e é imprevisível.
Outro ponto importante a se considerar nessa questão é o conceito de “adaptação hedônica”. Ela se refere à tendência humana de se adaptar a mudanças em circunstâncias e experiências que inicialmente trazem prazer ou felicidade. Em outras palavras: cedo ou tarde as pessoas se acostumam com situações positivas, o que faz diminuir o impacto emocional inicial. Isso faz a pessoa retornar a um estado de bem-estar neutro.
Por exemplo, imagine comprar um carro novo. Inicialmente, essa aquisição pode trazer grande satisfação e felicidade. No entanto, ao longo do tempo, a novidade desaparece e o carro se torna parte da rotina diária. A adaptação hedônica ocorre quando o prazer inicial de ter o carro novo diminui e a pessoa retorna a um nível de felicidade semelhante ao que tinha antes da aquisição do carro.
“Quando estou em Nova York quero estar na Europa, quando estou na Europa quero estar em Nova York.” (Woody Allen, escritor, roteirista, cineasta, ator e músico norte-americano)
Fatalmente passamos a agir como um cachorro que corre atrás de sua cauda tentando alcança-la, mas não consegue.
Então, que tal trocar o "Estou aprendendo japonês para no futuro (...)" por "Estou aprendendo japonês e isso é uma satisfação para mim, minha maior recompensa HOJE!". Com isso o que vier de bom será SEMPRE UM LUCRO, será melhor aproveitado e valorizado! Aprender é inevitavelmente UM PROCESSO. Ainda não descobriram um compartimento no cérebro no qual podemos inserir um chip com as informações que desejamos, cujo acesso é imediato. Bons resultados futuros dependerão de boas ações NO PRESENTE. Fujamos do imediatismo, da atitude de não querer pagar o preço por aquilo que desejamos.
Na selva o homem não tinha grandes pretensões e nem precisava disso. Além de ter uma expectativa de vida muito baixa (em torno de 30 anos), a vida do homem se resumia à busca de recompensas rápidas. As metas eram o almoço para HOJE, o abrigo para HOJE. Perceba como o homem selvagem vivia de pequenas conquistas diárias de resultado rápido. Essas pequenas conquistas constantes davam ao homem selvagem a sensação de progresso e capacidade de realizar as coisas.
Do ponto de vista histórico, a vida moderna representa algo extremamente recente para o homem e, do ponto de vista evolutivo, levará muitos anos para que o nosso cérebro se adapte plenamente a esses novos estímulos. Por isso, digamos que estamos vivendo a vida moderna com um cérebro ainda desatualizado. Se não entendermos essa dinâmica natural do nosso cérebro e não nos preocuparmos com a satisfação no presente, cedo ou tarde, a desmotivação aparecerá, pois o cérebro “nos dirá”:
“Onde está a recompensa? Estamos gastando energia inutilmente nisso! Vamos parar!”
Fazendo uma analogia, quando compramos um jogo de video game, temos dois objetivos com relação a ele:
1) chegar no FINAL do jogo;
E TAMBÉM...
2) desfrutar os desafios de CADA FASE do jogo.
Usemos como exemplo o jogo Super Mario World do Super Nintendo. É um jogo com muitas fases, mas que podemos chegar ao final rapidamente pegando alguns atalhos. Entretanto, um verdadeiro apreciador de jogos não quer saber de antemão quantas fases compõem o jogo e ele não fica pulando as fases; isso faz perder toda a graça do jogo, não é mesmo? A surpresa, os desafios de cada parte da jornada fazem toda diferença na experiência. Seja o final, seja o caminho percorrido (as fases) para chegar a esse final tem a mesma importância. Não faz sentido pensar que se chegará ao final de um jogo sem ter que passar pelas fases.
Assim deveria ser a nossa visão com relação ao aprendizado. É um jogo composto de várias fases. Cada fase, cada evolução, cada desafio vencido tem sua importância e é uma vitória dentro de um objetivo maior, que é “zerar” o jogo. Quais são os desafios da fase chamada “HOJE”? Preocupe-se PRIMEIRO em superar os desafios dela! Preocupe-se com os desafios que estão mais próximos, logo à frente!
Fato é que muitas pessoas são ensinadas quando pequenas que APENAS os RESULTADOS importam. Por exemplo, um pai ensina ao seu filho que ele somente será bom SE (e somente SE) tirar nota 10 nas provas da escola. A criança, então, começa a se esforçar constantemente nos estudos, mas tira 8 na prova. Em vez de reconhecer o esforço do filho e elogiá-lo por tirar uma nota boa, o pai o repreende, porque quer que ele tire 10; somente a nota 10 vale. A criança, então, começa a colar nas provas, tira 10 e o pai elogia o filho com base no resultado apenas. Com isso, o pai está induzindo a criança a não se importar com o MEIO para obter um resultado. Muito provavelmente o filho se tornará um adulto que achará normal desobedecer às regras de convívio social, achará normal prejudicar alguém para obter um resultado e ser bem visto por aqueles que aplaudem o resultado apenas.
Ao contrário desse pai que não se importa com o fato do filho se esforçar, procuremos sempre recompensar o processo, o esforço. O resultado é consequência!
Que tal começar a escrever um diário de conquistas e agradecimentos? Escreva nele tudo o que você fez de bom HOJE para si e para os outros e também os motivos pelos quais você deve comemorar e agradecer essas suas ações. Assim como um dia foi na selva, ainda precisamos da sensação de progresso e capacidade de realizar as coisas. Precisamos dos pequenos sucessos diários!
14) FLEXIBILIDADE: em tudo o que fizermos na vida poderão surgir situações adversas, contrárias as nossas expectativas. Isso é NORMAL e INEVITÁVEL. Fazendo novamente uma analogia com jogos, se você gosta de jogos de RPG (peguemos o clássico Chrono Trigger como exemplo), sabe que para enfrentar determinado chefe muitas vezes são necessários certos atributos que você pode ainda não ter.
O que você faz, então? Pensa: “Ou avanço com esses atributos mesmo ou desisto! O meu jogo está perfeito! É o jogo que está sendo injusto comigo!”? Claro que não! Você se dá conta que algo no seu jogo não está bom, recua, não enfrenta o chefe e faz uma avaliação da situação. Então, você se dá conta daquilo que precisa melhorar e fica batalhando para ganhar experiência e compra itens melhores, não é mesmo? Não há bom jogador que se chateia em ter que fazer isso! Faz parte se deparar com imprevistos e ter que fazer ajustes naquilo que foi planejado! Ao recuar um pouco, você gasta mais tempo, mas ganha experiência (ficando até mais forte do que o necessário) para ser capaz de avançar no jogo.
Perceba que durante um jogo é necessário fazer avaliações constantes das situações para melhor aproveitar os recursos do jogo e poder avançar na jornada. E não há bom jogador que se chateia em ter que fazer isso. Faz parte! Também, não há bom jogador que fique preocupado com o tempo que levará para chegar ao fim da aventura, nem com o tempo que os outros levaram para chegar ao fim ou como foi o desempenho dos outros em cada situação durante o jogo. Em jogos sabemos que cada experiência é única. Cada experiência será diferente a depender do empenho individual e de como cada um age diante das situações com as quais se depara ao longo da jornada.
“As adversidades encontradas ao longo da jornada são grandes oportunidades para refletir e agir melhor!”
Como a analogia feita ao tratarmos da ferramenta da “SATISFAÇÃO NO PRESENTE”, assim deveria ser a nossa visão com relação ao aprendizado. Se tiver que recuar um pouco para avançar depois, qual o problema? Você pode até ficar melhor! Só assim – superando um desafio de cada vez, fazendo ajustes no planejamento quando necessário e comemorando cada pequena conquista – é que podemos chegar ao final do jogo!
Perceba como a flexibilidade nos ajuda também a manter nossas expectativas ajustadas de acordo com as situações com as quais nos deparamos. Por exemplo, para terminar completamente o jogo Chrono Trigger são necessárias aproximadamente 20 horas. Sabendo disso, um bom jogador não vai criar a expectativa de terminar o jogo em, por exemplo, 2 horas. Seria uma expectativa muito alta e sem fundamento na realidade. Também, ele sabe que se tiver que, por exemplo, recuar muitas vezes para ficar mais forte para enfrentar os chefões, poderá levar mais de 20 horas para terminar o jogo. Por conta disso, poderíamos dizer que nossas expectativas precisam ser sempre flexíveis para que se mantenham equilibradas e realistas. Se o jogador esperasse terminar Chrono Trigger, um jogo de 20 horas em apenas 2 horas, passado esse tempo ele se frustraria e provavelmente abandonaria o jogo; do mesmo modo, se ele quisesse terminar o jogo em exatas 20 horas, poderia se frustrar, pois imprevistos no meio do caminho poderiam alongar sua jornada.
As expectativas desajustadas nascem principalmente de dois fatores:
➩ Ignorar a realidade concreta: geralmente criamos expectativas com base em ideias pré-concebidas, naquilo que achamos o ideal e não analisamos a realidade que se apresenta concretamente a nós. Obviamente, nossas expectativas (e objetivos) precisam estar baseadas em algo possível, alcançável, do contrário gastaremos tempo (que não volta), recursos e energia em algo não-concretizável. Por exemplo, um objetivo de viajar pode ser alcançado tendo 90 anos de idade, mas se tornar um jogador de futebol profissional com 90 anos já não é possível, pois isso exige um longo tempo de preparo, treinamentos constantes e condicionamento físico;
➩ Pensar que temos controle sobre tudo: normalmente pensamos que temos controle total sobre todos os fatores. Porém, há fatores que podemos controlar, como o nosso esforço empregado em algo, mas há também fatores que não estão em nossas mãos, como a ação de outras pessoas, a concretização de acontecimentos específicos e a faixa de idade como requisito para uma vaga em uma determinada empresa.
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A meta, o fim do jogo é a fluência no japonês. Entretanto, não há como dizer em quanto tempo você ficará fluente, pois, assim como em um jogo de videogame, isso dependerá única e exclusivamente do seu empenho. E o seu empenho dependerá de uma série de fatores de cunho individual. Fatores esses que ninguém é capaz de mensurar a não ser você mesmo.
Normalmente a frustração tem seu gatilho quando começamos a nos comparar com os outros (ou permitimos que nos comparem). Cada ser humano é único, é incomparável. Ou melhor: a única comparação na qual você pode se colocar é aquela em que você se compara com o “você mesmo” de alguns segundos, minutos, horas, dias... atrás. Por menor que seja a mudança, se você evoluiu para melhor, excelente! Você já está melhor do que a sua “versão do passado”. Procure apenas continuar dando o seu melhor trabalhando as suas qualidades e revendo possíveis atitudes e ideias equivocadas!
Desconsiderando contextos específicos de competição, não ache que as coisas só têm valor se você for o PRIMEIRO e o ÚNICO. Não sejamos presunçosos! O mundo tem mais de 7 bilhões de habitantes! Você não será o primeiro e o único a aprender japonês. Você aprenderá primeiro que muita gente, mas muita gente também aprenderá; muita gente aprenderá primeiro que você e isso não impede que você também aprenda. O pódio é pequeno somente em situações de competição. Fora disso, ele tem muitos lugares!
Crenças e valores equivocados conduzem a julgamentos equivocados. A flexibilidade também nos ajuda combater aquilo que chamaremos de “falso senso de justiça”. Observe a figura a seguir:
O que há em comum nessas contas?
EXATO!
Apesar de DIFERENTES, todas as contas têm “10” como resultado. Assim como seria extremamente equivocado afirmar que SÓ se chega a “10” com “5 + 5”, pois todas as outras contas são maneiras igualmente válidas de chegar ao mesmo resultado, é igualmente equivocado afirmar que o esforço ou conquista (próprios ou dos outros) é válido SOMENTE se tudo for feito EXATAMENTE da mesma maneira que outras pessoas já fizeram! O falso senso de justiça nos faz pensar, por exemplo, “Puxa, demorei cinco anos para ficar fluente, estudava cinco horas por dia e Fulano demorou só três anos, estudando só duas horas por dia. Ele teve sorte. Eu me esforcei mais do que ele. Tenho mais méritos do que Fulano e ele não merece estar no mesmo lugar que eu!”. Por causa do falso senso de justiça, julgamos que Fulano cometeu uma injustiça e merece ser punido. Daí, começamos a desejar o mal para Fulano, pois queremos que a suposta injustiça seja reparada. Tal atitude só causa distanciamento entre as pessoas e frustração, já que não nos sentiremos bem até ver Fulano punido de alguma forma.
Veja como os dois lados da comparação são prejudiciais. Podemos nos comparar com o outro e acabar desmerecendo o nosso próprio esforço, como também nos comparar pensando que SOMENTE o nosso esforço merece ser premiado. E pior: se o outro chegar no mesmo lugar, deve ser punido porque necessariamente agiu injustamente. Em ambos os casos, a frustração aparecerá e não teremos mais paz interior, porque estaremos mais atentos ao que acontece na vida do outro do que com aquilo que nós fazemos.
Alguns poderão pensar que se comparar é algo normal, haja vista que todos nós agimos ou moldamos nosso comportamento a partir de um referencial. Por exemplo, os filhos têm os pais (e pessoas próximas) como referencial de conduta. Entretanto, ter um referencial não é sinônimo de se comparar. Na realidade, as pessoas podem INSPIRAR ou SE INSPIRAR. Ao receber um incentivo, sugestão ou apenas presenciar uma boa ação de alguém, a (boa) inspiração produz sentimentos positivos na pessoa que a fazem DAR O PRIMEIRO PASSO e procurar evoluir LIVREMENTE de acordo com seus próprios talentos e dentro de suas próprias possibilidades. A pessoa segue seu próprio caminho e tem consciência de que os outros estão também procurando evoluir seguindo seu próprio caminho. Tem consciência de que todos nós precisamos dos talentos uns dos outros. Por outro lado, a comparação produz na pessoa sentimentos negativos que a levam a querer competir sempre, a enxergar o outro como um rival a ser vencido em tudo, a querer ser exclusiva. A comparação é uma prisão. A comparação transforma a pessoa em mera sombra do outro.
No fundo, a pessoa que se compara não segue seu próprio caminho. Ela não age com liberdade, procurando desenvolver seus talentos e agir dentro de suas possibilidades. Quem se compara acaba se preocupando mais com o que se passa na vida do outro do que com aquilo que acontece na própria vida, na intenção de não ficar para trás e/ou superar seu rival em tudo, podendo até mesmo não ter receio de prejudicar física ou emocionalmente o outro, e/ou quebrar as regras do bom convívio social para conseguir seus objetivos.
Um exemplo que ilustra bem a questão da comparação e do falso senso de justiça é Vegeta, personagem de Dragon Ball Z. Por ser o príncipe dos Sayajins, carrega um grande orgulho dentro de si, vendo-se como o mais forte dos guerreiros. Entretanto, Goku, a quem Vegeta considera alguém inferior a ele, consegue superá-lo e passa a estar sempre um passo à frente em nível de poder. Em dado momento, Vegeta permite que Babidi tome conta da sua alma para se tornar mais poderoso, mesmo sabendo que este ato poderia causar uma situação catastrófica. Eis uma de suas falas:
MAJIN VEGETA: “Essa luta (contra o Goku) significa muito para mim! Não me interessa o tal Majin Boo! Esse miserável... esse miserável (o Goku) superou os meus poderes! Apesar de pertencer à mesma raça, ele superou minhas grandes habilidades! Eu sou o príncipe dos Sayajins, mas esse desgraçado teve que me superar e merece o pior! Houve ocasiões em que esse idiota salvou a minha vida! E isso eu nunca vou perdoar! Nunca!” |
Infelizmente, há muitos “Vegetas” por aí, não é mesmo? Pessoas que se veem como o “príncipe dos humanos”, acreditando ser superiores e detentores únicos de todos os direitos! Enxergam todos os outros como inferiores, que não podem ter aquilo que só o “príncipe” pode ter. São capazes de tudo (causar dano físico, dano emocional, dano material, etc.) para se manter (ou se sentirem) no topo.
Alguns ainda poderão continuar pensando que a comparação é algo normal, pois a vida selvagem era (e continua sendo) extremamente competitiva. Nela, tínhamos basicamente duas opções: ser o predador ou ser a presa. Não havia regras, prevalecendo o mais forte. Então, era necessário se comparar constantemente com o outro, buscando superá-lo, caso contrário, a desvantagem em algum quesito poderia significar ser abatido pelo mais forte. Aliás, seria por causa desse instinto primitivo de ser o mais forte e caminhar com o mais forte que alguns se sentem atraídos por pessoas agressivas e que quebram as regras de bom convívio social. Do ponto de vista da vida na selva, tais características possibilitam uma vantagem sobre os demais, não só para a pessoa em si, mas para quem está do lado dela também (só que essas pessoas que admiram o “poderoso” se esquecem que podem ser as próximas a serem “abatidas” por ele, assim como acontece na selva).
Além disso, obter recursos para a sobrevivência na selva e mantê-los conosco era extremamente trabalhoso. Por exemplo, hoje se quisermos comer maçã, há uma grande quantidade de estabelecimentos que vendem maçãs e, consequentemente, uma grande quantidade de maçãs já prontas para o consumo. Com isso, não precisamos gastar energia procurando, plantando macieiras ou disputando maçãs com os outros, pois o fato de os outros comprarem maçãs não nos impede de ter maçãs. Não há escassez de maçãs.
Porém, na selva não era assim. Como tudo era mais trabalhoso e escasso, pessoas, grupos se viam muitas vezes obrigados a batalhar ferozmente por recursos por mínimos que fossem. Na selva, portanto, o sucesso de um poderia significar um grande prejuízo, uma grande dificuldade ou mesmo a morte para o outro. Por exemplo, se na selva uma pessoa plantasse uma macieira e outro viesse e dominasse essa macieira, a pessoa poderia ficar um bom tempo sem maçãs, pois teria que plantar outra ou sair procurando por macieiras dentro da perigosa selva.
De fato, a selva era para nós um ambiente recheado de elementos competitivos, que atiçavam os nossos instintos primitivos. E perceba que de alguma maneira esses instintos colaboraram para o sucesso da nossa espécie. Contudo, o contexto era diferente e nós evoluímos como seres humanos! Ainda que institivamente o nosso cérebro possa continuar achando que as coisas são escassas, a “lei da selva” não precisa mais vigorar entre nós devido a diversos fatores, tais como a qualidade de vida, as leis que visam manter a ordem e garantir a nossa integridade, o grande número de recursos, oportunidades e possibilidades existentes, etc.
Poderíamos dizer que buscar ser mais forte que o outro só vale atualmente em contextos específicos de competição e, mesmo assim, dentro de regras preestabelecidas. Em outras palavras: mesmo contextos de competição não são regidos pela “lei da selva”, no sentido de que vale tudo para ganhar. Por exemplo, em um jogo de baseball só é possível um time ganhar e há regras que os dois times devem seguir. Então, o time que melhor estudar seu adversário, buscando superá-lo em todos os quesitos, tenderá a sair vitorioso.
Na vida cotidiana, entretanto, é diferente. O pódio da vida tem muitos lugares e também há muitos caminhos válidos e honestos para se chegar nele. Portanto, alguns chegarão nele de uma maneira; outros chegarão de outra maneira e, desde que esse meio tenha sido igualmente válido, justo e honesto (sem prejudicar e sem enganar ninguém), qual o problema? Sejamos flexíveis também nesse sentido e aprendamos com as experiências diferentes, mas igualmente válidas e vitoriosas. Não pensemos que o sucesso de um impede definitivamente o sucesso de outro, como se um roubasse o sucesso de outro.
Dominados pelo “receio instintivo da escassez”, podemos nos sentir mal, por exemplo, por que Fulano viajou para os Estados Unidos, como se viajar para os EUA fosse algo escasso e, por isso, agora não teremos nunca essa mesma oportunidade. Como se Fulano tivesse roubado definitivamente a nossa vez! O que não faz nenhum sentido! Observe o mapa que mostra os aviões próximos dos Estados Unidos:
Há inúmeros outros aviões, cada um com muitas pessoas, indo neste exato momento para os Estados Unidos. Além disso, há muitas passagens disponíveis AGORA e haverá no FUTURO também para aqueles que ainda não foram para lá! Nós e Fulano podemos ser igualmente bem sucedidos, podemos viajar para os Estados Unidos dentro das possibilidades de cada um!
Aliás, já imaginou o quão ruim e chato o mundo seria se todos resolvessem fazer a mesma coisa só por que esta coisa começou a proporcionar muitas posses, prestígio e poder? Pois é... infelizmente nós já pensamos mais ou menos assim ao fixarmos de forma dogmática em nossas cabeças supostos “mapas do tesouro”, que devem ser seguidos à risca. Para ilustrar, observe o diálogo do episódio “Cada Um Vale Pelo Que é” do seriado Chapolin Colorado. Nele, Seu Mundinho acredita ser o Chapolin Colorado:
Chapolin: Você é Seu Mundinho! Lembra-se? Seu Mundinho! Seu Mundinho! Seu Mundinho: Sim, mas não quero ser Seu mundinho. Eu quero ser como Chapolin Colorado que faz coisas importantes! Mundinho não faz nenhuma coisa importante. Chapolin: Está enganado! Fazer coisas boas, seja o que for, é fazer coisas importantes. O carpinteiro que faz bem seu trabalho faz uma coisa muito importante. O pedreiro que ajuda a construir uma casa, o professor que educa as crianças, o policial que vigia, o chofer de táxi que dirige com precaução, a recepcionista que atende bem as pessoas, o burocrata que trabalha com honestidade, o operário, enfermeira, o artesão... todos eles fazem coisas importantíssimas, sem as quais não poderíamos viver. |
Mais um motivo para não ficar se comparando, seja desmerecendo o seu próprio esforço, seja desmerecendo o esforço dos outros. Comparação que tem adoecido mentalmente muitas pessoas. Passemos, portanto, a cultivar dentro de nós o amor próprio (que nada tem a ver com o orgulho)! Todos nós, na medida que escolhemos fazer o bem dando o nosso melhor, somos importantes. Apenas temos talentos e funções diferentes. Talentos e funções que se complementam para o benefício de todos. A vida não tem um mapa do tesouro; os tesouros estão ao longo da estrada, no nosso esforço diário para o bem, para evoluirmos e a alegria está na possibilidade de poder encontrar esses tesouros todos os dias. Não é à toa que o tempo de agora é chamado PRESENTE!
Alguns ainda poderão pensar que se comparar buscando superar os outros é necessário porque caso contrário seremos julgados e mal vistos por aqueles que “chegarem na nossa frente”. Contudo, corremos o risco de sermos julgados e mal vistos SEMPRE! Baseados no que mencionamos na ferramenta “AMBIENTE DE RECOMPENSAS”, poderíamos dizer que estamos sendo constantemente avaliados pelos outros e muitos já podem ter um julgamento negativo a nosso respeito, não importa o que façamos. Se conquistarem algo antes de nós, podemos ser rotulados de incompetentes; se nós é que conquistarmos algo antes dos outros, podemos ser rotulados de sortudos ou trapaceiros.
Não há como evitar ser alvo de julgamentos injustos! Entretanto, vejamos essa questão de outra maneira: quem emite julgamentos injustos revela suas próprias vulnerabilidades, seja uma grande insegurança, uma baixa autoestima, uma falta de informação ou maldade mesmo. Geralmente, é justamente quem tem muito receio de ser julgado e mal visto. Então, para evitar ser julgada e mal vista pelos outros, a pessoa tenta rebaixar ou pelo menos igualar os outros ao nível dela para que os outros não tenham o que falar (ou pensar) da pessoa, afinal são iguais ou piores do que ela.
Portanto, isso não deve ser uma justificativa para se comparar com os outros! Julgamentos injustos dizem sobre a pessoa que os emite e não sobre o alvo! Apenas busquemos evoluir fazendo o nosso melhor todos os dias! Quem realmente deseja que encontremos a nossa melhor versão não fará julgamentos injustos a nosso respeito; reconhecerá o nosso esforço e nos auxiliará em nossa jornada sugerindo ajustes quando necessário. É dessas pessoas que temos que nos cercar! Ainda que injustamente, boa fama com todos não teremos e precisamos aceitar isso!
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Enfim, através da ferramenta da FLEXIBILIDADE podemos como que reeducar nosso cérebro, voltando nossos olhos para alguns itens essenciais para a nossa saúde emocional:
➩ PLANEJAMENTOS E EXPECTATIVAS REALISTAS E AJUSTÁVEIS, pois a realidade concreta (e não a idealizada!) que nos cerca possui elementos que podemos controlar, mas há também muitos elementos que estão fora do nosso controle. Por isso, precisamos estar sempre dispostos a mudar em nós e no que planejamos aquilo que não está indo bem. Cedo ou tarde a realidade concreta se impõe queiramos ou não;
➩ A NÃO COMPARAÇÃO, pois cada pessoa possui um banco de dados de experiências (história) único, que a faz desenvolver talentos únicos e possuir necessidades únicas. Cada pequena evolução é uma conquista dentro de um objetivo maior e deve ser comemorada;
➩ A NÃO ESCASSEZ DE OPORTUNIDADES, isto é, o bem-estar e o sucesso de um não impedem o sucesso e o bem-estar de outro, pois inúmeras são as oportunidades que o mundo moderno nos oferece! Não vivemos mais na selva, onde os recursos eram escassos e tínhamos que disputá-los constantemente. Precisamos ser flexíveis para aceitar que essas oportunidades podem não acontecer no momento que queremos e/ou como queremos;
➩ A MODERAÇÃO DA BUSCA PELA BOA FAMA, isto é, a validação alheia é algo sobre o qual não temos controle. Não teremos a aprovação de todos e temos que aceitar isso! Haverá pessoas que nos validarão, mas também haverá aqueles que nos julgarão injustamente não importa o que façamos.
15) HUMILDADE: voltando à analogia do jogo de RPG, um jogador que não consegue superar um chefão e pensa: “Ou avanço com esses atributos mesmo ou desisto! O meu jogo está perfeito! É o jogo que está sendo injusto comigo!”, muito provavelmente será visto como alguém orgulhoso e que está condenado ao fracasso. Julgando agir sempre da melhor forma, julgando ser um jogador que possui as mais altas habilidades, não aceita estar errado. Se algo der errado, isenta-se de qualquer responsabilidade, responsabilizando fatores externos (as outras pessoas, o jogo, as circunstâncias, etc.). Nunca ele mesmo.
Essa atitude é um dos piores venenos que nós seres humanos podemos beber, pois nos impede de evoluir. Ora, uma pessoa que julga sempre agir da melhor forma, que julga ter as melhores escolhas, que julga ter as mais altas virtudes, que julga nunca falhar e que a falha está no mundo e nas outras pessoas, não precisa evoluir! Essa pessoa é uma divindade, imaculada e perfeita! Entretanto, voltando à realidade, aceitemos ou não, somos seres limitados! Todos têm virtudes, mas também fraquezas! Acertamos, mas também falhamos! Nem sempre tomaremos as melhores decisões, nem sempre agiremos da melhor forma! Por isso a humildade é importantíssima para o aprendizado! Uma vez que assumimos que somos limitados, refletiremos constantemente sobre nossa visão de mundo e sobre nossas ações e, quando necessário, estaremos dispostos a agir de uma melhor forma! O primeiro passo para a cura de uma pessoa enferma é ela mesma admitir que está doente. Se ela está doente, mas acredita estar com a saúde perfeita (ou não quer admitir que está doente), não procurará um médico e não terá a cura para a sua doença!
“A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria” (Santo Tomás de Aquino)
Ter humildade é também extremamente importante para a construção de boas relações sociais. Ora, ninguém em sã consciência gosta de pessoas que já chegam em um grupo observando os demais com o desejo de superar a todo mundo em todos os aspectos (já deixa de ser uma relação saudável). Também, no quesito “exposição” você terá que ter a humildade de aceitar possíveis correções de quem sabe mais do que você. Isso é normal! Não aceitar que há pessoas melhores do que você com quem você deve aprender, é puro orgulho, um dos piores venenos para a aprendizagem. Aprender não deixa de ser reconhecer uma limitação e, então, buscar superá-la com o auxílio de alguém melhor do que você em determinado quesito! Aprendizagem e humildade estão de certa forma muito relacionadas. Aliás, pode ser que seu receio de se expor seja causado pelo orgulho, isto, não se expor para não se dar conta de suas próprias limitações.
Muitos estudantes deixam de estudar determinado assunto por causa do “Ah, isso eu já sei” ou do “Se eu nunca vi, está errado (ou não existe)!” Evite isso! Nunca se feche à oportunidade de conhecer um pouco mais sobre determinado assunto e valorize TODAS as informações que encontrar. Acredite, você só tem a ganhar: pode ser que você apenas achava que sabia e na realidade não sabia, mas agora sabe de fato, ou se realmente já sabia, teve a oportunidade de rever o assunto e fixa-lo mais – muitas vezes com informações novas a agregar. Ou ainda, se a fonte não lhe inspirar confiança, terá a oportunidade de buscar informações em outras fontes e confrontá-las. Com isso seu conhecimento tende a aumentar.
Infelizmente, tendemos relacionar quantidade à qualidade, valorizando mais quem transparece fazer grande esforço. Não que se esforçar seja ruim em si, mas a questão é que isso pode se transformar em uma grande pedra de tropeço para o estudante. Se ignorar informações referentes ao objeto de estudo pode ser sinal que a pessoa não é humilde e se deixou dominar pela vaidade (o que atrapalha muito o aprendizado), outra atitude que também pode ser sinal de vaidade é o desejo constante de quantificar o próprio (suposto) conhecimento.
Certamente, você já se deparou com aquele sujeito “acumulador de certificações e diplomas”. Aquele sujeito que a cada semana diz estar matriculado em um novo curso de uma instituição renomada e que faz questão de anunciar isso (e todas as outras certificações que ele já tem) solenemente a todo mundo. Aquele sujeito que vive carregando diversos livros debaixo do braço, que está sempre bem vestido e que todos admiram pela figura que ele é. De repente acontece algum problema ou aparece uma dúvida e todos correm para esse sujeito esperando que, dado o grande conhecimento que ele tem no assunto, possa auxiliar na resolução do problema. Contudo, para a surpresa de todos ele diz um monte de coisas desconexas que acabam não auxiliando em nada.
MORAL DA HISTÓRIA: esse sujeito no fundo está preocupado apenas com sua “imagem social”, com o grande status que se costuma atribuir a alguém com grande conhecimento (apenas por conta das certificações e diplomas) e estuda constantemente. Ele não está preocupado em ter o conhecimento de fato. Afinal, tendemos a acreditar que quantidade é o mesmo que qualidade, que quem faz mais ou tem mais, tem mais valor (pelo menos até que se prove o contrário). Ele criou muitas expectativas nas pessoas devido à imagem que passa, mas no fim o tombo foi bem maior e humilhante. Ainda que ele tenha conquistado alguma coisa até aquele momento apenas por seus rótulos (e certa lábia), quem dali pra frente daria credibilidade a ele?
Nas redes sociais, é ainda mais fácil para alguém criar um personagem, pois há uma distância entre o indivíduo e seu público. Essa distância permite que a pessoa se mantenha "segura" em seu papel e evite ser colocada à prova ou questionada diretamente. Assim, ela pode, por exemplo, afirmar possuir um certo nível de conhecimento ou habilidade linguística, postar conteúdo complexo e usar táticas de desmerecimento para fazer os outros se sentirem inferiores. Mantendo a distância que as redes sociais permitem, é muito fácil montar e manter esse teatro todo. Por exemplo, as postagens podem ser apenas um “copia e cola”, a pessoa pode ter estudado especificamente algo complexo para aquela postagem a fim de manter as aparências somente e não sabe concretamente nem o básico do assunto, etc. Por isso, devemos prestar atenção não no que a pessoa diz de si mesma ou aparenta nas redes sociais, mas no seu comportamento e resultados concretos no mundo real.
“Não seja uma fake news de você mesmo! Isso também é um crime contra a sua essência e autoestima!" (Dra. Ana Beatriz Barbosa)
Diplomas e certificados não são um atestado infalível e eterno de que seu possuidor tenha o conhecimento, afinal não sabemos o que motivou a pessoa a buscar o diploma (ou certificado) e como foi o processo para a obtenção. Quantos são os que fazem uma faculdade ou curso apenas para dizer que possuem uma faculdade ou curso? Quantos são os que procuram diplomas e certificações apenas para cumprir requisitos burocráticos para determinado objetivo? Quantos são os que terminam o curso, mas depois não se preocupam em manter o conhecimento? Quantos são os que têm um diploma, mas ao longo do caminho mudam de direção para aproveitar uma oportunidade que surge? Quantos são os alunos que durante o curso se preocupam apenas em tirar a nota mínima para fechar o semestre? Quantos são os alunos que usam serviços de oferecimento de trabalhos prontos que encontramos na internet ou que pagam para outros fazerem um trabalho? Quantos são os que compram diplomas e certificações?
Não estamos dizendo que diplomas e certificações não sejam importantes, mas no fim das contas são apenas rótulos que se referem a um suposto conhecimento no tempo passado. Tenhamos humildade e nos esforcemos para que esses rótulos sejam verdadeiros e sempre condizentes com o conteúdo no tempo presente. Esforcemo-nos para aprender de fato e para manter esse conhecimento.
Também, certamente você se deparará em algum momento com afirmações como:
➩ Para começar a entender um nativo, você precisará ouvir de 600 horas (se for uma língua que possui semelhanças com o português) a pelo menos 2.000 horas (se for uma língua completamente diferente);
➩ Para dominar qualquer coisa você precisa de 10.000 horas de prática (“Regra das 10.000 Horas”);
➩ Você precisa ter o nível 1 do JLPT (mais alto) para ser considerado fluente;
➩ Aprendendo 1.000 palavras de uso comum você já terá uma compreensão de (quase) 80%.
Não fique com essas coisas na cabeça! Não caia na armadilha de querer ficar quantificando conhecimento! No caso do JLPT, por exemplo, não há uma seção de fala. Isso significa que você pode ser capaz de reconhecer e compreender a gramática ao ler ou ouvir, mas pode ser incapaz de falar japonês com fluência. Não é difícil encontrar na internet relatos como “Eu conheço pessoas que passaram no nível 1 do JLPT, mas são incapazes de conversar naturalmente em japonês”. No caso das palavras mais comuns, há estudos sérios que comprovam que elas realmente possibilitam uma comunicação efetiva na maior parte das vezes, até por conta do princípio do menor esforço. Portanto, comece por elas, mas não se restrinja a elas e não se apegue à porcentagem de compreensão. Como veremos nos próximos tópicos desta seção, as pessoas são livres para usarem as palavras que quiserem e elaborarem suas orações do jeito que quiserem e, por isso, sempre existirá o risco de haver incompreensões, seja numa língua estrangeira, seja em nossa própria língua materna! Aprender vocabulário é uma constante! Aprendendo as palavras mais comuns primeiro estamos apenas diminuindo esse risco de incompreensão!
Como bem pontua o professor Denilso de Lima do excelente site “Inglês na Ponta da Língua”, “o objetivo não é ir do básico ao avançado, mas é você se tornar um usuário competente da língua conforme você vai estudando a língua. Isso é que faz a diferença”. Portanto, de nada adiantará você saber 2.000 Kanjis, 10.000 palavras, ter o nível 1 do JLPT, ter certificações em instituições renomadas se você não for capaz de aplicar esse conhecimento (em grande parte apenas teórico) no mundo real, comunicando-se de forma satisfatória com as pessoas (compreender e ser compreendido). Isso é o que fará a diferença. É isso que vai contribuir realmente para uma boa “imagem social”.
16) DISCIPLINA: como mencionamos anteriormente, o fator IMPORTÂNCIA (e a consequente motivação) nem sempre será uma constante. Esteja sempre ciente que o seu cérebro estará calculando o tempo todo o “custo-benefício” de aprender japonês. Nosso cérebro não gosta de gastar energia com coisas irrelevantes. Por conta disso, ele gosta de um tipo específico de recompensa. Uma recompensa que tenha três características:
➩ Que seja rápida;
➩ Que seja alta;
➩ Que exija o menor esforço.
Portanto, ter disciplina é um dos aspectos mais importantes para alcançar seus objetivos. Você se sentirá o tempo todo tentado a trocar o estudo por algo mais prazeroso, imediato e que exija menos esforço. Estudar japonês, diante de diversas escolhas atraentes que aparecem, pode se tornar um fardo. Por que preferir estudar japonês, algo que exige esforço e cuja recompensa pode estar longe (tempo indeterminado para alcança-la) se você pode ficar, por exemplo, navegando nas redes sociais, algo que proporciona recompensa imediata e com menos esforço? Por isso algumas atitudes são importantes:
➩ Saber claramente o que deseja;
➩ Estar ciente do preço a se pagar por esse objetivo;
➩ Estar disposto a pagar esse preço;
➩ Ter um planejamento pautado na realidade subdividido em pequenas metas;
➩ Ter autocontrole para se manter firme diante dos prazeres imediatos que se apresentam.
Dos itens citados, o “AUTOCONTROLE” é certamente o item que mais exigirá de nós e a falta dele costuma ser a principal causa de muitos fracassos. Neste quesito a “HUMILDADE” se torna muito importante, pois nos faz admitir que temos fraquezas, possibilitando reflexões sobre como agir melhor. Por exemplo, certas coisas, como as notificações do celular, causam distrações e prejudicam o aprendizado. Então, é preciso admitir que as “notificações do celular” são uma fraqueza, uma forte tentação e, portanto, deve-se eliminar o celular do ambiente de estudo. Perceba que se a pessoa não tiver a humildade de admitir que o celular é uma fraqueza, até achando que se distrair com o celular é algo normal, cedo ou tarde, de distração em distração, acabará desistindo do aprendizado.
“Todos são capazes de fugir, desistir se houver um instante, por isso, continuemos caminhando!” (Canção “Brave Heart” de Digimon Tri)
Um mínimo instante de falta de vontade, de preguiça poderá ser suficiente para minar ou apagar totalmente o seu interesse em aprender japonês. Se não estiver disposto para executar uma tarefa, procure se lembrar de tudo de bom que a execução dessa tarefa lhe trouxe até hoje (sensações e resultados). Feito isso, comece a executar a tarefa mesmo que na marra. É bem provável que a motivação aparecerá aos poucos. Também, coloque essa tarefa no topo da lista de coisas a se fazer no dia, a primeira coisa. A ideia de “tirar logo isso da frente” pode ajudar a ter motivação para começar (e finalizar). Outra coisa que você pode fazer é organizar o ambiente de modo que o acesso ao material de estudo (livros, cadernos, etc.) fique bem facilitado. Por exemplo, se você sente disposição para estudar logo que acorda, pode deixar o material de estudo numa mesa ao lado da cama. Ou se não estiver disposto, o simples fato de o material de estudo estar bem acessível pode gerar motivação para começar a estudar.
A disciplina está intimamente ligada a um PROPÓSITO. Primeiramente, vamos à etimologia da palavra “propósito”. Ela vem do latim “pro“ (à frente) + “ponere” (colocar, pôr), que resulta em “proponere” (colocar à frente). Logo, “propósito” poderia ser entendido como aquilo que é colocado como primeira meta, isto é, à frente de todas as outras.
Agora observe a seguinte afirmação:
“Eu quero aprender japonês para conseguir um emprego numa empresa japonesa e morar no Japão”.
Agora perguntamos: Qual é o objetivo da pessoa que afirma tal coisa?
O natural é pensar que primeiro vem (1) aprender japonês e depois (como consequência) vem (2) conseguir um emprego numa empresa japonesa e morar no Japão. Porém, somos tentados o tempo todo a minimizar os esforços e muitos acabam invertendo a ordem das coisas frequentemente sem perceber. Assim, “aprender japonês” acaba se tornando apenas UM MEIO para se chegar à META PRINCIPAL, isto é, “conseguir um emprego numa empresa japonesa e morar no Japão”.
Aí que nasce a dificuldade para manter a motivação, pois o nosso cérebro é muito chato. Para ele só existem coisas importantes e coisas descartáveis. Não há meio termo. Por isso, precisamos saber claramente o que queremos e o preço a se pagar por isso. Se aprender japonês for encarado como um simples meio, o nosso cérebro acabará condicionado o aprendizado de japonês e/ou encarando-o como algo que pode ser facilmente substituído por outro fator que proporcione o mesmo fim. Com isso, sem perceber nos deparamos com o famoso questionamento: “Será que vale a pena continuar?”.
Sim, num mundo de constantes transformações e oportunidades é muito difícil ter um propósito. Enquanto permanecemos em algo que não dá resultado imediato, oportunidades concretas estão indo e vindo. Pode até mesmo ser imprudente continuar. Porém, convenhamos: ninguém é capaz de prever o futuro com certeza absoluta, portanto, assumir o risco de perder faz parte do jogo. A falta de um propósito nos faz perder a noção de identidade e direção. Qualquer coisa serve. O que podemos (e devemos) fazer é ter metas mensuráveis, flexíveis e condizentes com a realidade que se apresenta a nós. Sem idealizações.
Por exemplo, se sua meta for “aprender japonês para conseguir um emprego que pague bem”, por que necessariamente esse emprego precisa estar no Japão se há atualmente países mais acessíveis a nós brasileiros? Emprego que paga bem existe na Irlanda, Portugal, Canadá, etc.
Por mais entristecedor que possa ser fazer esses questionamentos a nós mesmos, eles são necessários para que saibamos de fato o que queremos e o preço a se pagar por isso.
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Conhecidas as ferramentas do aprendizado, podemos esquematizá-las da seguinte forma:
Regidos pela disciplina e humildade, o esforço individual e o ambiente de recompensas estão em constante troca, através da qual há o benefício mútuo. Daí se percebe como é importante que esforço individual e ambiente de recompensas estejam juntos. Pode ocorrer de haver esforço individual estando no lugar errado ou rodeado de pessoas erradas, como também podemos estar em um ambiente de recompensas, mas não haver esforço individual de nossa parte. Em ambos os casos, o caminho para nossa meta será prejudicado.
Por essa razão, é sempre bom refletir sobre estas questões:
➩ Estou me esforçando de forma satisfatória, colocando as ferramentas do aprendizado em prática?
➩ O ambiente no qual estou agora é um ambiente de recompensas, isto é, nas pessoas com quem me relaciono ou nos lugares que frequento há o desejo sincero do meu crescimento pessoal e desenvolvimento das minhas habilidades individuais?
➩ Eu busco sinceramente contribuir também para o crescimento pessoal e desenvolvimento das habilidades individuais dos outros, sem cultivar dentro de mim o “desejo de exclusividade”?
➩ Se NÃO estou em um ambiente de recompensas, o que EU devo fazer: procurar lugares e/ou relações sociais saudáveis? Ou EU MESMO deixar de ser uma pessoa tóxica, que compete o tempo com todo mundo cultivando dentro de mim o “desejo de exclusividade”?
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Pode ser que estejamos fechados em nossas próprias atitudes equivocadas ou em lugares ou relacionamentos que não nos proporcionam verdadeiramente um crescimento pessoal e o desenvolvimento de nossos talentos individuais. Pode ser que estejamos envenenando nós mesmos, os outros ou sendo de fato envenenados por lugares e/ou relacionamentos e não percebemos. Por isso, refletir sobre essas questões com muita sinceridade pode não ser fácil, mas é necessário para um diagnóstico correto.
VII. A IMPORTÂNCIA DE SE EXPOR CORRETAMENTE AO IDIOMA
Como mencionamos ao tratarmos da ferramenta “EXPOSIÇÃO VERDADEIRA”, não basta se expor constantemente; é preciso se expor constantemente de forma correta! Ao comentar sobre a ferramenta do “DESTEMOR” mencionamos que quanto mais você demorar para se expor, pior será e mais cedo a frustração aparecerá. Se você não se expõe por que acha que ainda não está preparado, então, você nunca se sentirá preparado. Somente se expondo é que você será capaz de verificar realmente o que precisa melhorar. Expor-se, acertar, errar, ser corrigido, corrigir-se, expor-se novamente... esse é o processo, esse é o ciclo e não há como evitar essas etapas.
Lembre-se sempre destas valiosas palavras do professor Denilso de Lima do “Inglês na Ponta da Língua”, que valem para qualquer idioma:
“Quando alguém decide aprender inglês, ela começa a aprender com os olhos. Ou seja, cria o hábito de ler sentenças e textos palavra por palavra. Assim, acostuma-se a pronunciar tudo de modo mais lento e nada natural. O melhor é aprender inglês com o ouvido. (…) Preste muito mais atenção ao inglês falado; pois, é ele que ajudará você a se sentir mais à vontade para interagir com as pessoas em inglês. (…) Não são eles (os nativos) que falam inglês rápido demais. Na verdade, é o modo como aprendemos inglês no início que nos condiciona a sermos lentos para entender, ouvir e falar.” |
A raiz do problema da não compreensão da fala natural de um nativo está no fato de que treinamos o nosso cérebro de maneira errada, tornando-o preguiçoso. Para ilustrar mais uma vez a importância da exposição verdadeira, vamos fazer outra analogia. Para tanto, observe a figura abaixo com um pequeno trecho de “Tempos Modernos”, filme de 1936 do cineasta Charles Chaplin:
Imagine que o operário nessa imagem seja o nosso cérebro e cada uma das peças passando na esteira, as palavras. Ora, devido à velocidade com que as peças passam, um operário que não foi treinado sendo exposto à velocidade real da esteira, não conseguiria rosquear todas, deixando passar batido várias por causa de seu despreparo, não é mesmo? Da mesma forma, um “cérebro despreparado” para um idioma não conseguirá reconhecer todas as palavras com que se deparar na “esteira de palavras” do mundo real. Com isso, o estudante ficará frustrado por não ser capaz de acompanhar uma conversa normal. A essa confusão mental somam-se o nervosismo, a ansiedade, a preocupação e o medo. Tudo isso faz com que seu nível de estresse aumente e sua habilidade de ouvir e entender seja prejudicada.
Ler, escrever, falar e ouvir. Estas são as habilidades a serem desenvolvidas no aprendizado de qualquer idioma. E como desenvolvê-las? Vemos muitos métodos que prometem milagres, mas sinceramente não cremos que exista uma fórmula mágica para isto. Ou melhor, a fórmula é simples, porém "trabalhosa":
➩ para aprender a ler, leia bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE;
➩ para aprender a escrever, escreva bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE ;
➩ para aprender a falar, fale bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE;
➩ para aprender a ouvir, ouça bastante VERDADEIRAMENTE e CONSTANTEMENTE.
Para fins meramente didáticos, vamos dividir essas quatro habilidades em EMISSORAS (OUTPUT) e RECEPTORAS (INPUT). As habilidades pelas quais você EMITE informações são a fala e a escrita. Já as habilidades pelas quais você RECEBE informações são a leitura e a compreensão auditiva. As habilidades receptoras ajudam a melhorar consideravelmente as habilidades emissoras. É por isso que há quem defenda a tese de que para falar bem, é preciso antes ter uma boa compreensão auditiva e para se escrever bem é preciso antes um hábito de boa leitura, pois de certo modo, tendemos imitar aquilo que recebemos, no que diz respeito à comunicação. A esse aspecto daremos o nome de “fenômeno da imitação”:
Então, faça dessas atividades uma rotina, e aos poucos, você irá notar que seu cérebro se acostumará com tudo isso. A palavra-chave aqui é IMERSÃO.
“Viva o idioma todos os dias, passe quantas horas for possível praticando as quatro habilidades”.
“Ouça bastante, atentando-se ao modo como um nativo fala e imite-o quando você for falar. Também, reproduza aquilo que você lê ao escrever”.
Um dos maiores erros que se pode cometer quando estamos aprendendo um idioma é ficar preso aos livros, aos exercícios por eles propostos, a outros materiais didáticos, como CDs e à prática da sala de aula (se você faz algum curso em alguma escola de idiomas). Assim estamos condicionando o cérebro a entender que o idioma apresentado nos livros é o praticado na vida real. Isso só trará decepção, pois bem sabemos que não é assim. Gramática e língua prática são coisas bem diferentes.
Podemos dizer que a língua prática (principalmente a falada) é regida pelo “princípio (ou lei) do menor esforço”, isto é, uma tendência de institivamente procurar facilitar as coisas, de reduzir o esforço, seja físico ou mental. Por isso, nativos encurtam, juntam ou omitem as coisas para tornar a fala mais fácil, além de cometerem erros gramaticais e de pronúncia. O princípio do menor esforço também explicaria por que o número de palavras mais usadas pelos nativos e suficientes para a comunicação no dia a dia é pequeno (mais detalhes no tópico 8), sendo essas palavras as mais simples. E não somente usamos as palavras mais simples (e comuns), mas também os padrões de sentença mais simples. Afinal, por que quebrar a cabeça usando palavras (e estruturas gramaticais) complexas se podemos usar palavras (e estruturas gramaticais) mais simples e chegar ao mesmo resultado (entender e ser entendido)? Assim, teríamos o seguinte esquema:
Vamos exemplificar usando a língua portuguesa. Como nós costumamos pronunciar, por exemplo, “Você não está com sono?” Provavelmente, como apresentado no quadro a seguir:
Por causa do princípio do menor esforço instintivamente pronunciamos “está”, apenas “tá”, “com” tendemos pronunciar “cum”, “não” soa como “num” e “você” como “cê”, afinal é bem mais fácil, não é mesmo? Apesar de a oração acima estar com as palavras encurtadas, para nós que temos o português como língua materna, é de fácil compreensão. Porém, com certeza, ela seria um terror para um estudante estrangeiro que frequentou um curso convencional de língua portuguesa, pois ele espera ouvir as palavras pronunciadas corretamente: “você”, “não”, “está”, “com”, “sono”. Agora, observe esta oração, bem como as partes em destaque:
Novamente, isso se deve ao fato de que os nativos buscam meios mais fáceis de articular as palavras. Experimente dizer a frase “Hoje você falou com o homem vestido de branco que estava dentro do carro?”, pronunciando as palavras exatamente como elas são escritas. Certamente, você sentirá dificuldade e uma falta de “ritmo” na fala, isto é, soará como um robô.
Por esta razão, é que normalmente pronunciamos “ Hoji cê falô cum u homi vestidu di brancu qui tava dentru du carru?”. Veja como que instintivamente enfraquecemos e/ou omitimos algumas sílabas, a fim de tornar a fala mais fácil, mantendo assim um “ritmo” na articulação das palavras. Algo importante de se notar é que essas “manobras” usadas pelos nativos não são ensinadas, mas é algo adquirido e praticado instintivamente pela vivência com o idioma.
Além disso, a lei do menor esforço explicaria o motivo dos erros gramaticais. No fundo, há sempre uma tentativa de encaixar algo em algum padrão comum, familiar (isto é, institivamente fazemos analogias), diminuindo assim o esforço mental. Um exemplo de erro gramatical que se tornou padrão na língua prática falada é o plural da palavra “pizza”. Como essa palavra não foi aportuguesada, pelas normas da gramática tradicional, deve-se manter o plural original (em italiano, o plural de “pizza” é “pizze”). Mas quem fala assim, não é mesmo? Instintivamente usamos como plural de “pizza”, “pizzas”. Bem mais fácil e todo mundo entende. Bem mais fácil vir à mente que o plural das palavras terminadas em “A” é formado com o acréscimo do “S” (um padrão muito comum), do que intuir que como “pizza” é uma palavra italiana, deve-se usar seu plural original.
Veja que, se o intuito da comunicação é entender e ser entendido, na prática, o plural correto de “pizza” se torna irrelevante, porque dificilmente alguém entenderá o que é “pizze”. A língua falada é incontrolável e ela vai se adaptando às necessidades expressivas dos falantes. As mudanças na língua prática (principalmente a falada) são lentas e graduais e têm sua origem num sujeito falante, num grupo social etc., até que se generalizam e se estendem a toda a comunidade, desde que essas mudanças tragam uma melhor efetividade na comunicação. Aliás, o princípio do menor esforço conduz não somente a uma abreviação das coisas, mas em alguns casos, ao alongamento pela substituição por termos mais comuns. É o caso do pretérito mais que perfeito. Dificilmente alguém dirá “fizera”, mas sim “tinha feito”. Note que “tinha feito” é mais longo, mas é muito mais comum e, por isso, possibilita uma maior efetividade na comunicação.
Erros de pronúncia também acontecem porque procuramos facilitar as coisas. Um exemplo disso é a palavra “AEROPORTO”, que alguns (ou algumas vezes) pronunciamos “EROPORTO”. Veja que para nós que falamos português nativamente, mesmo com esse erro de pronúncia, somos capazes de saber que “eroporto” se trata de “aeroporto”, devido ao contexto e/ou porque já estamos tão acostumados com o português que sabemos que “eroporto” não é uma outra palavra. Mas “eroporto” seria um terror para um estudante estrangeiro iniciante no português. Muito provavelmente de início ele pensará que se trata de uma outra palavra, procurará no dicionário e não a encontrará. E acabará se frustrando...
Por falar em pronúncia, outro fator que devemos considerar é o que chamaremos de “fator individual-geográfico”, ou seja, pessoas ou grupos se expressam de modos diferentes, seja com relação à velocidade com que falam ou até mesmo no modo de pronunciar as palavras. Por exemplo, você que mora no Sudeste do Brasil percebe facilmente o quão diferente é a maneira de falar das pessoas da região Sul, o que pode gerar certa dificuldade de compreensão. Ou ainda, experimente ouvir o português de Portugal. Você logo perceberá que não compreenderá tudo. Ora, é o mesmo idioma, mas a velocidade com que falam, o modo de pronunciarem as palavras, faz com que, de início isso seja algo estranho ao nosso cérebro, pois ele está acostumado com as características da fala do português brasileiro, sendo necessário, então, “acostumá-lo” ao português europeu. De forma semelhante ocorre com os falantes de língua inglesa. Certamente, um americano tem dificuldade de entender um australiano mesmo ambos sendo falantes nativos de inglês, devido às diferenças na fala.
Por causa do princípio do menor esforço, nós tendemos a usar os padrões de sentença mais simples e comuns também. Por exemplo, em português, como podemos perguntar o nome de alguém?
Provavelmente você pensou em apenas duas maneiras:
➩ Qual é o seu nome?
➩ Como você se chama?
Essas duas estruturas são as maneiras mais comuns e mais simples para perguntar o nome de alguém e dificilmente algum de nós perguntaria o nome de alguém de outro jeito. Aliás, para muitos, o fato de as pessoas tenderem a usar as estruturas gramaticais mais simples e comuns para transmitir ideias, apenas mudando as palavras quando necessário, justificaria a atitude de se ensinar uma língua somente com o uso de frases prontas. Bastaria pegar as palavras mais comuns e inseri-las nos padrões de sentença mais comuns. E, quando necessário, bastaria unir esses padrões de sentença simples e comuns. Assim:
Isso pode parecer muito convincente em termos práticos, contudo, não podemos esquecer de um detalhe muito importante:
Comunicação é sempre um processo criativo, interativo e LIVRE.
Em português, nada impede, por exemplo, que uma pessoa pergunte o nome de alguém assim:
“Qual o termo que seus pais escolheram para designar a sua pessoa como indivíduo dentro da sociedade?”
É claro que esse tipo de formulação representaria um esforço desnecessário para o falante e também um risco para ele de não ser compreendido, pois é uma formulação totalmente fora daquilo que nós nativos do português estamos acostumados. Porém, nós somos livres para usar as palavras. E por causa disso, precisamos estar preparados para esses tipos de formulações fora do comum. Quanto maior for o nosso banco de dados de experiências, melhor. Nesse aspecto, quanto maior o nosso conhecimento de como a língua funciona e quanto maior o nosso vocabulário, melhor. Restringir-se a palavras e padrões de sentenças mais comuns é limitar o nosso poder de comunicação. Mesmo em nossa língua nativa podemos ter nossa comunicação prejudicada quando desprezamos o conhecimento da gramática e a importância de aumentar constantemente nosso vocabulário. Não é difícil encontrar pessoas que, apesar de conseguirem se comunicar bem, têm um português bem limitado, com pouco repertório.
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Pelas razões apresentadas, procure desde o começo se expor ao japonês ‘do mundo real’, consumindo materiais feitos para os japoneses. Procure fazer amizades com japoneses (em redes sociais, aplicativos, etc.), conversar com eles em japonês e, principalmente, ouvir as coisas na velocidade natural para acostumar seu cérebro. A dificuldade em entender um nativo não está na “rapidez” com que ele fala, mas sim na nossa falta de familiaridade, tanto com a velocidade natural da fala como com as manobras feitas por ele para tornar a fala mais fácil. Tudo isso por ficarmos presos aos materiais didáticos achando que tudo será dito com clareza e gramaticalmente correto. Desconsideramos o princípio do menor esforço, sendo que nós mesmos o aplicamos instintivamente ao usarmos o português! Ora, por que os nativos de outros países não fariam o mesmo com sua língua materna??
Entretanto, alguns dirão que já há estudos que comprovam que japoneses falam sim mais rápido se comparados com nativos de outras línguas, pois japoneses falariam mais sílabas por segundo. Ainda que isso seja verdade, vamos olhar a questão de outra maneira. Ao analisar esse mesmo estudo, a segunda língua mais rápida nessa lista é o espanhol. Ora, mas nós que falamos português não sentimos tanto isso. Devido a algumas similaridades (sonoras e estruturais) que existem entre o português e o espanhol, já estamos “pré-familiarizados” com esse idioma.
Como mencionamos anteriormente, o cérebro é a parte do corpo que sozinha consome mais energia, portanto, ele quer que nos concentremos naquilo que é realmente importante. De forma simplista, assim como o cérebro só aprende o que julga ser importante, ele tende a codificar apenas sons que ele julga importantes. Em outras palavras, nós ouvimos tudo com os ouvidos, mas é como se dentro do cérebro tivéssemos um setor de triagem, um filtro que deixa passar apenas uma parte dos sons (os sons que “se repetem” constantemente e similares) para o setor da codificação. Se não há um registro exato do som no nosso banco de dados de experiências vividas, na nossa memória, o cérebro busca um parecido. Isso explicaria o motivo de nós falantes de português entendermos relativamente bem o espanhol mesmo sem nunca ter estudado esse idioma.
Então, veja que no fundo o problema continua sendo a falta de familiaridade. Comunicação está muito relacionado com sobrevivência, por isso, não existe idioma criado para ser incompreensível. Se assim fosse, perderia sua razão de ser. Veja a resposta de um japonês a um americano ao comentar sobre a “rapidez” com que os japoneses falam:
“Considero que falo japonês a uma ‘velocidade normal’. Do seu ponto de vista, o japonês soa rápido porque é uma língua estrangeira. Sou um estudante de inglês e sinto que os falantes nativos de inglês falam ‘rápido’, mas na verdade falam inglês a uma velocidade ‘normal’, não é mesmo? É uma coisa mútua.” (Fórum HiNative) |
E se você ainda acha que os estrangeiros falam rápido, observe dois breves relatos de estrangeiros que estão aprendendo português. Provavelmente você se enxergará nessa situação com relação à língua japonesa (ou qualquer outro idioma que estiver aprendendo):
(1) “Os brasileiros falam muito rápido, até mais rápido que as pessoas de Portugal”. (2) “Estou estudando português brasileiro há mais de 6 meses e quase nenhum brasileiro que eu tenha ouvido falar soa parecido com o que eu estou aprendendo. Por que isso e como posso entender o povo brasileiro?” |
Lendo esses relatos você deve estar pensando: “Ué, não acho que nós brasileiros falamos rápido. A gente se entende. Falamos numa velocidade normal”. Pois é... então será que os estrangeiros falam tão rápido assim ou é o modo como aprendemos uma língua estrangeira nos cursos convencionais que nos deixa mais preguiçosos? Que tal substituir “fala rápida” por falta de familiaridade, tanto com o ritmo natural da fala, como com as manobras feitas pelos falantes?
Em resumo: se você não está familiarizado com o idioma, esse idioma soará rápido para você. À medida que você se familiariza, o idioma começa a soar “mais lento”. Vai parecer mágica, mas é apenas sinal de que você está progredindo.
Com relação à língua portuguesa, seu cérebro entende o que está sendo falado, porque ele busca as informações registradas, sendo que elas foram registradas com base no português como ele é usado no “mundo real” (nós brasileiros aprendemos o português com o ouvido). Vamos fazer uma analogia: imagine que seu cérebro possui um livro chamado “Registro de Palavras” e toda vez que você ouve alguma coisa, ele consulta esse livro.
São necessárias duas coisas para uma boa comunicação, uma da parte do cérebro e outra por parte do livro:
A) CÉREBRO: ele precisa estar acostumado com o ritmo natural da fala a fim de consultar e encontrar a palavra ouvida o mais rápido possível;
B) LIVRO: além de uma boa quantidade de itens (vocabulário), é preciso haver qualidade no registro, isto é, cada item precisa conter a palavra na língua materna, a definição na língua estrangeira e, tão importante quanto a definição, suas variantes na língua prática, considerando o princípio do menor esforço. Por exemplo, o cérebro de um americano que estude português ao registrar a palavra “AIRPORT”, precisa fazê-lo assim:
➩ AIRPORT: aeroporto ou “eroporto” (variante possível usada na língua prática).
Note que se não houver o registro da língua prática, ao ouvir “eroporto”, o estudante americano ficará confuso achando que é uma palavra que ele não conhece. Mas é apenas variante de uma palavra já conhecida.
Além de procurar o registro individual de palavras que vemos ou ouvimos, nosso cérebro registra padrões de sentenças e possui as funções de associar e autocompletar. O cérebro analisa cada possibilidade usando seu banco de dados acumulado de experiências passadas para minimizar o elemento surpresa, isto é, ele antecipa o que está por vir quando ouvimos alguém falar. Isso explicaria por que um nativo entende palavras ou frases mesmo quando não ditas claramente – bastaria uma parte e o cérebro faria todo o resto com base no contexto e no “banco de dados”. Fazendo uma analogia é como se o nosso cérebro funcionasse como o Google:
Veja um exemplo que mostra o poder de associação do cérebro. Você consegue decifrar o texto a seguir?
Outro exemplo dessas habilidades do cérebro é quando não percebemos erros, porque nosso cérebro “já entendeu a mensagem”. Veja:
Diante de todos esses fatos, cremos que fica clara a importância da exposição de forma constante ao japonês “do mundo real”. Resumindo, poderíamos dizer que aprendemos a falar o português (e isso vale para qualquer idioma) com o OUVIDO, bem como por meio da EXPOSIÇÃO e USO CONSTANTES (repetição) das mesmas coisas, buscando, seja instintivamente, seja conscientemente, uma relação (ASSOCIAÇÃO) entre essas coisas. Via de regra um nativo reconhece um erro NÃO por causa da gramática, mas sim por causa de sua experiência, de seu banco de dados construído até então. Por exemplo, se alguém dissesse “Quando eu era criança, eu “JOGAVIS” (jogava) futebol na escola”, um nativo vai saber que isso está errado, não por que gramaticalmente “JOGAVIS” não existe, mas primeiramente por que nunca ouviu alguém falar assim. Aliás, aqui percebemos ainda mais a diferença que há entre gramática e língua prática. Por isso, tenha sempre em mente que um nativo tem conhecimento prático da sua língua, o que não é necessariamente sinônimo de conhecimento gramatical. Citando o exemplo do plural gramaticalmente correto de “pizza” – “pizze”, provavelmente quase nenhum nativo do português vai saber o que é isso ou se ouvir alguém falar assim, vai achar que a pessoa está errada, afinal na vida concreta ninguém fala “pizze” para “pizzas”. Mesmo aqueles que sabem que o plural de “pizza” é “pizze”, não usam isso, pois no fim das contas todos sabem que o que importa mesmo é ser entendido pelos outros.
É preciso desenvolver O QUANTO ANTES uma tolerância ao filtro chamado “princípio do menor esforço” pois esse filtro é usado por todos os nativos de todas as línguas instintivamente.
É essa “língua filtrada” que, pela exposição verdadeira constante e pela imitação, aprendemos quando crianças. Nós não aprendemos o português através dos livros de gramática. Por isso, não devemos esperar que os nativos de outras línguas utilizem a língua “dos livros”. É fundamental que essa “língua filtrada” também conste no banco de dados do nosso cérebro, pois, assim como nós, é a “língua filtrada” pelo princípio do menor esforço que eles usam no “mundo real”!
No tópico sobre sedentarismo, mencionamos que quanto mais rápido processarmos as informações, melhor e, por isso, recomendamos que você desse preferência à repetição ativa por melhor estimular o cérebro. Apresentaremos mais dois exercícios que você poderá agregar aos seus estudos. São eles:
➩ DITADO: este exercício consiste em você ouvir algo e ir anotando. Portanto, o ideal é que haja a transcrição daquilo que você tentou anotar para poder fazer a correção;
➩ SOMBRA: certamente você já viu na televisão aquelas pessoas que traduzem quase que simultaneamente o que é dito por uma pessoa estrangeira, não é mesmo? Chamados de intérpretes, esses tradutores agem como sombras daquele que está falando em uma língua estrangeira. Sendo assim, este exercício consiste em você ouvir algo, mas em vez de traduzir em tempo real para o português, você deverá tentar repetir em tempo real o que é dito, de preferência em voz alta. O ideal é que também haja uma transcrição do que é dito para correção.
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Perceba que esses dois exercícios visam o desenvolvimento da compreensão auditiva e já há estudos que compravam que tanto o ditado quanto o fazer sombra têm um impacto positivo no desenvolvimento desta habilidade. Além disso, alguns afirmam que o fazer sombra auxilia no desenvolvimento da fala, pois nesse exercício estamos tentando imitar o modo natural como um nativo articula a fala. São exercícios considerados avançados, mas quem saberá qual o melhor momento de agregá-los aos seus estudos é VOCÊ MESMO!
Pratique cada uma das quatro habilidades (falar, ouvir, ler e escrever) com foco e concentração. Por exemplo, para melhorar sua habilidade de ouvir, você tem que ouvir verdadeiramente. Você tem que escutar com foco e atenção. Ouvir passivamente (fazendo outras coisas ao mesmo tempo) não trará bons resultados. Discutiremos mais sobre esses pontos na lição 8 (Gramática Avançada).
VIII. QUANTAS PALAVRAS PRECISO APRENDER?
Para responder a essa pergunta, vamos considerar como se dá a nossa comunicação no nosso cotidiano. Ora, com base nele, percebemos facilmente que há palavras que usamos com mais frequência, sendo que elas não compreendem TODAS as palavras que conhecemos em nosso idioma materno. Em outras palavras, na nossa vida prática, usamos apenas um número restrito de palavras.
Já que não usamos todas as palavras existentes ou que conhecemos para nos comunicarmos, costuma-se dividi-las em dois grupos: as palavras que você conhece, e utiliza, constituem o seu vocabulário ativo. As palavras que você conhece, mas não utiliza, no dia a dia, constituem o seu vocabulário passivo. É de se imaginar, portanto, que o vocabulário passivo é muito maior que o nosso vocabulário ativo, pois na nossa vida rotineira tendemos a usar somente as palavras “mais simples” e comumente usadas.
E isso é realmente verdade se levarmos em conta o modo como aprendemos a falar a nossa língua materna: primeiro, aprendemos palavras simples e que, de certo modo, são suficientes para nos comunicarmos e sermos entendidos pelos adultos (aproximadamente 500 palavras ativas representam o vocabulário de uma criança pronta para aprender a ler e escrever – 5 anos de idade). A partir daí, com os estudos e conforme as circunstâncias exigem, vamos aprimorando nosso vocabulário, aprendendo palavras novas e mais complexas, bem como novos sentidos das que já conhecemos (aproximadamente 2.000 palavras são o vocabulário ativo de um adolescente em seu idioma materno, no fim do ensino médio). E continuaremos sempre aprendendo vocabulário até que a nossa vida termine...
Ainda assim, as palavras que usamos no nosso dia a dia, mesmo na vida adulta e desconsiderando termos específicos dos mundos corporativo e acadêmico, continuam a ser as “mais simples” e comumente usadas. Não vamos muito além disso. Mesmo que conheçamos um grande número de palavras, ficamos restritos a este grupo quando falamos com amigos, familiares, ou estamos em lojas, restaurantes, etc. Ou você já ouviu alguém usar em português, palavras como litossolo, coarctar, novedio, nubícogo, olente ou divulsão? Além disso, repare como, mesmo em nossa língua nativa, facilmente esquecemos significados de palavras poucos comuns com as quais por ventura nos deparamos. Por exemplo, se durante uma leitura alguém se depara com a palavra “nubícogo”, provavelmente vai procura-la em um dicionário e vai aprender o seu significado. Porém, certamente vai esquecer depois de um tempo. A razão disso é muito simples: não há nenhum motivo para o cérebro guardar uma palavra que em termos práticos não fará diferença alguma. Por outro lado, não esquecemos o que significa “casa”, “carro”, “família”, “comprar”, etc. Afinal, em termos práticos, essas palavras são muito usadas, nós as ouvimos e as vemos escritas constantemente; são muito importantes.
E indo mais além: não somente usamos as palavras mais simples, mas também os padrões de sentença mais simples. Por exemplo, “Eu vou te dar um presente no Natal” é mais comum que “Eu lhe darei um presente no Natal”. Muito mais raro, é a forma “Dar-te-ei um presente no Natal”.
Costuma-se dizer que em qualquer idioma as palavras que compõem o vocabulário ativo giram em torno de 3.000. Ou seja, essas são as palavras mais importantes e mais comuns; aquelas que de fato serão necessárias no seu dia a dia. Isso deve equivaler ao seu vocabulário ativo em português. Então, você deve se concentrar primeiramente nelas. E quanto ao vocabulário passivo? Bem, isso é algo que vamos aprender constantemente durante nossa vida... mas em termos de números, é bom que você tenha em seu vocabulário passivo em torno de 3.500 palavras (ou mais), a fim de obter uma boa compreensão do idioma.
Outro ponto importante, é que nos cursos convencionais nós tendemos a aprender palavras por grupos: cores, ocupações, móveis e assim por diante. Isso parece eficaz e sensato, pois nossa memória trabalha melhor ao categorizarmos as coisas por suas semelhanças. Contudo, em termos de aprendizagem de línguas, essa atitude só retarda o aprendizado.
A primeira palavra do mobiliário que provavelmente você aprenderá será a equivalente a “mesa”. Depois, você aprenderá palavras como “poltrona”, “espelho” e “guarda-roupa”. Agora, vamos a um exemplo prático: um amigo vem visita-lo e você quer oferecer a ele as coisas que estão na mesa. Ok, você sabe falar “mesa”, mas por si só essa palavra não é suficiente para expressar aquilo que é necessário nessa situação. As outras palavras, “espelho”, “cadeira” e “guarda-roupa” serão inúteis nessa situação. Ainda, quando você precisa usar a palavra “polícia” pela primeira vez, você vai precisar das palavras “pintor” ou “carpinteiro”?
Não, não estamos dizendo que essas palavras não são importantes. A questão aqui é dar prioridade para as palavras realmente importantes, aquelas que possibilitarão uma comunicação efetiva na maior parte das situações. Por esta razão, cremos que o melhor meio de aprender palavras é categorizá-las não por sua semelhança, mas sim por sua frequência de uso.
Para ilustrar, observe a tabela abaixo que aponta o número de palavras aprendidas (considerando a frequência de uso) e a porcentagem aproximada de cobertura. Tomemos como base os estudos referentes à língua inglesa, considerando que não deve ser muito diferente na língua japonesa, tendo em vista as exigências do JLPT:
Normalmente neste tipo de exposição se faz uma relação entre o número de palavras e a taxa de compreensão, contudo, preferimos usar o termo “Taxa de Cobertura”, isto é, a possibilidade de você reconhecer uma palavra ao se deparar com ela. Explicaremos o motivo disso no próximo tópico. Também, é muito importante destacar que aqui se considera pelo menos 3.000 palavras e suas respectivas variações. Por exemplo, um estrangeiro que esteja aprendendo português ao aprender o verbo “trazer”, precisa ter consciência de todas as formas possíveis desse verbo para não achar que, por exemplo, “trouxer” (futuro do subjuntivo de “trazer”) é outro verbo.
Conhecendo pelo menos as 3.000 palavras mais comuns, você será capaz de encontrar uma maneira de dizer o que quiser (desconsiderando se um nativo falaria ou não desse jeito). Você não terá problemas de comunicação e circulação na vida cotidiana, mas provavelmente precisará de um dicionário para ler a maioria do material escrito, pois é na língua escrita que se costuma observar as regras gramaticais e, para transmitir formalidade, usar palavras mais complexas.
Segundo alguns estudos, o número de palavras necessárias para atingir certos níveis de cobertura textual varia da mídia para mídia. Por exemplo, para textos na internet são necessárias aproximadamente 5.000 palavras para um nível de cobertura de 95%. Já para livros, jornais e revistas são necessárias mais de 9.000 palavras para esse mesmo nível de cobertura. Isso é pelo fato de que esses meios possuem palavras mais técnicas, restritas a um determinado assunto.
A tendência em qualquer idioma é que quanto maior o nível, mais restritas são as palavras e as estruturas gramaticais. Aliás repare na diferença que há no crescimento da taxa de cobertura. Com apenas 1.000 palavras, espera-se uma taxa de cobertura já em torno de 80%. De 1.000 para 5.000 palavras o salto é de aproximadamente 14%. Daí para frente a taxa de cobertura tende a crescer menos, isto é, de 5.000 para 10.000 palavras o aumento da cobertura é de aproximadamente 2,50% apenas. O natural é que palavras mais complexas sejam criadas a partir das palavras mais simples, de uso corrente para preencher lacunas específicas de um determinado meio ou época. Esse fato, aliás, também fundamentaria a importância de se dar prioridade para o aprendizado das palavras mais comuns. Mesmo que você se depare com uma palavra avançada desconhecida, como mencionamos anteriormente, será bem provável que ela se trate apenas da combinação de palavras mais simples, de uso corrente.
Com tudo o que estamos vendo nessa seção, considere nosso cérebro como uma máquina que faz a análise, o reconhecimento, a associação e a previsão das coisas que ele presencia no presente com base nas informações contidas em um banco de dados chamado “experiências passadas”. Logo, quanto maior e mais diversificado for nosso banco de dados, melhor. Isso vale também para o vocabulário. Podemos dizer que o nosso mundo é constituído de “pequenos mundos”, isto é, as palavras comuns de uso diário possibilitarão uma menor cobertura na medida que você se inserir ou consumir materiais referentes a esses pequenos mundos, coisas mais restritas. Observe a ilustração a seguir:
Os “pequenos mundos” possuem vocabulário mais restrito! Um músico, um médico, um advogado… todos usam algumas palavras próprias de seus “respectivos mundos”. Aprender vocabulário, seja numa língua estrangeira, seja na nossa língua materna, será sempre uma constante! Daí a importância daquilo que chamamos “conhecimentos gerais”, isto é, consumir informações, conhecer um pouco de cada pequeno mundo. Quanto mais “pequenos mundos” conhecermos, melhor!
IX. COMPREENDA A MENSAGEM, NÃO APENAS PALAVRAS ISOLADAS
Quando tratamos da ferramenta da “HUMILDADE”, mencionamos o perigo que é acabar se tornando apenas um “quantificador de conhecimento”. O quesito vocabulário é um dos aspectos que mais fazem o estudante cair nessa armadilha.
No tópico anterior, mencionamos que é muito comum se fazer uma relação entre o número de palavras conhecidas e a taxa de compreensão. Certamente, você já se deparou – principalmente na internet – com pessoas que afirmam coisas como “Eu já sei todas as palavras de uso comum na vida diária, por isso sou capaz de compreender por volta de 90%!”. Entretanto, saber não é sinônimo de compreender! Por isso, cremos que o correto seja dizer “TAXA DE COBERTURA” em vez de “taxa de compreensão”. Sim… há uma leve diferença aqui. Para clarificar, observe a oração em português a seguir:
O estudante gostava de campear suas conquistas!
Provavelmente você não entendeu a “mensagem” da oração só por causa do verbo “campear”, não é mesmo? Com esse exemplo, queremos ressaltar que as palavras de maior frequência de uso são, como mencionamos acima, aquelas que possibilitarão uma comunicação efetiva na maior parte das situações, o que não quer dizer que você não poderá se deparar com situações que não entenderá uma oração inteira só por causa de uma ÚNICA palavra (ou mais) pouco comum usada na construção. Isso é NORMAL! As pessoas são livres para usarem as palavras que quiserem! Como vimos, mesmo em nossa língua materna poderá haver situações assim! Podemos não entender, mas é assim que também aprendemos novas palavras! O problema é que quando nosso entendimento é “nocauteado” por uma única palavra desconhecida em uma língua estrangeira que estamos aprendendo, pode causar em nós a sensação que não estamos progredindo.
Aprendendo as palavras de maior frequência de uso estamos apenas diminuindo a possibilidade de haver incompreensões! Afinal, a possibilidade de alguém usar uma palavra pouco comum se é possível expressar o mesmo com uma palavra mais simples e comum é (instintivamente) muito pequena! Por que usar “campear” uma vez que se quis dizer “exibir”? Além disso, começar aprendendo pelas palavras de maior frequência de uso não quer dizer que você só deve aprender elas! Como mencionamos no tópico anterior, o nosso mundo é constituído de “pequenos mundos”, isto é, as palavras comuns de uso diário protegerão menos da incompreensão na medida que você se inserir ou consumir materiais referentes a esses pequenos mundos, coisas mais restritas. ISSO É NORMAL!
Observe a oração a seguir também em português:
O gato passou pelo poste observando o gato que foi feito.
Com essa oração queremos ressaltar que uma mesma palavra pode ter significados diferentes. Aqui, o primeiro “gato” se refere ao animal e o segundo, a uma gambiarra. Para nós que falamos português nativamente, a compreensão não foi prejudicada, mas com certeza um estrangeiro que está começando a estudar português não entenderia a mensagem por causa desse segundo “gato”. Ele reconheceria a palavra, mas não a compreenderia. Perceba como mesmo uma palavra de uso comum no uso diário pode ter significados não tão comuns. Essa situação também pode ser frustrante para um estudante de língua estrangeira, mas isso é NORMAL. Assim como em nossa língua materna, em uma língua estrangeira nós vamos aprendendo novos sentidos das palavras que já conhecemos com o tempo e nos expondo a diferentes situações da vida.
Observe a oração a seguir também em português:
O estudante sentou na cadeira e quebrou o braço.
Diferentemente da oração na qual o entendimento da mensagem ficou prejudicado por causa de uma única palavra pouco comum (verbo “campear”), aqui as palavras usadas são todas comuns no uso diário, mas o entendimento da mensagem ficou prejudicado pelo modo como a oração foi construída. Quem teve o braço quebrado? O estudante ou a cadeira? De forma semelhante a outra situação, se isso acontece em uma língua estrangeira que estamos estudando, pode causar frustração, uma sensação que não estamos aprendendo nada! Contudo, isso também é NORMAL! Aqui queremos ressaltar a importância de se levar em conta não apenas a compreensão das palavras em si, mas também o CONTEXTO. Ainda que a oração pudesse ser melhor elaborada, quem presenciou a cena sabe perfeitamente o que aconteceu. Aliás, o japonês é conhecido como uma língua de contexto! Então, não espere compreender orações apenas pelas palavras!
Observe a próxima oração também em português:
O estudante ficou a ver navios.
Nós que somos falantes nativos do português entendemos facilmente a mensagem dessa oração, não é mesmo? Porém, para um estudante estrangeiro iniciante no português, essa oração provavelmente seria um terror, porque mesmo que ele entendesse e compreendesse as palavras, ainda assim não chegaria à mensagem real da oração. Aqui vemos como podemos nos deparar com situações cujo significado individual das palavras deve ser desconsiderado porque o sentido está no conjunto específico de palavras. É o que se chama de “expressão idiomática”. Em outras palavras, “ficar a ver navios” não significa que a pessoa faz isso de fato, mas sim que não obtém o que esperava.
Agora, observe um diálogo do seriado Chaves entre Seu Madruga e Professor Girafales no episódio “O Festival da Boa Vizinhança”:
Professor Girafales: Bem, esta representação teatral foi montada e dirigida pelo Seu Madruga. Mas, por favor não caçoem dele. Talvez a vocês o trabalho dele pareça tolo, fútil, comum vulgar... sim, concordo! Mas é que devem levar em conta que se trata de um indivíduo sem nenhum preparo! De um pobre diabo que nem sequer concluiu o primário. De um pobre infeliz que mal aprendeu a ler e a escrever. De um reles...
Seu Madruga: (faz um gesto para o professor Girafales se calar).
Professor Girafales: Deixe-me continuar, Seu Madruga. Dum João Ninguém. De um...
Seu Madruga: (fazendo um gesto para o professor Girafales se calar).Professor, já chega.
Professor Girafales: Eu não terminei ainda...
Seu Madruga: É por isso mesmo... é que eu não gosto de ser elogiado em público (dá um sorriso).
***
Perceba como neste diálogo Seu Madruga usa o verbo “elogiar” querendo dizer o oposto, isto é, “criticar”. Em outras palavras, a última fala de Seu Madruga poderia ser entendida como “É por isso mesmo... é que eu não gosto de ser criticado em público”. Querendo evitar discussões, Seu Madruga se expressou de maneira indireta e vaga para transmitir o que desejava. Veja que o sentido de “elogiar” aqui está no contexto.
Há línguas em que predomina o modo indireto de se expressar e talvez por causa dessa característica, no japonês há várias palavras que acabaram incorporando também seu significado oposto. Essas palavras podem ser difíceis de entender no início, mas como sempre, a chave para desvendar o significado é o contexto. Aliás, no português temos casos parecidos, ou seja, palavras que nos tempos modernos têm sentido (beirando) o oposto do original. Não se sabe ao certo o motivo dessas mudanças, mas por exemplo, a palavra “formidável” originalmente significa “assustador” e no português contemporâneo significa “magnífico”. Outro caso é o da palavra “sofisticado”, que originalmente significa “falsificado” – deriva do verbo “sofisticar” – , e no português contemporâneo significa “requintado”. Inclusive dicionários costumam registrar os significados originais dessas palavras.
Enfim, seu objetivo real deve ser compreender a “mensagem da oração”, sendo que ela pode estar muito além das palavras em si. Por isso, não se frustre (e não permita que ninguém o frustre) caso não consiga compreender algo rapidamente. Apenas se esforce para compreender! Pergunte! Se for possível, peça para o falante reformular o que foi dito! Como vimos com os exemplos em português, o risco de incompreensão que você vivenciará no japonês vivenciamos em nossa língua materna também e nem por isso ficamos colocando um peso enorme em nossas consciências, pensando que somos péssimos falantes de português! Encare uma incompreensão como uma oportunidade, inclusive em sua língua nativa, de aprender mais, avaliar-se e perceber pontos que precisam ser melhorados. Recomendamos que você comece aprendendo as palavras comuns de uso diário, mas não se restrinja a elas. Diversifique seu vocabulário! Aprenda todas as palavras e significados novos que encontrar pela frente! Seja um “CATADOR DE ORAÇÕES”, isto é, ao ler ou ouvir um nativo, anote orações que achar interessante, analise como as palavras são usadas, como a oração é construída, observe o contexto, pergunte-se se há palavras que você conhece sendo usadas com significados que você ainda não conhece. Observando o contexto, pergunte-se se não se trata de uma expressão idiomática e comece a usá-la em situações parecidas.
X. POVOS DIFERENTES, PONTOS DE VISTA DIFERENTES
De forma simplista, podemos dizer que uma língua é reflexo de como determinado povo enxerga as coisas e o mundo. Portanto, a maneira de expressar conceitos e ideias, as palavras usadas para expressar tais coisas podem variar de língua para língua. Por exemplo, observe a figura a seguir e pense como chamamos em português o que está representado na imagem:
Em português chamamos o que está na imagem de “batata frita”. Em inglês se chama literalmente “fritas francesas” (french fries). Veja como um mesmo conceito pode ser enxergado de maneira diferente nos diferentes idiomas que existem.
Evite pensar uma língua estrangeira como se estivesse pensando em sua língua nativa. Sim, isso é fundamental! Não faria sentido dizer que “batata frita” em inglês é “fried potato”, afinal assim estaríamos considerando como tal conceito foi pensado em português e estaríamos apenas trocando as palavras pela equivalente em inglês, ou seja, batata é “potato” e frita é “fried”.
Como mencionamos, uma língua é reflexo de como determinado povo enxerga as coisas e o mundo. Se há palavras equivalentes como “gato” em português e “cat” em inglês que se referem exatamente à mesma coisa, haverá palavras que expressam conceitos que em outras línguas não há palavra equivalente. Por exemplo, em inglês há a palavra “awe”, que não possui equivalente no português, necessitando, portanto, ser explicada. Ao consultar o “Dicionário Collins” temos como definição de “awe”:
“Awe is the feeling of respect and amazement that you have when you are faced with something wonderful and often rather frightening”.
Traduzindo: Awe é o sentimento de respeito e espanto que se tem quando se é confrontado com algo maravilhoso e muitas vezes bastante assustador”. Note que usamos um dicionário em inglês para saber a definição de “awe”. A razão é muito simples:
Sim, quando falamos de tradução estamos tratando de opções feitas pelo tradutor. Opções essas que, por inúmeras razões, podem não condizer com o sentido real da mensagem (ou de uma palavra). Veja como o Dicionário Michaelis define “awe”:
Perceba que há uma sutil diferença entre a definição dada por um dicionário na língua nativa e um dicionário direcionado para falantes da língua portuguesa. Aqui se reforça a importância de consumir materiais feitos para nativos (e isso inclui dicionários), eliminando aos poucos o português de seus estudos. Da mesma forma que aprendemos a definição de novas palavras em português através do português, procure com o tempo dar preferência a aprender novas palavras em japonês consultando dicionários feitos para japoneses.
Com tudo que mencionamos do tópico 8 até aqui, recomendamos que você evite aprender palavras de modo isolado, pois na maior parte das vezes as palavras precisam umas das outras para passarem uma mensagem de forma satisfatória. Quando você aprender, por exemplo, a palavra “porta”, tente encontrar exemplos de orações. Assim, além de enriquecer o seu vocabulário, você entenderá melhor o sentido de palavras que, isoladamente, podem parecer meio sombrias.
Saber como encaixar as palavras umas nas outras é passo fundamental para aprender um idioma. Contudo, estudar palavras isoladas tem seu lado positivo, pois aprendendo o som e a escrita de uma palavra já poderemos pelo menos reconhecê-la em uma frase com outras palavras já conhecidas que a acompanham. Assim também, teremos a oportunidade de saber como as palavras se encaixam, de modo até mais prático. Convenhamos que fica muito difícil aprender de uma vez todos os sentidos que uma palavra pode ter. Isso demanda tempo, estudo e, principalmente, exposição verdadeira no idioma. Nós, por exemplo, estamos sempre apreendendo sentidos diferentes das palavras em português cujo o som e a escrita já conhecemos ao nos depararmos com elas em contextos distintos, não é mesmo? Não ficamos tentando decorar o dicionário. Aliás, pode-se dizer que um nativo geralmente conhece apenas os sentidos “mais práticos” das palavras. Por exemplo, se um estrangeiro perguntar para você o que significa “gato”, a primeira coisa que virá a sua mente é o animal; a segunda coisa é a ideia de um homem bonito. E talvez a terceira coisa é a ideia de algo mal feito, uma gambiarra. E só. Afinal esses são os sentidos mais comuns, mais usados. Entretanto se consultarmos o Dicionário Aulete, ele nos apresentará 20 significados para “gato”! Veja:
Sabemos todos esses significados possíveis de “gato”? Não!! Isso prejudica nossa comunicação diária? Também não!! É ao longo da vida que aprendemos novos sentidos das palavras que conhecemos, de acordo com as diferentes circunstâncias vividas. Em outras palavras, apenas deixamos que as situações vivenciadas nos ensinem. Por exemplo, suponhamos que um estudante de língua inglesa já seja capaz de pelo menos reconhecer, seja pelo som ou graficamente, as palavras “french” e “fries”, mas ainda não conhece a construção “french fries” (batata frita). Em dado momento ele se depara com um nativo dizendo:
Associando as palavras que ele já conhece com a ação que ele está vendo, com o contexto, o estudante é capaz de concluir que “french fries” significa “batata frita”. Como mencionamos anteriormente aprendemos nosso idioma materno e novas palavras por causa do uso constante (repetição) das mesmas coisas, buscando, seja instintivamente, seja de forma consciente, uma relação (associação) entre essas coisas nas diferentes situações que vivenciamos. Aliás, repare como em livros ou programas de TV infantis se usa muito a associação entre palavra e imagem.
Também, você deverá ter sempre em mente que “se você já não sabe como dizer algo em outra língua, então não sabe mesmo”. Portanto, se você puder, pergunte imediatamente a alguém como dizer a expressão desejada, incluindo uma explicação detalhada do seu uso. Então comece você a praticar e a pensar do ponto de vista de um falante nativo. Idiomas não são como problemas matemáticos; você não tem que descobrir a resposta; mas se você praticar a partir da resposta correta, desenvolverá bons hábitos que lhe ajudarão a formular natura e corretamente sentenças.
XI. ESTUDE A CULTURA E A HISTÓRIA
Não estude somente a língua japonesa, mas também a cultura do Japão, pois indubitavelmente, o modo de agir de um povo tem reflexos em seu modo de falar. Conhecer tais aspectos facilita o modo de se expressar, faz com que muitas expressões tenham sentido e evita que você se expresse usando um “japonês com cara de português”.
Considerar a questão cultural na hora de se expressar para não acabar falando “um japonês (ou qualquer outra língua) com cara de português” é importantíssimo para evitar mal entendidos. Tenha sempre em mente que aquilo que pode ser normal em português pode não ser em outra língua. Por exemplo, em português temos o verbo “querer”, que em inglês muitos de nós apenas trocaria pelo equivalente “want”. Assim:
No exemplo acima, a oração está gramaticalmente correta e um nativo entenderia a mensagem. Porém, a questão é COMO o nativo enxergaria essa oração. Em português, usar o verbo “querer” para fazer pedidos de forma geral é normal, contudo, em inglês, você pode soar rude, mal educado dependendo da pessoa com quem se fala. Em inglês o ideal seria dizer “I would like a hamburger”. Então poderíamos dizer que, apesar de estar gramaticalmente correta e apesar de um nativo entender a mensagem, culturalmente falando, a oração “I want a hamburger” está incorreta.
No caso da língua japonesa, a questão cultural tem um peso ainda maior. Os japoneses são conhecidos por prezar a harmonia social, portanto, é natural que eles tenham o desejo de evitar mal entendidos. Para tanto, costumam usar basicamente dois “princípios”:
➩ Expressar-se de forma indireta e formal;
➩ Usar o mínimo de palavras possível.
A língua japonesa é considerada uma língua de contexto, portanto, não devemos esperar que as coisas sejam ditas apenas por palavras e com clareza. Ser direto, principalmente com desconhecidos, costuma ser considerado rude. Falar mais do que o necessário, também. Perceba que parecer ambíguo, isto é, ser capaz de se expressar “nas entrelinhas” esperando que o outro entenda a mensagem e ter uma tolerância a essa ambiguidade, sendo capaz de captar as entrelinhas na maneira de se comunicar dos outros, são habilidades que precisaremos desenvolver ao longo aprendizado da língua japonesa. Isso pode parecer difícil, mas até mesmo alguns japoneses sentem dificuldade de “ler as entrelinhas”.
Mesmo em português, a atitude de se expressar de forma direta e falar mais do que o necessário pode causar mal-entendidos. Por exemplo, um chefe que é direto nas palavras com seus funcionários o tempo todo pode acabar sendo visto como alguém arrogante. E, se esse mesmo chefe costuma dar ordens explicando nos mínimos detalhes tudo o que ele deseja, pode passar a impressão que ele não confia na capacidade de seus funcionários. Seja por parecer arrogante, seja por passar a imagem de alguém que não confia nas pessoas, cedo ou tarde a harmonia no ambiente de trabalho será prejudicada. Também, nós costumamos usar uma linguagem indireta para evitar possíveis discussões. Por exemplo, quando alguém nos convida para alguma festa e não quereremos ou não podemos ir, costumamos usar o famoso “Vou ver e depois te falo”.
No fim das contas, poderíamos dizer que se expressar de forma indireta e formal usando o mínimo de palavras possível, esperando que o outro capte as entrelinhas, é uma forma de respeitar o outro e confiar nele, aspectos fundamentais para que haja harmonia entre as pessoas.
Fatos históricos também influenciam no modo de falar, no surgimento de expressões. Por exemplo, segundo o professor Sérgio Nogueira, “a expressão ‘ficar a ver navios’ vem de Portugal. Dom Sebastião, rei de Portugal, morreu em batalha (1578) e seu corpo nunca foi encontrado. Sua morte causou uma grande crise sucessória. O trono ficou vago. Em consequência dessa crise, houve a anexação de Portugal à Espanha, de 1580 a 1640. O orgulho e a dignidade dos lusitanos precisavam ser resgatados. O povo português sonhava com a volta do monarca; por isso, com frequência, visitavam o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, e ficavam observando o mar, à espera do retorno de Dom Sebastião. Como o rei não voltou, o povo ‘ficou a ver navios’”.
XII. APRENDER É GANHAR EXPERIÊNCIA!
Mesmo que você não consiga entender algum fundamento gramatical completamente ou mesmo dizer algo corretamente logo na primeira vez, continue retomando a matéria não assimilada procurando mais exemplos referentes a ela. Consulte outros materiais didáticos. Isto permitirá que você adquira uma melhor aptidão em como saber usar tais expressões/construções gramaticais em contextos diferentes. Nenhum método é capaz de abordar todas as situações possíveis. Entretanto, para a nossa sorte existem meios como a internet. Lá você encontrará uma grande variedade de material, incluindo sites, salas de batepapo e artigos específicos. Comprar livros no idioma que ser quer aprender ou quadrinhos é também um excelente (e divertido) meio de aumentar o vocabulário e exercitar as habilidades de leitura. Também, tenha um “OUTRO EU JAPONÊS”, isto é, para cada situação que você vive aqui no Brasil, imagine como você se expressaria se fosse um japonês.
Conhecer a origem e evolução de algo que você queira aprender é um grande passo para o seu domínio, pois ao se deparar com o sentido e a lógica que há por trás, você deixa de ser um robô e passa a pensar. Se você gosta de Matemática, entenderá onde queremos chegar: não adianta você decorar fórmulas prontas se você não sabe a razão de ser dela. Claro que a gramática não é uma ciência exata, mas ela busca padronizar uma língua e, embora haja exceções, ela tem sua lógica de ser.
XIII. APRENDER GRAMÁTICA?
Há quem defenda a ideia de que, em termos práticos, aprender gramática é perda de tempo, afinal o intuito da comunicação é entender e ser entendido, não importando se gramaticalmente o que é dito está correto ou não. Por exemplo, se alguém dissesse “a gente vamo embora”, apesar de a oração estar errada GRAMATICALMENTE, o que importaria é o ouvinte entender a mensagem como “nós vamos embora”.
Sendo assim, você deveria ouvir as coisas até que consiga, naturalmente, dizer o que parece certo e o que é errado. Segue um dos argumentos “contra a gramática” (usando o inglês como base):
Você sabe falar português, seu idioma nativo no Brasil, né? Agora será que você sabe todas as regras gramaticais?
NÃO!
A menos que seja um entusiasta do idioma ou profissional da área, você não sabe nem precisa conhecer todas as regras. É assim que um idioma deve ser compreendido.
Aprender pelas regras, sem saber falar e ouvir, vai te tornar uma espécie de “analista da língua”. Só na teoria. Na prática, não funciona! Pode ver com qualquer pessoa que fez cursos tradicionais: mais de 99% delas não se sentem seguras ao falar, e não compreendem todos os áudios em inglês, mesmo depois de vários e vários anos estudando – e pagando caro!
Quando alguém te faz uma pergunta, você responde sem pensar em regras. Sem pensar se é no passado, no futuro, em qual palavra você deve colocar aqui ou ali… Simplesmente RESPONDE!
Num novo idioma qualquer, deveria ser assim também, pois é o processo natural.
Ao ver um filme, você não tem tempo de ficar traduzindo o que dizem para entender. Se tentar, perderá muitas falas!
Ao conversar com alguém também. Não há tempo para pesquisar na cabeça as regras, muito menos na internet ou em livros. (FONTE: Curso de Inglês na Web)
A tese acima parece mesmo convincente, mas no fundo é um mau conselho, a menos que você viva no Japão ou fale / ouça japonês com alguém disposto a corrigir tudo que você diz.
Pode haver pessoas que digam:
1) “Ok , já conheci pessoas que estudaram gramática e ainda não conseguem falar a língua” (pessoa que acha a gramática desnecessária);
2) “Bem, eu conheci pessoas que não estudaram gramática e ainda não conseguem falar a língua”. (pessoa que acha a gramática necessária).
Esses tipos de argumento não provam nada...
TODOS NÓS usamos a gramática e precisamos dela, ainda que não percebamos, para transmitir uma mensagem de forma satisfatória. Para ilustrar, observe a imagem a seguir:
Você conhece o significado das palavras individualmente, mas provavelmente não entendeu a mensagem, porque as palavras estão desorganizadas, não é mesmo?
Daí vem a necessidade da gramática, isto é, de um modo de organizar e relacionar as palavras para que o conjunto seja compreensível para outros falantes da mesma língua. Nesse sentido, todo falante tem conhecimento de gramática, isto é, sabe instintivamente que deve organizar as palavras numa ordem e seguir uma lógica para que seja compreendido. Um falante nativo sabe instintivamente que não deve usar as palavras de maneira solta. A essa “gramática instintiva” se dá o nome de “gramática internalizada”.
O que muitos falantes nativos podem não saber é a gramática normativa, isto é, o modo ideal de organizar e relacionar as palavras para se comunicar e que é ensinado nos livros. É essa gramática normativa que tenta manter a unidade linguística de um povo.
Nós internalizamos a gramática “do mundo real” através da exposição constante ao idioma, repetições, tentativa e erro e por meio de associações. Aliás, essas associações podem até serem equivocadas considerando a gramática normativa, mas não afetam a comunicação propriamente dita, pois nos entendemos. Por exemplo, dizer “tu fala” está errado segundo a gramática normativa (um ideal de uso da língua), mas não prejudica a comunicação. Aliás, as pessoas que dizem “tu fala” fazem isso por causa de uma associação instintiva: se “TU” e “VOCÊ” se referem à mesma pessoa (você), então, se dizemos “você fala”, por que não dizer “tu fala”?
Com isso, pode-se até afirmar que o problema dos cursos de idiomas tradicionais, então, está em ensinar um idioma estrangeiro usando como ponto de partida a gramática normativa, quando o ponto de partida deveria ser a gramática “do mundo real”, já que todo falante nativo aprende seu idioma através dessa gramática e se baseia nessa gramática internalizada para se expressar no mundo real. Assim:
Observando a ilustração, percebemos uma contradição, um abismo. Como mencionamos, a gramática normativa se trata de um ideal de uso da língua. Entre o ideal e o praticado na vida real existe um abismo e nós humanos vivemos no mundo real e não no “mundo dos livros”. Por isso, focar demais na gramática ensinada pelos livros faz com que o estudante fique perdido ao sair para o “mundo real”, da mesma forma que uma criança brasileira também ficaria perdida se ela tivesse contato somente com a gramática normativa em seus primeiros anos de vida, dado o abismo que há entre a gramática idealizada e a gramática “do mundo real”.
A gramática é uma das ferramentas dentre muitas em seu arsenal e não seria bom ignorá-la completamente. Você pode não pensar na gramática quando está falando, mas ela é um trampolim, uma orientação que você pode usar para chegar ao ponto no qual você não precisará mais dela. Se você aprende somente com frases, você precisa estar exposto a todo tipo de gramática, conjugação de verbos, e uso de vocabulário para internalizá-la naturalmente. Isso é bom para aprender a sua língua materna como uma criança, mas vai demorar muito tempo para os adultos que procuram a proficiência em uma segunda língua, especialmente em um ambiente não-imersivo.
Aliás, você já se perguntou para que serve a gramática, vista por muitos como uma vilã?
Como um idioma é algo comum a todos dentro de uma determinada sociedade, é fácil enxergar a necessidade de um padrão de linguagem que seja seguido por todos. Visto que o ser humano é um ser social, que interage com o meio em que vive, imagine a bagunça que seria se cada habitante ou grupo de habitantes resolvesse adotar o seu próprio padrão de linguagem. Isso não representaria um grande problema enquanto o indivíduo estivesse dentro de seu grupo, mas ao interagir com outros, haveria grande confusão.
O site Só Português define bem o que é a gramática:
A Gramática tem como finalidade orientar e regular o uso da língua, estabelecendo um padrão de escrita e de fala baseado em diversos critérios, tais como:
➩ Exemplo de bons escritores;
➩ Lógica;
➩ Tradição;
➩ Bom senso.
(…) Por ser um organismo vivo, a língua está sempre evoluindo, o que muitas vezes resulta num distanciamento entre o que se usa efetivamente e o que fixam as normas. Isso não justifica, porém, o descaso com a Gramática. Imprecisa ou não, existe uma norma culta, a qual deve ser conhecida e aplicada por todos.
A gramática pode ajudá-lo a organizar sistematicamente o idioma de tal forma que você possa aprender novas palavras, expressões e sentenças e rapidamente incorporá-los usando as mesmas regras que se aplicam a todas as palavras sem ter que encontrá-las uma e outra vez. As regras são simplesmente um meio para um fim. A gramática também pode ajudá-lo a quebrar construções que você não entende e fornecer orientações sobre como estruturar suas próprias sentenças. Não há como negar que há pessoas que conhecem todo o vocabulário que elas precisam para dizer alguma coisa, mas não conseguem organizá-las, montar uma frase para expressar o que querem dizer.
É claro que você precisa praticar muito a fala e a audição, mas não há motivos para se impedir o aprendizado da gramática e aplicá-lo conforme necessário. Eventualmente, com bastante prática, você chegará a um ponto que não precisará mais pensar na gramática, ela ficará internalizada em você, mas até então, ela pode ajudá-lo a descobrir como dizer o que quiser. Claro, pode ser lento, mas é melhor do que não ser capaz de dizer coisa alguma.
Realmente, muitas vezes se gasta muito tempo com gramática nos cursos convencionais, abordando-se pouquíssimo a conversação como ela é no “mundo real” (mais detalhes na lição 8). Isso é obviamente um problema, mas isso não significa que você não deve aprender nada de gramática.
Além disso, banir a gramática ou dar pouca importância a ela e considerar somente o aprendizado de um idioma pela assimilação natural pode acarretar em vícios de linguagem e erros graves como nós mesmos fazemos em português como, por exemplo, “Para mim fazer” e “A gente vamos”. São infinitos erros que adquirimos na linguagem falada e mesmo passando anos na escola, muitas pessoas não conseguem readequar a linguagem. Isso pode ser um ponto negativo em situações mais formais, como quando a pessoa participa de uma entrevista de emprego ou faz algum teste escrito. Para ilustrar, leia esta matéria e perceba o que a falta de contato com o idioma formal pode ocasionar: 529 mil candidatos tiraram zero na redação do Enem 2014.
Veja como não aprender gramática limita nosso poder de comunicação e também nosso intelecto, pois estaremos “enclausurados” no linguajar do cotidiano. Em outras palavras, quem desconhece a norma culta acaba tendo acesso limitado às obras literárias, artigos de jornal, discursos políticos, obras teóricas e científicas, enfim, a todo um patrimônio cultural acumulado durante séculos pela humanidade.
Tal como acontece com a maioria das coisas na vida real, a solução correta é usar uma abordagem equilibrada e prática, isto é, gramática e o processo de ouvir e falar se complementam e devem ser considerados desde o início.
XIV. PRECISO MORAR NO JAPÃO PARA APRENDER JAPONÊS?
Há quem defenda a ideia de que só se aprende um idioma de fato se vivermos no país em que se usa nativamente a língua que estamos aprendendo. A justificativa seria o fato de que estando inserido no país (no caso o Japão), não haveria como evitar a exposição, a imersão no idioma. Mas... será que essa justificativa é válida?
Um pouco de reflexão e perceberemos que essa justificativa é infundada, afinal facilmente se encontram casos de pessoas que viveram anos em algum país e não aprenderam nada (ou muito pouco) do idioma dos nativos.
Ao ser confrontada com esse fato, a pessoa que defende a tese apresentada muito provavelmente dirá: “Ah, mas ela não aprendeu porque não se expôs, não praticou o idioma!”.
BINGO!
Mesmo em um país estrangeiro, é possível sim evitar a exposição e deixar de praticar o idioma dos nativos. Ora, você pode chegar no Japão, mas viver como se não estivesse lá. Fechar-se numa bolha, convivendo somente com brasileiros e se precisar usar o japonês, alguém do grupo que sabe falar “se comunica por nós”. Então, a chave para o aprendizado do japonês é saber como ele funciona (gramática), se expor ao “japonês do mundo real” (para entender e assimilar as manobras feitas pelos falantes na língua prática) e praticá-lo constantemente, procurando ter contato com nativos (para praticar, receber dicas ou correções, se necessário), não importa o lugar. A chave não é necessariamente viver no país em que o idioma que estamos aprendendo é a língua materna.
O que pode acontecer em alguns casos dependendo das circunstâncias da pessoa no país estrangeiro, é que a NECESSIDADE de sobrevivência (e consequentemente de comunicação), acabe acelerando o aprendizado (lembre-se de como funciona o nosso cérebro). Por exemplo, segundo alguns estudiosos, um mês em um “Homestay Program”, modalidade de intercâmbio possível em alguns países na qual o estudante fica hospedado em uma casa de família, poderia equivaler ao que se aprende nos três anos do Ensino Médio. Mas veja que isso é muito diferente de dizer de forma taxativa e generalizada que SÓ se aprende um idioma estando no país em que nativos o têm como língua materna.
Contudo, a tese de que viver em um país estrangeiro poderia acelerar o aprendizado a depender das circunstâncias de como a pessoa se insere nele (contexto de necessidade) é bem discutível. Lembre-se sempre do princípio do menor esforço. Você já deve ter ouvido que o inglês é a língua universal no mundo contemporâneo. Não é raro se deparar com relatos de pessoas que não aprenderam nada (ou muito pouco) da língua, mesmo passando algum tempo em um país, simplesmente por que quando precisavam se comunicar, acabavam preferindo se comunicar em inglês por ser um idioma que nós ocidentais geralmente temos mais familiaridade e que muitos nativos de outros países provavelmente entenderão. Aliás, mesmo nas escolas japonesas para estrangeiros, a língua de comunicação na prática costuma ser o inglês. Ainda, há pessoas que não aprenderam nada (ou muito pouco), porque quando precisavam se comunicar, acabavam preferindo usar ferramentas tecnológicas como o Google Tradutor.
Portanto, em um mundo cada vez mais globalizado e tecnológico, cremos que é extremamente difícil se sentir em um contexto REAL de necessidade para aprender uma língua mesmo estando em ambiente estrangeiro (talvez com exceção do inglês por ser considerada a “língua universal” do mundo globalizado).
Além disso, ainda que a pessoa se insira em um contexto de necessidade de comunicação pela necessidade de sobrevivência, aqui também vale o princípio do menor esforço, isto é, até quando a pessoa conseguiria sustentar esse contexto de necessidade? É muito provável que ela acabe se “refugiando” em comunidades de brasileiros, pois convenhamos, a gente se sentiria muito mais seguro e seria muito mais cômodo. No fim das contas, é justamente a necessidade de sobrevivência que faria a pessoa se fechar numa bolha, sobreviver é infinitamente mais importante do que aprender uma língua estrangeira.
Outro ponto a se considerar nessa questão é que, como mencionamos, o cérebro aprende pelo fator IMPORTÂNCIA. Normalmente quem não consegue aprender um idioma, não aprende porque com o tempo simplesmente começa a dar menos importância ao estudo, seja por conta dos afazeres do dia a dia, seja por que acaba preferido coisas mais atraentes e com resultados imediatos.
Como mencionamos anteriormente, nosso sistema de recompensas está o tempo todo fazendo “cálculos” de custo-benefício em relação a uma ação, afinal nosso cérebro não gosta de gastar energia com coisas irrelevantes. Por conta disso, ele gosta de um tipo específico de recompensa. Uma recompensa que tenha três características:
➩ Que seja rápida;
➩ Que seja alta;
➩ Que exija o menor esforço.
Por causa desse tipo de recompensa que o cérebro gosta é que tendemos a nos desmotivar FACILMENTE de tarefas que exigem esforço e que não tenham resultados imediatos – ou cujo tempo para alcançar os resultados seja indeterminado (é o caso de aprender idiomas!!). A preguiça, então, aparece e a desmotivação vai aumentando. Segundo André Buric, especialista em Neurolinguística comportamental, “a preguiça nada mais é que um mecanismo utilizado pelo nosso cérebro quando ele não consegue entender que há um motivo atrativo para você gastar sua energia fazendo aquilo. Quando estamos motivados, agimos para buscar o que nos motiva. Mas sem essa recompensa clara, o cérebro avalia a situação e prefere poupar sua energia para algo mais útil ou recompensador”. Isso pode acontecer independentemente do local. Assim como fora do Japão podemos começar a dar menos importância ao estudo do japonês, vivendo lá, também. Aliás, aqui reforçamos a importância de se encontrar satisfação no presente (no processo), ser capaz de visualizar dentro do processo pequenas vitórias e comemorá-las. Não se apegar apenas a uma satisfação no futuro (no resultado). Usando a analogia do jogo de video game, comemorar cada fase, desafio superado.
Então, dizer ou aceitar a ideia de que SÓ se aprende japonês vivendo no Japão acaba sendo apenas (mais) uma barreira para o nosso aprendizado. Dificuldades como essa que aceitamos (ou criamos) para muitas vezes justificar a nossa falta de paciência com a gente mesmo. Dificuldades como essas que criamos para justificar um possível fracasso (encaro algo como fundamental para obter um resultado, mas ao mesmo tempo inalcançável. Por isso, nunca vou aprender). Dificuldades como essa que nascem porque ficamos nos comparando o tempo todo. Dificuldades como essa que surgem porque somos exigentes demais. Dificuldades como essa que nascem muitas vezes de um imediatismo, de querer resultados rápidos, de querer a fórmula mágica que resolva todos os nossos anseios em segundos!
Não crie (ou aceite) pensamentos limitadores! Apenas pratique com constância, humildade, paciência e alegria, buscando o essencial da comunicação, isto é, compreender e ser compreendido pelas outras pessoas! Se por acaso estiver mesmo diante de um muro, pense no que há de belo para além dele e dê o seu melhor para atravessá-lo! Não desanime! Acredite! Apesar do suor, esforço e persistência (marcas dos verdadeiros campeões), valerá muito a pena! Faça do aprendizado uma diversão. Seja um “atravessador” de muros e ajude os outros a atravessar muros. Assim, todos saem ganhando!
XV. O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL
Para aprender um idioma de forma completa, é essencial entender a cultura e a história do país, já que esses fatores afetam a forma como as pessoas se comunicam e interagem socialmente. Com a diversidade do mundo em que vivemos, é importante reconhecer que diferentes culturas e povos têm desenvolvimentos distintos.
Os estímulos dos diferentes ambientes nos quais as pessoas estão inseridas, bem como as reflexões feitas a partir desses estímulos formam o sistema de crenças, que são como LENTES através das quais elas enxergam as outras pessoas, o mundo e os analisam. Partindo desse aspecto, um equívoco muito comum é analisar outros povos e culturas usando uma lente que não diz respeito a todo o contexto em que o modo de pensar de um povo foi formado. Isso pode levar a estereótipos e preconceitos. Existem culturas diferentes e TODAS têm aspectos positivos, bem como aspectos negativos, que devem ser repensados ao longo do tempo.
Agora é importante abrir parênteses, pois é um equívoco muito grande analisar o comportamento humano apenas do ponto de vista cultural. Assim como todos os carros, independentemente do modelo, precisam de combustível, existem necessidades intrínsecas à natureza humana e, neste ponto, poderíamos dizer que TODOS nós somos iguais. A cultura, então, pode ser vista como um conjunto de soluções (boas e equivocadas) desenvolvidas ao longo do tempo (e por isso mesmo MUTÁVEIS) para satisfazer essas necessidades biológicas e psicológicas. Por exemplo, diferentes culturas desenvolveram dietas e práticas alimentares que atendem às necessidades nutricionais humanas. Rituais, tradições e costumes sociais são meios culturais para fomentar e manter relações sociais, refletindo a necessidade biológica de conexão. Sistemas de governo, leis, e normas sociais são culturalmente específicos, mas todos visam criar um senso de ordem e segurança para os membros da sociedade.
A herança cultural acumulada durante séculos molda o ambiente presente e este por sua vez molda o sistema de crenças das novas gerações. O ambiente exerce uma influência tão grande no comportamento das pessoas que alguns neurocientistas chegam a afirmar que o cérebro só é capaz de responder aos estímulos que recebe e, portanto, não existe liberdade propriamente dita, sendo praticamente impossível uma pessoa conseguir agir de maneira diferente, a menos que troque de ambiente. Daí podemos dizer que “O ambiente sempre nos vence”.
É importante considerar que ninguém é onisciente e onipresente e, por isso, cada um de nós tem acesso a apenas recortes do mundo, isto é, em um primeiro momento, lemos o mundo a partir daquilo que está contido no baú da herança cultural do grupo em que estamos inseridos e que nos é transmitido, fato que faz com que cada um de nós viva numa bolha. Neste sentido, podemos dizer que todos nós somos em essência preconceituosos, pois só podemos refletir e tirar conclusões a partir do pedaço de mundo que nos é apresentado (pré-conceitos). Lembre-se que instintivamente o nosso cérebro gosta de encontrar padrões, de generalizar por este ser o caminho mais cômodo para ele.
Ainda que questionável para a mentalidade atual, este mecanismo de padrões e generalizações de certa forma nos ajudou a evoluir como espécie, pois nos auxiliou na nossa proteção contra o perigo, o desconhecido, ainda que possa ter levado à perda de oportunidades. Como Hao Li, neurologista do Salk Institute, afirma, “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”.
Se buscar por padrões generalizando a partir de recortes é inerente à natureza humana, não há como negar que a abertura ou o fechamento do ambiente cultural (ou social) vai influenciar neste comportamento humano instintivo. Em outras palavras, quanto mais diversificada a cultura (ou o ambiente social) for, mais as pessoas tendem a acolher o diferente. Quanto mais fechada a cultura (ou o ambiente social) for, mais as pessoas tendem a ter um pensamento de bolha, desenvolvendo assim certa aversão ao diferente.
Aliás, citamos anteriormente que a ocitocina é frequentemente relacionada aos vínculos afetivos e sociais. Entretanto, um estudo chamado “A ocitocina promove o etnocentrismo humano” publicado em 2011 sugeriu que ela seria uma faca de dois gumes, isto é, ao mesmo tempo que a ocitocina promoveria vínculos afetivos, sociais, ela promoveria também uma espécie de aversão àqueles que não consideramos como parte do nosso grupo. Para exemplificar, podemos citar torcidas de times de futebol: ao mesmo tempo que os membros são extremamente unidos entre si por causa de um mesmo time pelo qual torcem, tendem a ser extremamente aversivos e violentos com membros de outra torcida, um grupo considerado “de fora”.
Seja como for, vamos analisar o pensamento japonês tradicional. Para ajudar a entender a raiz do pensamento japonês, é oportuno nos perguntarmos:
“Culturalmente, o que nos ensinam COMO MOTIVAÇÃO para as nossas ações?”
Normalmente, divide-se esse fator motivador em três grupos:
➩ HONRA: culturas nas quais predomina a honra, as pessoas são ensinadas a evitar (o sentimento de) vergonha e, consequentemente, a possível exclusão social. Sendo assim, as pessoas (in)conscientemente se perguntam constantemente: “Se eu fizer [X], o que OS OUTROS pensarão a meu respeito?”. Então, pode-se dizer que a base da moralidade está no que o coletivo pensa;
➩ INOCÊNCIA: culturas nas quais predomina a inocência, as pessoas são ensinadas a evitar (o sentimento de) culpa. Sendo assim, as pessoas (in)conscientemente se perguntam constantemente: “Se eu fizer [X], isso é certo ou errado?”. Então, pode-se dizer que a base da moralidade está no que cada pessoa (a sua consciência) pensa;
➩ INTEGRIDADE: culturas nas quais predomina a integridade, as pessoas são ensinadas a evitar (o sentimento de) medo. Sendo assim, as pessoas (in)conscientemente se perguntam constantemente: “Se eu fizer [X], o que podem fazer comigo?”. Então, pode-se dizer que a base da moralidade está no poder (de influência, físico, etc.) que se tem dentro do grupo.
Podemos esquematizar da seguinte forma:
A maioria das culturas tem componentes dos três grupos. Um será predominante, mas sempre haverá elementos dos outros. Afinal, todos desejam a honra, a inocência (consciência tranquila) e a integridade e evitam a vergonha, a culpa (consciência pesada) e o medo.
No caso de culturas ocidentais, é comum se dizer que predomina a inocência como fator motivador de ações e a culpa como fator controlador. Já nas culturas orientais, a honra e a vergonha respectivamente. Como veremos a seguir, talvez por isso, os japoneses tenham tanto receio da vergonha, de mancharem a sua reputação perante os outros e de serem possivelmente excluídos socialmente. Os ocidentais podem preferir não seguir a maioria se acharem que determinada ação é equivocada, pois tendem a prezar a consciência tranquila. Por outro lado, os japoneses podem preferir seguir sempre a maioria ainda que algo seja objetivamente equivocado, pois tendem a prezar pela sua imagem perante os demais japoneses. Aliás, há quem diga que culturas nas quais predomina a honra induzem as pessoas a serem superficiais.
O Japão é uma sociedade voltada para o coletivo e o consenso de grupo é vital. Com isso, espera-se que os indivíduos ajam em conformidade com aquilo que é considerado padrão e esperado pela sociedade.
Na escola, a educação tradicional no Japão não incentiva os estudantes a expressarem seus pensamentos mais profundos, ao contrário do Ocidente, onde costumamos (e muitas vezes somos incentivados a) transmitir o que pensamos de forma direta e explícita. Seguem alguns pontos negativos que costumam ser apontados pelos próprios japoneses:
➩ O sistema educacional atual não desenvolve o espírito de independência do estudante;
➩ O sistema educacional é ineficaz para desenvolver a capacidade dos estudantes de pensar por si mesmos. Não há incentivo para a originalidade, a criatividade e o espírito aventureiro;
➩ O sistema educacional não promove a ideia de uma sociedade descentralizada, na qual os membros sejam capazes de decidir as coisas individualmente e agirem livremente. Isso leva a uma dependência em tudo do consenso de grupo ou de uma hierarquia;
➩ O sistema educacional é ineficaz para desenvolver a sensibilidade cultural e artística;
➩ O sistema educacional não promove um ponto de vista internacional.
Isso tudo por que, de novo, o consenso de grupo é considerado vital para a harmonia social. Logo, é de se esperar uma hiper valorização e dependência de hierarquias, pois é como se os japoneses partissem do princípio de que se alguém chegou ao topo de um grupo, é por que tem maior conhecimento, maior prestígio e teve (e ainda tem) as melhores decisões. Isso se aplica também àqueles que têm mais idade, pois costumam ser vistos como pessoas com maior quantidade de experiências vividas e, portanto, de maior conhecimento e melhores decisões.
Poderíamos dizer que esse modo de pensar tradicional leva os japoneses a agirem conforme um princípio:
“Errar ou acertar COM O GRUPO ou COM A HIERARQUIA! Nunca errar ou acertar sozinho!”
Essa priorização da harmonia social, essa importância dada ao grupo em relação ao indivíduo, de fato, proporciona uma maior organização social, baixos índices de criminalidade, maior respeito e confiança entre os cidadãos e um nível de disciplina muito elevado. Essas são algumas das características do Japão que outros povos admiram. Entretanto, tudo isso parece ter um preço. De certa forma, toda essa busca por uma uniformidade e identidade acaba gerando um ambiente de muita pressão sobre as pessoas, ainda que indiretamente. Tanto que existe o “Transtorno de Taijin Kyofusho”, muito comum no Japão e que pode ser definido como um receio excessivo de ser um incômodo para o outro.
Você pode pensar: “Mas não querer ser um incômodo para o outro é uma coisa positiva. Assim não se causa mal a ninguém e as pessoas se respeitam”. Sim, mas a questão é que a definição do que é “incômodo” pode variar conforme a visão de mundo de pessoas e grupos. No caso do Japão, “incômodo” não se restringe a males objetivos que se pode causar a alguém, mas pode englobar padrões estéticos, simples opiniões, ações ou passatempos que fogem do senso comum japonês. Até mesmo o fracasso em alguma meta ou possuir mais habilidade em alguma coisa se comparado ao grupo pode ser visto como um incômodo. Por isso é que, por exemplo, padrões comportamentais e estéticos do Japão são tão marcantes. É como se todo esse contexto fizesse as pessoas pensarem que para não ser um incômodo para o outro, é mais seguro seguir a maioria. Ser apenas mais um dentre muitos, pois ser diferente ou tentar algo novo pode incomodar o outro.
“O prego que se destaca é martelado" é um provérbio japonês frequentemente usado para descrever uma cultura em que a conformidade e a uniformidade são valorizadas, enquanto a individualidade é desencorajada. Esse provérbio reflete a ideia de que aqueles que se destacam ou se desviam das expectativas sociais podem ser punidos ou enfrentar críticas e julgamentos negativos. A ideia é que, para manter a ordem e a estabilidade, as pessoas devem se ajustar às normas e valores aceitos pela sociedade. No entanto, essa mentalidade também pode levar as pessoas a desistir de seus sonhos, de sua individualidade por medo de serem julgadas ou rejeitadas. Isso pode limitar a criatividade e a inovação, além de impedir que as pessoas alcancem todo o seu potencial.
No fim das contas será que o sistema educacional japonês forma cidadãos realmente bons ou na verdade acorrenta os cidadãos em padrões, incentivando (indiretamente) a hostilizar quem deseja questionar ou viver fora de tais padrões, pois se torna uma ameaça para a coletividade? Será que na verdade os japoneses são inseguros e têm receio da exclusão social caso não sigam os padrões e expectativas sociais e isso é chamado, como forma de verniz e propaganda, de educação e receio de ser um incômodo para o outro?
Questionar se muito do que se fala do Japão não é apenas propaganda não é exagero. Como no Japão se prioriza a harmonia social, os japoneses mesmos reconhecem que precisam ter “duas versões” de si mesmos:
➩ VERSÃO PARTICULAR: pode-se dizer que é o “eu verdadeiro” da pessoa;
➩ VERSÃO SOCIAL: pode-se dizer que é o “eu mascarado” da pessoa. É a versão que a pessoa apresenta quando está em público, tendo como princípio a priorização da harmonia social.
Claro que todos nós tendemos a usar máscaras quando estamos em público e, até certo ponto, isso é realmente necessário para se manter a harmonia social (podemos chamar isso de “falsidade em prol da harmonia social”). A questão é que o pensamento japonês tradicional tende a considerar como ataque à harmonia social qualquer mínima coisa que fuja dos padrões esperados, gerando assim uma pressão além da conta e insegurança excessiva nas pessoas. E é evidente que quanto menos espaço se dá para o “eu verdadeiro” mais as pessoas tendem a se sentir reprimidas e infelizes.
Isso se agrava em ambientes com pouca diversidade, pois a pessoa não tem para onde ir caso não se encaixe nos padrões impostos. Em todos os lugares há a “falsidade em prol da harmonia social”, mas, por exemplo, no Brasil em que existe muita diversidade de pensamento e de cultura, NÃO somos obrigados a nos encaixar em um padrão ÚNICO. Se uma pessoa ou lugar nos desagrada, sentimo-nos livres para falar abertamente o que pensamos, pois, mesmo que nos excluam (ou nos cancelem, como se diz nas redes sociais), haverá muitas outras pessoas e lugares com os quais podemos nos identificar. Veja por exemplo a questão da religião: há pessoas que mudam constantemente de denominação religiosa ou optam pelo ateísmo. Seja qual for a nova opção, haverá pessoas que tenham esse mesmo pensamento!
Um aspecto interessante a se abordar nessa questão é o bullying, um problema considerado por muitos como estrutural no Japão. Ao comentar sobre a fofoca (e diríamos que isto se aplica de algum modo ao bullying também), o psicólogo Marcos Lacerda é certeiro ao dizer que “existe uma grande vingança social que é a seguinte: eu não posso ser o que eu quero. Está certo! Eu vou pagar esse preço, mas eu vou cobrar a mesma coisa de você. Você também não será livre!”.
Isso remete à chamada “mentalidade de caranguejo”, que descreve o suposto comportamento dos caranguejos colocados em um balde; embora os que estão no topo possam sair facilmente, suas tentativas são frustradas porque os outros os puxam para baixo. Então, “mentalidade de caranguejo” é a tendência de uma pessoa ou grupo de rebaixar aqueles ao seu redor que são considerados melhores em algum aspecto. É como se tivessem como princípio a ideia de que todos ficam felizes, desde que ninguém fique feliz.
De certa forma, podemos dizer que o Japão ainda usa como ferramentas de educação a censura, o medo e o constrangimento, em vez de debates, reflexões e conscientização. Um método bem ultrapassado e questionável. Forçar as pessoas a matarem o seu “eu verdadeiro”, fazendo-as enxergar o mundo de uma única forma e agirem de uma única maneira (como se fossem robôs) sob pena de serem constrangidas e/ou excluídas, na prática faz com que elas se tornem violentas, não tolerando o diferente. Neste cenário, o bullying (e todas as outras formas de discriminação) se torna uma consequência. Muitas vezes, intimidar o "estranho" é o que une pessoas e também não deixa de ser uma maneira de forçar o “estranho” a se moldar ao grupo. É uma forma de se “fazer justiça” (bem entre aspas).
Não é à toa que desde o final dos anos 90 tem se falado do fenômeno dos “confinados em casa”, isto é, pessoas que por extremo receio de errar e serem ridicularizadas (ou até mesmo isoladas) por seus atos optam por ter o mínimo de contato social possível. Estima-se que 1,5% da população japonesa esteja nessa situação. Comentando sobre as altas taxas de suicídio no Japão, o psicólogo Wataru Nishida, da Universidade Temple, em Tóquio, diz que “Não há muitas formas de expressar raiva ou frustração no Japão (...). Esta é uma sociedade muito orientada por regras. Jovens são moldados para se encaixar em nichos existentes. Não há como alguém expressar seus sentimentos verdadeiros. Se são pressionados por seu chefe ou se deprimem, alguns acham que a única saída é morrer”.
Com o que temos abordado até aqui, percebe-se que o coletivismo extremo pode resultar no mesmo problema do individualismo extremo, isto é, a indiferença, por razões diferentes. Ou seja, pessoas podem se tornar indiferentes aos outros por pensarem: “Não posso me destacar, nem mesmo para o bem! Não posso ser um incômodo!” (pensamento coletivista) ou se tornarem igualmente indiferentes por pensarem: “Não me importo, pois não é problema meu” (pensamento individualista). No Japão, não é raro encontrar, por exemplo, relatos de pessoas que já presenciaram japoneses ignorando (sendo indiferentes com) pessoas que estavam prestes a se suicidar ou mesmo idosos que caíram na rua.
Durante centenas de anos a cultura japonesa se desenvolveu em um arquipélago isolado, com características únicas que dificultam a sua integração com outras culturas. Essa situação se agrava devido à falta de miscigenação, o que torna os japoneses mais suscetíveis a terem dificuldades ao lidar com o exterior.
No Japão se popularizou o termo “Síndrome de Galápagos”, inspirado nas ilhas Galápagos, onde várias espécies de animais e plantas evoluíram de maneiras únicas e distintas das suas contrapartes em outras partes do mundo, devido ao isolamento geográfico. Embora o termo “Síndrome de Galápagos” se refira originalmente ao fato de muitos produtos eletrônicos japoneses serem criados exclusivamente para o povo japonês e evoluírem de forma diferenciada, o que os tornam diferentes e incompatíveis com os produtos em outros lugares do mundo, esse termo costuma ser usado também para descrever qualquer tendência de isolamento do Japão em relação aos povos estrangeiros e às tendências globais modernas.
Com o que abordamos até aqui, podemos perceber a importância da DIVERSIDADE. Todos nós humanos temos as mesmas necessidades básicas de afeto e interação social. Ora, em ambientes de pouca ou nenhuma diversidade, fica extremamente difícil expressarmos a nossa individualidade, isto é, ou nos encaixamos ao pensamento e costumes de um único grupo ou seremos excluídos e não teremos para onde ir. Em ambientes com diversidade, contudo, mesmo que não nos identifiquemos com um determinado grupo ou formos excluídos, haverá outros grupos com os quais poderemos nos identificar e, assim, expressar a nossa identidade.
Poderíamos até dizer que o pensamento japonês tradicional é análogo ao conceito de bolhas sociais das redes sociais. Cada bolha tem o seu jeito de pensar e acolhe pessoas ou exclui (cancela) pessoas que se desviam desse pensamento da bolha. Então, o Japão seria como uma grande bolha social.
Diante desses aspectos, podemos sintetizar o pensamento japonês tradicional assim:
➩ Priorização da harmonia social e estabilidade;
➩ Valorização de hierarquias;
➩ Busca (implícita) por uma unidade de pensamento e étnica para manter a harmonia social e a sociedade estável (analogia ao conceito de bolha social das redes sociais);
➩ Aversão à incerteza e, por isso, preferência pelas velhas fórmulas (frequentemente sem questionamentos), pois elas já deram certo no passado;
➩ Alguém no alto de uma hierarquia (chefes, idosos, professores, etc.) são pessoas que também “já deram certo” no passado e, por isso, devem ser seguidas e obedecidas (também frequentemente sem questionamentos);
➩ O diferente (ações, pensamentos ou pessoas) é uma (possível) ameaça à harmonia social e, na dúvida (existência de incerteza), melhor evitar do que arriscar ou mesmo excluir o diferente do grupo (analogia à cultura de cancelamento das bolhas presentes nas redes sociais);
➩ Evitamento de conflitos por meio do uso de linguagem indireta e polida;
➩ Comportamento de manada, isto é, o que a maioria faz é o certo a se fazer.
É claro que todo grupo humano (político, religioso, étnico, etc.) busca (e precisa de) harmonia e estabilidade e, para esse fim, têm seus padrões e expectativas com relação aos indivíduos, bem como um certo grau de aversão àquilo que foge do senso comum desse grupo. Um grupo fragmentado, sem um certo grau de unidade tende a acabar.
Por exemplo, é comum se dizer que as redes sociais têm facilitado a conexão entre pessoas de diferentes partes do mundo, mas têm um lado negativo, já que favorecem a formação de bolhas, em que os usuários tendem a se conectar apenas com pessoas que compartilham das mesmas opiniões, visões de mundo e interesses. Esse fenômeno pode ser problemático para a sociedade como um todo, pois pode gerar uma polarização social e enfraquecer o tecido social, uma vez que as pessoas, fechadas em bolhas, perdem a oportunidade de aprender com as diferenças e de exercitar o diálogo e a empatia.
De fato, é um desafio constante para TODOS os grupos humanos encontrar o equilíbrio entre a harmonia do grupo e a liberdade individual, pois pode haver exageros dos dois lados. Liberdade individual demais tende a corromper o tecido social, já que se pode perder o senso de coletividade. Por outro lado, a priorização da harmonia do grupo tende a criar um ambiente de muita pressão sobre os indivíduos, bem como facilita o sentimento de aversão ao diferente, o que impossibilita mudanças que seriam benéficas para o próprio grupo e até mesmo necessárias para a sua continuidade diante das mudanças circunstanciais.
Além disso, tratar a harmonia social como um deus, além de ferir a liberdade individual, acaba ferindo também, e não raramente, a dignidade individual das pessoas. Como bem pontua Carlos Ramalhete em seu livro “Doutrina Social da Igreja: Uma Introdução”, a “dignidade de cada ser humano se manifesta em primeiro lugar na sua individualidade”. Citando Roma antes do Cristianismo, ele diz que “A pessoa não contava; só o que contava era o agrupamento familiar a que ela pertencesse. Do mesmo modo, os chineses confucianos não hesitariam em cortar fora da sociedade, até pela violência, quem considerassem inadequado; a sociedade como um todo seria percebida como tão mais valiosa que o indivíduo, que este só teria o direito de viver em função de pertencer harmonicamente a ela”.
Historicamente, não há como negar a existência de regimes totalitários (independentemente do espectro político), que cometeram grandes atrocidades em prol da defesa de uma coletividade e/ou da harmonia desta. E, infelizmente, ainda vemos alguns resquícios deste modelo questionável no Japão. Veja o relato de um influenciador japonês:
見て見ぬ振り (Mite Minu Furi): O paradoxo social japonês não dito Você já se perguntou por que a sociedade japonesa parece ao mesmo tempo educada e, às vezes, surpreendentemente indiferente? Trata-se do 見て見ぬ振り (mite minu furi), a arte de deliberadamente “não ver” o que está acontecendo bem na sua frente. Esse fenômeno cultural não é apenas uma peculiaridade; é um mecanismo social profundamente arraigado. Imagine testemunhar alguém sendo assediado em um trem ou ver uma injustiça no local de trabalho e, ainda assim, optar pela omissão estratégica. Por quê? Para preservar a harmonia coletiva, evitar confrontos e prevenir possíveis perturbações sociais. Ao contrário da percepção global de que os japoneses são universalmente gentis, esse comportamento revela uma realidade mais sutil. A gentileza aqui não tem a ver com intervenção direta, mas com a manutenção de um equilíbrio social delicado. |
Por causa dessa idolatria pela (fachada de) harmonia social, no Japão, mesmo o menor problema precisa se transformar em uma grande crise antes que algo seja feito a respeito. Mesmo assim, hesitações são muito comuns. Após o desastre nuclear de Fukushima, um dos piores da história japonesa e comparado a Chernobyl, uma comissão de investigação independente finalmente concluiu que a crise foi um "desastre provocado pelo homem", resultante do conluio entre a operadora da instalação, os órgãos reguladores e o governo. De fato, o autor principal atribui a culpa da catástrofe diretamente à própria cultura japonesa. Kiyoshi Kurokawa, ex-presidente do Conselho Científico do Japão, concluiu que “O que deve ser admitido — com muita dor — é que este foi um desastre 'Made in Japan'. Suas causas fundamentais podem ser encontradas nas convenções arraigadas da cultura japonesa: nossa obediência reflexiva; nossa relutância em questionar a autoridade; nossa devoção em 'manter o roteiro’”. Sugerindo que a mentalidade que conduziu à negligência em Fukushima “pode ser encontrada em todo o Japão", Kurokawa também pediu aos japoneses que “refletissem sobre nossa responsabilidade como indivíduos em uma sociedade democrática”.
Em maio de 2025, foi noticiado o assassinato da turista goiana Amanda Borges da Silva, a respeito do qual o jornal Folha de S. Paulo, colheu o depoimento de Lilian Mishima, que vive no Japão desde 1994 e que dirige, desde 2017, uma organização de apoio a mulheres, mães e vítimas de violência no Japão. Segundo a Folha, Lilian “questiona a ausência de informações por parte da polícia e da própria mídia japonesa. ‘Só houve uma nota da [rede oficial] NHK e, mesmo assim, não foi a nacional, mas a NHK da região de Chiba’, diz, cobrando também a divulgação de comunicados sobre a investigação policial.
Diante das poucas informações divulgadas pelas autoridades japonesas, alguns influenciadores se posicionaram defendendo-as, afirmando basicamente que as autoridades japonesas costumam divulgar informações apenas quando tudo está apurado, o que julgamos muito subjetivo e leviano, pois se é assim, o próprio trabalho (investigativo) da imprensa fica prejudicado, pois não há garantia nenhuma de que NÃO haverá manipulação das informações por parte das autoridades. Imagine, por exemplo, os escândalos de corrupção no Brasil. Certamente, eles não viriam à tona se a imprensa ficasse esperando as autoridades investigarem e divulgarem as “informações oficiais”. Muitos desses escândalos de corrupção vêm à tona justamente porque a imprensa tem liberdade para apurar os fatos e divulga-los antes mesmo das autoridades competentes. Ou melhor ainda: muitas vezes as autoridades competentes só ficam sabendo de um escândalo de corrupção por causa da imprensa.
Será que isso acontece no Japão justamente para preservar a harmonia social?
Há um provérbio japonês que diz:
“Ao entrar numa vila, obedeça às regras da vila”.
À primeira vista esse provérbio pode soar correto, mas pode ser muito problemático.
Como assim?
O provérbio, ao colocar toda a responsabilidade de adaptação nos visitantes, no fundo desconsidera a importância de uma abordagem mais equilibrada e colaborativa na interação entre diferentes culturas. Não estamos falando de um grupo pequeno (vila), mas de uma sociedade inteira (nação), que está inserida neste mundo. O Japão não é um planeta à parte do nosso. Em um mundo cada vez mais globalizado, onde as interações interculturais são cada vez mais comuns e INEVITÁVEIS, é crucial promover uma mentalidade de respeito mútuo e compreensão. Isso implica não apenas que os visitantes estejam dispostos a respeitar os costumes locais, mas também que os residentes estejam abertos a compreender as perspectivas dos visitantes e a considerar ajustes razoáveis para acomodar diferenças culturais.
Aspectos culturais locais NÃO são supremos e imutáveis, pois há uma hierarquia de valores. Acima de aspectos culturais há valores humanos universais e tratados internacionais que precisam ser observados. Por exemplo, os costumes e normas de uma empresa privada NÃO PODEM desrespeitar as leis do país em que está inserida e as leis e costumes deste país NÃO PODEM desrespeitar valores humanos e tratados internacionalmente aceitos. Caso contrário, corre-se o risco de se usar o argumento do “respeito à cultura local” para justificar ou encobrir atos de racismo, xenofobia, assassinatos daqueles que são diferentes, etc. Neste sentido, a cultura do Japão tende a fazer com que os japoneses, embora aparentemente respeitosos e receptivos com os estrangeiros, não façam absolutamente nenhum esforço para entendê-los ou aceitá-los.
Aqui, no entanto, vale aquela famosa frase comumente atribuída a Santo Agostinho:
“No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; em tudo, amor”
Um individualista extremo quer liberdade em tudo e acaba ignorando a importância da UNIDADE naquilo que é essencial para a harmonia da sociedade. O coletivista extremo quer unidade em tudo e acaba ignorando o fato de que há coisas não essenciais (secundárias) em que pode (e deve) haver LIBERDADE. Porém, ambos se igualam, pois ignoram o AMOR ao outro, o que gera INDIFERENÇA. Sendo assim, unidade, liberdade e amor ao próximo precisam coexistir para que haja tanto o bem-estar coletivo quanto o bem-estar individual.
Facilmente se percebe que o Japão é um exemplo de apego e romantização excessivos das velhas fórmulas do passado. Se a cultura japonesa tem sua identidade própria e é admirada por muitos, sem dúvida muito se deve a essas velhas fórmulas e à forma tradicional de pensar. Contudo, é necessário ter em mente que as circunstâncias da vida humana mudam constantemente e nem sempre essas velhas fórmulas produzem no presente os bons resultados que já produziram no passado. Muitas vezes até causam estagnação, isolamento e perda de boas oportunidades.
Existe uma tendência de se usar a cultura como justificativa para qualquer aspecto presente na vida de um povo. Contudo, esse tipo de argumento é falso, pois a cultura pode explicar a origem de certas características de um povo, mas não deve ser usada para justificar qualquer coisa. É inegável que existem aspectos culturais que são danosos para a população, ainda que possam ter trazido algum benefício no passado. Um resultado bom nem sempre nasce de uma ação boa. Por exemplo, se em tempos passados problemas emocionais eram ignorados ou mesmo ridicularizados, atualmente não são mais e a conservação de uma identidade e cultura não podem ser mais importantes do que a saúde física e emocional dos cidadãos. Também, de forma geral, em tempos passados, os métodos utilizados nas diferentes sociedades para alcançar a harmonia social eram bem questionáveis ou mesmo cruéis: tortura, ridicularização, execuções por qualquer coisa, etc.
Quando se trata de seres humanos é importante sempre haver espaço para QUESTIONAMENTOS, afinal não estamos falando de máquinas e robôs, que, uma vez programados para fazer uma tarefa, vão ser sempre constantes. O ser humano, porém, é LIVRE, isto é, ele pode escolher ser constante como as máquinas e robôs, mas pode também escolher agir completamente diferente daquilo que ele sempre agiu até o presente, seja para o bem ou para o mal.
Convenhamos que nem sempre quem chega ao topo de um grupo é aquele que tem maior mérito por seu conhecimento ou qualidade nas decisões. Se assim fosse, não haveria políticos, médicos, professores, etc. corruptos ou que erram. Não haveria empresas falindo por más decisões de seus gestores (pessoas no topo!). Além disso, vivenciar muitas experiências não significa ter mais conhecimento e melhores decisões. Afinal, somos livres para escolher não aprender nada com essas experiências vividas.
Em determinado ponto da História humana a carruagem foi um grande avanço, mas já imaginou o que aconteceria se em algum ponto posterior alguém não questionasse a eficiência da carruagem?
Não teríamos os automóveis!
Ainda bem que alguém fez questionamentos sobre a carruagem!
Sendo assim, as coisas precisam ser analisadas no contexto que estão inseridas! A carruagem foi um grande avanço para o seu contexto, mas para o contexto atual, seria um verdadeiro atraso continuar usando-a como meio de transporte principal. O mesmo vale para qualquer aspecto cultural!
Sem questionamentos, não há avanços! Sempre haverá espaço para outras alternativas melhores e adotá-las não é sinônimo de ameaça para a coletividade. Em todas as áreas do conhecimento humano é necessário ter uma abertura para o novo e reflexões constantes sobre o que vale a pena conservar, o que deve ser atualizado e o que deve ser deixado de lado. Afinal, o tempo caminha apenas para frente e as mudanças são inevitáveis!
O não questionar, a busca por uma unidade de pensamento, o uso constante da intimidação e constrangimento do diferente, o apego a fórmulas ultrapassadas e a confiança e obediência cegas a quem está no topo de uma hierarquia são bons ingredientes para se fazer MANIPULAÇÃO. Com isso, quem garante que não estamos sendo escravos dentro de uma caverna achando que está tudo bem?
Em um interessante artigo da BBC News de janeiro de 2023 intitulado “Japan was the future but it's stuck in the past” (O Japão Era o Futuro, Mas Está Preso No Passado) o autor afirma:
“Será que o Japão se tornará gradualmente irrelevante, ou se reinventará? Minha cabeça me diz que para prosperar de novo o Japão precisa abraçar a mudança. Mas meu coração dói só de pensar ele perdendo as coisas que o tornam tão especial”.
Além da estagnação econômica, muito tem se falado nos últimos anos sobre o declínio constante da taxa de natalidade no Japão. Com isso, alguns apontam (inclusive esse trecho da reportagem da BBC) que os japoneses estariam diante de um grande dilema: abrir as portas para os estrangeiros, abraçar as mudanças ou preservar a cultura?
Por mais estranho que possa parecer, esse dilema NÃO EXISTE. Ou seja, abraçar as mudanças e/ou a entrada de estrangeiros em qualquer país não significa a extinção ou prejuízo da cultura local vigente. O que provavelmente existirá a partir disso é a diversidade cultural. Aliás, o Brasil é um belo exemplo de como a entrada de estrangeiros, a inovação e o encontro de culturas são benéficos!
Cremos que a maior dificuldade dos japoneses – principalmente dos mais velhos – é aceitar a ideia da diversidade cultural (e mesmo étnica), uma coisa que parece inevitável e também necessária para o futuro do Japão. Povos migram. Sempre migraram e migrarão (e se misturam!). Acreditar que pessoas vão espontaneamente permanecer em seus países ou não vão se misturar com outros povos por uma questão meramente patriótica quando elas não têm a qualidade de vida que almejam, é negar a realidade. Ainda mais nos tempos atuais.
Claro que não bastaria abrir as portas para os estrangeiros. O Japão precisaria ser CHAMATIVO, isto é, oferecer de bons salários, segurança social e qualidade de vida em comparação a outros países em um mesmo período histórico.
Será que no futuro os japoneses aceitarão a ideia da diversidade cultural?
Cremos que sim. Os mais jovens já não vivem no mesmo contexto de isolamento cultural que os mais velhos viveram, o que poderia explicar (mas não justifica!) esse pensamento tradicional fechado, de superioridade e impositivo que de certa forma ainda existe no Japão. Além disso, não é a abertura à diversidade que pode causar a instabilidade social. É a falta de respeito ao diferente. Justamente a falta de abertura à diversidade! E isso se aplica ao futebol, à política, à religião, etc.
O contato cada vez maior dos japoneses com o mundo exterior, principalmente por causa da internet, pouco a pouco tem feito os japoneses questionarem seus próprios métodos e valores. Por exemplo, no mundo há países tão harmoniosos quanto o Japão socialmente falando onde não é preciso que fiquem martelando o prego que se destaca por causa de aspectos irrelevantes. Aliás, é humana e geneticamente IMPOSSÍVEL, mesmo em um mesmo ambiente, que pessoas recebam exatamente os mesmos estímulos e respondam a eles exatamente da mesma forma. Sendo assim, pode-se dizer que a uniformidade social desejada pelo Japão sempre foi algo UTÓPICO, pois as pessoas são naturalmente diferentes umas das outras. O que acontecia é que antigamente se ignorava as consequências desse ideal de sociedade para o indivíduo (perda de identidade, insegurança, falta de esperança, medo, etc.).
A economia é dinâmica e muitas vezes força a mudança de posturas até então adotadas. Nesse sentido, cremos que inevitavelmente o Japão terá que repensar suas políticas internas e externas. Com o contato com o exterior aumentando cada vez mais, é natural que principalmente os jovens dos grandes centros urbanos, enxerguem a importância da abertura a mudanças e de repensar certas coisas que, apesar de terem tido importância no passado, já não fazem mais sentido. Aliás, é por isso que o título desse tópico é “O Pensamento Japonês Tradicional”, o que quer dizer que possivelmente esse modo de pensar já não é tão unânime assim nos tempos atuais, a depender da região do Japão. Não cremos que os japoneses prefiram que o Japão desapareça a abraçar as mudanças para acompanhar as tendências do mundo moderno.
XVI. INGLÊS, A LÍNGUA UNIVERSAL?
No tópico “Preciso Morar no Japão Para Aprender Japonês?”, mencionamos que, a nosso ver, é muito difícil, mesmo estando no Japão, a pessoa se sentir em uma situação de REAL necessidade de sobrevivência. Necessidade essa que poderia fazer com que ela aprenda japonês mais rapidamente. Citamos três pontos que podem fazer com que uma pessoa não sinta essa REAL necessidade de se comunicar em japonês:
(1) Há muitas comunidades de brasileiros nas quais a pessoa pode “se refugiar”;
(2) Existirem tradutores eletrônicos cada vez mais avançados;
(3) O inglês é considerado uma língua universal, sendo ela mais fácil para a maioria das pessoas.
Gostaríamos de discorrer sobre o terceiro item, uma vez que você pode se deparar até com certa frequência com afirmações do tipo:
“Não é necessário aprender japonês! O inglês é suficiente para se comunicar em qualquer parte do mundo!”
Quem faz esse tipo de afirmação geralmente parte do princípio de que o mundo está cada vez mais globalizado e que ultrapassar as fronteiras se torna quase que uma obrigação para todos. Por isso, é necessário que haja uma língua universal, o inglês, para que as pessoas possam se entender. Contudo, essa questão não é tão simples assim.
Ainda que relações saudáveis entre países sejam necessárias, a intensidade dessas relações varia de país para país. Há países que dependem mais dos outros e há países que dependem menos, já sendo autossuficientes em alguns aspectos. Também, a qualidade (e a perspectiva) de vida que cada país proporciona aos seus cidadãos é diferente. Do mesmo modo, a visão de qualidade de vida que cada cidadão possui, bem como suas perspectivas para o futuro variam. E, ainda que possamos dizer que no cinema, nas redes sociais, no mundo dos negócios e da tecnologia o inglês seja a língua mais importante e mais usada, tais aspectos são apenas recortes do nosso mundo, que não representam o mundo todo.
Percebe-se que nem todo mundo, sejam pessoas individualmente, sejam grupos, sejam nações, tem a mesma percepção a respeito da língua inglesa. Então, NÃO É FATO que todas as pessoas no mundo sejam capazes de pelo menos “quebrar o galho” no inglês, afinal há pessoas que julgam, por causa de diversos fatores, não precisar do inglês para ter (uma melhor) qualidade de vida. Por isso, saber inglês não garante que você poderá se comunicar com qualquer pessoa, pois o outro precisa obviamente saber se comunicar em inglês também. Inglês que para o outro pode ser desnecessário.
Aliás, existe o “Índice de Proficiência em Inglês da EF” (EF English Proficiency Index), que visa classificar os países pelo nível médio de habilidade no domínio da língua inglesa entre as pessoas que fazem o teste da EF. Em 2019, o Japão ocupava a 57º posição e em 2021, a 78º, sendo colocado no grupo de “baixa proficiência” (semelhante ao Brasil, que ficou na 60º posição).
Costuma-se apontar a questão cultural como uma das possíveis causas para esse baixo desempenho japonês. Nós já abordamos no tópico “O Pensamento Japonês Tradicional” como via de regra o povo japonês enxerga o mundo e tal visão de mundo dos japoneses, aliada à qualidade de vida que o Japão proporciona aos seus cidadãos, faz com que os japoneses geralmente não tenham interesse em aprender inglês (ou qualquer outra língua) e até mesmo não tenham interesse pela cultura estrangeira. Até por questão de sobrevivência, o ser humano tende a ficar no seu ambiente de origem a menos que surja uma necessidade que o ambiente original não possa suprir. Ou também se surgir uma oportunidade muito grande fora dele.
Aliás, cremos que tal fato reforça a ideia de que morar no Japão não é fator determinante para se aprender japonês. Ora, há povos que são mais receptivos e povos que são menos receptivos a diferentes povos e culturas. Como vimos, os japoneses têm uma forte tendência de evitar as incertezas e o diferente por receio de conflitos e abalos na harmonia social. Tudo isso impactará na construção de relações estáveis, afinal somos estrangeiros, diferentes dos japoneses. Por isso, recomendamos que você procure interagir com japoneses que estejam aprendendo português ou que já tenham alguma abertura para outras culturas. Ter uma relação estável com um nativo é importantíssimo, porque dificilmente vamos ser corrigidos ou receber dicas de desconhecidos na rua. Nesta circunstância o que importa é entender e ser entendido.
Veja a seguir uma interessante resposta/reflexão de uma americana em um tópico do Quora:
“Se sua experiência diz que tudo está em inglês, tenho uma notícia interessante para você. Você está errado. Fique comigo aqui. Há lugares onde você não esteve, coisas que você não viu, pessoas com quem você não falou, alimentos que você não comeu, e muito mais no mundo que você poderia potencialmente aprender. Mas o inglês não vai levá-lo até lá. Na verdade, parece que o inglês nem sequer o levou ao ponto de saber o quanto você não sabe. Há um universo paralelo no qual eu não aprendi japonês, tenho certeza, e naquele universo, acho que nunca conheci meu marido. Eu nunca tive meu filho. Eu nunca ri com meu amigo enquanto trabalhávamos juntos nas legendas de um filme independente muito legal. À vida naquele universo, eu digo: "Não, obrigada". No mínimo, a perspectiva que você pode ganhar ao tentar outra língua é valiosa. Se você falhar ou tiver sucesso, você terá dado a si mesmo uma oportunidade de expandir seus conhecimentos culturais. Não entendo por que alguém com uma mente razoavelmente aberta pensa que isso é uma perda de tempo”. |
Cremos que a melhor maneira de se comunicar com um nativo de um país seja falando a mesma língua que ele fala, pois não há nativo de um país que não se sinta confortável em se comunicar em sua própria língua. Por isso, se você souber japonês, poderá se comunicar bem com qualquer japonês. Por outro lado, não é todo japonês que sabe se comunicar em inglês e, mesmo que saiba, poderá não se sentir confortável por conta do receio de cometer equívocos e mal entendidos, dada a questão cultural. Com isso, as conversas não fluirão. Aliás, por causa dessa mesma questão cultural, evite usar tradutores eletrônicos, pois eles apenas tentarão traduzir para o japonês aquilo que foi dito em português. Por essa razão, é muito provável que você acabe soando muito direto (e consequentemente rude) do ponto de vista japonês.
XVII. A ESCASSEZ DE MATERIAIS DIDÁTICOS
Certamente em algum momento dos seus estudos você se frustrou (ou ainda se frustrará) por causa da escassez de materiais didáticos disponíveis no Brasil em língua portuguesa referentes à língua japonesa. Isso é um problema, pois sem muitas opções não há como fazer um contraponto, algo muito importante para reflexões e para o processo de aprendizado. Dificilmente aprendemos algo lendo apenas um livro. É consumindo vários materiais sobre o mesmo assunto que aos poucos vamos desenvolvendo familiaridade, o conhecimento e preenchendo lacunas.
Mas qual o motivo dessa escassez?
Há diversos fatores que influenciam a publicação de livros, mas cremos que todos eles no fim das contas acabam conduzindo à máxima:
“A PROCURA GERA A OFERTA”
Em outras palavras, se algo é rentável, naturalmente muitas pessoas tenderão a querer obter algum benefício com isso. E o contrário também é verdadeiro: se algo não é rentável, não há motivos para investir tempo e dinheiro nisso, afinal a possibilidade de não retorno é muito grande e a vida não possui CHECKPOINTS como em um jogo, através do qual podemos “voltar ao passado” e refazer algo que deu errado lá na frente, dentro das mesmas condições da jogada anterior.
A depender das oportunidades que podem surgir (ou não) aprendendo um novo idioma, povos dão um peso distinto aos idiomas estrangeiros. Por exemplo, se perguntássemos a brasileiros “qual língua estrangeira é importante aprender?”, certamente a esmagadora maioria diria “INGLÊS”, afinal muitos brasileiros enxergam os Estados Unidos como nação-modelo e o lugar ideal para melhorar de vida. Ser fluente no inglês costuma também estar relacionado a melhores oportunidades de emprego e salários mais altos. E repare na consequência natural disso: novos livros didáticos de inglês e/ou constantes atualizações de métodos já existentes.
Mesmo entre os descendentes de japoneses o interesse pela língua e cultura japonesa tem diminuído com o passar das gerações e, muitos dos que passam a morar e trabalhar no Japão não veem necessidade de aprender japonês, pois é possível se fechar em bolhas, em comunidades de brasileiros existentes em solo japonês. Pessoas podem viver 10, 20, etc. anos no Japão, mas, fechadas nessas bolhas, acabam não aprendendo o idioma.
Um fato que atesta a diminuição do interesse pela língua japonesa dos próprios descendentes é o encerramento em 2018 depois de 72 anos de atividade do jornal “São Paulo Shimbun”, publicado em língua japonesa na capital paulista. Segundo a empresa na época, 90% dos seus leitores era composta pela primeira e segunda geração de imigrantes, pessoas com mais de 80 anos. Helena Mizumoto, proprietária do jornal afirmou: “Eu acho que a gente está tão adaptado ao Brasil, a gente é tão brasileiro que não há mais necessidade de um jornal japonês”.
Nelson, o criador do blog Ganbarou Ze! afirma: “Ainda há pessoas que dizem para eu encerrar o projeto dado o número restrito de pessoas interessadas em aprender japonês. E o que deixaria a situação ainda mais desanimadora é que possivelmente a maioria das pessoas dentro desse universo já restrito seja motivada por passatempos, como animês e mangás”, algo facilmente substituível, mutável ao longo da vida de uma pessoa.” E Nelson continua: “Eu tenho consciência disso, mas o que me motiva a continuar o projeto é o simples fato de compartilhar conhecimento. É uma motivação interna. Se minha motivação fosse externa, como ganhos financeiros constantes ou popularidade, não compensaria mesmo. Eu teria que começar a prometer milagres ou procurar outro público”.
A Japan Foundation elaborou em 2018 um ranking de países com maior número de aprendizes da língua japonesa. Seguem os 10 primeiros:
Outro ponto a se considerar nessa questão é que em termos comerciais, não basta que pessoas gostem de algo. Isso não paga as contas de uma empresa. O que empresas buscam são consumidores sustentáveis, isto é, pessoas que se interessam pelo produto, mas também comprem e comprem constantemente. No caso de livros didáticos, um consumidor sustentável é aquele que realmente está comprometido com o aprendizado, está disposto a consumir diversos livros sobre o mesmo assunto e está disposto a fazer isso por um longo período, pois a aprendizado de línguas exige um longo tempo de estudos e dedicação constante. Olhando por esse lado, nota-se facilmente que esse não é o caso de alguém motivado estritamente por algum passatempo, algo que pode ser passageiro e cuja motivação geralmente é superficial e não se sustenta por um longo período.
Por isso, podemos dizer que a motivação para tarefas que visam resultados a longo prazo (no caso aqui, o aprendizado de idiomas) é mais sustentável quando é baseada em valores, objetivos e propósitos mais profundos e significativos, em vez de simples passatempos.
No fim das contas, toda ação só se inicia e se sustenta se a pessoa pelo menos enxergar algum benefício decorrente dessa ação, ainda que a ideia do que seja “benefício” possa variar conforme o sistema de crenças de cada um, afinal nosso cérebro quer que sobrevivamos da melhor forma possível.
Considerando tudo isso, por que investir na confecção de materiais didáticos ou na atualização de cursos já existentes? Qual seria o retorno para o autor ou professor? Isso por que não estamos considerando a questão da pirataria.
Editoras podem receber críticas por não disponibilizar determinados produtos, como livros sobre língua japonesa, mesmo tendo recursos financeiros disponíveis, com afirmações do tipo: “A editora X tem dinheiro e poderia disponibilizar livros mesmo com baixa demanda. Não custa nada!” No entanto, é importante lembrar que a oferta de um produto envolve diversos fatores, como custo de produção, logística e demanda de mercado.
Mesmo que uma empresa tenha dinheiro, não significa que possa simplesmente disponibilizar um produto sem avaliar sua viabilidade comercial. Além disso, empresas precisam ser rentáveis para se manterem no mercado e continuarem oferecendo produtos e serviços. Esperar que empresas sejam generosas é ingênuo, pois elas visam e precisam do lucro.
Isso não significa, contudo, que as empresas não possam ser socialmente responsáveis e considerar as necessidades dos clientes. Por exemplo, elas podem optar por oferecer produtos que não são rentáveis no curto prazo, mas que podem gerar benefícios a longo prazo, como a fidelização dos consumidores. A decisão de disponibilizar ou não um produto dependerá do contexto e do perfil dos potenciais compradores.
Essa escassez de materiais didáticos em língua portuguesa favorece o aparecimento de cursos milagrosos, afinal os estudantes, além da possibilidade de alimentarem dentro de si expectativas desajustadas com relação à língua japonesa e ao Japão por conta dos passatempos ou outros fatores estritos que os motivam, acabam não tendo muitas opções de material didático.
XVIII. NÃO EXISTE CURSO MILAGROSO!
Anteriormente, mencionamos a importância de cultivar pensamentos saudáveis, pois o resultado de nosso aprendizado, se positivo ou negativo, dependerá muito do nosso sistema de crenças, da nossa visão de mundo. Sendo assim, na maioria das vezes, o maior inimigo do seu aprendizado se chama “VOCÊ MESMO”! Se cultivamos pensamentos equivocados, estes só podem gerar sentimentos equivocados que só podem gerar ações equivocadas. E é disso que os milagreiros se alimentam.
Os milagreiros procuram fisgar pessoas que cultivam dentro de si pensamentos equivocados, prometendo dar aquilo que nosso cérebro mais gosta: fluência (recompensa alta) em uma língua em 6 meses (pouco tempo = menos esforço), por exemplo. Pensamentos estes frutos de uma visão simplista das coisas ou mesmo da VAIDADE. Aliás, alguns dizem que a melhor estratégia de marketing é aquela que gera nas pessoas medo (ou insegurança) ou vaidade, afinal todos nós queremos nos manter vivos da melhor forma possível e ser bem vistos pelos outros (muitas vezes desejando ser o primeiro e o único a possuir algo dentro do grupo ao qual se pertence). Seja nos sentindo ameaçados de alguma forma, seja movidos pela vaidade, querendo sempre ter aquilo que os outros não têm e ser reconhecido por isso (uma competição constante), tornamo-nos pressas fáceis para esses milagreiros.
Cultivando pensamentos equivocados continuamente, passamos a exigir que as coisas se adaptem a todas as nossas vontades. Uma pessoa com pensamentos equivocados pensa mais ou menos assim:
“Surgiu uma oportunidade! Porém um dos requisitos para agarrar essa oportunidade é ser fluente. Não posso perder tempo! Eu exijo agora mesmo que haja um curso que me deixe fluente em 3 meses!
Ora, a procura gera a oferta. Se passamos a querer o impossível, somente os mentirosos poderão nos satisfazer. Eles falam o que queremos ouvir. Se os milagreiros existem, é por que há pessoas que acreditam que o problema nunca está nelas mesmas, mas tão somente nos outros, no método, no mundo. Pessoas que acham que estão sempre certas e que o mundo deve satisfazer na hora que desejam todas as suas vontades (mesmo essas vontades não condizendo com a realidade). Aliás, repare que o foco da propaganda dos cursos milagrosos é o tempo. Geralmente, eles não afirmam que sem eles você não ficará fluente, mas sim que com eles você ficará fluente muito mais rápido, devido a um método revolucionário, exclusivo e testado cientificamente!
Se você for fisgado, gastará seu dinheiro, não obterá os resultados esperados e, ao questionar o milagreiro, receberá como resposta: “O nosso método é testado e comprovado cientificamente! Se você não obteve resultados satisfatórios, é você que não soube aproveitá-lo!”. Em outras palavras, a culpa é sua!
Guarde bem isso:
“NÃO EXISTE MÉTODO MILAGROSO!”
Não existe método milagroso por quatro razões simples e óbvias, mas que muitos, por causa de uma visão distorcida, pouco realista, por causa da vaidade (ter nas mãos algo que poucos têm) ou mesmo do desespero, não percebem:
➩ Os PRINCÍPIOS que nosso cérebro usa para aprender (ou não) SERÃO SEMPRE OS MESMOS; ➩ A APLICAÇÃO desses princípios da aprendizagem é uma questão MUITO INDIVIDUAL; ➩ A TEORIA que precisamos saber acerca da língua japonesa SERÁ ESSENCIALMENTE SEMPRE A MESMA; ➩ Um curso é apenas o INÍCIO DA JORNADA para a fluência e NÃO o ponto de chegada. |
Somos todos seres humanos, certo? Ou alguém acha que veio de outro planeta? Se não, então, nossos cérebros são todos iguais. Mesmo que haja estudos que apontam que algumas pessoas podem ter, por questões genéticas, uma maior capacidade de absorver a informação, planejar e dar uma resposta ao meio, isso seria apenas uma PREDISPOSIÇÃO, difícil de se determinar e quantificar na prática. Portanto, mesmo que a pessoa tenha essa predisposição genética, ainda assim é totalmente dependente de estímulos para ela se concretizar. Essa predisposição apenas significa que a pessoa necessita de menos exposição aos estímulos e não que ela não precisa de estímulos. Logo, os PRINCÍPIOS que nosso cérebro usa para aprender (ou não) SERÃO SEMPRE OS MESMOS. Ao mesmo tempo, não existe UM método de aplicação desses princípios que servirá para todos, pois cada pessoa é única. Embora sejamos todos seres humanos, biologicamente iguais, somos diferentes no sentido de que cada ser humano tem experiências de vida diferentes. O que serve para um pode não servir para outro. Aliás, um problema é quando começamos a buscar constantemente validação alheia para as nossas técnicas de estudo, sendo que nesse quesito o melhor avaliador é VOCÊ mesmo. Claro que é sempre bom receber sugestões, mas se suas próprias técnicas de estudo já estão gerando bons frutos, não há por que pensar que você deveria fazer algo melhor. Por exemplo, os cursos milagrosos geralmente têm um módulo inteiro sobre como usar o Anki (princípio da repetição), mas haverá quem prefira fazer as repetições através de métodos manuais.
Também, gramática japonesa é gramática japonesa, assim como teoria musical é teoria musical e assim por diante. Por isso, A TEORIA que precisamos saber acerca da língua japonesa SERÁ ESSENCIALMENTE SEMPRE A MESMA. Por fim, espera-se que um curso ensine a ler e a escrever, além de apresentar vocabulário suficiente, a gramática e os princípios da aprendizagem para que você possa caminhar e se desenvolver sozinho (a parte mais importante). Isso tudo é apenas o INÍCIO DA JORNADA para a fluência e NÃO o ponto de chegada. Perceba como não há nenhum segredo revolucionário nisso. Perceba como grande parte disso é apenas teoria. Por isso, nenhum curso o tornará fluente em uma língua, pois ainda que seja oferecido dentro dele um treinamento de compreensão auditiva e prática de conversação, não há como saber em quanto tempo cada um levará para dominar tais habilidades. Por esta razão, esses treinamentos e práticas serão sempre insuficientes (ou muito caros). Além disso, esse treinamento de compreensão auditiva e prática de conversação simularia o que é praticado na vida real? Seria uma exposição verdadeira?
No fundo TODOS os supostos métodos revolucionários, secretos, milagrosos não passam de abordagem e aplicação (muitas vezes bem mal feitas) desses princípios da aprendizagem. Princípios esses que, pelo menos, atualmente não são segredo para ninguém. Nós abordamos esses princípios nessa seção e há muitos especialistas na área que os ensinam de graça na internet ou através de livros que custam bem menos do que essas fortunas que os milagreiros cobram por seus “cursos”. Veja quais os principais assuntos e técnicas abordados geralmente bem superficialmente nesses cursos milagrosos:
➩ Técnica Pomodoro (importância dos intervalos);
➩ Repetição Espaçada (com o Anki);
➩ (Tentativa de) internalização da gramática e ganho de vocabulário por meio da exposição a diferentes padrões de sentenças (com o auxílio do Anki e textos com áudio);
➩ Neurociência;
➩ Programação Neurolinguística (PNL): por causa do termo, muitos são levados a pensar que a PNL se trata de usar a linguagem para reprogramar o cérebro. Entretanto, trata-se de um conjunto de técnicas que visa identificar padrões de comportamento que a pessoa tem diante de diferentes contextos e modificar esses comportamentos. Como se fosse uma engenharia reversa. É considerada por muitos uma pseudociência, pois é acusada de desconsiderar causas objetivas, ainda que tenha algumas coisas verdadeiras. Por exemplo, alguns alegam que a PNL pode ser usada para tratar uma série de doenças, como miopia, sem que haja comprovação científica para tal afirmação. A miopia tem uma causa física; não tem a ver com comportamento.
➩ Regra 80/20 (ou Princípio de Pareto): longe de ser uma regra universal, ou seja, aplicável a todos os casos, afirma que 80% dos resultados são derivados de 20% das causas ou, de forma mais genérica, que a menor parte dos recursos é responsável pela maior parte dos resultados.
Não há nada de secreto, milagroso, revolucionário aqui. Aliás, perceba que os milagreiros não disponibilizam abertamente o conteúdo programático detalhado do curso. E não disponibilizam, não por que o método seja secreto, revolucionário, mas sim por que se disponibilizassem, todo mundo perceberia que o investimento não valeria a pena. O conteúdo que eles vendem por mais de R$ 1.000 se pode obter de graça na internet ou por meio das muitas opções de livros de autores renomados que custam bem menos. A tática dos milagreiros, então, é tentar convencer geralmente colocando um sentimento de culpa e/ou inferioridade na pessoa se ela não comprar o curso.
Outra tática dos milagreiros é induzir a pessoa ao erro, fazendo-a acreditar que conhecimento teórico é a mesma coisa que fluência. Por exemplo, é possível aprender a gramática em 3 meses e é possível decorar as 3.000 palavras mais comuns em 3 meses (cerca de 34 palavras por dia). Contudo, isso não é fluência, pois a pessoa ainda precisaria ser capaz de se comunicar “no mundo real” usando esse conhecimento teórico. Precisaria ser capaz de entender os nativos e de falar com eles de forma natural. Ora, para desenvolver tais habilidades é necessário um tempo longo e indeterminado de exposição verdadeira, com erros, acertos e correções na maneira de se comunicar.
Desconfie de qualquer figura que brote na internet vendendo “cursos” caros sem disponibilizar abertamente o conteúdo programático detalhado do curso, bem como seu histórico referente à capacitação. Comparamos essa situação a comprar um carro novo: você compraria um carro recém lançado no mercado e que você não conhece só pelo fato de um vendedor também desconhecido afirmar que ele é o melhor carro já criado? Com certeza não. Antes, você mesmo iria verificar todas as funcionalidades do carro, faria um test-drive e só depois analisaria se tudo o que você experimentou do carro novo se encaixa naquilo que você espera de um carro, não é mesmo?
Claro que pode haver método ruim. Método ruim é simplesmente aquele que ignora os princípios que o nosso cérebro usa para aprender. De fato, o método tradicional (talvez) ainda usado nas escolas de idiomas (aquele restrito aos livros de gramática e que desconsidera a importância da exposição e práticas constantes levando em conta os aspectos do uso prático de uma língua) é muito ruim, é péssimo. Aliás, os milagreiros costumam comparar seu “método milagroso” ao método tradicional (muito ruim) das escolas de idiomas, afirmando ser o seu “curso” muito mais vantajoso.
O que você escolheria entre estas duas opções? De um lado temos o método tradicional (talvez ainda) aplicado nas escolas de idiomas, algo muito ruim, e de outro temos os “cursos milagrosos”, nos quais se ensina e se aplica muito mal os princípios da aprendizagem custando uma fortuna, sendo que é muito fácil conhecer esses princípios atualmente. Então, apenas esteja ciente desses princípios que governam a aprendizagem que abordamos aqui. A aplicação prática (e o sucesso dessa aplicação) dependerá única e exclusivamente do seu empenho.
Claro que há pessoas que não se sentem confortáveis com o autodidatismo desde o início e preferem ter alguém que as guiem durante o processo inicial de aprendizado. Não há nenhum problema nisso. Portanto, se quiser fazer um curso (online ou presencial), recomendamos que verifique antes de fazer qualquer pagamento:
➩ o conteúdo programático detalhado do curso: ele é uma garantia. Através dele é possível verificar se o curso realmente aborda os tópicos necessários para a aprendizagem de um determinado assunto. Compare com outros. Também, estaremos protegidos caso o professor não cumpra esse conteúdo;
➩ a índole da instituição de ensino: esse ponto é importante principalmente se você precisa de uma certificação para atender a alguma exigência burocrática;
➩ o histórico do professor: ter um conteúdo programático satisfatório e estar numa instituição de ensino de boa índole ainda não são suficientes, pois entre um bom conteúdo programático, uma boa instituição e os alunos existe uma ponte: o professor. Provavelmente, você já ouviu muitos relatos de pessoas que não gostaram ou desistiram de algum curso aparentemente perfeito por causa do professor, seja por que ele não tinha capacitação suficiente para passar o conteúdo do curso, seja por que ele não tinha uma boa didática, seja por que ele ficava enrolando os alunos com assuntos aleatórios;
➩ A opinião de quem já fez o curso: embora esse item seja importante, pode ser também muito perigoso (especialmente os relatos na internet). Ora, não há como saber com certeza se o relato é verdadeiro (pode ser alguém “contratado” para falar bem do curso, fazendo apenas um teatro). Também, não é possível saber o grau de conhecimento que a pessoa tinha antes de fazer o curso (se ela não sabia nada ou muito pouco, qualquer coisa acima disso é válido, é proveitoso). Outro fator a se levar em conta em relatos é a tendência de “acobertar o erro”. Em outras palavras, ainda que a pessoa tenha consciência que o curso seja ruim, que não atendeu as suas expectativas, pode querer dizer que para ela foi bom, pois, do contrário, teria que assumir o erro e enfrentar o possível julgamento alheio. Ora, todos nós queremos ser bem vistos, não é mesmo? Por essas razões, recomendamos que esse item seja o menos levado em consideração, a menos os outros três itens sejam bem atendidos.
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Os milagreiros prometem aquilo que eles mesmos não puderam ter. Prometem, por exemplo, fluência em 3 meses, mas fica a questão: eles mesmos ficaram fluentes em 3 meses? Por fim, deixamos um meme retirado da página do Facebook do Inglês na Ponta da Língua (troque “inglês” por “japonês”):
Nós nascemos, crescemos e morremos sem dominar de maneira perfeita o português, nossa língua nativa. E estranhamente há quem acredita que pode dominar perfeitamente uma língua estrangeira em 6 meses!
XIX. OS CRIADORES DE PROBLEMA
Tão perigosos quanto os milagreiros, são os “criadores de problema”. São aqueles que fazem malabarismos com palavras (geralmente criando um sentimento de culpa ou inferioridade) para fazer você acreditar que determinada situação é um problema MUITO grande (quando não é) e que somente eles têm a solução para resolvê-lo (geralmente custando um valor bem alto).
Assista ao episódio “Um Tesouro Difícil” do desenho Pica Pau. Nele Pica Pau acaba de herdar uma fortuna, mas por querer ainda mais cai no golpe do mapa do tesouro aplicado por Zeca Urubu. Durante a procura pelo tesouro, Zeca Urubu CRIA uma série de problemas para Pica Pau e oferece soluções que custam dinheiro. Depois de gastar todo seu dinheiro comprando soluções para cada problema com que se deparava, Pica Pau descobre que nunca houve tesouro algum. Tudo aquilo não tinha passado de uma situação armada pelo urubu vigarista para tirar dinheiro do Pica Pau.
Uma frase dita no episódio resume toda a situação vivida por Pica Pau: “Uma pessoa obcecada por dinheiro é presa fácil para os vigaristas”. Troque “dinheiro” por qualquer coisa que você deseja muito e não se deixe cair nas armadilhas dos “Zecas Urubus” da vida real!
Tenha paciência e disciplina nos seus estudos. Não existem soluções milagrosas ou soluções para problemas inexistentes. Tais problemas simplesmente não existem! “Se o Pica Pau tivesse comunicado a polícia, isto nunca teria acontecido” aqui seria:
Uma das manobras utilizadas com certa frequência pelos criadores de problema para destacar um suposto diferencial de seu curso é afirmar que muitas das estruturas que aprendemos nos livros didáticos, apesar de corretas gramaticalmente, não refletem a maneira como um nativo se expressaria, induzindo o estudante a acreditar que somente o curso deles vai resolver definitivamente esse “problema”.
Contudo, o fato de não soar como um nativo no início do aprendizado não se trata de um “problema” que um curso resolverá de forma definitiva; trata-se de uma ETAPA NORMAL. É claro que o estudante precisará fazer ajustes na sua maneira de usar a língua, mas eles serão feitos gradativamente conforme o estudante for se expondo verdadeiramente ao idioma e percebendo como os nativos usam a língua no mundo real. Além disso, nesse estágio, mesmo que as construções do estudante ainda não soem tão naturais aos ouvidos de um nativo, o que importa mesmo é que haja entendimento mútuo.
Aliás, afirmar que o estudante pode não soar natural ao se expressar fazendo-o encarar isso como um problema é fechar os olhos para a realidade, pois nós mesmos passamos por isso em nossa língua nativa! Ora, diferentes regiões de um mesmo país ou diferentes áreas do conhecimento possuem algumas maneiras próprias de expressar as coisas, as quais, se não estamos familiarizados, corremos o risco de não soar naturais ou mesmo cometer equívocos! Quando vamos viajar, por exemplo, para outra região do Brasil precisamos fazer um curso antes para adaptar o nosso português ao português falado na região de destino? Claro que não! Apenas deixamos que o contexto nos ensine as possíveis diferenças!
Então, muito melhor do que acreditar que um curso vai resolver definitivamente esse “problema” (que na verdade se trata apenas de ajuste) é se cercar de nativos e consumir constantemente materiais feitos para nativos (exposição verdadeira)! Seja numa língua estrangeira, seja em nossa língua nativa, nós aprenderemos sempre!
No fim das contas, milagreiros e criadores de problemas têm algo em comum: são manipuladores, que procuram causar medo (ou insegurança) nas pessoas, muitas vezes mexendo com a vaidade delas. Mexem com a vaidade das pessoas falando o que elas querem ouvir (mesmo que seja algo concretamente impossível) e/ou invalidando o indivíduo e suas ações, mas exaltando-o, SE (e somente SE) ele fizer exatamente o que o manipulador está dizendo (comprar o curso dele, como se fosse o único capaz de atender os desejos das pessoas).
Além de anunciar um grande benefício e/ou um grande prejuízo infundados, usar da invalidação ou da exaltação (caso obedecido) e transmitir um ar de exclusividade, um manipulador procura criar uma relação de dependência. Comparando com a relação pais e filhos, bons pais desejam a independência do filho. Eles preparam o filho para que ele seja capaz de, sem os pais, encarar os desafios da vida. Assim também é o bom professor: é alguém que busca preparar seu aluno querendo a independência dele; um bom professor fica extremamente feliz ao ver que seu aluno se desenvolveu a tal ponto que já é capaz de seguir sozinho; já não precisa do professor. Em contrapartida, o manipulador faz de tudo para que a pessoa pense que ela precisa dele (e só dele).
Dizem que todo produto nasce para resolver um problema, facilitar as coisas ou simplesmente entreter. Dizem que a propaganda é a alma do negócio. Porém, tudo na vida deve passar pelo filtro do bom senso.
XX. A LÍNGUA DO OUTRO É SEMPRE MAIS DIFÍCIL
O título deste tópico é baseado no famoso ditado “a grama do vizinho é sempre mais verde”, o que quer dizer que a vida dos outros parece estar sempre melhor do que a nossa. Note que destacamos o verbo “parecer”, porque “parecer” não é o mesmo que “ser”!
Ao longo dos tópicos anteriores abordamos diversas situações aparentemente difíceis que, se analisadas com calma e sinceridade, nós também enfrentamos em nossa língua materna, mas nem percebemos (ou nem nos importamos)! Então, da mesma forma que a vida dos outros parece estar sempre melhor do que a nossa, a língua dos outros parece ser sempre mais difícil que a nossa.
Como mencionamos anteriormente, comunicação e sobrevivência estão intimamente ligadas, portanto, não existe idioma criado para ser incompreensível. Não existe idioma criado para ser extremamente difícil. É tudo questão de perspectiva! É tudo questão de familiaridade! Pergunte a um falante nativo de inglês que está estudando português como ele classificaria a língua portuguesa no quesito dificuldade. Muito provavelmente ele dirá que o português é uma língua extremamente difícil.
É compreensível… se ele estiver aprendendo português somente pelos livros, terá essa sensação, pois a gramática da língua portuguesa é realmente cheia de “regras”, mas… nem mesmo nós falantes nativos de português conhecemos direito as regras da gramática portuguesa! Aliás, conhecemos muito pouco! Mas somos fluentes no português! Mas nos entendemos muito bem! Não ficamos colocando um peso enorme em nossas consciências achando que somos péssimos falantes de português!
Não é à toa que ao aprender o “português dos livros” na escola parece que estamos aprendendo uma língua estrangeira (rs!) dado o abismo que há entre o “português correto” e o português que nós praticamos na vida real. E esse mesmo abismo, sendo maior ou menor, existe em todas as línguas!
Nós não somos usuários perfeitos da língua portuguesa, mas estranhamente queremos ser usuários perfeitos do inglês, japonês, coreano, etc. Nós ficamos o tempo todo nos culpando por não saber direito algo complexo de uma língua estrangeira, mas não ficamos nos culpando por não saber coisas simples da língua portuguesa. Vejamos alguns exemplos:
➩ nós conjugamos verbos de maneira errada;
➩ nós cometemos erros de regência verbal e nominal;
➩ muitas vezes nossas falas e textos são incoerentes;
➩ muitas pessoas erram a pronúncia de palavras;
➩ muitas pessoas têm um vocabulário limitado;
➩ muitas vezes somos incapazes de nos expressar com naturalidade ou de acompanhar uma conversa, um texto, etc. por falta de vocabulário;
➩ de vez em quando nos dá um branco com relação a palavras. Quem nunca pensou ou perguntou: “Como se chama mesmo aquele negócio que...?”;
➩ de vez em quando nos dá um branco com relação à grafia de palavras. Quem nunca pensou ou perguntou: “Como se escreve mesmo a palavra...?”;
➩ nós não entendemos tudo imediatamente. Quantas vezes temos que pedir que repitam o que foi dito, escutar novamente um trecho de uma música, reler um trecho de um texto, etc. para realmente entender?
➩ quantas vezes entendemos erroneamente principalmente letras de músicas?
E essa lista poderia ser maior. Apesar de todos os problemas (com os quais nem nos importamos!), nós nos entendemos! Somos usuários competentes da língua portuguesa! Aliás, quando existe uma falha de comunicação em português, normalmente culpamos os fatores externos e não nós mesmos. Por exemplo, se uma pessoa desconhecida começa a falar conosco usando um vocabulário que não dominamos, geralmente rotularemos essa pessoa de arrogante, chata, etc. e não refletiremos se precisamos melhorar nosso vocabulário. Da mesma forma se estivermos lendo um livro mais técnico. Já numa língua estrangeira a coisa se inverte; achamos que sempre somos os culpados por falhas na comunicação.
Por que isso acontece? Há quem diga que a ÚNICA diferença que existe entre um falante nativo e um estudante de uma língua estrangeira é que o falante nativo possui o DESTEMOR para se comunicar. E um falante nativo possui destemor porque, mesmo que seu vocabulário seja limitado, mesmo que ele cometa muitos erros e mesmo que não tenha um bom conhecimento teórico de sua própria língua, tem um conhecimento prático suficiente (e validado por suas referências) que o faz ter consciência de ser um usuário competente da língua. É capaz de entender e ser entendido (e viver bem!), ainda que às vezes tenha que haver ajustes na maneira de se expressar para que exista comunicação.
Aliás, uma pesquisa revelou que apenas 8% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são capazes de se expressar e de compreender plenamente.
Não... você não leu errado.
Outro dado nos mostra que apenas 22% dos brasileiros que chegaram à universidade têm plena condição de compreenderem textos em português e de se expressarem por meio da escrita.
Diante disso, é oportuno diferenciar os conceitos de FLUÊNCIA e PROFICIÊNCIA:
➩ FLUÊNCIA: facilidade, clareza com que alguém se expressa;
➩ PROFICIÊNCIA: domínio ou qualificação em certa área de conhecimento ou em dada atividade.
Note que, pelas definições apresentadas, fluência e proficiência são coisas bem distintas e não estão necessariamente relacionadas. Com base nos dados citados, pode-se dizer que, ainda que a maioria dos brasileiros não seja PROFICIENTE no português, tendo pouco repertório e pouco conhecimento técnico da própria língua, TODOS são FLUENTES, pois são capazes de se comunicar (entender e ser entendido). Logo, assim como uma pessoa pode ser fluente sem ser proficiente, uma pessoa proficiente não necessariamente é uma pessoa fluente.
Queremos achar respostas para perguntas como: “Como nativos da língua [X] fazem para aumentar o vocabulário?”. Se analisarmos friamente, esse tipo de pergunta não faz sentido, por que quem a faz também é um nativo de uma língua! Todos os habitantes desse planeta são nativos de alguma língua! Então, a reflexão deveria ser “Como eu faço para aumentar o vocabulário na minha língua materna?” e, chegando à resposta, fazer o mesmo na língua estrangeira. Diríamos que podemos espelhar o modo como aprendemos a nossa língua materna e evoluímos nela no processo de aprendizado de uma língua estrangeira. Observe um exemplo desse espelhamento:
Considere como aprendemos nossa língua nativa. Nós não nascemos já sendo fluentes no português. Nós nos tornamos fluentes no português só depois de passarmos por um processo. Assim como uma massinha de modelar, nosso cérebro foi gradativamente se moldando de acordo com as informações que constantemente estávamos recebendo. Nós aprendemos nossa língua materna ouvindo os nativos adultos, que já tinham se tornado fluentes no português! Então, passamos a imitá-los! Passamos a (tentar) nos comunicar com esses nativos adultos, cometendo erros e sendo corrigidos por eles! Em resumo, nós nos tornamos fluentes no português, porque tivemos contato constante com nativos da língua portuguesa e o modo de eles usarem a língua portuguesa como referência! Observe a ilustração a seguir:
Eric Baković, linguista e professor do Departamento de Linguística da Universidade da Califórnia, diz que “você aprende uma língua pegando sons e imitando seus pais”. A nossa tendência a imitar comportamentos aos quais estamos expostos explica também a existência dos sotaques dentro de uma mesma língua.
Por exemplo, no Rio de Janeiro, o “R” é falado como se a pessoa estivesse arranhando a garganta. A explicação vem de 1808, quando a corte portuguesa mudou-se para o Brasil, especificamente na cidade carioca. Os integrantes da realeza imitavam o “R” falado pelos franceses, referência cultural e intelectual europeia naquela época. Em pouco tempo, a elite local também passou a copiar esse jeito de falar. Aliás, não só o “R” francês, como o “S” português: aquele chiado em palavras que levam essa letra vem daí.
Aliás, é oportuno mencionar o conceito de “neurônio-espelho”, descrito inicialmente em macacos por pesquisadores da Universidade de Parma, na Itália, na década de 1990. É um neurônio que dispara tanto quando um animal realiza um determinado ato, como quando observa outro animal (normalmente da mesma espécie) a fazer o mesmo ato. Desta forma, o neurônio imita o comportamento de outro animal como se estivesse ele próprio a realizar essa ação. Alguns cientistas consideram este tipo de células uma das descobertas mais importantes da neurociência dos últimos tempos, acreditando que estes possam ser de importância crucial na imitação e aquisição da linguagem.
Daí pode-se enxergar mais uma vez a importância da exposição constante a situações do “mundo real”, para que possamos observar os nativos (e não os livros de gramática exclusivamente!) e imitá-los, assim como foi o aprendizado da nossa língua materna.
Todo esse processo exigiu tempo! Uma criança começa a montar frases curtas por volta dos 2 anos de idade e é capaz de se comunicar, digamos, fluentemente por volta dos 5 anos de idade. Veja como nós demoramos para nos tornar fluentes na nossa língua materna e mesmo assim continuamos cometendo erros! Mas estranhamente queremos aprender uma língua estrangeira em um piscar de olhos, em um passe de mágica e ser perfeitos. Queremos aprender uma língua estrangeira sem ter que passar pelo mesmo processo que passamos para aprender nossa língua materna!
Como mencionamos, uma criança aprende sua língua materna por exposição constante e imitação das referências (próximas), isto é, adultos já fluentes, tendo a sua comunicação por esses adultos corrigida quando necessário. Depois, normalmente na escola, a criança aprimora sua linguagem, isto é, é alfabetizada (aprende as letras, combinações possíveis das letras, que formam as sílabas e combinações possíveis de sílabas que formam as palavras, os sons, os sinais de pontuação, etc.), começa a consumir material diversificado (ganhar vocabulário) e aprende gramática. Aprender uma língua estrangeira é repetir esse processo. É voltarmos a ser como recém nascidos tendo, portanto, as mesmas necessidades que tivemos para desenvolver a nossa língua materna, com a diferença que geralmente em uma língua estrangeira começamos aprendendo gramática, sendo alfabetizados e ganhando vocabulário. Porém, também precisamos de referências (próximas), também precisamos nos expor constantemente, também precisamos imitar nossas referências, também precisamos tentar nos comunicar com elas, também precisamos ser corrigidos por elas quando necessário. Também precisamos de tempo! E continuaremos a cometer erros, assim como continuamos cometendo em nossa língua materna. É normal que isso aconteça.
Anteriormente tratamos da importância de estar inserido em um ambiente de recompensas, pois ele nos proporciona, em termos de desenvolvimento da linguagem, aquilo que a nossa família (referências próximas) nos proporcionou para que nos tornássemos fluentes em nossa língua materna. Nossos familiares adultos já eram pessoas fluentes naquela época, tínhamos contato CONSTANTE com eles (era uma relação ESTÁVEL) e eles NÃO nos julgavam mal por nossos erros de português, mas sim nos auxiliavam a ajustar nossa forma de expressar. Com isso fomos desenvolvendo o DESTEMOR para usar a língua portuguesa, isto é, mesmo sabendo que nosso português não é perfeito, mesmo sabendo das nossas limitações, temos a consciência de que nosso português FUNCIONA no MUNDO REAL!
Perceba aqui a importância da expressão “RELAÇÃO ESTÁVEL”, pois construir uma relação estável com um nativo é importantíssimo para o desenvolvimento da fluência numa língua estrangeira. Muitos estudantes fecham os olhos para esse detalhe, filtrando contatos por critérios (extremamente) secundários e acabam entrando em um ciclo de “procura contato, encontra contato, perde rapidamente o contato”. Esse ciclo só traz frustração e desmotivação já que o estudante acaba usando grande parte do seu tempo disponível procurando contatos de nativos em vez de ter uma exposição verdadeira constante. Como resultado percebe que o tempo passa e suas habilidades comunicativas não evoluem.
Este é o problema da maioria dos cursos de línguas: focam-se demais no conhecimento teórico e quantitativo, ignorando os aspectos fundamentais da aquisição da linguagem: os aspectos SOCIAL (pois nascemos inseridos em uma COMUNIDADE) e PSICOLÓGICO (pois nos sentimos PERTENCENTES a esta comunidade). Esses aspectos existiram na nossa família de sangue e, por isso, aprendemos a nossa língua materna!
Só que existe um “problema”: na nossa família de sangue fomos aceitos incondicionalmente, afinal tínhamos que sair de algum lugar. Aprender uma segunda língua exige uma “outra família”, que via de regra NÃO nos aceitará incondicionalmente. É por isso que NÃO deveríamos ser CHATÕES, INÚTEIS e PARASITAS.
Já pensou que você poderá ter dificuldade de encontrar um ambiente de recompensas para a língua japonesa, porque está mal acostumado com o acolhimento incondicional da família de sangue, esperando (ou mesmo exigindo) que os outros façam o mesmo? Como se você estivesse procurando alguém para fazer o papel de pai e mãe para serem os seus mantenedores e “escudos”?
A família de sangue pode ter tolerado a sua chatice, a sua inutilidade e o seu parasitismo, mas o mundo NÃO tolerará. Não sejamos crianças em corpos de adultos. Faz parte da vida adulta tomar decisões e pagar o preço por elas. Faz parte da vida adulta fracassar e tentar de novo, mudar de rota, etc.
Os milagreiros e os criadores de problemas costumam usar muito frases como “Pare de dizer [X]”, “Pare de pronunciar a palavra [X] assim”, etc., a fim de causar preocupação nas pessoas e elas comprarem seus produtos. Na verdade, são eles que deveriam parar de dizer “pare de dizer...”, afinal se aplicássemos esse mesmo critério rígido ao português, teríamos que nos considerar NÃO-FLUENTES em nossa própria língua materna. Corremos constantemente o risco de cometer erros na nossa própria língua e numa estrangeira e o problema aqui é se fechar ao conhecimento e ao aprimoramento. Não são cursos milagrosos ou únicos no universo que vão resolver de uma vez por todas essas questões! Por exemplo, um tópico também muito usado principalmente por criadores de problemas é a questão da pronúncia das palavras. Ora, como podemos notar no mundo concreto, muitas pessoas cometem erros de pronúncia no português, mas nos entendemos! Muitos estrangeiros que aprenderam o português pronunciam palavras erroneamente, mas nós os entendemos e nem nos importamos com os erros de pronúncia deles! Afinal em comunicação o que importa mesmo é entender e ser entendido!!!
Temos a mania de colocar um peso enorme nos equívocos cometidos em uma língua estrangeira como se cometer erros em uma língua estrangeira fosse algo “super-hiper-mega” grave, inaceitável! Como se isso fosse um atestado inquestionável de incapacidade e motivo para desistir! Se cometer erros fosse motivo para parar de estudar ou falar uma língua, então, não haveria mais comunicação! Não existe povo que não cometa erros em sua própria língua. Temos a mania de encarar povos de outros países como habitantes de outro planeta, seres com cérebro diferente do nosso. Ora, somos todos humanos! Temos todos o mesmo cérebro biologicamente falando. Os mecanismos de aprendizado são os mesmos!
Aliás, muitos dos erros – oriundos do princípio do menor esforço – possivelmente se tornarão aceitáveis (ou mesmo se tornarão padrão) com o decorrer das gerações, pois acabam facilitando a comunicação! Embora gramáticos busquem padronizar a língua convencionando regras, eles não têm poder de imposição. A língua prática sempre será incontrolável. Por isso, a tendência tem sido não mais falar em “erro na maneira de se expressar”. Ora, se há entendimento entre as pessoas, há comunicação e é para isso que uma língua serve! Entretanto, todos os usuários de todas as línguas precisam exercitar o “senso de adequação de linguagem”, isto é, ter a consciência de que o modo de se expressar, as palavras usadas variam de acordo com o ambiente e com quem se fala. Por exemplo, numa prova de vestibular não se deve escrever como se escreveria numa situação informal. Da mesma forma, não é necessário usar um linguajar extremamente formal em, por exemplo, situações familiares. Assim como mudamos nossa maneira de vestir conforme a ocasião, a linguagem não deve ser a mesma para todos os momentos.
Partindo da nossa experiência com a língua portuguesa, percebemos que fluência está relacionada a tão somente ter um conhecimento suficiente e ser capaz de aplicar esse conhecimento, no mundo real, para que possamos nos comunicar natura e satisfatoriamente. Fluência não exige ter um vocabulário extenso, conhecer profundamente a gramática, ser isento de cometer erros ou mesmo entender tudo! Isso tem a ver com aprimoramento e repertório, não com fluência! Esses aspectos são como “upgrades” da fluência. Fluência que já existe em nós! Uma criança de 10 anos e um doutor em linguística são ambos fluentes, sendo que a única coisa que difere o português dos dois são os “upgrades” que o doutor em linguística tem por conta de suas experiências vividas.
Muitos não aprendem uma língua estrangeira, porque invertem as coisas, isto é, preocupam-se demais com os “upgrades”, almejam tanto a perfeição (que não temos nem na nossa língua nativa) e acabam deixando de lado o essencial, aquilo para o qual os “upgrades” existem: a habilidade de se comunicar natura e satisfatoriamente! Com isso, cedo ou tarde, o estudo deixará de ser algo prazeroso e se tornará um fardo! Ao se tornar um fardo, o nosso cérebro, que não gosta de gastar energia com coisas irrelevantes e foge da dor "dirá" a nós: "Por que continuar com isso se está só atrapalhando? Não tem nenhuma utilidade!"
Aliás, se aplicássemos esse mesmo critério rígido que aplicamos ao estudarmos uma língua estrangeira à nossa língua nativa, então, não poderíamos nos considerar fluentes em português! Mas somos, oras! Apesar de não sermos perfeitos! Fazendo uma nova analogia com jogos, um dos aspectos que deixam um jogo divertido é a possibilidade de evoluir o personagem ao longo do caminho, em meio aos desafios, coletando upgrades como no jogo “Megaman X”.
É nos expondo verdadeiramente aos desafios do jogo, correndo o risco de “apanhar” do jogo que a gente vai evoluindo e nos equipando com os upgrades. Assim também é uma língua, seja materna ou estrangeira: é no meio do caminho, em meio aos desafios do mundo real, correndo o risco de “apanhar” das situações que vamos evoluindo, coletando os upgrades para a nossa linguagem e nos equipando com eles!
Muitos estudantes acabam agindo como aquele jogador que não joga o jogo enquanto não descobrirem algum jeito secreto de começar com todos os upgrades possíveis para que ele não passe dificuldades e não perca tempo jogando um jogo que não conseguiria chegar ao fim sem começar com esses upgrades.
Ora, uma pessoa que age assim no fundo não confia em suas habilidades como jogador, já está pensando que certamente vai fracassar e, por isso, nem tenta começar o jogo. Prefere ficar esperando uma fórmula mágica, milagrosa que o faça começar o jogo com todos os upgrades possíveis para assim ter certeza absoluta que não irá fracassar, que não passará dificuldade e que não perderá tempo jogando um jogo que não conseguiria chegar ao fim em condições normais.
Entretanto, no mundo real não é assim! Não é possível começar a jornada já com todos os upgrades! Nem na nossa língua materna, nem numa língua estrangeira! Ficar à espera de fórmulas mágicas, milagrosas, certeiras para só aí começar alguma coisa é o que realmente nos faz perder tempo, oportunidades, podendo nos deixar concretamente em dificuldades no futuro por conta da nossa falta de preparo em lidar com as mudanças constantes do ambiente em que vivemos. Elas acontecem e se impõem queiramos ou não! Nós podemos ficar esperando, mas o tempo, as oportunidades e o mundo, ao contrário de um jogo em nossa estante, não ficam nos esperando!
Evoluir (em todos os aspectos da vida) é necessário, mas também é algo que precisa ser feito de forma gradual. Apenas continue dando o seu melhor sempre! Não coloque fardos sobre si mesmo quando cometer erros em uma língua estrangeira. Tenha paciência. Aprenda e pratique com alegria e tudo será diferente!
XXI. O TEMPO E AS OPORTUNIDADES
Diante do fato de que para aprender uma língua estrangeira inevitavelmente precisaremos de um longo tempo, assim como nós precisamos para nos tornar fluentes em nossa língua materna (por volta de 5 anos), alguns poderão afirmar o seguinte:
“Ok, percebe-se que para aprender uma língua estrangeira no fim das contas temos que passar pelos mesmos processos que passamos para aprendermos a nossa língua materna. Contudo, quando aprendemos nossa língua materna éramos crianças! Como adultos temos outras obrigações e o mundo exige outras coisas de nós!”
De fato, a uma criança é dado tempo para ela se adaptar ao ambiente. Dificilmente um adulto vai julgar mal uma criança por algum erro cometido em sua língua materna, afinal ela está em uma fase natural de aprendizado. Entretanto, aos adultos, esse mesmo tempo de adaptação geralmente não é dado. Um só erro no uso da língua pode custar, por exemplo, uma vaga de emprego, mesmo que estejamos ainda em fase de aprendizado. Em outras palavras, na vida adulta ou temos que já estar prontos ou perdemos a oportunidade.
De fato, uma criança não tem as mesmas obrigações dos adultos. Ela não precisa se preocupar com a alimentação e outros cuidados pessoais, afinal os adultos fazem isso por ela. Basicamente ela só precisa ir se adaptando ao ambiente. Aliás, é por isso que a capacidade de adaptação do cérebro (aprendizado) de uma criança é maior do que a dos adultos. É por isso que crianças tendem a ser muito curiosas. Nascer é como chegar a uma terra desconhecida sem informações e sem nada nas mãos, então, faz-se extremamente necessário aprender o mais rápido possível sobre essa terra desconhecida para melhor sobreviver nela e aproveitar seus recursos. Já os adultos têm muitas obrigações e constantemente se veem pressionados tendo que escolher prioridades.
Por causa das particularidades da fase adulta, isto é, temos muitas obrigações e na maioria das vezes temos que já estar prontos para aproveitar uma oportunidade, é que tendemos a nos preocupar com o fator tempo. Contudo, sejamos realistas: para ficarmos fluentes em uma língua estrangeira, não há como fugir da necessidade de passar pelos mesmos processos que passamos para ficarmos fluentes no português. Levará tempo e não há como saber em quanto tempo cada um atingirá a fluência.
Inevitavelmente, não estaremos preparados para agarrar assim que desejarmos todas as oportunidades que surgirem. Sim, corremos constantemente o risco de perder oportunidades. Precisamos aceitar essa realidade, caso contrário, nós nos tornamos presas fáceis para os milagreiros e criadores de problema. Por outro lado, perder uma oportunidade AGORA por ainda não estar preparado para ela não quer dizer que não haverá mais chances de agarrar essa mesma oportunidade (ou outra melhor ainda!) no futuro.
As oportunidades da vida são como um ônibus. Pessoas que se preocuparam em saber antecipadamente os horários que um ônibus passará se aprontarão com antecedência para estarem no ponto de ônibus preparadas para pegar o ônibus assim que ele passar.
Porém, sempre há aquele que chega ao ponto quando o ônibus já partiu. Ele perdeu o ônibus? Sim, mas somente NAQUELE MOMENTO. Logo o ônibus passará novamente e ele poderá pegá-lo! Ele não estava preparado para pegar o ônibus naquele momento, mas está preparado para a próxima passagem do veículo.
O nosso cérebro ainda age de forma primitiva por achar que ainda vivemos na selva e, como mencionamos ao tratar da ferramenta da “FLEXIBILIDADE”, ele tem um instintivo receio da escassez. Na selva os recursos eram escassos e por isso tínhamos que muitas vezes os disputar ferozmente por mínimos que fossem. Disputar a refeição do dia arriscando a vida, disputar abrigo por causa da chuva arriscando a vida, etc. eram ações constantes. Frequentemente aquele que ganhava a disputa acabava deixando o perdedor em uma situação muito complicada.
Com o passar do tempo, essa escassez de recursos foi (e continua) sendo sanada graças aos avanços em diferentes campos da vida e do conhecimento humano. Por exemplo, se há 50 anos apenas alguns tinham acesso ao estudo de uma língua estrangeira por ser algo caro, hoje todos podem estudar um idioma por um preço menor ou mesmo de graça na internet e com uma didática muito melhor levando em conta os avanços nos campos da linguística e neurociência ocorridos nesse espaço de tempo.
Entretanto, o cérebro ainda nos faz pensar instintivamente que os recursos são escassos e, por isso, tendemos a ficar incomodados ao presenciar o bem-estar e o sucesso do outro, porque é como se o outro tivesse tirado a nossa oportunidade de ter isso (dada a escassez de recursos no ambiente selvagem). Todos nós temos esses instintos primitivos, mas em pessoas que possuem esses instintos primitivos mais aguçados, esse incômodo causado pelo bem-estar e sucesso do outro chega a mexer com o mesmo mecanismo que causa a dor física.
Por isso é importante REEDUCAR o cérebro, pois não estamos mais diante da escassez de recursos da selva. Há inúmeras oportunidades disponíveis no PRESENTE e muitas outras (e melhores) serão disponibilizadas no FUTURO. É questão de sermos FLEXÍVEIS com o fato de que elas podem não acontecer no momento que desejamos e exatamente COMO desejamos no início. Observe a ilustração a seguir:
Na ilustração o estudante está tão focado correndo atrás do ônibus escolar que perdeu que acaba não percebendo que há outros ônibus escolares vindo que levam para o mesmo destino. É como se ele tivesse CONDICIONADO a sua ida à escola a pegar especificamente o ônibus que perdeu. No fim das contas um questionamento se torna válido:
“Afinal, qual é o objetivo VERDADEIRO do estudante: chegar à escola ou pegar um ônibus ESPECÍFICO?”
Assim como esse estudante, nós costumamos consciente ou inconscientemente RESTRINGIR nossos objetivos criando CONDIÇÕES ESPECÍFICAS, o que faz com que não olhemos ao redor e não percebamos que podem haver outros meios igualmente válidos e honestos de se chegar ao mesmo lugar!
É por isso que quando tratamos da ferramenta do “INTERESSE” afirmamos que é preciso se apaixonar profunda e INCONDICIONALMENTE pela língua japonesa. Sem perceber, podemos acabar condicionando o nosso aprendizado a situações específicas, como quando, por exemplo, decidimos aprender japonês PARA conseguir um emprego em uma empresa japonesa. Assim, consciente ou inconscientemente a finalidade (ou o meio) acabará virando cedo ou tarde uma condição, o foco das nossas ações, fazendo com que o aprendizado da língua japonesa se torne algo secundário. Em outras palavras: o que era “Vou aprender japonês para conseguir um emprego em uma empresa japonesa, acaba se tornando “SE eu conseguir um emprego em uma empresa japonesa, eu vou aprender japonês”.
Colocando a carroça na frente dos bois, fecharemos os olhos para os REQUISITOS NECESSÁRIOS, isto é, PRIMEIRO isso, DEPOIS isso, etc. para se chegar a um objetivo, correndo o risco de ficar sem nada. Com essa restrição, com essa inflexibilidade, não olharemos ao redor (como o estudante na ilustração) fazendo com que fatalmente as oportunidades pareçam escassas e também correndo o risco de ficar sem nada.
Em contrapartida, sendo realistas e flexíveis, tendo a consciência que um objetivo é construído por ETAPAS e dando o nosso melhor diariamente, enquanto estivermos vivos caminhando na estrada da evolução pessoal, teremos a possibilidade de encontrar oportunidades ao longo do caminho!
Não importa se os outros conseguirão agarrar as oportunidades antes de nós ou depois. Em ambos os casos estamos sujeitos a ser alvo de julgamentos injustos! É impossível agradar a todo mundo, pois cada pessoa é única no mundo, com sua história de vida, talentos, fraquezas e necessidades e temos que aceitar isso! Quem realmente deseja o nosso bem reconhecerá o nosso esforço e nos auxiliará na jornada, entendendo que a evolução é um processo composto por pequenas vitórias diárias, que devem ser celebradas!
De forma semelhante ao tópico anterior terminamos este. Evoluir (em todos os aspectos da vida) é necessário, mas também é algo que precisa ser feito de forma gradual. Apenas continue dando o seu melhor sempre! Não coloque fardos sobre si se ainda não estiver preparado para agarrar uma oportunidade. Tenha paciência. Aprenda e pratique com alegria e tudo será diferente! Invista na construção de relações sociais saudáveis. Um ambiente de recompensas também é uma grande porta para oportunidades!
XXII. LEITURA DINÂMICA?
Já que o primeiro contato que temos com algum assunto que queremos aprender é normalmente através de textos e livros, nada mais natural do que abordar o tema “Leitura Dinâmica”, afinal quem não gostaria de ser capaz de ler com maior velocidade, não é mesmo?
Vemos muitos cursos de leitura dinâmica por aí com diversas técnicas cansativas que acabam é desmotivando (ainda mais) muita gente com relação à leitura. Cremos que ler com maior velocidade esteja relacionado a apenas três fatores:
➩ INTERESSE: talvez esse seja o ponto mais negligenciado até mesmo pela escola. Normalmente se obriga o estudante a ler livros (chatos!) sem a preocupação de primeiro despertar nele o prazer pela leitura. Sem possibilidade de prazer dificilmente a pessoa dará importância e não haverá, consequentemente, motivação para a leitura. E pior: geralmente essa obrigação surge em contextos de intimidação, como fazer provas. Nesse cenário é claro que o cérebro vai encarar o ato de ler como algo “perverso” e vai querer que fujamos dele (fugir da dor e buscar o prazer).
➩ FAMILIARIDADE: velocidade de leitura tem a ver com a velocidade com que o cérebro processa as informações, isto é, faz o reconhecimento e a compreensão das informações. E a velocidade de reconhecimento e compreensão depende do nosso banco de dados de experiências acumuladas. Orações que contenham palavras que nos são familiares obviamente consumirão menos tempo; serão processadas com muito maior rapidez do que orações que contenham palavras pouco comuns. Então, quanto maior o nosso vocabulário, maior tenderá ser a nossa velocidade de leitura. O mesmo vale para o tema do livro. Por exemplo, um músico tende a ler livros sobre música com maior velocidade do que um médico, pois um músico está familiarizado com o tema e com o linguajar do mundo da música.
Observar o seu nível de familiaridade, seja com o tema, seja com o vocabulário é muito importante para que a leitura seja mais veloz e prazerosa. Pode acontecer, por exemplo, de você gostar de um tema, já ter lido sobre ele, mas acabar se deparando com um material que contenha um vocabulário mais restrito, ao qual você não está acostumado ainda (a "Gramática Avançada" do blog Ganbarou Ze! XD). Nesses casos, a tendência é que você leia com menor velocidade ou mesmo se desmotive ao longo da leitura.
➩ HÁBITO: ler precisa se tornar uma ação constante. Comece por livros cujo tema é de seu interesse. Comece por livros sobre o tema de seu interesse, mas que contenham vocabulário simples se achar que seu vocabulário ainda não é tão grande e vá “dificultando” aos poucos. Com isso, você estará aumentando o seu banco de dados. Com o tempo, a sua leitura se tornará naturalmente mais veloz!
Como vimos ler mais rápido também não está relacionado a técnicas secretas e mirabolantes. Aliás, um estudo publicado em 2016 na revista “Psychological Science” aponta em sua conclusão que há um conflito entre velocidade de leitura e compreensão, isto é, não há como aumentar a velocidade de leitura sem perder a compreensão do texto.
Entre outras coisas é afirmado que “aumentar a velocidade com que você encontra as palavras, portanto, tem consequências sobre o quanto você entende e se lembra do texto. Em alguns cenários, é tolerável e até aconselhável aceitar uma diminuição na compreensão em troca de um aumento na velocidade. Isso pode ocorrer, por exemplo, se você já souber muito sobre o material e estiver folheando o material para buscar uma informação específica (destaque nosso). Em muitas outras situações, entretanto, será necessário desacelerar para um ritmo normal a fim de se conseguir uma boa compreensão (destaque nosso). Além disso, você pode precisar reler partes do texto para garantir uma compreensão adequada do que foi escrito”.
Diante dessa interessante conclusão, questionamos: o que adianta ler rápido e não compreender verdadeiramente o que está sendo lido? Isso é péssimo para o aprendizado, para a memorização! E mesmo quando precisamos encontrar uma informação especifica dentro de um texto, instintivamente nós abrimos mão da compreensão, fazendo uma varredura pelo texto até encontrarmos a informação desejada. Se for um texto na internet ou arquivo digital, melhor ainda: simplesmente usamos a opção “pesquisar”! Em ambos os cenários – leitura visando o aprendizado ou uma simples varredura pelo texto para encontrar uma informação específica – as técnicas secretas e mirabolantes de leitura dinâmica parecem ser totalmente dispensáveis.
Muito se tem falado sobre o RSVP (Rapid Serial Visual Presentation), uma técnica em que diferentes informações são apresentadas numa velocidade constante e no mesmo ponto do espaço visual. Seria o RSVP a nova e definitiva técnica de leitura dinâmica?
Realmente, já há estudos que mostram que o RSVP ajuda a aumentar a velocidade de leitura, porque elimina distrações, o movimento dos olhos e a necessidade de saltar linhas, forçando o leitor a focar em um ponto apenas. Entretanto há um preço a se pagar por isso: o RSVP tende a deixar o leitor extremamente cansado, pois a velocidade de uma máquina pode ser constante, mas a velocidade “humana” varia sempre. Veja um exemplo:
Se nas técnicas de leitura dinâmica tradicionais há um conflito entre velocidade e compreensão, pode-se dizer que no RSVP há um conflito entre velocidade e quantidade de informações absorvidas. Devido ao extremo cansaço que o RSVP tende causar, chegará um ponto em que o próprio processamento das informações e consequentemente a memorização ficarão prejudicados. Por isso, especialistas costumam afirmar que o RSVP só é útil para textos ou trechos pequenos. Com isso, facilmente se pode questionar:
“Se com o RSVP é preciso ficar ‘quebrando’ o texto para evitar o cansaço, então, não é mais fácil ler o texto normalmente, sem o uso do RSVP?”
Pois é. O tempo que se ganharia com o RSVP se perderia tendo que fatiar textos longos! Além disso, como citado no interessante artigo da revista “Psychological Science”, “você pode precisar reler partes do texto para garantir uma compreensão adequada do que foi escrito”. Ora, não é difícil perceber que com o RSVP fazer retrocessos no texto para pontos específicos é bem complicado devido à velocidade constante. Outro fato que precisamos considerar é que se uma pessoa consegue ler (e compreender) usando o RSVP numa boa velocidade, é por que muito provavelmente ela já consegue fazer isso de forma natural. Levando em conta o fato de ter que fatiar textos longos e a maior complexidade em fazer releituras de trechos específicos, qual a vantagem que essa pessoa que gosta de ler e tem o hábito de leitura (ou mesmo qualquer pessoa) veria em usar o RSVP?
Diante do que foi exposto, preocupe-se em reconhecer e compreender a informação! E para isso você precisa ter o hábito e interesse pela leitura para que possa aumentar gradativamente o seu banco de dados e naturalmente a sua velocidade de leitura.
Por fim, deixamos uma frase bem-humorada atribuída a Woody Allen, escritor, roteirista, cineasta, ator e músico norte-americano:
“Fiz um curso de leitura dinâmica e li ‘Guerra e Paz’ em vinte minutos. Tem a ver com a Rússia”
XXIII. ESTOU ANDANDO EM CÍRCULOS! E AGORA?
Gostaríamos de tratar de algo muito importante com o qual você pode se deparar cedo ou tarde: o chamado “platô intermediário”. Basicamente é a sensação de que o seu progresso diminui porque você não está mais aprendendo com a mesma rapidez de quando começou os estudos. É um estágio em que parece que você está andando em círculos e não há mais pra onde ir, ao mesmo tempo que o conhecimento adquirido até então parece ser insuficiente em termos práticos.
Primeiramente, ter essa sensação é totalmente normal, não importa o que você esteja aprendendo: japonês, violão, gastronomia... todo mundo sente isso em seu processo de aprendizagem, pois o aprendizado não é como uma linha reta. No começo, como tudo é novidade, há muitas coisas para aprender, estamos motivados e, por isso, tendemos a ser mais receptivos. No entanto, com o passar do tempo é natural que as coisas afunilem, pois gradualmente passamos de coisas mais práticas (níveis básico e intermediário, nos quais há muitas coisas novas e úteis) a sutilezas, nível avançado, no qual há menos coisas, que muitas vezes não são tão úteis em termos práticos.
Contudo, ao mesmo tempo que chegar ao platô intermediário é algo normal, pode ser extremamente perigoso. Dependendo da personalidade da pessoa, pode trazer como consequência a desistência do aprendizado. Tendo a sensação de que está dentro de um círculo, o estudante prefere abandonar os estudos já que julga ter um conhecimento insuficiente, que não serve para nada. Cuidado com estes comportamentos:
➩ perfeccionismo;
➩ falta de paciência consigo mesmo;
➩ comparar-se com os outros;
➩ receio de se expor, errar e ser julgado;
➩ considerar que está SEMPRE certo;
➩ falta de FLEXIBILIDADE, querendo que as coisas SEMPRE saiam EXATAMENTE como planejado;
➩ querer somente vitórias, não admitindo possíveis frustrações;
➩ encarar as frustrações como barreiras insuperáveis;
➩ querer resultados rápidos, uma fórmula mágica;
➩ imaginar que algo é extremamente necessário para se chegar ao objetivo, mas ao mesmo tempo inalcançável;
➩ imaginar que uma situação é uma barreira quando não é;
➩ falta de objetivos claros;
➩ expectativas muito altas e sem fundamento na realidade.
Além dos comportamentos equivocados que citamos, algo que pode acelerar a chegada ao platô intermediário e dificultar a saída dele é se restringir aos pequenos mundos. Por exemplo, há pessoas que começam a ter interesse em aprender japonês por causa dos animês. Não há nenhum problema nisso. O problema começa quando se pensa que o mundo dos animês (um pequeno mundo) equivale ao mundo real como um todo. Ora, precisamos ter consciência de que o nosso mundo é constituído de pequenos mundos, como mencionamos anteriormente. Precisamos estar abertos a conhecer outros pequenos mundos e a conhecer o japonês do mundo como um todo. Encarando o aprendizado desta forma, você perceberá que sempre haverá coisas novas para aprender e/ou algum desafio, não importa o seu nível.
Sair do platô intermediário é importante, mas pode ser muito difícil dependendo da pessoa. Com tudo o que temos abordado nesses tópicos, perceba a importância do AUTOCONHECIMENTO, obtido através de reflexões constantes, sinceras e realistas para se chegar a um DIAGNÓSTICO CORRETO. Como ensina o professor Andrei Mayer “você precisa virar um cientista das suas próprias emoções”. O que você precisa ou pode aprimorar? Conhecimento sobre gramática? Vocabulário? Exposição VERDADEIRA ao idioma? Escrever ou falar melhor? Mais paciência com você mesmo? Compreensão auditiva? Parar de se comparar com os outros? Parar de ter receio de se expor, errar e ser julgado? Sair de um pequeno mundo?...
Você perceberá que ao chegar a um diagnóstico correto da situação depois de fazer uma reflexão sincera e realista, quase que como mágica o seu nível de dopamina aumentará fazendo surgir novamente a MOTIVAÇÃO, porque é como se o cérebro entendesse: “Puxa!! Era por causa disso que eu não estava evoluindo! Mas AGORA eu sei o que precisa ser feito. Vamos com força total em direção à solução do problema!”. É a mesma alegria e força, por exemplo, que um jogador de RPG sente ao se dar conta do que precisa fazer para evoluir seu personagem e finalmente derrotar aquele chefão.
XXIV. AS ADVERSIDADES
Um dos grandes males dos tempos modernos é a ilusão de que todos nós podemos ter o mundo aos nossos pés, como se tudo pudesse ser exatamente do jeito que todos nós queremos. Parece que se tornou proibido ter frustrações. Prega-se uma ditadura da felicidade, uma enganosa positividade, que acaba destruindo a empatia, pois muito disso se restringe a discursos prontos sem a preocupação de concretamente estender a mão quando necessário, fazendo-nos fechar os olhos para os fatores individuais e concretos de cada pessoa e, com isso, para aquilo que REALMENTE pode ajudar a pessoa a se aprimorar. Na prática acaba sendo uma forma bela e indireta de dizer “Eu não tenho nada a ver com seus problemas! Dê um jeito aí!”.
“Não há coisa mais fria do que o conselho cuja aplicação seja impossível.” (Frase atribuída a Confúcio)
Perceba como tanto a negatividade quanto a positividade podem não ter fundamento na realidade, prejudicando de forma concreta o desenvolvimento pessoal. Em ambos os casos acabamos fechando os olhos para aquilo que realmente precisamos para evoluir.
Seja por causa das redes sociais, seja por que apenas nos dizem, seja por causa de uma “aparência social” assumida por alguém no trabalho, na escola, no bairro, etc., parece que todos estão bem, todos têm o que querem, menos “eu”. Por que “eu” não? Por que “eu” não posso? Além do equívoco de ficar se comparando com os outros, no fim das contas, a busca incessante pela felicidade, de uma vida sem males acaba se tornando a maior causa de infelicidade!
Sejamos realistas: não ter frustrações na vida é impossível. Todos têm frustrações, ainda que muitos queiram colocar um véu para ocultá-las dos olhos alheios. Em outras palavras, muita coisa que presenciamos, principalmente na internet, não passa de aparências, exibicionismo e autopromoção.
O próprio viver nos ensina constantemente que é impossível fugir das frustrações. Nós nascemos e estamos vivendo agora, mas sabemos, embora não queiramos aceitar, que um dia a nossa saúde vai embora, pessoas que amamos vão embora, nós vamos embora. E tudo isso pode acontecer em um piscar de olhos. Deixaremos para trás todos os bens materiais que conquistamos ao longo da vida e aos quais demos tanto valor e carinho. E as pessoas que ficarem muitas vezes não terão esse mesmo zelo que tivemos com nossos bens materiais. Provavelmente jogarão esses bens materiais na lata do lixo! Além disso, muitas vezes presenciamos a maldade prevalecendo sobre a bondade, a injustiça prevalecendo sobre a justiça, etc.
Por isso e por tantos outros motivos, resta-nos apenas encarar as frustrações e tirar lições delas. Em outras palavras: quando estiver diante de alguma frustração, encare-a como uma oportunidade de se conhecer melhor e agir melhor! Se bem trabalhada, a frustração se torna nossa aliada, um degrau para nós!! Se formos sinceros, perceberemos que é geralmente em meio a frustrações que começamos a refletir e a buscar aprimoramento. Quando tudo está indo bem, geralmente não fazemos isso; apenas repetimos as coisas e as atitudes (às vezes equivocadas) a que estamos acostumados. O monge beneditino Dom Estêvão Bettencourt, nascido no Rio de Janeiro em 16 de setembro de 1919 e falecido em 14 de abril de 2008, deixa-nos um belo ensinamento:
“De modo geral, o sofrimento é escola para o ser humano. Contribui para vencer o egoísmo e tornar a pessoa mais voltada para o próximo; torna atuantes muitas energias e potencialidades que nunca desabrochariam se não fosse o sofrimento. Esta verdade é tão óbvia que já os antigos gregos a formularam no trocadilho: pathos mathos (sofrimento é ensinamento ou aprendizagem). Quem não passa pelo cadinho do sofrimento, muitas vezes é egocêntrico, e insensível para com os outros; desfigura-se no plano da personalidade”. |
De forma geral, no atual estágio da humanidade desfrutamos de certa segurança. Ao longo do tempo países foram sendo constituídos e leis foram sendo criadas para garantir a ordem entre as pessoas. Existem também diversos acordos entre nações e avanços naquilo que se considera direitos fundamentais da pessoa humana, na ciência e na tecnologia. Tudo isso nos proporciona uma melhor qualidade de vida. Porém, como mencionamos anteriormente, nosso cérebro ainda age de forma muito primitiva. Para ele é como se nós ainda vivêssemos em ambiente selvagem. Ora, nesse tipo de ambiente não tínhamos essa mesma segurança que o mundo moderno nos proporciona. A selva era (e continua sendo) um ambiente constantemente ameaçador. Por isso, acredita-se que a insatisfação seja um mecanismo ligado à sobrevivência. Na mesma linha do que estamos expondo neste tópico, poderíamos dizer que muita felicidade tende a nos fazer baixar a guarda para ameaças que podem estar ao nosso redor. Se tudo está bem, não é necessário fazer nada diferente ou se preparar para nada. Do ponto de vista da sobrevivência na selva isso é péssimo.
Por isso precisamos aceitar que enquanto estivermos vivos, um certo grau de insatisfação sempre nos acompanhará, pois nosso cérebro quer que sobrevivamos da melhor forma possível e para isso ele nos induz a sempre buscar evoluir no conhecimento, nas práticas, nas relações sociais, etc. para que estejamos preparados para lidar com as ameaças (ou mesmo com as oportunidades) do ambiente. Poderíamos ser donos do universo todo, mas em algum momento ficaríamos insatisfeitos querendo outro universo. Quantas vezes ficamos muito motivados para comprar algo, mas depois que compramos largamos o objeto ou nos arrependemos de ter comprado?
Ninguém gosta de sofrer ou busca conscientemente o sofrimento. Entretanto, querer fugir a todo custo dos desconfortos que a vida inevitavelmente vai trazer faz com que nos tornemos pessoas hipersensíveis, despreparadas para os desafios da vida e que, por isso, enxergam qualquer adversidade como um monstro gigante. Além de essa atitude contribuir para o aumento do estresse e da ansiedade, tende a fazer com que pessoas terceirizem responsabilidades, como se os outros fossem seus servos e devessem correr os riscos e assumir culpas no lugar delas, afinal o “rei” está tão acostumado com o conforto que não tem nenhum preparo para lidar com tais coisas. Muitos acabam, apesar de já adultos, não se tornando adultos de fato; não querem deixar de ser aquela criança que precisa dos pais. Consequentemente começam a buscar sempre uma mãe e/ou um pai na figura de outras pessoas, agindo como se o mundo devesse tudo a elas e elas não precisassem fazer absolutamente nada pelos outros.
Como ensina Dra. Ana Beatriz Barbosa “Se eu não tenho um momento de reflexão ou de tristeza, eu não curto tão bem o meu momento de alegria. É luz e escuridão. Eu preciso sempre do contraponto”. Ainda, Dra. Anna Lembke, da Universidade de Stanford, afirma que “evitar a dor nos priva de experiências que constroem os calos mentais para encarar desafios futuros. E eu falo de dor de uma forma ampla: emocional, espiritual, todos os diferentes tipos de sofrimento físico e psicológico. (...) Junto com o acesso crescente a medicamentos e a comportamentos que nos apartam das experiências tradicionais de dor, nós desenvolvemos uma narrativa em que a dor deve ser evitada em nós ou nos nossos filhos. (...) Como resultado, pais se tornaram temerosos de deixar que seus filhos experimentem qualquer tipo de sofrimento, com medo de que eles acabem no divã ou com algum distúrbio psicológico. Mas o fato é que proteger as crianças de experiências desafiadoras é privá-las da oportunidade de construir uma fortaleza mental que elas necessitam no mundo”. Ainda, André Rabelo, mestre e doutor em Psicologia, afirma que "Se a pessoa aprendeu desde cedo que seus problemas costumam se resolver magicamente graças aos seus pais, para que ela deveria se esforçar para lidar com eles? Filhos superprotegidos também têm um risco maior de desenvolver níveis elevados de narcisismo e de achar que têm direito a tudo que quiserem”.
Diante dessas constatações, é preciso discernir quem realmente precisa ser ajudado de quem não quer enfrentar os desafios que fazem parte da vida, deixando tudo sob responsabilidade dos outros. Isso contraria o senso comum de que ajudar alguém é sempre um ato virtuoso, mas ajudar quem quer apenas parasitar os outros é concretamente um desserviço que prestamos, pois estamos contribuindo para o não crescimento e não amadurecimento dessa pessoa, além de incentivá-la a continuar com esse comportamento. Aliás, poderíamos dizer que todo relacionamento tóxico tem de certa forma um componente parasitário. Em vez de trocas saudáveis, há sempre prejuízo para um lado, de onde o parasita quer tirar seu alimento e se beneficiar sem retribuir.
Perceba como tendemos a sempre encarar a insatisfação como a FALTA de algo, um VAZIO. Daí começamos a comprar, comprar e comprar. Daí começamos a buscar pessoas, descartar pessoas, buscar mais pessoas e descartar mais pessoas. Daí começamos a buscar isso ou aquilo. E pouco a pouco vamos nos tornando pessoas inconstantes, chegando ao ponto de até perder a noção de quem realmente somos. E no fim parece que nada é capaz de preencher esse vazio. Entretanto, com base no que abordamos neste tópico, do ponto de vista biológico, poderíamos dizer que a insatisfação nada mais é do que um mecanismo que nos mantém em constante estado de alerta, pois na selva não tínhamos controle sobre muitas coisas (e ainda não temos em nossa vida atual!). Fazendo uma analogia, é como se dentro de nós houvesse um radar que detecta possíveis ameaças e possíveis oportunidades no ambiente, sendo a insatisfação aquilo que mantém esse radar ativo.
Fazendo uma analogia com jogos, em “The Legend of Zelda: A Link to the Past” do Super Nintendo, há muitos itens e lugares escondidos. Quem terá mais chances de encontrar esses itens ou lugares escondidos? O jogador que se preocupa somente em completar as missões ou o jogador que, além de se preocupar em completar as missões, permanece atento aos cenários do jogo? Certamente o jogador que fica atento aos cenários do jogo, não é mesmo? Poderíamos dizer que é o jogador que permanece com “o radar ligado” enquanto caminha pelo jogo!
Então, que tal começar a enxergar os momentos de frustração, insatisfação como um recado do cérebro simplesmente dizendo: “Avalie-se! Reflita! Busque aprimoramento, seja em si mesmo ou em seu círculo social! Ameaças (e oportunidades) podem aparecer e você precisa estar preparado para elas!”? E se precisar de ajuda, não tenha vergonha de procurar um profissional, seus familiares ou amigos, afinal todos nós somos humanos e todos nós temos frustrações! Encontrar a satisfação, mesmo com essa interminável insatisfação, parece contraditório, mas é possível!
XXV. A BASE DA SATISFAÇÃO HUMANA
Por falar em insatisfação, nas últimas décadas tem se difundido através da mídia, filmes e mais recentemente das redes sociais a ideia de que a satisfação e o reconhecimento estão atrelados ao poder de consumo, isto é, somos mais felizes e reconhecidos na medida que somos capazes de consumir mais, de comprar mais (valorização do TER). Entretanto, nota-se um aumento no número de pessoas deprimidas, cheias de seguidores virtuais, mas solitárias no mundo real ou com diversos tipos de transtornos mesmo com o acesso facilitado a todas as bugigangas do mundo moderno. Mesmo com toda essa ostentação que vemos por aí. Ora, se podemos consumir mais, comprar mais, ostentar mais e ter reconhecimento por causa disso, não deveríamos estar mais felizes?
Tendemos a pensar que o grande número de opções possíveis gera maior satisfação, mas existe o que se costuma chamar de “paradoxo da escolha”, isto é, quanto maior o número de opções possíveis para nós, maior tende a ser o grau de insatisfação. Por exemplo, como mencionamos anteriormente, antes do surgimento das redes sociais tendíamos a ser mais tolerantes com as pessoas, pois o número de pessoas com quem podíamos interagir era bem pequeno. Com o grande número de pessoas nas redes sociais, nós acabamos nos tornamos mais exigentes e ingratos. Consciente ou inconscientemente, descartamos facilmente quem não preenche todas as nossas expectativas na esperança de encontrar a pessoa perfeita no meio da multidão que se apresenta para nós. Em outras palavras: hoje nós ficamos insatisfeitos com aquilo que sem as redes sociais, por falta de muitas opções, ficaríamos muito satisfeitos.
Como já sabemos, um certo grau de insatisfação sempre haverá, pois é isso que de certa forma nos mantém atentos para ameaças e oportunidades do ambiente. Encontrar a satisfação, mesmo com essa interminável insatisfação, parece contraditório, mas é possível!
Além da importância da satisfação no presente, isto é, de valorizarmos e comemorarmos cada pequena evolução, de sermos gratos por tudo o que conquistamos retamente até HOJE e de encontrar alegria no fato de estarmos AGORA MESMO buscando aprimoramento em algum quesito (enxergar a felicidade no caminho), como mencionamos anteriormente, a ocitocina é considerada por muitos pesquisadores a substância mais importante do quarteto fantástico da felicidade, sendo ela relacionada ao vínculo social (físico ou emocional). E não é para menos. Pesquisas têm apontado que os fatores mais importantes para a satisfação humana são o cultivo de relações sociais saudáveis e ter um propósito “para fora de si mesmo”, isto é, buscar contribuir sinceramente para o bem do outro ou para algo importante que beneficiará muitas pessoas.
Perceba que isso é totalmente contrário à ideia do consumismo, que acaba nos levando a consumir cada vez mais pensando apenas na satisfação pessoal. E isso acaba nos levando a preferir o individualismo e o isolamento, coisas que o nosso cérebro odeia. Individualismo que acaba levando a rivalidades constantes e que pode até mesmo fazer com que pessoas quebrem os padrões de civilidade, prejudicando os outros para benefício próprio. Na medida que a pessoa se deixa dominar pelo individualismo, os instintos mais primitivos começam a aflorar e ela começa a se guiar pela lei da selva. Em outras palavras, tudo se justifica desde que beneficie o indivíduo, afinal ele está pensando apenas na sua própria sobrevivência e todos os demais podem se tornar uma ameaça.
Aliás, o individualismo pode até ter uma cara de qualidades pessoais, de preocupação com o outro, fato que ocorre principalmente nas redes sociais. Tanto que na tríade posses, prestígio e poder, alguns preferem trocar PRESTÍGIO por PARECER. A razão disso é que não é necessário SER alguma coisa; basta PARECER possuir alguma qualidade para conseguir reconhecimento alheio. Neste caso, a preocupação com o outro geralmente é bem seletiva. A pessoa se preocupa com o outro apenas enquanto o outro tem alguma utilidade momentânea para ela; caso contrário, ela o descarta. E quanto aos que apenas querem parecer possuir alguma qualidade, geralmente ostentam rótulos, de uma forma distante; são pouco acessíveis (para não correrem o risco de serem confrontados e a máscara cair).
Fato é que infelizmente muitos de nós foram (e ainda são) educados com a ideia de que a lei da selva é a que vale. Com a ideia de que devemos buscar apenas o benefício individual, o rótulo de exclusividade, mesmo que tenha que prejudicar, enganar ou usar o outro, pois o outro sempre será um inimigo a ser vencido em todos os quesitos. Como se o sucesso e o bem-estar de um impedissem o sucesso e o bem-estar de outro. Com a ideia de que tudo é válido para sobreviver. Como pontua a psicóloga Meiry Kamia “a competição é o berço da inveja. (...). A gente começa a aprender desde pequeno que eu sou um sucesso quando todo mundo é um fracasso”.
Entretanto, somos seres sociais! Somos programados para sermos colaborativos! Aliás, a confiança entre as pessoas é considerada por muitos como o pilar mais importante do desenvolvimento social e econômico de uma sociedade. Ora, se confiamos nas pessoas, tendemos a enxergar a importância do outro e a trabalhar com o outro, nascendo assim uma relação de cooperação e respeito mútuos. Compartilha-se valores que garantem o bom convívio social (a ética é sempre um valor coletivo). Por outro lado, o individualismo tende a nos tornar extremamente cautelosos com o outro, pois não sabemos se ele é verdadeiramente um inimigo ou um aliado. Ou pior: sempre enxergamos o outro como uma possível ameaça. Assim, as relações sociais tendem a se tornar conturbadas e infrutíferas do ponto de vista do bem comum, afinal se visa apenas o bem-estar individual tendo como regra única o “Se me beneficia, mesmo que prejudique o outro, é válido”. Apenas como curiosidade, uma pesquisa recente aponta que o Brasil é o último colocado entre os países vizinhos no quesito confiança entre cidadãos, sendo que apenas 4,69% dos entrevistados dizem confiar nos outros.
Diante das adversidades inevitáveis que enfrentaremos, diante do fato que um dia nós vamos embora e as pessoas que amamos também (podendo ser quando menos esperarmos), diante das injustiças que constantemente presenciamos, quem nunca se perguntou: “Qual o sentido da vida?”, pois parece que a vida em si não tem lógica. Essa é uma pergunta que há tempos o homem faz e a ciência parece incapaz de responder de forma objetiva. Portanto, a resposta é um tanto subjetiva.
Do ponto de vista meramente biológico, assim como qualquer outro animal na natureza, o sentido da nossa existência é sobreviver e dar continuidade à espécie através da reprodução. Porém, aqui nasce um problema: se nos restringíssemos à finalidade biológica, então, deveríamos considerar como natural o fato de nos deixar conduzir por nossos instintos primitivos, assim como foi um dia na selva e como os animais continuam agindo. Roubar, matar, ferir o outro, querer dominar o outro, etc. seriam atitudes naturais e necessárias, pois a finalidade estaria apenas na sobrevivência e na preservação de uma linhagem. Chamaremos isso de “finalidade animal”.
Não é difícil chegar à conclusão de que alguém que vive a vida em função da “finalidade animal” se torna uma ameaça em menor ou maior grau para as outras pessoas. Por outro lado, o homem, dotado de liberdade e racionalidade, pode escolher viver sua vida em função do que chamaremos de “finalidade humana”. Vamos levantar alguns pontos:
➩ O nosso mundo é composto por diversos ambientes. Existem países, culturas, pessoas e visões de mundo diferentes;
➩ Essa diversidade de ambientes faz com que pessoas tenham experiências de vida diferentes e, consequentemente, desenvolvam conhecimentos e habilidades diferentes;
➩ Por meio daquele pingo de insatisfação constante, somos induzidos a sempre estar atentos às ameaças e às oportunidades do ambiente e, consequentemente, a refletir sobre nossas ações e buscar evoluir;
➩ A diversidade de conhecimentos e habilidades, bem como o instinto de alerta relacionado a ameaças e oportunidades têm possibilitado ao longo dos séculos novas descobertas e novas invenções que gradativamente aumentam nossa qualidade de vida;
➩ Somos seres naturalmente sociais e nosso cérebro odeia (a sensação de) isolamento social;
➩ Pesquisas têm mostrado que o que mais causa satisfação no ser humano é ter relacionamentos saudáveis e contribuir para o benefício do outro;
➩ Facilmente percebemos que as pessoas podem optar pelo mal e que o BEM precisa ser feito;
➩ Facilmente percebemos que o mundo e as pessoas têm necessidades, que podem ser sanadas se o bem for feito.
Com esses pontos, poderíamos dizer que tudo parece nos levar a uma só regra: evolução pessoal e colaboração mútua. Sendo assim, o sentido da vida estaria em cada um descobrir seu(s) talento(s) considerando as experiências individuais vividas dentro do próprio ambiente (ou ambientes), dar o seu melhor para aprimorá-lo(s) e usá-lo(s) para o benefício das pessoas. Esse benefício causado será a marca que cada um deixará no mundo. Aliás, perceba como tudo na natureza parece seguir a lei da troca, da reciprocidade. Perceba como beneficiamos os outros com nossos talentos e somos beneficiados pelos talentos dos outros.
“Nosso mundo é um grande quebra-cabeça e nós, as peças. Cabe a cada um de nós encontrar o espaço que deve preencher!”
Por isso, aprendamos a nos inspirar e a admirar as boas qualidades dos outros. Aprendamos a sinceramente contribuir e a ficar felizes com a honesta felicidade dos outros. Busquemos ser úteis à sociedade, ajudando a completar com os nossos talentos o que falta na vida de outras pessoas. Robert Waldinger, professor de psiquiatria na Harvard Medical School, afirma que “bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis. O bem-estar vem do amor que você sente pelas outras pessoas. Ponto final”.
Ainda, um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça, e com a coautoria de Thorsten Kahnt, professor assistente de Neurologia na Divisão de Neurologia Abrangente, apontou que pessoas que praticam a generosidade apresentam um maior nível de felicidade.
No experimento, os pesquisadores disseram a 50 participantes que cada um receberia 25 francos suíços (cerca de US$ 25 dólares americanos) todas as semanas, durante quatro semanas. Os participantes foram, então, designados aleatoriamente para um destes dois grupos: um grupo no qual se comprometeram a gastar o dinheiro consigo mesmos, e um grupo no qual os participantes se comprometeram a gastar o dinheiro com outras pessoas.
Os pesquisadores descobriram que os participantes que tinham sido previamente designados para serem mais generosos com o seu dinheiro também acabaram por fazer escolhas mais generosas em comparação com o outro grupo. Além disso, aqueles no grupo da generosidade também relataram maiores níveis de felicidade após o término do experimento.
“Aqueles que são infelizes no mundo assim o são porque desejam apenas a própria felicidade. Aqueles que são felizes assim o são porque desejam a felicidade dos outros” (Frase atribuída a Shantideva, filósofo indiano do século 8d.C.)
Com base na frase atribuída a Shantideva, diríamos que a infelicidade está em buscar apenas a própria felicidade e é desse egoísmo que brota a maldade. Também, não estamos afirmando que o dinheiro não tem sua parte na satisfação humana. O dinheiro tem sua parcela de contribuição como nos possibilitar o pagamento de contas e a manutenção básica de nossa integridade física (alimentação, saúde e segurança). A questão é o tamanho da parte que atribuímos ao dinheiro para a nossa satisfação, muitas vezes negligenciando aspectos valiosíssimos da vida. Muitos se tornam um sucesso no quesito material, mas um verdadeiro fracasso no quesito humano.
Será que no fim das contas não acabamos nos tornando carrascos de nós mesmos (e dos outros) na busca incessante de uma vida sem males, da realização de TODOS os nossos desejos e de prazeres imediatos? Será que com isso não estamos nos tornando pessoas piores? Será que não estamos jogando fora nossa identidade e nossos talentos fazendo apenas o que os outros dizem que devemos fazer? Será que não é essa falta de saber quem “sou eu de fato” a causa de insatisfação? Reflitamos constantemente sobre essas questões. Invistamos no nosso AUTOCONHECIMENTO.
O fato de um dia a nossa vida acabar não a torna sem sentido. Seria a mesma coisa que afirmar que viajar a passeio a um lugar não faz sentido, porque uma hora temos que voltar para casa e talvez nunca mais voltemos para esse mesmo lugar. Ora, um passeio é prazeroso justamente por que, tendo ele que uma hora acabar e nós não sabermos com certeza o que acontecerá depois (incerteza quanto ao futuro), aproveitamos o máximo do passeio ao lado de outras pessoas. Não é por que um passeio acaba e existe a incerteza quanto ao futuro que vamos nos achar no direito de prejudicar o lugar ou as pessoas que lá estão honestamente. Isso seria puro egoísmo!
Assim também é a vida: que bom que não há provas científicas que atestem com certeza absoluta a existência de uma vida além túmulo (acreditar ou não é uma questão pessoal). É justamente essa incerteza que torna o nosso passeio (essa nossa vida) tão especial! É justamente essa incerteza que faz com que ajudemos outras pessoas a aproveitarem da melhor forma o passeio. Assim como em um filme, é justamente a incerteza que nos prende a ele. Um filme pode ter cenas alegres ou tristes, trechos previsíveis ou imprevisíveis (e até mesmo cenas pós-créditos, parte 2, parte 3…), mas o que o torna interessante é a incerteza! Ou você gosta de spoilers? Dada a incerteza do que acontecerá no filme, cada um terá sua opinião sobre o que pode acontecer, mas não faria nenhum sentido haver brigas por causa dessas incertezas!
Porém, uma coisa é certa: as nossas ações, boas ou ruins, influenciam o passeio de outras pessoas e ficam na memória delas e essas nossas ações continuarão repercutindo no lugar do passeio mesmo depois que formos embora. Cabe a nós escolhermos que tipo de legado, qual o tipo de marca deixaremos, o que plantaremos nesse mundo. Será que nós, as peças, encontraremos o nosso espaço no grande quebra-cabeça (o mundo) e cumpriremos nosso propósito ou seremos aqueles que não cumprindo o seu propósito e pensando de forma totalmente egoísta, causarão o caos? Como em um filme de ação seremos o herói ou o vilão?
“Se existe o mal neste mundo, ele reside no coração do ser humano” (Edward D. Morrison, jogo Tales of Phantasia do Super Nintendo)
Com o que abordamos até aqui, podemos esquematizar da seguinte forma:
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O nosso cérebro deseja a sobrevivência buscando segurança e prazer por meio de uma combinação equilibrada de posses, prestígio, poder e sentido de vida. As posses materiais nos proporcionam a básica integridade do corpo (alimentação, saúde, abrigo, etc.) e as nossas posses intelectuais (conhecimentos acumulados) nos auxiliam a compreender o mundo e as pessoas. Isso nos dá maior segurança e um certo controle para lidar com as ameaças e as oportunidades que aparecerem. É claro, no entanto, que não há como ter controle sobre tudo e temos que aceitar isso!
Essa base de informações acumuladas nos possibilita também o autoconhecimento, através do qual somos capazes de perceber quais são os nossos talentos verdadeiros e como podemos proporcionar às pessoas e ao mundo aquilo que lhes falta. Buscando trabalhar e aprimorar esses talentos constantemente e colocando-os à disposição do mundo e das outras pessoas, vem a sensação de utilidade e o sentido de vida. Junto com a satisfação no presente pelas coisas já conquistadas e por estar em processo constante de evolução, isso nos ajuda a exercitar o amor próprio (não o orgulho!). Sentimo-nos como peças importantes do grande quebra-cabeça (o mundo). Sentimos que estamos cumprindo o nosso propósito! Dessa aplicação de nossos talentos visando o bem do outro e do mundo, também nasce o prestígio positivo e o poder de influência saudável sobre as pessoas.
Refletindo constantemente sobre nossas crenças e ações, estaremos dispostos a mudar e/ou aprimorar nossos hábitos para conosco e para com as outras pessoas, o que nos torna pessoas mais saudáveis emocionalmente. Isso contribui para a nossa boa fama e para o nascimento de relacionamentos saudáveis.
No fim das contas, todos esses fatores somados e equilibrados é que nos proporcionam segurança e prazer, pois nos fazem sentir úteis, protegidos e amados, além de nos dar boas perspectivas com relação ao FUTURO! Coisas que, ao contrário do que estamos acostumados a ouvir, o dinheiro sozinho e prazeres imediatos não podem proporcionar verdadeiramente! Podemos esquematizar da seguinte forma:
Quando nos sentimos protegidos, amados e úteis no presente, temos uma base emocional sólida que nos permite olhar para o futuro com mais confiança e esperança. Saber que podemos contar com um ambiente seguro, pessoas que nos amam e nos valorizam, e que temos um propósito e um papel importante na sociedade e na vida das pessoas porque lhes complementamos de alguma forma, permite-nos ter mais expectativas positivas para o futuro e nos sentirmos mais preparados para lidar com os desafios que podem surgir.
Por outro lado, quando nos sentimos desprotegidos, sozinhos e sem propósito, é mais difícil ter perspectivas positivas para o futuro. A incerteza e a falta de confiança podem fazer com que nos sintamos incapazes de lidar com as adversidades e desafios, o que pode gerar mais ansiedade e preocupação.
Por isso, é importante investir em nossas relações interpessoais saudáveis (reciprocidade e generosidade espontâneos), autoconhecimento, buscar um senso de propósito e significado em nossas vidas e trabalhar para criar um ambiente seguro ao nosso redor.
XXVI. A MEDIDA PARA A FELCIDADE
Vimos que o cérebro deseja a sobrevivência buscando segurança e prazer através de uma combinação equilibrada de posses, prestígio, poder e sentido de vida. Com isso, sentimo-nos amados, protegidos e úteis, o que nos possibilita ter boas perspectivas quanto ao futuro. Entretanto, daí vem uma questão:
“Vocês falaram apenas da importância da combinação equilibrada de certos fatores. E a medida?”
Um aspecto muito importante a se considerar nessa questão é que tendemos a atrelar (in)conscientemente a sensação de felicidade a um fator comparativo. Por exemplo, pode haver uma sensação de insatisfação quando uma pessoa percebe que outras pessoas têm mais dinheiro, poder ou sucesso do que ela, mesmo que ela tenha muito disso tudo. Da mesma forma, uma pessoa pode se sentir feliz e grata com o que tem, mesmo que não seja muito em termos absolutos, se perceber que está em uma situação melhor do que outras pessoas. A psicóloga e antropóloga Susan Andrews diz que “inúmeros estudos têm mostrado que as pessoas prefeririam ter um salário anual de 50 mil dólares se as demais ganham 25 mil dólares a ganhar 100 mil dólares se as outras ganhassem 200 mil”.
Já que buscamos sempre possuir, pelo menos, o que a maioria do grupo ao qual pertencemos possui, pode-se dizer, então, que (in)conscientemente nos apegamos a uma medida mínima para a felicidade, sendo que ela está relacionada àquilo que é prestigiado pelo grupo. Ora, se temos e fazemos o que o grupo prestigia, seremos prestigiados pelo grupo e teremos boa fama! Tendo boa fama, tendemos a ter as melhores oportunidades.
Arthur Paredes, publicitário especialista em Marketing e Neurociência, afirma em seu livro “Profundamente: Neuromarketing e Comportamento De Consumo” que “uma pesquisa publicada na revista Neuron revelou que processamos dinheiro e valores sociais na mesma região do cérebro, o corpo estriado. Ou seja, uma boa reputação tem um peso maior que o dinheiro como recompensa”.
Isso, na verdade é mais do que esperado, afinal de todos os seres vivos, o homem é um daqueles que menos defesas naturais e força física tem. Um pitbull, por exemplo, tem muito mais velocidade e força do que nós humanos. Daí veio a necessidade, para a nossa sobrevivência, de nos agruparmos. E esse fator é apontado por muitos como o determinante para a nossa sobrevivência e evolução como espécie.
No fundo, sabemos, embora muitos não admitam, que sem o prestígio vindo dos outros, teremos dificuldade de encontrar amigos, trabalho, compradores do nosso produto, um relacionamento amoroso, etc. E isso dificultará a nossa sobrevivência.
Satisfeitas as necessidades mais básicas de alimento e abrigo, o dinheiro se torna um facilitador para alcançarmos esse prestígio. Veja como somos capazes de gastar muito dinheiro comprando ou fazendo coisas frequentemente inúteis somente para ostentar e assim chamar a atenção das pessoas. Além disso, o dinheiro e a beleza são facilitadores também porque, pelo senso comum, são indicadores de alguma virtude.
Geoffrey Miller, professor de psicologia evolutiva na Universidade do Novo México, usa o termo “Indicadores de Aptidão” para se referir a características e qualidades nossas que os outros percebem, sendo por elas atraídos. A beleza, a marca de roupa que usamos, o carro que possuímos, a profissão que exercemos, a empresa em que trabalhamos, os amigos que temos... tudo isso funcionaria como um atrativo, um indicador de “qualidade” (ou não) com relação a nós.
Diante desse mecanismo arcaico, mas ainda em funcionamento no cérebro humano, psicólogos frequentemente dizem que NÃO é possível construir uma boa autoestima por conta própria. Ora, o prestígio é algo que somente os outros podem nos dar e é dessa percepção de prestígio que construímos uma imagem positiva de nós mesmos.
Por isso diríamos que o dinheiro nos move somente até certo ponto. Depois disso, somos capazes de topar tudo por prestígio. E o ambiente ou pessoa que nos prestigiar, para o bem ou para o mal, tende a nos moldar.
Por esta ótica, a medida para a felicidade VARIA conforme os tempos e circunstâncias da vida humana e poderíamos dizer que não é uma questão de quanto especificamente se tem de algo, mas sim de quanto se tem de algo em relação ao outro. Se voltarmos um pouco no tempo, o que era prestigiado por nossa sociedade e consequentemente proporcionava boa fama era, pelo menos, construir uma família, ainda que sem muitos recursos financeiros. Passado algum tempo, ter pelo menos um curso superior passou a ser prestigiado pela sociedade. Passado algum tempo, o mínimo passou a ter pelo menos pós-graduação. Veja como sob a ótica do fator comparativo, a “medida mínima” para a felicidade sempre vai aumentando.
Nesse sentido, as redes sociais causam um impacto muito negativo, já que nos dão a sensação que a “medida mínima” para a felicidade está elevadíssima e quase que inalcançável. Parece que todo mundo supostamente tem milhares de reais na conta e os melhores parceiros de negócios e afetivos. Parece que todo mundo faz viagens constantes e frequenta os melhores restaurantes. Menos a pessoa que vê tudo isso através de uma tela de celular ou computador.
Antes das redes sociais, nosso universo de comparação era geralmente limitado a um grupo mais restrito de pessoas, como familiares, amigos próximos, colegas de trabalho ou vizinhos. Essas pessoas geralmente tinham um estilo de vida semelhante ao nosso, com as mesmas limitações financeiras, profissionais e pessoais. Com as redes sociais, o universo de comparação se expandiu significativamente, permitindo que as pessoas se comparem a um número muito maior e mais diversificado de indivíduos, muitos dos quais têm estilos de vida e realizações que parecem estar fora do alcance.
É claro que, nesse cenário, a consequência natural é um CICLO de insatisfação e frustração, que aumenta o número de pessoas depressivas, pois elas se veem incapazes de alcançar essa aparente “medida mínima” para a felicidade, que a cada geração vai aumentando e se tornando mais restrita. Um estudo feito por especialistas da University of Warwick, na Grã-Bretanha, Hamilton College, em Nova York e do Federal Reserve Bank em San Francisco mostrou que muitos países com altos índices de felicidade têm altos índices de suicídio. Stephen Wu, do Hamilton College diz que “(...) as pessoas julgam seu bem-estar em comparação com outras a sua volta”.
Como temos visto, isso é causado pelos instintos primitivos, que visam a sobrevivência da melhor forma possível e sempre buscando uma vantagem competitiva para a proteção da vida, a boa fama e a luta pelos recursos escassos da natureza. Atualmente, parece que esses mesmos instintos primitivos continuam a agir, fazendo-nos enxergar o bem-estar do outro não mais como uma ameaça direta a nossa vida, mas sim a nossa boa fama e, consequentemente, à nossa autoestima. Em outras palavras, é como se o bem-estar do outro ferisse a nossa boa fama, tirando de nós os holofotes e nos fazendo sentir desprestigiados. Ora, sem prestígio podemos perder oportunidades (de negócios, de afeto, etc.)! Também, é como se o bem-estar do outro o transformasse em um potencial zombador de nós.
Precisamos tentar reeducar o nosso cérebro exercitando valores como a empatia, a solidariedade, a não comparação, a satisfação no presente e a cooperação. Se nos deixamos conduzir pelos instintos primitivos, os que muito têm, para se sentirem sempre no topo, não auxiliarão os que pouco têm; e os que pouco têm desejarão o mal dos que muito têm, sendo até capazes de prejudicá-los numa tentativa de igualar (ou inverter) as coisas. Esse ciclo é perigoso e causa muitos problemas pessoais e sociais.
No fim das contas, é possível até afirmar que a tal "medida mínima" para a felicidade é influenciada principalmente por meras convenções sociais e, consequentemente, comportamentos de manada, em vez de estar diretamente relacionada às necessidades humanas. Por isso, é importante que as sociedades trabalhem para promover valores fundamentais como a empatia e a solidariedade, visando o bem-estar e a realização tanto individual quanto coletiva, em vez de impor meras convenções baseadas em aspectos supérfluos.
Desprender-se da manada, exercitar o autoconhecimento e encontrar fontes mais autênticas e duradouras de felicidade é um árduo desafio, mas é necessário para desfrutarmos de uma verdadeira saúde emocional. A população global superou a marca de 8 bilhões de pessoas em novembro de 2022 e cada indivíduo tem sua própria jornada e suas próprias conquistas. É essencial focar na felicidade e satisfação pessoal, em vez de se comparar com outros, seja no mundo real ou no mundo virtual.
XXVII. EXERCITANDO O AUTOCONHECIMENTO
Como mencionamos, poderíamos dizer que o cérebro deseja a sobrevivência buscando segurança e prazer através de uma combinação equilibrada de posses, prestígio, poder e sentido de vida (sentir-se amado, protegido e útil), o que é bem diferente do que se difunde atualmente, isto é, uma visão materialista e egocêntrica, na qual a felicidade estaria em ter muito dinheiro, ser capaz de consumir alucinadamente, ostentar e satisfazer todos os prazeres imediatos.
Vimos a importância da construção de relacionamentos saudáveis, já que a humanidade só evoluiu até hoje porque houve a colaboração de diferentes conhecimentos de diferentes pessoas e culturas. Colaboração esta que tem possibilitado tornar a vida de todos gradativamente mais fácil e segura.
“Conhece-te a ti mesmo” é uma famosa frase atribuída a Sócrates. O psicólogo Igor Fabro Cabrera afirma que “nesses mais de 10 anos de carreira em atendimento como psicólogo clínico, eu vejo que a maioria das pessoas estão em depressão por falta de sonhos próprios, por comparações demais aos outros. (...). Talvez você não esteja vivendo a sua identidade”. Ainda, o psicólogo Marcos Lacerda diz que “o relacionamento que você tem consigo mesmo deve ser sempre o mais importante de todos, porque sendo uma pessoa melhor e bem resolvida com as coisas que você quer, gosta, sente ou se identifica, você consegue estabelecer relações muito melhores com quem está ao seu redor”.
Portanto, neste tópico vamos expandir a reflexão sobre o AUTOCONHECIMENTO e como cada pessoa pode encontrar o seu lugar a preencher no mundo. Para tanto, gostaríamos de propor algumas questões iniciais para uma autorreflexão:
(1) DO QUE VOCÊ REALMENTE GOSTA?
Ao longo da vida nos deparamos com diferentes situações e, por isso, o “EU” de hoje já não é o mesmo “EU”, por exemplo, de 10 anos atrás, e o EU de 10 anos no futuro não será o mesmo que o EU de hoje. Mudamos, amadurecemos. Apesar dessas mudanças pelas quais todos nós passamos, comece se definindo pelas coisas que você ama.
Um dos nossos piores inimigos é a busca a todo custo da boa fama. Desejando ser bem visto por todos, tendemos a anular nossos gostos, nossos talentos, nossas metas, etc. apenas para satisfazer os outros e assim ter deles a validação. Dessa forma, vamos nos tornando pessoas instáveis e pouco confiáveis. Vamos perdendo o nosso EU VERDADEIRO. Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, médica geriatra e que atua na área de cuidados paliativos afirma: “será que a gente precisa ficar doente para mudar de vida?”. Ela diz que um dos maiores arrependimentos das pessoas no leito de morte é “não ter feito a minha história de vida com base nas minhas escolhas. Eu escolhi as coisas para agradar os outros só que agora não são os outros que morrem. Sou eu. Eu perdi tempo fazendo o que eles queriam”.
Ora, nem todos querem que encontremos a nossa melhor versão! Não teremos a aprovação de todos, não importa o que façamos e isso é algo sobre o qual não temos controle! Essa é a realidade e temos que aceitar isso! Por essa razão, precisamos de relacionamentos saudáveis; não precisamos nos cercar de muitas pessoas! Poucas pessoas que realmente desejam a nossa evolução, auxiliando-nos a entender a nós mesmos e o mundo, são suficientes!
(2) O QUE VOCÊ REALMENTE FAZ BEM?
Contaminados pela busca a todo custo da boa fama, muitas vezes nos tornamos incapazes de enxergar os nossos próprios talentos e habilidades. Assim, corremos o risco de gastar tempo, energia e recursos apenas com aquilo que os outros dizem que deveríamos fazer e não com aquilo que temos talento e habilidade para fazer. Portanto, descobrir nossos talentos e habilidades é muito importante para a autoestima, o amor próprio. Dra. Ana Beatriz Barbosa afirma que “se a gente não resgata esses talentos essenciais, não se constrói autoestima em cima de palavras positivas – ‘eu sou bom...’, ‘eu sou maravilhoso...’. Isso não funciona”.
Por isso, é muito importante que tentemos nos desapegar da busca a todo custo da validação social. Só assim podemos nos focar naquilo que fazemos realmente bem e não naquilo que os outros genericamente (sem considerar nossas experiências vividas) nos dizem que devemos fazer.
A vida não tem fórmulas prontas e qualquer tentativa de imposição de alguma receita genérica é injusta. Cada pessoa é uma SOMA de experiências DIFERENTES e, por isso, desenvolve talentos e necessidades diferentes. Poderíamos até dizer que o que constrói a identidade de uma pessoa é o conjunto de experiências vividas. Veja como, por exemplo, uma pessoa que perde a memória se torna “outra pessoa” com outros gostos, outra visão de mundo, etc.
Além de nos esforçamos para conhecer a nós mesmos, é muito importante que nos cerquemos de relacionamentos saudáveis, pois são esses tipos de relacionamentos que enxergam nossas habilidades e nos ajudam a desenvolvê-las. O reconhecimento constante e espontâneo por parte desse tipo de relacionamento é como um farol que aponta para um lugar dentro de nós que muitas vezes não percebemos por estarmos preocupados demais em seguir a “receita de bolo” e ter de qualquer um a validação.
(3) SEUS RELACIONAMENTOS ATUALMENTE, SEJAM ELES QUAIS FOREM, SÃO REALMENTE SAUDÁVEIS?
Para nos ajudar a conhecer nossos talentos, é muito importante que tenhamos relacionamentos saudáveis. Atualmente, muitas pessoas nas redes sociais propagam a ideia da autossuficiência, como se não precisássemos da ajuda de outras pessoas. Entretanto, é importante destacar que essa postura é contraditória, pois aqueles que pregam a autossuficiência acabam dependendo de seus seguidores para obterem sucesso em suas carreiras, lançando produtos e serviços que precisam ser comprados por outras pessoas. Em outras palavras, os ditos autossuficientes não vivem concretamente na autossuficiência, afinal a interdependência caracteriza nossas vidas.
Todos nós precisamos da colaboração das outras pessoas e o primeiro lugar que pensamos ao buscar essa colaboração é a família. Contudo, nem sempre a família é aquele lugar no qual descobrimos o nosso EU VERDADEIRO e somos ajudados a desenvolver nossos talentos e habilidades. Poderíamos até dizer que todos nós temos uma família disfuncional, sendo o nível de disfuncionalidade a única diferença. Por isso, construir relacionamentos “fora de casa” é muito importante (e até natural) para suprir essas lacunas.
Aliás, é comum se afirmar que a autoestima é algo que brota exclusivamente da própria pessoa, mas isso é PARCIALMENTE verdade.
Sim, é importante que a pessoa se sinta livre para desenvolver seus talentos e tenha constantemente a sensação de ser capaz de realizar as coisas e de que está progredindo, mesmo que a passos lentos. Isso lhe dá a sensação de VALOR.
Contudo, façamos uma analogia. Mesmo que o melhor produto já produzido tenha em si um grande potencial, se as pessoas não enxergarem esse valor, o produto valioso será tratado como um produto qualquer, ainda que concretamente as pessoas estejam erradas. Sendo assim, digamos que o “VALOR PRÁTICO” do valioso produto acaba sendo nulo. Por causa disso, muito provavelmente ele será retirado do mercado da mesma forma que um produto sem valor concreto.
Por isso, para a construção de uma autoestima sólida é necessário sim certo prestígio das outras pessoas, o que é diferente de dizer que precisamos ser prestigiados por TODAS as pessoas.
Ainda que o VALOR INTRÍNSECO do nosso esforço, resultados e talentos seja enorme, ele pode ser ANULADO na prática pela indiferença (equivocada) dos outros.
Alguns podem dizer: “Ah, mas quem não reconhece o valor concreto de uma pessoa está errado e sai perdendo”. Sim, mas convenhamos que nesse cenário, OS DOIS saem perdendo, pois a pessoa que não tem seu valor concreto reconhecido também perde oportunidades, ainda que injustamente.
Por isso, preocupemo-nos sempre em estar inserido em um ambiente de recompensas. Isso é importante para a PLENA autoestima, o que impactará na nossa motivação.
Nós mencionamos anteriormente que a ocitocina costuma ser considerada a substância mais importante do quarteto fantástico da felicidade e que os vínculos sociais saudáveis possuem extrema importância na satisfação humana. George Valliant, psiquiatra e professor da Harvard Medical School chega a afirmar que “a única coisa que realmente importa é a sua aptidão social – as suas relações com outras pessoas”. Outro dado interessante é o FIB (Felicidade Interna Bruta), um novo indicador da ONU que leva em conta itens como bem estar humano, esgotamentos dos recursos da natureza, cuidados familiares e utilização do tempo de forma equilibrada. No Relatório Mundial da Felicidade de 2023, a Finlândia aparece como país mais feliz do mundo seguida da Dinamarca e Islândia. Jeffrey Sachs, um dos coautores do relatório, aponta dois fatores essenciais para a felicidade de um país, afirmando que “a lição obtida do relatório, nestes dez anos, é que a generosidade entre as pessoas e a honestidade dos governos são cruciais para o bem-estar”. Reforça-se, mais uma vez, a extrema importância dos vínculos sociais saudáveis.
Vemos por aí muitos cursos sobre “técnicas de atração”, mas tão importante quanto atrair pessoas, é saber distinguir relacionamentos saudáveis dos relacionamentos tóxicos afinal nem todas as pessoas que atrairmos estarão dispostas a praticar a reciprocidade! Sem essa distinção, as nossas lacunas se tornam um parque de diversões para (o ego ferido de) pessoas tóxicas, além de corrermos o risco de nós mesmos sermos tóxicos com os outros se não houver esforço individual para exercitar as características sociais mínimas para um bom convívio.
O ser humano constrói relações com base em afinidades, porém, a questão é: com base em que tipo de afinidades? Quando éramos crianças, as afinidades que nos uniam a outras crianças costumavam estar relacionadas a passatempos, a coisas que nos proporcionavam um prazer imediato. O problema é que nos tornamos adultos e muitos continuam a usar esse mesmo critério, sendo que a vida adulta nos apresenta outros desafios e somos levados a escolher prioridades. É claro que precisamos sempre de momentos de diversão, mas na vida adulta eles não devem ser buscados como meta exclusiva. É próprio da vida adulta buscar construir relações com base em algo mais sólido, recíproco e duradouro e ignorar isso é uma grande porta de entrada para pessoas tóxicas. Amadurecemos com o passar do tempo e as afinidades com pessoas que conhecíamos podem tanto crescer como desaparecer, afinal são inúmeras as possibilidades que a vida proporciona ao longo do caminho de cada um.
Pessoas que realmente desejam que encontremos a nossa melhor versão, não impõem suas vontades na nossa vida, pois compreendem que pessoas têm histórias diferentes e, por isso, desenvolvem talentos diferentes e possuem necessidades diferentes. Fazendo uma analogia, uma mesma doença pode se desenvolver de diferentes formas a depender do organismo e do histórico do paciente. Um bom médico, então, levando em consideração todo o histórico, o organismo como um todo, indica o melhor tratamento para aquela doença dentro das circunstâncias específicas de cada paciente. Um médico que indica um tratamento de forma genérica sem examinar bem o paciente e considerar seu histórico, não está ajudando realmente o paciente da mesma forma que um paciente que mente para o médico e não se esforça para seguir o tratamento indicado não está se ajudando.
“A nossa ajuda deve ter como base as necessidades dos outros e não as nossas”
Nessa mesma linha, Pedro Calabrez, Doutor em Ciências (Ph.D) em Psiquiatria e Psicologia Médica pelo Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, afirma:
Tem gente que acha que empatia é você se colocar no lugar do outro. Está errado! Se você se colocar no lugar do outro, é VOCÊ no lugar do outro. Empatia é você entender que o outro é OUTRO, que ele tem outra história, outras dores, outras competências, outras fraquezas, outras forças, outro perfil emocional, que aquilo que é dor para outra pessoa pode não ter sido para você, mas isso não diminui a dor da pessoa. Porque tem gente que faz isto: "Ah, eu passei por isso e para mim foi tranquilo". Isso é problema seu! Você nunca sentiu o que aquela pessoa sente e para ela pode ser algo realmente grave. A mesma coisa com as alegrias. Para que a gente promova a confiança, a gente precisa de mais empatia. A gente precisa entender essa questão de diversidade num sentido amplo. Somos diferentes! Nunca seremos capazes de estar dentro do corpo de outra pessoa e por isso a gente precisa ouvir mais. A gente vive num mundo que só quer falar. |
Relacionamentos saudáveis procuram nos proporcionar aquilo que necessitamos e não o que os outros acham o que é melhor para nós apenas usando eles mesmos como referência. Relacionamentos saudáveis nos ouvem e nos auxiliam no processo de autoconhecimento, enxergando os nossos talentos e nos ajudando a desenvolvê-los. Fazem-nos enxergar o valor do EU VERDADEIRO.
Pessoas que desejam realmente o nosso melhor nem sempre nos falam aquilo que gostaríamos de ouvir, mas não manipulam, dominam, condenam, desmerecem ou ridicularizam, como acontece em relacionamentos tóxicos. A intenção aqui é propositiva, é buscar soluções. É fazer com que voltemos nossos olhos para dentro de nós, afinal podemos estar contaminados pela busca a todo custo da boa fama e não estar enxergando nossos talentos e habilidades. E um ponto importante: ao receber uma visita em casa, normalmente dizemos “Fique à vontade”, não é mesmo? Contudo, o fato de dizer isso a uma visita não quer dizer que ela pode fazer tudo o que quiser na nossa casa. Sem um senso de limite espontâneo por parte da visita, o que há de pior pode começar a aparecer. Portanto, em relacionamentos saudáveis há um espontâneo senso de limite.
Poderíamos dizer que em relacionamentos saudáveis o foco está na evolução mútua, enquanto que em relacionamentos tóxicos o foco verdadeiro (pois nem sempre é aparente) está em parasitar pessoas e inflar o próprio ego, através da manipulação, dominação, condenação, desmerecimento ou ridicularização dos outros.
Uma pessoa tóxica vê o mundo como uma gangorra, isto é, para que ela esteja no alto, o outro necessariamente precisa estar embaixo. Possui uma autoestima tão baixa que é incapaz de se relacionar sem ter que medir forças com o outro para tentar se impor de alguma forma. Isso pode chegar ao ponto de fazer a pessoa sentir prazer pelo sofrimento (ou dor) do outro. Esse fenômeno, aliás, tem um nome, de origem alemã: schadenfreude. Neste caso, funciona como um alívio para a baixa autoestima da pessoa.
Outro detalhe muito importante que costuma ser ignorado é que pessoas tóxicas também podem incentivar e elogiar, mas incentivam e elogiam nossos erros, que muitas vezes não percebemos, para que se beneficiem dos nossos erros, não evoluamos ou nos prejudiquemos no futuro. Pessoas tóxicas também podem ser “generosas” (entre aspas). “Quando a esmola é demais, o santo desconfia” é um famoso ditado popular que nos alerta para o perigo da bondade exagerada. Promessas altas, elogios constantes, recebimento constante de presentes, etc. sem motivos é tática recorrente das pessoas tóxicas. É como se elas enxergassem o outro exclusivamente como um investimento, isto é, essas pessoas costumam investir pouco querendo receber muito. Cedo ou tarde, daí nascem as manipulações, cobranças constantes, etc. Não há equilíbrio, limites ou espontaneidade nessas circunstâncias.
(4) QUAIS SÃO OS SEUS ASPECTOS A SEREM MELHORADOS?
É relativamente simples definir o que é relacionamento saudável para nós, mas será que nos esforçamos para propiciar um relacionamento saudável para os outros? Todos nós somos um misto de luz e trevas, mas quando desejamos a boa fama a todo custo, tendemos a (ainda mais) escancarar aquilo que julgamos ser bom em nós e ocultar ou terceirizar o que há de negativo em nós.
Tal atitude equivocada só causa prejuízos, porque, além de nós nos tornar pessoas extremamente desagradáveis para os outros, uma hora a conta chega. Cedo ou tarde nós nos daremos conta do fardo que é não trabalhar constantemente para melhorar o que precisa ser melhorado em nós. Muito provavelmente afastaremos pessoas de nós e nos veremos impotentes diante das situações, pois estaremos sozinhos e cheio de vulnerabilidades, que preferimos fingir que não tínhamos.
Precisamos ser eternos aprendizes. Precisamos ter consciência que pessoas boas na verdade são aquelas que, sabendo que possuem um lado de trevas, esforçam-se constantemente para dissipá-las e evoluírem de alguma forma todos os dias.
(5) O SEU TRABALHO ATUAL TEM RELAÇÃO COM O QUE VOCÊ REALMENTE GOSTA E COM O QUE VOCÊ REALMENTE TEM HABILIDADE PARA FAZER?
Podemos estar gastando tempo, energia e recursos ESTUDANDO o que não gostamos e temos habilidade e TRABALHANDO naquilo que não gostamos e não temos habilidade, pois costumamos ouvir coisas como “o importante é ter um salário no fim do mês!”
É claro que precisamos de dinheiro para ter o básico e nem sempre somos livres para escolher o emprego que gostaríamos. Como as contas não esperam, a segurança não espera, o estômago não espera, muitas vezes nos vemos obrigados a aceitar qualquer proposta de emprego. Porém, isso pode se tornar uma tortura, um fardo. Por isso, não podemos nos acorrentar a ponto de fechar os olhos para a importância da saúde emocional e para as oportunidades que possam surgir relacionadas àquilo que gostamos e temos habilidade para fazer.
Podemos tentar tirar dessa situação um bem. Não é difícil nos deparar com histórias inspiradoras de pessoas que trabalharam em algo não tão valorizado pela sociedade, investiram seus salários em suas paixões e talentos até o ponto de suas paixões e talentos se tornarem sua fonte de renda. Tais pessoas estavam apenas captando recursos para algo maior e não se preocupavam em ser bem vistas por todos! No fundo, viam o emprego que não gostavam e que não era tão valorizado pela sociedade apenas como PONTE e não como um fim.
Então, cremos que o ideal seja conhecer o que gostamos, os nossos talentos e habilidades, especializar-se e rentabilizar, ainda que se tenha que trabalhar em outras áreas de forma transitória, apenas como forma de captar recursos ou até que oportunidades se apresentem a nós. Normalmente ao trabalhar no que gostamos e temos talento, o nosso desempenho é maior do que se trabalhássemos em outras áreas, além de estarmos mais receptivos a novos conhecimentos. Com isso, a tendência é que as portas se abram com mais facilidade e mais oportunidades de crescimento apareçam.
Alguns podem questionar o que mencionamos afirmando que por natureza o trabalho transforma as coisas em obrigação, podendo fazer com que passemos a não gostar daquilo que gostávamos quando não tínhamos a obrigação de fazer e com isso ofuscar o nosso talento.
Ainda que isso possa realmente acontecer, convenhamos: em tudo na vida há prós e contras e precisamos assumir responsabilidades e compromissos de certa forma. Não há como fugir disso! Não assumir compromissos e responsabilidades faz com que nos tornemos justamente pessoas sem identidade e que não inspiram confiança por não saberem o que querem da vida. O que faz, por exemplo, uma pizzaria entregar a você exatamente a pizza que você pediu? O compromisso, o senso de responsabilidade para com quem confia no trabalho deles. Não faria nenhum sentido a pizzaria não entregar o seu pedido alegando que não quer se sentir obrigada com ninguém. Você não compraria mais nessa pizzaria e não a recomendaria a ninguém, não é mesmo?
Assim como essa pizzaria estaria condenada ao fracasso, pessoas não dispostas a assumir compromissos e responsabilidades também estão! Não podemos ser eternas crianças que não possuem responsabilidades e obrigações, tendo os pais como escudo! Inevitavelmente, nós nos tornamos adultos e com isso novos desafios aparecem! Assumir responsabilidades, honrar compromissos, ganhar e perder, errar e aprender, avançar e recuar, tudo isso faz parte da vida (adulta)!
(6) COMO SUAS HABILIDADES E TALENTOS PODEM AJUDAR A MELHORAR A VIDA DAS PESSOAS E O MUNDO?
Sentir-se útil para as pessoas, para o mundo é muito importante para a saúde emocional e para a sensação de felicidade. Por isso busquemos unir a rentabilização do que se ama e se tem talento para fazer com a colaboração com as pessoas e o mundo. Isso pode ser alcançado, por exemplo, quando fazemos bem o nosso trabalho e percebemos que concretamente ele tem ajudado a melhorar a vida das pessoas, o mundo de alguma forma, seja por um elogio recebido, um depoimento positivo, recomendações que fazem de nós a outras pessoas, etc. Outro exemplo é dedicar uma parte do tempo para algum trabalho voluntário.
(7) COMO SERIAM SEUS ÚLTIMOS MOMENTOS DE VIDA E O AMBIENTE DE SEU VELÓRIO?
Sim... tocar nesse assunto em tempos em que vivemos uma positividade tóxica e uma ditadura da felicidade parece loucura, mas é necessário para uma boa reflexão e autoconhecimento, afinal inevitavelmente... um dia morreremos!
Em seus últimos momentos de vida você gostaria de estar rodeado de pessoas que você ajudou a evoluir e ouvindo delas palavras de agradecimento ou sozinho por ter sido uma pessoa desagradável? Em seu velório você gostaria de ver pessoas comentando o quanto você foi importante na vida delas ou apenas discutindo a partilha dos seus bens?
Enfim, pense nas MARCAS que você deixará nesse mundo! Bons ou ruins todas as pessoas deixam rastros. Podemos ter APENAS SOBREVIVIDO regidos pela lei da selva ou ter REALMENTE VIVIDO buscando todos os dias evoluir e contribuir com as pessoas e o mundo de alguma forma.
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“O verdadeiro prazer do homem é fazer aquilo para que foi feito” (Marco Aurélio, imperador romano)
Diferentemente de um jogo, a vida não possui CHECKPOINTS, pontos que tornam possível “voltar ao passado” para que possamos refazer as coisas a partir desses pontos se algo der errado lá na frente. Só podemos caminhar para frente aprendendo com as experiências boas e ruins e cada dia a mais de vida é um dia a MENOS de vida! Veja como a vida é muito curta para perdemos tempo, recursos e energia com relacionamentos tóxicos, objetivos fantasiosos, objetivos alheios que acreditamos ser os nossos objetivos ou não buscando evoluir como pessoa a cada dia!
Deixar de querer alcançar os objetivos dos outros (mas que acreditamos serem nossos) é importantíssimo para aproveitarmos melhor nosso tempo, nossos recursos, nossa energia e nosso talento. Deixar de querer ser bem visto por todos é difícil, mas necessário se quisermos nos conhecer verdadeiramente. Não precisamos de muitas pessoas do nosso lado; apenas daquelas que nos auxiliam a descobrir e desenvolver o nosso EU VERDADEIRO!
XXVIII. EM BUSCA DO AMBIENTE DE RECOMPENSAS
Vimos que a dupla esforço individual e ambiente de recompensas é muito importante para se chegar a um objetivo. O esforço individual e o ambiente de recompensas estarão em constante troca, através da qual haverá o benefício mútuo. Pode ocorrer de haver esforço individual estando no lugar errado ou rodeado de pessoas erradas, como também podemos estar em um ambiente de recompensas, mas não haver esforço individual de nossa parte.
Ressaltamos com frequência a importância da dupla esforço individual e ambiente de recompensas, porque no senso comum moderno há uma tendência de se acreditar (e de se afirmar) que o esforço individual é inevitavelmente reconhecido seja onde for, como se esse reconhecimento fosse certo como a matemática e o esforço individual, um valor objetivo e inegável. Por causa disso, é comum presenciarmos afirmações como: “Se você não teve o reconhecimento ainda, é por que VOCÊ não está se esforçando o suficiente”.
Entretanto, no mundo real, o reconhecimento do esforço individual NÃO é certo seja onde for, porque o esforço individual é um valor subjetivo e sujeito a distorções.
Como assim?
Fazendo uma analogia, se perguntássemos: “Qual é a melhor seleção de futebol: a brasileira ou a argentina?”, certamente as respostas seriam diferentes, dependendo a quem perguntássemos. Ressaltando uns aspectos e ignorando outros, cada um tenderia a responder essa pergunta conforme fosse mais conveniente ao seu sistema de crenças, ainda que distorcendo os fatos concretos. A política é um exemplo no qual percebemos essa tendência humana ainda mais claramente.
Queiramos ou não, assim também é o esforço individual: um valor subjetivo, porque antes de estar relacionado aos resultados concretos, passa pelo sistema de crenças de quem o avalia, estando sujeito ainda a distorções (propositais ou não). Ora, estamos falando de HUMANOS, seres dotados de luz e sombra, de conhecimento limitado, preconceitos e livres, e não de máquinas desprovidas de qualquer tipo de parcialidade.
Diz o famoso ditado: “Cada cabeça uma sentença”. Por exemplo, uma pessoa que estuda 4 horas por dia pode ser vista por alguns como alguém esforçado, mas para outros essa mesma pessoa pode ser vista como alguém preguiçoso, porque na visão de quem avalia, uma pessoa esforçada é quem estuda pelo menos 8 horas por dia. Além do mais, estamos sujeitos a distorções como, por exemplo, a pessoa é vista por outra como alguém esforçado, mas expressar isso poderia ser sinônimo de perder o lugar na empresa. Logo, é melhor desmerecer a pessoa ainda que injustamente.
Portanto, é muito importante que nos preocupemos também em procurar e nos cercar de pessoas que reconheçam o valor do nosso esforço individual, pois por mais esforçados que sejamos, estando no lugar errado e/ou com pessoas erradas, nosso esforço nunca será o bastante ou mesmo não valerá nada! Em um ambiente no qual prevalece a indiferença, originada de preconceitos, falta de conhecimento, instinto de competição, etc., muitos indivíduos com habilidades e talentos valiosos podem ser ignorados e deixados de lado. Isso pode levar a uma perda significativa para a sociedade, pois esses talentos poderiam ser utilizados para melhorar a vida de muitas pessoas.
Aquele que diz “Eu não vou fazer mais nada, porque ninguém reconhece os meus esforços” tem razões para afirmar isso, mas não tem razão em ficar estagnado. Tem razões para afirmar isso, porque em um ambiente de indiferença qualquer esforço será (quase) nulo. Contudo, não tem razão em ficar estagnado, porque parte de uma visão fatalista, como se só existisse esse ambiente para a pessoa e ela não pudesse definitivamente procurar outros. Se o ditado “Cada cabeça uma sentença” tem seu lado negativo, porque estamos sujeitos a julgamentos injustos, por outro lado, se “Cada cabeça uma sentença”, então temos inúmeras possibilidades de ter o nosso esforço reconhecido e recompensado.
Afirmações como: “Se você não teve o reconhecimento ainda, é por que VOCÊ não está se esforçando o suficiente” nos conduzem a erros de avaliação, pois, como vimos, o esforço não é um valor objetivo e o problema pode estar no ambiente (lugares e/ou pessoas ao redor).
Contudo, a seguinte pergunta poderá pairar na sua cabeça: “Ok! Realmente é importantíssimo eu me esforçar estando no lugar certo, com pessoas certas. Porém, ainda não consegui encontrar um ambiente de recompensas! Como encontrar esses lugares certos e essas pessoas certas?”
Essa pergunta é muito válida, haja vista que o esforço individual é algo CONTROLÁVEL pela pessoa, mas conseguir estar em um ambiente de recompensas DEPENDE de uma série de fatores que podem fugir do controle da pessoa.
Nós já abordamos a questão da aceitação social ao tratar justamente da ferramenta do “AMBIENTE DE RECOMPENSAS”, porém, gostaríamos de ampliar a reflexão tratando de quatro questões importantes. A primeira se trata de um equívoco que muitas pessoas cometem ao procurar um ambiente de recompensa. Isto pode ser chocante, mas o equívoco trata-se de:
“Ter como dogma a crença de que familiares e pessoas que você considera amigos atualmente serão sempre seu ambiente de recompensas!”
Como assim?
Como mencionamos ao tratar da ferramenta do “AMBIENTE DE RECOMPENSAS”, dificilmente nos relacionamos com pessoas que não tenham algo em comum conosco (visão de mundo, gostos, metas, etc.) e poderíamos completar essa afirmação dizendo que dificilmente APOIAMOS ações que não tenham relação com essas coisas. O ser humano constrói relacionamentos com base em afinidades e, se mudamos nossa visão de mundo, gostos, metas, etc., de certa forma é como se nos transformássemos em outra pessoa. É até natural que pessoas com quem nos relacionamos até então, não vejam (muito) VALOR nisso tudo, a menos que passem a se igualar a esse “novo eu” que apresentamos a elas.
Buscar um ambiente de recompensas nos familiares e pessoas que consideramos amigos atualmente é natural, afinal são pessoas que já nos acolhem. Ter que procurar um novo ambiente de recompensas pode ser trabalhoso e ainda corremos o risco de sermos rejeitados! Porém, diante de uma mudança de rumo nossa, é preciso entender que, se quisermos o apoio deles, eles precisam enxergar VALOR nessa mudança de rumo. Precisamos esquecer que são familiares e amigos! Precisamos tentar vender a ideia para eles, como numa relação vendedor e consumidor. Se comprarem a ideia, tudo bem, mas se não comprarem, devemos sair anunciando o nosso “produto”(o nosso objetivo) EM OUTRO LUGAR e PARA OUTRAS PESSOAS até encontrarmos compradores. Até encontrarmos quem esteja indo na mesma direção que esse “novo eu”. Também, é bem provável que se familiares e amigos não comprarem sua nova meta, eles nem o ajudem a procurar quem possa comprar! Fazendo uma analogia, geralmente se um produto não nos interessa, nós pessoalmente não compramos e também não divulgamos para outras pessoas.
É claro que pode haver uma falta de apoio proposital por conta de um sentimento de competição, de uma visão de gangorra, isto é, para que um esteja no alto o outro precisa estar embaixo necessariamente. E isso também vale para laços familiares, infelizmente. Por isso, é preciso ter os pés no chão e desapegar de certas crenças que só acabam causando incômodos em nós mesmos e nas outras pessoas. Precisamos ter expectativas flexíveis e ajustadas com a realidade quando se trata de pessoas também. Ter como dogma a crença de que familiares e pessoas que você considera amigos atualmente serão sempre seu ambiente de recompensas pode ser uma grande causa de desmotivação, se deles você não receber o apoio para uma nova meta.
É uma questão de maturidade entender que pessoas são como barcos buscando direção. Todos nós estamos remando carregando a esperança em busca de nossos objetivos, do nosso propósito. Muitos barcos diferentes passarão ao nosso lado. Alguns virão conosco buscando a mesma direção que nós; outros nos deixarão querendo ir para outras direções. As pessoas são livres para mudarem de direção e, desde que estejam em busca de serem pessoas melhores, qual o problema?
Diante de uma recusa de apoio ou da indiferença de amigos e familiares muitos costumam reclamar: “Puxa! Pensei que você fosse meu amigo!”, “Puxa! Sou da família e você não me apoia!”, etc. Contudo, amigos não são aqueles que ficam para sempre conosco, mas são aqueles que, apesar de tomarem rumos diferentes, desejam sinceramente que encontremos a nossa melhor versão! São aquelas pessoas que vamos encontrando ao longo do caminho e, não importando o tempo que fiquem conosco, colaboram concretamente conosco e nós com elas em busca da melhor versão de cada um. Familiares são como os nossos primeiros instrutores, aqueles que nos ensinam a remar e nos dão as instruções básicas de como enfrentar o mar. Mas não quer dizer que eles vão sempre nos acompanhar. Familiares são aqueles que começam a jornada no mesmo lugar que nós, mas não quer dizer que são obrigados a almejar o mesmo lugar que nós.
Pensar que amigos atuais e familiares são obrigados a sempre nos acompanhar, no fundo é querer que eles anulem suas visões de mundo, gostos e metas por nós! É uma atitude nada saudável! É uma atitude egoísta e manipuladora! O contrário também é verdadeiro: amigos atuais e familiares podem ser justamente aqueles que nos acorrentam impedindo nosso autoconhecimento e desenvolvimento dos nossos talentos verdadeiros! Por exemplo, muitos são os pais que infelizmente apenas desejam se “imortalizar” na figura de seus filhos. Fecham os olhos para os talentos verdadeiros de seus filhos, tratando-os como meras extensões que devem apenas continuar a vida dos pais, sendo o que os pais gostariam de ser e tendo aquilo que os pais gostariam de ter. Assim os pais poderão se sentir finalmente orgulhoso e representados, mesmo que isso tenha anulado a identidade, os talentos verdadeiros de seu filho.
Aliás, se formos sinceros, muitas vezes nos daremos conta de que precisamos quebrar um ciclo familiar de crenças, valores e atitudes equivocados. Reconhecer essa necessidade pode ser um processo doloroso e desafiador, mas também é um passo importante para o nosso desenvolvimento pessoal e a construção de uma vida mais plena e satisfatória para nós mesmos e para aqueles que nos cercam. Afinal, se nossas feridas emocionais não forem curadas, é bem provável que desejaremos fazer com que os outros sintam as mesmas dores que sentimos.
Cada pessoa é uma peça única e incomparável nesse grande quebra-cabeça e tem um propósito diferente a cumprir. Tem o seu próprio espaço, que deve procurar e preencher. Cada vida é uma história única a ser escrita!
Agora passemos para o segundo ponto importante:
“Ambiente de recompensas virtual ou real?”
O aparecimento das redes sociais e mais recentemente dos aplicativos de relacionamento fez as pessoas caírem em um dilema. O que é melhor? Relacionamentos virtuais ou relacionamentos reais?
Cremos que os dois mundos – virtual e o concreto – tenham suas vantagens e desvantagens. A vantagem do mundo virtual é que há um número muito maior de pessoas com quem podemos interagir, o que faz com as chances de encontrarmos pessoas com afinidades sejam muito maiores. No mundo concreto, esse número é menor, principalmente para quem mora em cidades com menos habitantes. Tal fato pode impactar na motivação, uma vez que a procura por um ambiente de recompensas fica prejudicada.
A desvantagem do mundo virtual é que, na mesma proporção que temos mais chances de criar conexões, há maiores chances de essas relações serem superficiais, de sermos alvos de julgamentos injustos ou de sermos rejeitados, o que pode acabar prejudicando a nossa autoestima, a nossa motivação e nos deixar inseguros ou com outros problemas comportamentais. Nas redes sociais acabamos nos tornando como um produto dentre muitos outros nas prateleiras de um supermercado.
Isso causa o chamado “PARADOXO DA ESCOLHA”, isto é, quanto maior o número de opções possíveis para nós, maior tende a ser o grau de insatisfação. Na expectativa de encontrar a opção perfeita em meio ao grande número que se apresenta disponível a nós, tendemos a sempre ficar com a pulga atrás da orelha: “Será que escolhi certo?”, “Será que não há opção melhor se eu procurar mais um pouco?”, etc. Daí vem a máxima: “menos é mais (ou melhor)”.
Além disso, o fato de no mundo virtual não presenciarmos concretamente as reações da pessoa atiça o nosso lado sombrio, como a intolerância e a indiferença. Ora, se estamos presencialmente com uma pessoa, tendemos a modular as nossas atitudes de acordo com os sinais que vamos percebendo no outro (o levantar de sobrancelha, o olhar para o lado, etc.) para que não haja mal-entendidos e possíveis danos emocionais ou físicos. Por outro lado, essa falta de percepção das reações do outro pode ser uma vantagem, pois pode fazer com que nos sintamos mais à vontade para expressar nossas opiniões, sentimentos, angústias, etc.
No mundo virtual pessoas podem ser o que elas quiserem ser. Usar a tela de um computador ou de um celular como máscara pode fazer com que fiquemos dependentes disso para interagir com as pessoas e percamos as nossas habilidades sociais concretas. Pode fazer com que nos tornemos antissociais na prática, sendo um personagem virtual agradável e cheio de amigos nas redes sociais, mas completamente desagradável ou inseguro nas relações reais de escola, família, trabalho, etc.
Por essas e outras razões, é essencial que tenhamos equilíbrio e discernimento. Amizades reais e amizades virtuais podem se complementar. Como afirma o psicólogo Diego Falco, “o problema é se você só tem amizades virtuais e se principalmente o motivo disso é por que você tem medo do que pode acontecer se você investir nas amizades da sua cidade, do seu ambiente. (...) Você vai ficar cada vez mais preso nesse mundo virtual, não saindo, não desenvolvendo as suas relações. (...) Que tenha aí um equilíbrio”. Ainda, a psicóloga Luciana Kotaka afirma que “é importante cuidar para não viver em função dos amigos virtuais e poder ter uma vida real, pois o isolamento social é muito perigoso, os contatos pela internet não substituem as relações presenciais”. Ela continua dizendo que se restringir às relações virtuais “fortalece o individualismo, a falta de traquejo social, atividades prazerosas que fazemos em grupo, como jogar futebol, sair para um happy hour”.
E convenhamos: mesmo aqueles que gostam de fazer amizades no mundo virtual, uma hora ou outra sentirão o desejo de encontrar presencialmente os amigos virtuais, fazendo que deixem de ser amigos virtuais propriamente ditos. Ou seja: no fim das contas, instintivamente sentimos falta do contato físico com as outras pessoas, do olho no olho, seja um aperto de mão, um abraço, etc. Isso gera maior confiança e solidez.
Outro ponto a se considerar nesta questão é que para o aprendizado de línguas é essencial que a relação seja estável e duradoura. Na internet, quem já não se deparou com a situação, por exemplo, de ter conseguido encontrar um nativo, mas a relação foi tão superficial que acabou durando apenas alguns dias? A relação não se solidificou. Com isso, a pessoa acaba entrando em um ciclo de “procura contato, encontra contato, perde contato...”. O tempo vai passando e a motivação diminuindo dada a dificuldade de se construir uma relação sólida e evoluir de fato nas habilidades comunicativas.
Portanto, cremos que para a prática de idiomas, relacionamentos no mundo real tenham uma certa vantagem sobre relacionamentos virtuais dada à possibilidade de maior confiança e solidez, mas é claro: quem decidirá o que é melhor é VOCÊ MESMO considerando as suas circunstâncias individuais. Na internet podemos procurar nativos em redes sociais voltadas para a aprendizado de idiomas e no mundo concreto, frequentar lugares na cidade onde possam haver nativos como instituições (filantrópicas, esportivas, de ensino, etc.) e comunidades de nativos.
Passemos para o terceiro ponto:
“Ambiente de recompensas ANTES de iniciar a jornada ou DURANTE a jornada?”
Essa questão é importante porque geralmente influencia DIRETAMENTE a motivação. Ao tratar da ferramenta “Satisfação no Presente”, mencionamos a importância de se encontrar satisfação AGORA MESMO no próprio processo de aprendizado. Isso se refere essencialmente a uma motivação interna, isto é, aquela que nasce de dentro de nós mesmos, como a satisfação em realizar uma tarefa ou o desejo de alcançar uma meta pessoal. Já a motivação externa é aquela que nasce de fatores externos, como reconhecimento e ganhos financeiros.
Que fatores externos são importantes para mantermos nossa motivação e alcançarmos nossos objetivos, ninguém duvida. O vendedor mais competente será visto como incompetente se pessoas forem indiferentes ou (propositalmente) não enxergarem suas qualidades. Também, o reconhecimento por si só de suas habilidades como vendedor não dará frutos se pessoas concretamente não comprarem seus produtos, pois a capacidade de um vendedor é medida justamente pela habilidade de conquistar clientes e fazê-los comprar. Mas se o vendedor não procurar mostrar suas qualidades mesmo que ainda não tenha compradores propriamente ditos, dificilmente terá compradores no futuro.
Que dilema para o vendedor! Esforçar-se para conquistar compradores ou esperar compradores para só depois aí sim se esforçar para melhor atendê-los?
Essa pergunta parece boba, mas reflete um desejo de todos nós humanos: o desejo da certeza para não correr riscos!
O cérebro é uma máquina voltada para a sobrevivência e não gosta de gastar energia sem propósito. Por ter como meta principal a sobrevivência, poderíamos dizer que o cérebro tem uma tendência de se preocupar mais com o risco de perder do que com a possibilidade de ganhar, afinal é o risco, o desconhecido que podem ser sinônimos de energia desperdiçada, de ameaça ou mesmo de morte. Hao Li, neurologista do Salk Institute, afirma que “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”.
Movidos por esse instinto de evitar o desconforto e o desperdício de energia, muitos podem pensar: “Se ninguém acredita em minhas habilidades, não vou fazer nada! Será sempre inútil!”. Tal maneira de pensar conduz ao seguinte ciclo:
Infelizmente (ou felizmente) não há como não correr o risco do “desperdício de esforço” se quisermos evoluir, aprender. Poderíamos até dizer que o simples fato de desejar algo novo já é como assinar um termo de responsabilidade estando ciente do risco que corremos. Uns menos, outros mais. Cabe a cada um, considerando questões individuais e incomparáveis, analisar até quando vale a pena correr esses riscos.
No caso do ambiente de recompensas, não há como negar que é preferível que já estejamos inseridos em um ao iniciar nossa jornada. Isso nos dá logo de cara maior segurança e maiores indícios de que nossos esforços não serão em vão. Por outro lado, se este não for o caso, teremos que sair em busca de um ambiente de recompensas e não querer correr o risco do esforço desperdiçado, poderá dificultar a nossa inserção em um ambiente de recompensas, já que pessoas possivelmente não sentirão firmeza em nosso propósito. Não transmitiremos credibilidade, passando a imagem de pessoas pouco comprometidas. E tendo que buscar um ambiente de recompensas durante a jornada, haverá sim o risco de a motivação diminuir na medida que demoramos para nos inserir em um ambiente de recompensas.
Refletir sobre o NÍVEL DE CREDIBILIDADE que transmitimos é importante, pois naturalmente as pessoas precisam sentir que estamos realmente comprometidos com algo para nos apoiar.
A CREDIBILIDADE é fundamental para estabelecer relações interpessoais bem-sucedidas e a falta dela pode afetar negativamente a imagem de uma pessoa e torná-la menos confiável e menos propensa a interagir com outras pessoas, ainda que injustamente. Infelizmente, muitas vezes isso acontece devido a estereótipos e preconceitos enraizados na sociedade, o que torna a mudança de comportamento em nível social uma tarefa árdua e lenta.
Transcrevemos agora uma fala do professor Reinaldo Polito, Mestre em Ciências da Comunicação:
"Desejamos tanto qualidades que às vezes falamos como se já as possuíssemos. Só que as pessoas que estão a nossa volta percebem que a história é um pouco diferente. (...) Começa a existir uma espécie de divórcio entre a palavra e a atitude e a credibilidade vai embora" |
Ele também destaca um trecho do Sermão da Sexagésima, do Padre Antônio Vieira:
"Sabem, Padres pregadores, porque fazem pouco abalo os nossos sermões? -- Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos. Porque convertia Batista tantos pecadores? -- Porque assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos" |
Ao mencionar anteriormente o ditado popular “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”, afirmamos que ele ilustra bem a tendência que temos de nos moldar de acordo com o ambiente (ou pessoas) com o qual estamos interagindo ou queremos interagir ou, ainda, o fato de escolhermos o ambiente (ou pessoas) que melhor acolha o nosso jeito de ser. Tudo isso por que buscamos a aceitação, a boa fama diante dos demais. Outro aspecto que esse ditado mostra é que de certa maneira os outros tendem a ver em nós as qualidades ou defeitos do grupo em que estamos inseridos.
Podemos usar analogias para entender melhor essa situação. Por exemplo, assim como um jogador de futebol em um bom clube tende a ser mais bem visto do que um jogador em um clube pequeno, um profissional que trabalha em uma multinacional famosa é mais bem visto do que um desempregado há três anos. O jogador em um clube de renome tende a conseguir as melhores oportunidades, assim como o profissional em uma multinacional. Ou seja, estar inserido em um ambiente bom ou bem visto tende a ser encarado pelos outros como um atestado espontâneo de capacitação. Disso podemos montar o seguinte ciclo:
Do ponto de vista evolutivo esse comportamento parece ter uma explicação. Como já sabemos, o nosso cérebro tem como meta a nossa sobrevivência e para ele evitar o perigo é mais importante do que buscar recompensas. Por causa disso, é como se tivéssemos uma tendência de “terceirizar os riscos”, de modo que é mais seguro escolher alguém já selecionado antes por alguém (de “comportamento testado”) do que escolher alguém nunca selecionado (de “comportamento não testado”), pois neste caso o risco passa a ser todo nosso. Essa validação ou não validação anteriores de comportamentos e ações costuma ser chamada de “prova social”. Por isso seria mais fácil, por exemplo, arrumar um emprego estando empregado, pois se uma empresa já nos escolheu, aos olhos de outra empresa é como se isso fosse um atestado de valor. Se uma pessoa está desempregada há muito tempo ou ficou pouco tempo nas empresas anteriores, isso tende a desfavorecer a pessoa, pois é como se isso indicasse um forte indício de que ela não tem valor e dar uma oportunidade a ela é correr um risco.
Uma coisa que podemos fazer é tentar minimizar o risco de desperdício de esforço. Além de metas flexíveis e ajustadas com a realidade que se apresenta a nós e conhecimento e resultados concretos, fazendo uma analogia, se desejamos ir às montanhas, devemos nos focar em dois tipos de pessoas:
➩ nas pessoas que REALMENTE querem ir às montanhas (e que ACREDITAM em nosso desejo e capacidade de ir);
➩ nas pessoas que já foram às montanhas e voltaram (e que ACREDITAM em nosso desejo e capacidade de ir).
O problema é que muitos perdem tempo tentando convencer pessoas próximas que não querem ir às montanhas e/ou não dão credibilidade ao propósito e capacidade de ir às montanhas. Assim como ninguém é obrigado a acompanhá-lo até as montanhas ou dar credibilidade a você, você não é obrigado a deixar de ir às montanhas por conta de pessoas que não querem ir ou não acreditam em você. Se for uma meta viável, qual o problema? Se tiver que procurar novos relacionamentos, que serão seu ambiente de recompensas para essa meta, qual o problema?
Agora, vamos ao quarto ponto:
“Rejeição não é sinônimo de ter pouco valor de fato”
A interação constante e sólida com nativos é ponto fundamental para o aprendizado de idiomas, mas a aceitação por parte deles é um fator que não está em nossas mãos. Estaremos sujeitos à rejeição e isso pode afetar a nossa autoestima e, consequentemente a nossa motivação. Afinal, muitas vezes a rejeição é interpretada como sendo causada exclusivamente por uma falta de valor em nós e que todas as outras pessoas enxergarão essa mesma falta de valor.
Esse é um GRANDE engano. Como vimos, cada pessoa é uma SOMA de DIFERENTES experiências vividas e, por isso, desenvolve DIFERENTES talentos e DIFERENTES necessidades. Isso torna cada pessoa ÚNICA no mundo. Partindo dessa perspectiva, sofrer UMA rejeição significa simplesmente que UMA pessoa, ÚNICA no mundo, rejeitou o outro. Significa simplesmente que UMA única pessoa no mundo não enxergou, com base em seu sistema de crenças pessoal, algum benefício em manter uma relação social com outro.
Claro que diante de uma rejeição é sempre bom fazer uma autorreflexão para analisar se não estamos de fato falhando em algo, mas isso é diferente de afirmar categoricamente que rejeição é causada por uma falta de valor pessoal que será percebida por TODOS. Fazendo uma analogia, não é por que uma pessoa não compra determinado produto que ele DE FATO seja sem valor. Ele apenas não atende as necessidades individuais da pessoa. Haverá muitas outras pessoas que necessitam desse mesmo produto.
Alguém pode questionar o que mencionamos afirmando que existe o senso comum, o comportamento de manada, que muitas vezes acaba ditando as ações dos indivíduos, fazendo-os agir da mesma forma diante de um mesmo estímulo ou circunstância.
Sim, realmente existe o comportamento de manada, mas há um ponto muito importante aqui: o comportamento de manada é (e sempre será) uma TENDÊNCIA, afinal as pessoas SÃO LIVRES para agirem. Então, mesmo considerando o comportamento de manada, não há como saber de fato, quem está “dentro dessa manada”. Sendo assim, a incógnita com relação ao comportamento de uma pessoa ainda permanece e, justamente por isso, o que mencionamos ainda é válido, isto é, UMA rejeição se refere a UMA pessoa (e não a uma suposta massa).
Portanto, procuremos encarar a rejeição como algo referente exclusivamente à pessoa que rejeita e não a uma suposta massa, pois as pessoas SÃO LIVRES e podem não estar nessa suposta massa! Diante de uma rejeição, pratiquemos sim a autorreflexão, como todos devem fazer constantemente, mas não atribuamos a rejeição a uma categórica falta de valor em nós! Apenas as pessoas são diferentes e possuem necessidades diferentes que buscam suprir. Podemos sofrer 200 rejeições, mas elas dizem respeito a 200 pessoas e não ao mundo inteiro.
Agora, apresentaremos a REGRA DE OURO:
“Esteja disposto a praticar a RECIPROCIDADE sem esperar ou exigir generosidade dos outros, afinal todos têm alguma necessidade que buscam suprir”
Quem nunca rotulou alguém de interesseiro, não é mesmo? O interesseiro é aquela pessoa que se relaciona com os outros buscando suprir APENAS suas próprias necessidades.
Note que destacamos a palavra “apenas”, pois o problema está nela. Do ponto de vista comportamental (e mesmo motivacional) todos nós estamos buscando suprir as nossas necessidades. O problema não está nisso em si, mas na falta de reciprocidade, não entendendo que, assim como nós, o outro também tem necessidades a serem supridas.
Muitos relacionamentos humanos, não importando sua natureza, fracassam justamente por que queremos que o outro nos ajude a suprir as nossas necessidades, mas não estamos dispostos a ajudar o outro a suprir as suas necessidades. Consciente ou inconscientemente ficamos exigindo generosidade dos outros. A palavra “generosidade”, segundo o Dicionário Aulete, significa “qualidade daquele que é capaz de sacrificar seus próprios interesses em benefício de outrem”. Assim, acabamos exigindo que o outro sacrifique seus próprios interesses como se fôssemos os únicos a ter necessidades ou julgando que as nossas necessidades são sempre mais importantes.
De novo: do ponto de vista comportamental (e mesmo motivacional) todos nós estamos buscando suprir as nossas necessidades. Portanto, temos que nos atentar para a importância de haver TROCA nos relacionamentos. Entender o que o outro procura para, SE for possível, estabelecer uma relação (de troca!) com ele.
Muito interessantes são as palavras de Alberto Dell'Isola: "Eu tenho que gerar networking com pessoas que tenham uma conexão natural. Só que a galera começa, pela importância de relacionamentos, a querer forçar para se relacionar com qualquer pessoa. Mas é muito ruim, porque as pessoas não gostam". Dale Carnegie, escritor e orador norte-americano, diz: "Estamos todos interessados no que nós queremos. Assim, o único meio existente na Terra para influenciar uma pessoa é falar sobre o que ela quer e mostrar-lhe como realizar o seu intento".
É claro que essa exigência de generosidade pode ser derivada de um mau-caratismo, mas pode também derivar do receio instintivo de desperdiçar energia, como, por exemplo, ajudar uma pessoa e não ser ajudado por ela. Logo, a pessoa espera a ajuda do outro somente, atitude que pode ser interpretada por muitos como mau-caratismo também.
A generosidade pode, contudo, existir em um relacionamento e é bom que ela exista. Porém, ela deve brotar espontaneamente e nunca ser exigida do outro. Se em um primeiro momento o outro não está disposto a nos ajudar ou nós mesmos não estamos dispostos a ajudar o outro, paciência... essa relação não é possível. Afinal, ninguém duvida que está procurando viver da melhor forma possível, não é mesmo? O outro também.
Dito isso, precisamos de contato constante com nativos e de pessoas que nos auxiliem em nossa jornada, mas o que podemos oferecer a eles? O que eles estão buscando e poderíamos lhes proporcionar? O que podemos agregar?
A atitude de (maliciosamente) esperar ou exigir generosidade dos outros só vai causar em você frustração, além de fazer com que as outras pessoas o vejam como uma pessoa desagradável, parasitária. Consequentemente vão acabar se afastando. Portanto, os dois lados precisam se completar.
É muito importante ter em mente essa ideia de não procurar generosidade, mas sim estar disposto a completar no outro o que lhe falta, pois diante de tudo que apresentamos neste tópico, você deve ter pensado:
“OK, o ambiente importa e eu devo tentar me inserir em ambientes nos quais existem pessoas acolhedoras e capacitadas naquilo que eu desejo dominar. Porém, sendo eu um estudante iniciante, será que essas pessoas já capacitadas me aceitariam? Pois em tese não precisam de mim!”
Percebe como instintivamente sabemos que não deveríamos procurar por generosidade, afinal TODOS nós estamos buscando suprir as nossas próprias necessidades? Aceitando essa realidade, de fato, um estudante iniciante não teria muito a contribuir com estudantes mais avançados ou nativos e a tendência é que ele seja rejeitado. Porém, neste caso podemos recorrer à "inserção indireta".
Como assim?
Mesmo que para estudantes mais avançados ou nativos um estudante iniciante não seja tão interessante, esse mesmo ambiente pode necessitar de OUTRA habilidade não relacionada à língua japonesa que o estudante iniciante tenha! Por exemplo, se o estudante iniciante for um desenhista, ele pode procurar ambientes em que existam estudantes avançados ou nativos que estejam precisando de desenhistas. Procurar nativos japoneses que queiram aprender português ou fazer um trabalho voluntário também são bons exemplos de "inserção indireta".
Seja como for, não procure generosidade! Esteja disposto a trocar! Aliás, o que é um curso presencial pago se não a troca do dinheiro, que o professor precisa, pela habilidade dele, que o aluno deseja? Pode-se questionar as coisas em termos quantitativos e qualitativos, mas até mesmo a natureza funciona na base da reciprocidade.
Você pode pensar:
“Nossa! Que dureza de coração! Então, as relações humanas são simplesmente uma troca de favores? Onde está o AMOR?!”
Respondemos: a reciprocidade espontânea é o sinal de verdadeiro amor!
Como assim?
Para entender, se alguém lhe perguntasse o que é SE SENTIR amado, provavelmente você diria que se sentir amado é perceber que existem pessoas que se importam com você, que desejam ajudar você a aliviar suas dores e aumentar suas alegrias, bem como a desenvolver seus talentos, não é mesmo?
Pois bem! SER AMADO significa RECEBER todas essas coisas. Logo, AMAR significa DAR todas essas coisas, isto é, eu também me importar com o outro, eu também ajudar o outro a aliviar suas dores e aumentar a sua alegria, bem como desenvolver o talento do outro! Reciprocidade!
Dizem que o amor é cego, mas não é verdade. Cega é a falta de amor. Quando se ama, existe a reciprocidade. A pessoa ENXERGA o outro, sua importância e suas necessidades, buscando ajuda-lo. Por outro lado, a falta de amor nos faz cegos para a importância do outro e suas necessidades. Tratamos o outro como mero objeto para satisfazer apenas as nossas necessidades. Somos INDIFERENTES ao outro. Aliás, não é de se surpreender que muitos tem dito que o contrário do amor é a indiferença.
O senso comum nos faz ter uma ideia completamente romantizada e equivocada do que é o amor. Ele não é um mero sentimento, mas antes de tudo é algo expresso em ações concretas e eficazes que visam, digamos, tornar a própria vida e a do outro (também!) melhor. O amor envolve enxergar, entender, preocupar-se e cuidar. A indiferença, apenas usar e descartar. Na verdade, nós já sabemos disso; só que na maior parte das vezes queremos apenas receber do outro. Assim, não amamos o outro; apenas amamos a nós mesmos.
O psicólogo Rafael Ayres diz que “As pessoas se permitem ser infelizes em função do outro e isso é confundido com demonstração de amor. E não é! ‘Poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons’ (citando Freud)”. Por causa do senso comum, acreditamos que sofrer por amor é algo virtuoso, mas esse modo de pensar acaba sendo alimento para pessoas que vivem no “modo animal” (sendo conduzidas apenas pelos instintos primitivos). Na prática, é um mal que fazemos a outra pessoa também, pois é como se disséssemos a ela: “Você não precisa ter nenhuma responsabilidade para com as outras pessoas. Você é o rei e todos nós, seus servos”.
Aliás, é preciso que tomemos cuidado com o que chamaremos de “reciprocidade forçada”. Na reciprocidade propriamente dita, a pessoa primeiro entende as necessidades do outro e busca proporcionar aquilo que ele realmente necessita. Já na reciprocidade forçada, a pessoa dá ao outro algo de que ele não necessita apenas para se sentir no direito de exigir algo que ela necessita de fato. Com receio de parecer rude em não aceitar, o outro acaba se vendo em um relacionamento abusivo, no qual a pessoa dá pedras exigindo que o outro lhe dê ouro.
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Este tópico nos leva a questionar coisas que para o senso comum são intocáveis como amizades atuais e laços familiares, pois estas pessoas são sempre vistas como os nossos próximos. Entretanto, vamos fazer uma analogia com a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). Costuma-se dizer que ela ensina a importância da compaixão mesmo para com pessoas estranhas, mas vamos refletir sobre um aspecto pouco falado sobre ela.
Já reparou que a parábola é contada após o doutor da lei perguntar a Jesus: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29)?
Povos antigos costumavam ter a ideia de que a proximidade com outra pessoa se dava por questões de sangue e/ou compartilhamento dos mesmos valores e costumes. Ou seja, provavelmente o doutor da lei esperava que Jesus respondesse algo como “O seu próximo é quem é sangue do seu sangue e compartilha da mesma visão de mundo”, mas não foi o que aconteceu. O homem atacado na estrada não foi socorrido por alguém próximo; os próximos foram indiferentes! Quem socorreu o homem caído foi um estranho, alguém que na visão de mundo daquela época não era um próximo! Tanto que Jesus termina a parábola perguntando ao doutor da lei: “Qual desses três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?” (Lc 10,36).
Reparou como a pergunta foi formulada? É como se Jesus tivesse colocado a visão de proximidade daquela época em xeque, dizendo algo como: “Vocês acham que proximidade se dá por laços de sangue e/ou compartilhamento da mesma visão de mundo, mas quem foi que enxergou concretamente o homem caído na estrada e se preocupou em dar aquilo que ele necessitava?” O doutor da lei percebe isso e responde: “Aquele que usou de misericórdia para com ele” (Lc 10,37).
Esse pensamento antigo de proximidade ainda está presente no mundo moderno em maior ou menor grau. Costumamos nos fechar em grupos (políticos, religiosos, étnicos, familiares, etc.) tratando os de fora sempre com desprezo ou como se fossem inimigos. Porém, com certa frequência nos deparamos com os “próximos distantes”, isto é, pessoas que são consideradas próximas, mas que não conseguem enxergar ou não se importam com nossas necessidades mais profundas. Amigos falsos e uma família disfuncional podem ser exemplos de "próximos distantes", que estão presentes em nossa vida fisicamente, mas que estão humanamente distantes, não sendo capazes de (ou não querendo) nos ajudar a evoluir e crescer como indivíduos.
Dessa forma, a parábola do Bom Samaritano nos mostra a importância de deixarmos de lado nossas noções limitadas de proximidade e abrirmos nossos corações (e mentes) para o "estranho", para o "de fora". Afinal, é ao nos expormos a novas ideias e a pessoas diferentes de nós que podemos encontrar novos caminhos e oportunidades para evoluir como seres humanos. Pode ser que estejamos “caídos na estrada” e somente um estranho esteja disposto a (ou seja capaz de) nos proporcionar aquilo que realmente necessitamos para prosseguir em nossa jornada.
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Diante de tudo o que abordamos neste tópico, uma coisa fica clara: a importância de investirmos no conhecimento do comportamento humano.
Durante muito tempo se deu demasiada ênfase ao conhecimento técnico (diplomas, certificações, etc.), mas convenhamos: é o nosso comportamento que acaba sendo o nosso CARTÃO DE VISITA (e não os nossos rótulos, como imaginamos). Ou seja, não adianta ter conhecimento técnico se no final AFASTAMOS pessoas de nós, ainda que tenham sido inicialmente atraídas pelos nossos rótulos relacionados ao conhecimento técnico. Afinal, quem vai nos valorizar? Quem vai nos dar uma oportunidade de crescimento de carreira? Quem comprará o nosso produto? Quem nos indicará a outras pessoas? E no caso de idiomas, com quem vamos INTERAGIR? Veja como uma coisa complementa a outra.
Vivemos em sociedades, não em ilhas individuais com todos os recursos disponíveis. Portanto, invistamos constantemente no conhecimento do comportamento humano. Não é de hoje que percebemos também que a maior dificuldade para aprender japonês (ou qualquer outra coisa) não se relaciona à TEORIA propriamente dita, mas sim à PSICOLOGIA/NEUROCIÊNCIA. Por isso criamos esta seção "Como Aprender?" e ficamos muito felizes quando recebemos mensagens de pessoas dizendo que ELA as ajudou a encarar o aprendizado de outra forma e a deixar de lado comportamentos nocivos.
Entender como funciona o ser humano nos ajuda a evoluir e a entender o comportamento alheio. Afinal, apesar de a serpente ser um animal imponente, ela afasta por ser venenosa.
Será que não somos assim?
A psicóloga e palestrante Meiry Kamia diz que “está faltando o lugar onde nós podemos fracassar, o lugar onde a gente pode falir. Esse lugar era a nossa família”.
Perceba aqui um ponto interessante: nós aprendemos nossa língua nativa dentro de um ambiente que justamente nos proporcionava segurança e no qual podíamos cometer erros de linguagem. Esse ambiente é a FAMÍLIA e, como extensão, os amigos e a escola.
Assim como uma família disfuncional, sem acolhimento e cheia de competitividade entre os membros, atrapalha o desenvolvimento de uma criança e isso repercute na vida adulta, relacionamentos disfuncionais no âmbito do aprendizado de línguas é algo extremamente prejudicial. Ter um espaço seguro para cometer erros é crucial para construir a confiança dos aprendizes e incentivá-los a persistir.
Como podemos cobrar perfeição de nós mesmos e/ou dos outros numa língua estrangeira se não somos perfeitos nem na nossa língua nativa? Nem o professor Pasquale é perfeito! Em uma entrevista em 2013 no programa “Agora é Tarde” ele disse: “É claro que na minha fala cotidiana eu não vou ficar usando os pronomes de acordo com a gramática normativa. Eu misturo “você” com “te”, o que para a gramática normativa está errado. Mas eu misturo. Claro que eu misturo. Eu sou normal. Eu não sou maluco”.
XXIX. AINDA FALTA ALGO!
Tudo o que abordamos até aqui relacionado à felicidade parece muito óbvio. De fato, todos nós buscamos no fim das contas nos sentir seguros, amados e úteis no presente para que tenhamos boas perspectivas constantes sobre o futuro. Contudo, há um fator incontrolável que talvez seja uma das principais causas das chamadas crises existenciais. Esse fator é a INJUSTIÇA que presenciamos no mundo.
Primeiramente, segundo o Dicionário Aulete, a palavra “justiça” significa “1. Situação em que cada um recebe o que lhe cabe, como resultado de seus atos ou de acordo com os princípios e a lei da sociedade em que vive”. Essa definição pode parecer bonita à primeira vista, sendo a que muitos consideram em seus julgamentos acerca das pessoas e do mundo. Porém, essa definição friamente analisada gera um problema prático:
Justiça e MERECIMENTO estão intimamente ligados?
Em caso positivo, podemos cair em um tipo de “seleção social”, análoga à seleção natural, segundo a qual aquele que melhor se adapta ao ambiente tem maiores chances de sobreviver. Então, as pessoas que não têm condições físicas, financeiras, intelectuais, estéticas, etc. estariam fatalmente condenados e, em maior ou menor grau, assim são tratadas nas sociedades.
No decorrer da nossa evolução como espécie, o nosso cérebro foi desenvolvendo um tipo de mecanismo de defesa que poderíamos definir, de forma simplista. como “buscar a certeza e fugir da incerteza”. Trazendo novamente a fala de Hao Li, neurologista do Salk Institute, “do ponto de vista da sobrevivência, evitar o perigo sempre foi muito mais importante do que buscar recompensas”. Com isso, surge o que é chamado de “hipótese do mundo justo”, sobre a qual Melvin Lerner, que foi professor de psicologia social na Universidade de Waterloo entre 1970 e 1994, diz que “as pessoas precisam acreditar que vivem em um mundo justo”, no qual os “vencedores sempre são bons e os perdedores são maus”.
Esse viés cognitivo nasce justamente por causa da nossa resistência instintiva em aceitar a arbitrariedade do mundo, isto é, não queremos acreditar na possibilidade de que o mundo venha a ser injusto conosco e incontrolável. Precisamos sempre nos sentir no controle e conhecedores das regras do jogo. Precisamos encontrar ou conhecer padrões de causa e efeito infalíveis. Quem já não ouviu frases de efeito, as ditas “fórmulas de sucesso” como “estude e será bem sucedido” (logo, se a pessoa não é bem sucedida é por que não estudou o suficiente), ou “o Japão é um país maravilhoso para quem gosta de trabalhar” (logo, se alguém vê pontos negativos no Japão é por que não gosta de trabalhar), etc.? Ou ainda, “fulano foi assaltado, porque fica andando na rua com o celular na mão (logo, se não estiver com o celular na mão nunca será assaltado)?
Tudo isso pode ser sinal desse viés, ou seja, a pessoa que profere estas afirmações de causa e efeito certeiros está insegura consigo mesma e está apenas buscando fórmulas infalíveis para se sentir no controle da situação e, assim, confortável.
Porém, percebe o problema? Acreditando que se fizermos tudo direitinho o mundo nos recompensará e nos poupará das adversidades, passamos a ficar indiferentes ao sofrimento alheio e a justificar as injustiças e adversidades com uma espécie de “culpabilismo”, segundo o qual a própria pessoa ou os outros são SEMPRE culpados por algo de negativo que ocorre com eles próprios. Isso acaba com a motivação e a saúde emocional de muitos, pois como diz a psicóloga australiana Dorothy Rowe, que esteve presente na lista dos “100 maiores gênios vivos” da humanidade, “Basta culpar-se pelo desastre que caiu sobre você para fazer a tristeza normal virar uma depressão”. Além disso, o “culpabilismo” faz com que analisemos questões complexas de uma forma muito superficial.
Porém, se a justiça e o merecimento NÃO estão intimamente ligados, fatalmente essa definição de justiça estaria perdida, e cairemos no extremo oposto do “culpabilismo”, isto é, na vitimização, segundo a qual a própria pessoa ou os outros NÃO são culpados por nada de negativo que ocorre com eles, sendo a responsabilidade SEMPRE terceirizada. E assim como o “culpabilismo”, o vitimismo faz com que analisemos questões complexas de uma forma muito superficial.
Como resolver esse dilema?
Precisamos aceitar que a justiça por si só não resolve as questões práticas de nossa vida. Mesmo que a justiça fosse aplicada de forma implacável no mundo, ainda haveria insatisfação e sofrimento por parte daqueles que sem culpa não se encaixam “nas regras do jogo”. Sendo assim, pode-se dizer que a justiça estrita perpetua desigualdades, pois as pessoas são diferentes e possuem necessidades diferentes.
Portanto, tão importante quanto a justiça em si são os valores como o bom senso, a empatia e a compaixão. Afinal, é muito conveniente uma pessoa defender estritamente a justiça (e o merecimento) quando ela tem as condições favoráveis ou alguma circunstância a beneficia. Esse cenário dá a ela uma “vantagem competitiva” em relação ao outro. Do contrário, muito provavelmente esta mesma pessoa estaria desejando o bom senso, a empatia e a compaixão das outras pessoas.
Outro ponto a se considerar nessa questão é que pessoas podem usar equivocadamente a sua liberdade e passar a viver totalmente no MODO ANIMAL em vez do MODO HUMANO. Assim como na selva, no modo animal, passamos a ter apenas um critério, ainda que não admitamos: a CONVENIÊNCIA.
A conveniência anula não só a justiça como também o bom senso, a empatia e a compaixão, ainda que às vezes tenha aparência de alguma delas. E é aqui que talvez nasça o nosso problema com aquilo que chamamos de INJUSTIÇA porque ela é algo extremamente difícil de se aceitar. Doenças, a morte ou fenômenos naturais desastrosos têm uma explicação natural, são uma soma de outros fatores naturais. A doença e a morte, por exemplo, são processos que fazem parte da natureza, oriundos de um desgaste natural e esperado do corpo. Decorrem de fatores que podem ser minimizados ou potencializados pela ação do homem, mas sempre ocorrerão.
Por outro lado, a injustiça frustra demais porque consciente ou inconscientemente a encaramos como algo que poderia ser facilmente evitado. Em outras palavras, a injustiça não é fruto de fatores naturais certos e esperados, mas sim de ESCOLHAS do ser humano, frequentemente baseadas na mera conveniência.
Um mundo em que não houvesse leis se tornaria uma selva. Porém, as leis, em qualquer tempo e lugar, muitas vezes não punem (ou não punem como deveriam) quem age concretamente mal. Com isso, presenciamos muitas vezes pessoas que vivem totalmente no modo animal conquistando as coisas e suas metas, ao passo que quem vive no modo humano, agindo com ética, muitas vezes não consegue aquilo que gostaria.
Quem nunca se perguntou se vale a pena ser bom, não é mesmo? Diante do sucesso e impunidade dos que vivem no modo animal, ficamos insatisfeitos e infelizes tendo a sensação que agir bem não vale a pena. Tudo parece continuar sendo uma verdadeira selva na qual só os mais fortes e espertos vencem. Quem os punirá concretamente por seus atos maus e recompensará aqueles que se esforçam para viver no modo humano?
Tradicionalmente se apontava para a dimensão bio-psico-social do ser humano para a preservação de sua saúde como um todo. Trocando em miúdos, significa a preocupação com o corpo, com a mente e com as relações sociais. Em 1988, porém, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o elemento espiritual, que não tem a ver com especificamente seguir uma doutrina religiosa, mas sim com encontrar um sentido/propósito para a vida, algo que a religião pode facilitar, já que todas as religiões pregam de algum modo a ideia de que estamos neste mundo de passagem mirando algo maior. Isso nos remete de certa forma à importância de estar sempre aberto ao aprendizado, evoluir e a ser útil para alguém/para o mundo e mesmo um ateu pode chegar a essa conclusão.
A necessidade de uma autoridade superior (ou uma razão maior, mas desconhecida) ao nosso mundo para resolver principalmente o problema da injustiça constante sempre acompanhou o homem e ultimamente a própria ciência tem se debruçado sobre a relação da espiritualidade (não necessariamente religião) e a felicidade humana. De acordo com uma análise de dados de pesquisas realizadas nos Estados Unidos e em mais de duas dúzias de outros países feita pelo Pew Research Center, as pessoas que participam ativamente de congregações religiosas tendem a ser mais felizes e mais engajadas na vida cívica do que os adultos sem filiação religiosa ou os membros inativos de grupos religiosos. Ainda, Dra. Ana Beatriz Barbosa diz que “é impossível ser feliz sem algum grau de espiritualidade. Não tem nada a ver com religiosidade. (...) A espiritualidade me dá a certeza que a coisa não acaba aqui. Então eu não me frustro”.
Em um esforço para entender por que a espiritualidade está relacionada à felicidade, Chaeyoon Lim, da Universidade de Wisconsin-Madison, e Robert Putnam, da Universidade de Harvard, examinaram dados de uma amostra representativa de adultos americanos pesquisados em 2006 e contatados novamente em 2007. Os pesquisadores descobriram que a participação em um grupo religioso teve um forte impacto sobre a felicidade entre as pessoas com muitos amigos em suas comunidades, mas não entre aquelas com poucos amigos em suas comunidades.
No final das contas, uma visão espiritualista saudável ajuda a satisfazer a nossa necessidade de nos sentirmos seguros, amados, úteis e com boas perspectivas para o futuro. Flora Victoria, a Embaixadora da Felicidade e mestre em Psicologia Positiva Aplicada pela Universidade da Pensilvânia, diz que “A religião une as necessidades humanas de propósito e de socialização. Além disso, a maioria das doutrinas estimula sentimentos positivos, recurso poderoso para concentrar a mente nas coisas boas do presente”. Uma visão espiritualista nos proporciona uma sensação de segurança, pois acreditamos que uma entidade superior nos protege, guia-nos e fará justiça no devido tempo. Sentimo-nos amados, pois acreditamos no amor proveniente dessa entidade superior e nos sentimos parte de uma comunidade maior, conectados a algo mais amplo que nós mesmos. Essa percepção de pertencimento nutre nosso senso de utilidade, pois reconhecemos um propósito transcendente em nossa vida atual, ao ajudarmos os outros e sermos ajudados no presente.
Isso também acaba facilitando a busca de crescimento em outras áreas da vida, como um emprego melhor e a construção de riqueza, por exemplo. Em outras palavras, aqueles que participam com frequência de alguma comunidade podem ter mais pessoas com as quais podem contar para obter informações e ajuda nos momentos bons e ruins, além de alimentarem a esperança de que no futuro receberão as recompensas por seus atos benevolentes.
Também, ao reconhecer que nossa vida presente está intrinsecamente ligada a uma dimensão maior, seja qual for a crença específica, encontramos uma maior capacidade para lidar com os desafios e a constante questão da injustiça no mundo. Acreditando que, em algum momento, todos receberão recompensas ou punições de acordo com seus atos, adquirimos um senso de justiça que transcende as vicissitudes da vida.
Por fim, o sentimento de injustiça pode brotar de um aspecto extremamente SUBJETIVO. Por causa do orgulho, reconhecer o mérito honesto do outro ou que as coisas têm um preço é o caminho mais difícil. Não raramente vemos pessoas chamando de injustiça o que na verdade é uma falta concreta de esforço ou idealizações fantasiosas, como por exemplo, desejar se tornar milionário sem encarar um árduo processo, apenas esperando ganhar na loteria. Por causa do orgulho, temos a dificuldade de admitir que há muitas coisas sobre as quais não temos controle e isso NÃO É necessariamente injustiça! Por exemplo, aqui podemos citar as escolhas de amizades que uma pessoa faz. Neste caso, a escolha ou a rejeição tem um aspecto pessoal e não tem a ver com justiça.
Como mencionado anteriormente, o “falso senso de justiça”, que brota do orgulho, faz com que pessoas enxerguem que apenas um caminho é honesto para se chegar a um objetivo, sendo que ele está geralmente relacionado ao caminho que a própria pessoa escolhe ou é obrigada a escolher. O falso senso de justiça também causa a sensação de injustiça quando nos faz crer que uma pessoa "inferior" ou “superior” não merece alcançar o sucesso não importa o que ela faça.
Por causa do “falso senso de justiça”, alimentamos em nós o famoso e aleatório "Eu mereço!", que geralmente vem acompanhado de ódio e frustração. Se um parente compra uma casa, “Eu mereço!” simplesmente por ser da mesma família. Se um colega ganha um aumento salarial, “Eu mereço!” simplesmente por ser da mesma equipe. Se uma pessoa que julgamos INFERIOR prospera em algo, “Eu mereço!” por que nos julgarmos superiores a ela.
Aliás, o schadenfreude, a alegria pela desgraça do outro que citamos anteriormente, pode ser explicado por uma série de fatores, incluindo:
➩ Comparação social: quando vemos alguém que está pior que nós, isso pode nos fazer sentir melhor com nossas próprias vidas;
➩ Justiça: quando vemos alguém que merece sofrer, pode nos dar uma sensação de justiça;
➩ Consolidação do ego: quando vemos alguém que é igual ou melhor que nós sofrer, pode nos ajudar a sentir que somos superiores.
No caso de pessoas com baixa autoestima, o schadenfreude pode ser uma forma de se sentirem melhor consigo mesmas. Ao verem que outras pessoas estão passando por problemas, elas podem se sentir menos mal com suas próprias vidas.
Diz o famoso ditado “Cada cabeça uma sentença”. Por isso, poderíamos dizer que cada um tem uma ideia de justiça diferente dentro de si. Contudo, de alguma forma, se quisermos nos manter motivados e saudáveis emocionalmente, temos que nos desapegar daquilo que subjetivamente (pessoalmente) consideramos JUSTIÇA. Caso contrário, sempre nos acharemos o príncipe dos Sayajins, arrogantes e intolerantes conosco e principalmente com os outros. Não respeitaremos a individualidade justa e honesta dos outros, assim como não respeitaremos nem mesmo a nossa própria individualidade, pois sempre buscaremos ser uma “cópia” exata de alguém.
A vida concreta é uma soma de diversos fatores muitas vezes incompreensíveis. Aliás, mesmo sobre a injustiça objetiva não temos controle total.
Sejamos sinceros: dos quatro elementos, isto é, bio-psico-socio-espiritual, o ser humano tem negligenciado no elemento social e ainda mais no elemento espiritual. A vida moderna acelerada e a impressão de que temos tudo ao nosso alcance nos dá a falsa sensação de que podemos ser autossuficientes, tendo o mínimo de (ou nenhum) contato social. Isso é um grande equívoco, já que a própria natureza se encarregou de nos trazer ao mundo INSERIDOS em um grupo social, a família, na qual bem ou mal fomos acolhidos, aprendemos a nossa primeira língua e as regras básicas de convívio social. Nela, também tivemos as nossas primeiras referências. Além disso, do ponto de vista evolutivo, foi extremamente necessário que andássemos em grupos, seja pela troca de experiências, seja pela nossa fragilidade se comparados com outros animais selvagens.
Ninguém duvida que se alimentar é uma necessidade básica do ser humano. E já há estudos que apontam que se isolar socialmente causa um estado aversivo semelhante à fome! Rebecca Saxe, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) diz que "as interações sociais positivas são uma necessidade humana básica, e a solidão aguda é um estado aversivo que motiva as pessoas a reparar o que está faltando, semelhante à fome".
O isolamento social causa o acúmulo de uma substância química específica no cérebro, chamada taquicinina 2, que segundo um estudo realizado com roedores, aumentou a agressividade e a hipersensibilidade a estímulos ameaçadores.
A vida moderna e o excesso de opções afetam também a nossa dimensão espiritual, uma que têm nos feito cada vez mais imediatistas na busca de prazeres como isso fosse nos trazer felicidade plena. Não se pensa no futuro, em ser útil para alguém ou em uma razão maior para tudo isso. Para ilustrar, o Brasil se tornou o país com a maior prevalência de ansiedade no mundo. Será que isso não é causado por essa corrida interminável por prazeres imediatos e sem sentido? Será que não estamos vivendo como animais selvagens (apenas sobrevivendo) achando que estamos vivendo uma vida normal? Quando estamos no “modo animal”, a ética, o respeito e o amor pelo outro somem, pois estamos querendo apenas sobreviver a qualquer custo, mesmo que tenha que prejudicar o outro.
Assista ao curta "Happiness", que ilustra bem a vida moderna, competitiva e muitas vezes sem sentido.
Segundo Adriano do Banheira de Conhecimento, as três perguntas mais realizadas ou pesquisadas no mundo são:
1. Qual o significado da vida?
2. O que acontece depois da morte?
3. Como eu posso ser feliz?
Talvez, a regra da vida seja o aprendizado espontâneo.
Como assim?
Nós humanos podemos aprender simplesmente porque alguém nos obrigou, nos ameaçou ou nos ofereceu um prêmio muito grande. Neste caso, porém, não se pode garantir que o aprendizado realmente dê frutos, pois não é algo que brotou da própria pessoa; ela aprendeu somente para evitar algo ruim ou ganhar algo muito valioso. É algo superficial e condicionado. Por outro lado, se uma pessoa chega por livre e espontânea vontade à conclusão de que precisa aprender, evoluir e ser útil para os outros, pode-se dizer com mais firmeza que haverá uma mudança concreta na pessoa.
Pode parecer contraditório, mas se tivéssemos certeza absoluta do motivo de estarmos neste mundo, a nossa vida seria um verdadeiro caos, além de falsa e superficial. Se com certeza absoluta existisse recompensa e punição pós-morte, as pessoas se tornariam robóticas e internamente frias; se com certeza absoluta não existisse nada após a morte, as pessoas se tornariam selvagens na tentativa de aproveitar o máximo desta vida. E de certa forma presenciamos extremos dos dois lados: há religiosos que tratam sua crença religiosa com tanta certeza a ponto de ficar rebaixando, discriminando os outros que não a seguem ou, na pior das hipóteses, pregando a aniquilação dos infiéis a sua religião. Na outra ponta há ateus que da mesma forma têm tanta certeza na inexistência do divino/transcendente que acabam agindo da mesma forma que os religiosos fanáticos. De algum modo, a certeza absoluta transforma religiosos e ateus na mesma coisa: em pessoas que praticam maldades, não se preocupando em evoluir e ser úteis aos outros.
Se forem sinceros, pela simples observação ateus e não ateus podem chegar à mesma conclusão: independentemente do que aconteça depois da morte, neste mundo presente o mal precisa ser evitado e o bem precisa ser feito. Aliás, esse é o princípio básico da maioria das religiões.
Não é o mundo que é injusto (no sentido das leis da natureza), mas sim as pessoas que usam mal a sua liberdade. Se existem países mais desenvolvidos do que outros ou pessoas que nascem mais afortunadas do que outras, isso é fruto de uma sucessão de erros (ou acertos) de pessoas de agora e do passado! Por exemplo, um pai que vende todos os seus bens buscando satisfazer prazeres imediatos certamente prejudicará a sua descendência. E sua descendência prejudicará a descendência se não optar por boas ações, quebrando o ciclo iniciado por seu antepassado. Sendo assim, todos nós precisamos refletir constantemente se não estamos perpetuando ações questionáveis de nossos antepassados para que nossos descendentes (e nós mesmos) não sofram as consequências das nossas más ações.
Mas como fica a questão da INJUSTIÇA para um ateu?
Para um religioso, a questão da injustiça se resolve facilmente: Inferno, mais reencarnações, degredo (envio para mundos inferiores na próxima reencarnação), etc. Por outro lado, um ateu pode encarar a questão da injustiça como algo causado exclusivamente pelo homem, tanto do lado de quem comete a injustiça como do lado de quem tem poder de punir, mas não pune (ou não pune como deveria). Podemos citar como exemplos os pais, professores, chefes e os governantes por meio das leis civis e penais de um respectivo país. Ou seja, a injustiça deixa de ser um problema na medida que haja uma cultura que consiga equilibrar o bem-estar coletivo e o bem-estar individual, além de leis civis e penais eficazes que garantam esse equilíbrio.
Além disso, o ateu pode levar em consideração o custo psicológico e social que uma injustiça proporciona a quem a comete, ainda que isso possa ser menos visível.
Como assim?
Tendemos a avaliar somente o resultado de uma ação. Agindo assim, pode parecer realmente que uma pessoa que age mal se dá bem (tem resultados positivos) com frequência. Entretanto, nós nos esquecemos do custo (atual e futuro) dessas ações maldosas. Fazendo uma analogia, um jogador que usa códigos de trapaça pode se dar bem em um jogo da mesma forma que um jogador que joga o mesmo jogo honestamente. Porém, ainda que o jogador desonesto se dê bem e possa ser visto pelos outros como um bom jogador, o custo psicológico disso é muito grande, pois o jogador sabe que tudo isso é falso e custoso, no sentido que fazer um teatro e mantê-lo pressiona-o constantemente (prejuízo pessoal). Além disso, por quanto tempo ele conseguiria manter toda essa aparência falsa de bom jogador? Ao ser descoberto, certamente ele perderá todo o prestígio conquistado e passará a ser mal visto (prejuízo social). Em outras palavras, ainda que muitos não percebam, agir mal constantemente é como tentar segurar uma avalanche: uma hora isso se torna impossível e a avalanche acabará esmagando a pessoa.
Essa perspectiva do aprendizado espontâneo pode ser muito benéfica, pois, se houver uma vida depois da morte, receberemos a nossa recompensa, teremos as nossas lágrimas enxugadas e também teremos feito o bem no mundo, podendo deixar legados maravilhosos. Se não houver nenhuma vida depois da morte, pelo menos teremos feito o bem no mundo, o que considerando as atrocidades que somos capazes de fazer, é um ENORME feito. Em outras palavras, não teremos apenas sobrevivido como animais selvagens, guiados pela regra do vale tudo para sobreviver.
E podemos ir além: no “modo animal” somos capazes de fazer pior do que um animal selvagem, pois o animal selvagem não tem a capacidade de ficar tramando contra os outros animais. Mas nós humanos temos! Basta ligarmos a televisão para constatar isso facilmente: notícias de crimes, guerras, golpes, corrupção, etc.
“A morte despe-nos dos nossos bens para nos vestir das nossas obras” (Jules Petit-Senn, poeta suíço)
No elemento espiritual, ateus e não-ateus podem concordar: todos deixam marcas neste mundo e nas pessoas. Então, que essas marcas sejam positivas!
Dizem que a morte nos faz todos iguais, mas não é verdade, pois uns terão realmente contribuído com alguém/mundo e serão sempre lembrados com alegria. Outros, porém, tendo apenas sobrevivido como animais selvagens (ou pior do que eles), serão esquecidos ou serão sempre lembrados de forma extremamente negativa.
A escolha é individual!
Por fim, um ponto muito importante: de forma simplista, na família biológica fomos inseridos “à força”, isto é, não escolhemos nossos pais e não fomos escolhidos por eles, por isso, aprendemos a nos gostar. Porém, no mundo fora de cas, a regra costuma ser outra, isto é, temos que ser aceitos! E é aqui que talvez muitos se equivocam, pois esperam um acolhimento forçado, obrigatório semelhante ao que tiveram na família biológica.
“Isso de amar sem esperar nada em troca, é bonito nos contos de fadas. Mas na vida real, um amor maduro exige um delicado equilíbrio entre dar e receber, pois tudo aquilo que não é mútuo é tóxico” (frase atribuída a Bert Hellinger, filósofo e psicoterapeuta alemão)
É por isso que EVOLUIR e SER ÚTIL é importante. Em seu livro sobre networking, Alexandre Caldini afirma coisas muito interessantes como: “Se quisermos um bom networking, sejamos interessantes e não interesseiros” e “Pensar em construir uma relação às pressas apenas quando se necessita do outro é leviandade e ingenuidade. A outra parte se sentirá usada. Não funciona. O querido amigo e excelente networqueiro Max Gehringer afirma: Networking é uma questão de paciência e não de urgência”. Além disso, citando o filme “E.T. O Extraterrestre” (1982) de Steven Spielberg, ele afirma “ET deve ser o rei do Networking em sua galáxia, pois ditou a essência de um bom relacionamento que é também a essência do bom Networking: sermos bons. Ser bom é respeitar os outros. É ser útil”.
XXX. META OU IDEALIZAÇÃO?
Ao longo desta seção, tratamos da importância do esforço pessoal e de relacionamentos saudáveis para desenvolvimento das habilidades pessoais e como facilitador para se chegar a um objetivo. Tratamos da importância de se ter pensamentos saudáveis e realistas, que possibilitam expectativas ajustadas e flexíveis com a realidade (concreta!) que vai se apresentando a nós ao longo da nossa jornada. Afinal, a vida é como uma estrada extremamente nebulosa, cuja névoa só vai se dissipando conforme vamos avançando!
Vimos também que precisamos daquele pingo de insatisfação constante, que mantém o nosso radar de oportunidades e ameaças ativo, pois podemos escolher pessoalmente não mudar, mas como os fatores externos mudam e nos afetam queiramos ou não, precisamos estar preparados para lidar com eles.
Leia agora um relato do Nelson, criador e organizador deste blog:
Durante mais de 12 anos, eu trabalhei na mesma empresa e nesse período completei uma graduação e uma pós-graduação, além de fazer alguns cursos livres. Contudo, o que era para fazer com que eu tivesse mais facilidade para me recolocar no mercado de trabalho, acabou se tornando um grande obstáculo. Por que? Como todos sabem, no Brasil existe uma lei de cotas. O grande problema, porém, é que na prática, muitas empresas acabam nivelando por baixo todos os PCDs não importando qual seja a deficiência (isso quando a cumprem a lei). Com isso, mesmo ficando mais de 12 anos na mesma empresa, eu tive muitas funções “aleatórias e quebradas (não participando de todo o processo)”, além de cargos baixos. Baseado nas indiretas que ouço nas entrevistas, penso que os entrevistadores imaginam: “Como ele pode ter uma pós-graduação se só teve funções ‘aleatórias’ e cargos baixos? Ou é mentira ou ele é muito incompetente”. Não julgo os entrevistadores, afinal eles têm pouquíssimo tempo para formar um veredito baseados numa folha de papel e no que o entrevistado diz sobre si mesmo. É claro que eles poderiam considerar o fato de que é muito comum não haver plano de carreira para os PCDs e que muitas empresas nos contratam apenas para cumprir a lei. Porém, a pós-graduação por si só não “me garante”, pois também nunca tive a oportunidade de ter uma "exposição verdadeira" às rotinas da área; só tive funções “aleatórias e quebradas”. Ou seja, mesmo que me dessem uma oportunidade na área, eu não daria conta por falta de experiência concreta. Perceba que, embora eu tenha conhecimento teórico, ele de nada serve, pois NÃO encontra aplicação no mundo REAL pela falta de exposição concreta aos desafios do mundo real. Com línguas é a mesma coisa: não adianta focar excessivamente em conhecimento teórico, quantitativo se não buscamos enfrentar desafios concretos no mundo real. São esses desafios que nos tornarão fluentes. Também, vejam como faltou em mim uma análise mais realista, pois eu estava muito preso a idealizações – do tipo “diploma me garante”, “eu vou construir uma carreira profissional” e “eu nunca serei demitido por causa da lei das cotas”. O meu grau de idealização era tão grande que, mesmo sendo aprovado em um concurso público em 2011, desisti de assumir o meu cargo. A empresa fechou no meu Estado. Eu gosto de compartilhar as minhas experiências positivas e negativas. Neste caso, acredito que ela também pode nos fazer ver a importância de não focar EXCESSIVAMENTE em algo – seja competência ou um meio específico para conseguir algo - a ponto de perder contato com a realidade concreta. Eu poderia ter uma carreira profissional, mas por que não numa repartição pública, não é mesmo? Eu estava tão focado em ter uma carreira numa empresa privada que a minha meta de construir uma carreira profissional literalmente foi para a privada. Será que você não está abrindo mão de sua meta justamente por estar focado EXCESSIVAMENTE nela? Isso parece contraditório, mas não é, pois isso pode nos fazer sair da realidade concreta e ignorar oportunidades reais. De algum modo, mesmo focados não deveríamos perder contato com a realidade concreta. As idealizações nos enganam. Aliás, isso tudo aconteceu por que eu NÃO tinha uma META, mas sim uma IDEALIZAÇÃO. Desde o começo eu fui contratado para que a lei das cotas fosse cumprida. PONTO. Tanto que aceitei um salário três vezes menor que a média do departamento. Digamos que essa era a regra do jogo, e eu a ignorei. Do ponto de vista pessoal é claro que buscar conhecimento foi bom. Porém, dado o contexto em que fui contratado, isso era irrelevante. Percebe a desarmonia entre o contexto e aquilo que eu tinha como meta (que na verdade era uma idealização)? Crenças equivocadas, falta de conhecimento nos fazem construir idealizações em vez de metas. E o pior: podemos realmente nos motivar para elas, gastando recursos e tempo. Idealizações realmente são prazerosas, pois com elas podemos nos imaginar como desejamos – constantemente eu me imaginava subindo de cargo e me tornando chefe. Eu comprei diversos livros acadêmicos, que hoje estão encostados numa caixa organizadora. Chamo-a de “caixa da vaidade” e olho para ela sempre que preciso de um “choque de realidade”. Ela acabou se tornando para mim um remédio contra idealizações. Lembre-se: metas são realistas, mensuráveis e alcançáveis. Por outro lado, idealizações se restringem a nossa imaginação, ainda que pareçam reais, mensuráveis e alcançáveis. Nas metas conhecemos de antemão as regras do jogo; as idealizações nos fazem ignora-las. |
Neste relato, temos uma diferenciação de meta e idealização. Vamos desenvolver mais essa ideia:
➩ META: tem como base a realidade concreta. Por isso, é flexível à realidade que se desdobra diante de nós, além de ser algo mensurável e alcançável. É mensurável, pois podemos perceber concretamente avanços ou retrocessos durante o processo. É alcançável, pois, já que se baseia na realidade concreta, sendo a ela flexível, estamos cientes das “regras do jogo” e sabemos de antemão e durante o caminho se podemos ou não alcançar essa meta. Sendo um ato racional, faremos somente o que for possível dadas as nossas circunstâncias individuais atuais;
Por exemplo, uma pessoa pode ter a meta de perder 10 quilos em 6 meses. Essa meta é baseada na realidade concreta, pois é algo possível de ser alcançado com dieta e exercícios físicos. A meta é flexível, pois a pessoa pode ajustar o plano de ação conforme necessário, caso não esteja alcançando o objetivo no prazo previsto. A meta é mensurável, pois a pessoa pode acompanhar a sua evolução através do peso e do percentual de gordura corporal. A meta é alcançável, pois a pessoa está ciente de que é necessário se esforçar para alcançar o objetivo, mas que é possível.
➩ IDEALIZAÇÃO: tem como base a imaginação. Na verdade, é uma tentativa de moldar a realidade a fim de atender a uma necessidade individual – financeira ou emocional. É um ato constantemente irracional, rígido e inflexível.
Observe um quadro resumo:
Diante disso, perguntemos a nós mesmos: Qual o motivo de aprender japonês? Tenho uma meta ou uma idealização?
Quando perseguimos metas, estamos mais propensos a alcançar o sucesso, pois estamos cientes das nossas limitações e estamos dispostos a trabalhar para alcançar o nosso objetivo. Quando perseguimos idealizações, estamos mais propensos a nos decepcionar, pois estamos criando expectativas irreais que não serão atendidas.
Para distinguir metas de idealizações, podemos nos fazer as seguintes perguntas:
➩ A meta é baseada na realidade concreta ou na imaginação?
➩ A meta é concebida de forma racional ou irracional?
➩ A meta é flexível ou rígida?
➩ A meta é concretamente mensurável ou totalmente subjetiva?
➩ A meta é alcançável ou impossível de alcançar, dadas as minhas circunstâncias individuais atuais?
➩ Tenho questões emocionais ou financeiras mal resolvidas e que julgo urgentes?
Por mais difícil que seja fazer essa reflexão, pois as idealizações são prazerosas, ela é necessária para que saibamos direcionar os nossos esforços e recursos corretamente. Movidos por nossas idealizações, podemos imaginar um Japão dos sonhos, como mostrado nos animês e doramas. Aliás, uma atitude que pode indicar que estamos sendo movidos por idealizações, é sempre generalizar as coisas para o bem ou para o mal, a fim de sustentar esta idealização.
Como assim?
Enxergando um Japão dos sonhos, a pessoa relativiza qualquer ponto negativo concreto do Japão atribuindo este ponto negativo a todos os países e pessoas, como se tudo ocorresse na mesma medida, sob o mesmo olhar cultural e no mesmo tempo histórico. Por exemplo, é inegável que em todos os lugares existe preconceito, mas há países que já se conscientizaram disso e possuem leis mais eficazes para coibir esta prática se comparado a outros países. Outro exemplo desse tipo de distorção seria relativizar a criminalidade no Brasil dizendo que em todos os países existem criminosos. Sim, mas há países “mais avançados” neste quesito! Investem mais em segurança pública e em leis rigorosas que coíbem mais a criminalidade. Também, não faria sentido tentar relativizar os índices atuais de criminalidade do Brasil afirmando, por exemplo, que na década de 1980 (passado) nos Estados Unidos havia também muitos crimes.
Outra tática comum dos idealizadores é usar a famigerada frase: “Nós brasileiros não temos moral para falar do Japão”. Essa frase é discriminatória, pois com ela se presume que pessoas de um determinado grupo social não têm capacidade de avaliar ou julgar situações por serem supostamente inferiores. Além disso, essa frase aponta para algo que não tem nenhuma relação lógica, pois significa dizer que uma afirmação é correta ou equivocada dependendo de quem a emite ou de sua posição em relação ao outro e não de fatores concretos, observáveis e atestáveis.
Em outras palavras, a veracidade de uma afirmação não depende da pessoa que a faz, mas da evidência que a sustenta. Se assim não fosse, apenas um matemático poderia afirmar que 2 + 2 é igual a 4, o que seria um absurdo.
Por mais difícil que possa ser, é preciso separar a veracidade ou não de uma informação daquele que a emite, mesmo que esteja agindo com hipocrisia. Por exemplo, um político que defende a redução da desigualdade social, mas vive uma vida luxuosa, está sendo hipócrita. No entanto, sua afirmação sobre a importância da redução da desigualdade social é verdadeira.
No fundo, frases como “Nós brasileiros não temos moral para falar do Japão” é uma forma de silenciar as críticas, questionamentos e de impedir o debate público sobre questões importantes. É importante estarmos atentos a essa tática e refutá-la sempre que possível. Aliás, aqui estão alguns exemplos de como essa tática é usada:
➩ Um governo autoritário pode usar essa tática para silenciar os críticos de seu regime;
➩ Uma empresa pode usar essa tática para desacreditar as denúncias de corrupção contra ela;
➩ Um influenciador digital pode desejar manter seus seguidores no mundo das idealizações para deles tirar algum proveito;
➩ Um indivíduo pode usar essa tática para evitar assumir a responsabilidade por seus atos.
Portanto, é importante estarmos cientes dessa tática e combatê-la sempre que possível.
Por falar em generalizações fantasiosas, é oportuno refletirmos sobre os influenciadores digitais. Certa vez, ouvimos que a internet democratizou as oportunidades e que agora todos têm as mesmas chances de se tornarem famosos.
Há atualmente muitos autoproclamados influenciadores digitais, que conseguem de fato muitos seguidores. Mas todos nós sabemos que nem todos os influenciadores digitais estão preocupados em realmente nos informar! Muitos espalham desinformação.
Isso é culpa do influenciador ou de quem consome o conteúdo?
Esse é um longo debate, mas responderíamos: as duas coisas. Se analisarmos friamente, veremos sempre o mesmo mecanismo sendo usado, apenas com elementos e contextos diferentes. É um CICLO:
(1) de um lado, alguém com uma visão fantasiosa/incompleta sobre algo buscando validação para ela;
(2) do outro lado, alguém que VALIDA essa visão fantasiosa/incompleta com meias verdades.
Dessa forma, o influenciador vai atraindo para si um público grande e fiel e formando a sua BOLHA.
Como já afirmamos, o nosso cérebro gosta de certezas para se sentir seguro, então, a nossa tendência não é questionar a nós mesmos, mas sim buscar aquilo que confirme o que já temos como verdade, ainda que seja algo definitivamente fantasioso. Isso é o chamado viés de confirmação.
O equívoco daqueles que estão fora da bolha de determinado influenciador é achar que o influenciador deveria ser honesto e “resgatar” do mundo da fantasia, da visão incompleta aqueles que o seguem. Alguns influenciadores podem até ter essa atitude, mas parece não ser a maioria, afinal é a fantasia e ignorância de muitos que serve de alimento para a sua popularidade! Daí presenciamos constantemente longos, acalorados e inúteis debates.
“As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas” (frase atribuída a Sigmund Freud)
Talvez aceitar que a internet democratizou o “direito” de fantasiar e de se fechar em bolhas, mesmo que sendo constantemente enganados, seja a melhor opção. O que era “cada um no seu quadrado” parece ter se tornado “cada um na sua bolha”. E é claro que isso tem impactos negativos sobre a sociedade como um todo, pois fragiliza o tecido social, uma vez que, cada um tendo determinado influenciador digital como guru, detentor da verdade absoluta, as pessoas se fecham para a diversidade de opiniões, tornando-se cada vez mais intolerantes com quem pensa ou é diferente.
Todo conhecimento saudável vem de uma soma de diferentes pontos e contrapontos. Tomemos cuidado com qualquer discurso de caráter exclusivista, do tipo: “Os outros estão errados. Só eu estou certo!” e/ou surpreendentemente muito recompensador/ameaçador. Se há pessoas que preferem viver no mundo da fantasia e/ou visão incompleta, afinal é prazeroso, apenas torçamos para que algum dia elas acordem por si mesmas.
É importante deixar de lado as idealizações e o “Japão dos sonhos” para que não nos decepcionemos no futuro. Na verdade, não é a realidade concreta que nos decepciona, pois ela sempre está onde está. São nossas expectativas desajustadas (idealizações!) que nos cegam.
Observe a animação a seguir:
Pode ser que estejamos presos nessa “Roda da Idealização”. A gente se esforça de fato e ela cruelmente nos dá a impressão de que estamos progredindo, quando, na verdade, não estamos saindo do lugar. A idealização parece estar bem a nossa frente, alcançável, mas ao mesmo tempo nunca a alcançamos. E só nos daremos conta de que estávamos na Roda da Idealização quando dela cairmos e tocarmos o chão do mundo real, vendo-a de fora.
XXXI. A CULTURA E AS TRADIÇÕES
Por falar em idealizações, muitas delas são formadas a partir da cultura e tradições do Japão, não é mesmo? Ou pelo menos a partir do RECORTE que apresentam a nós.
Como assim?
Como já sabemos, o nosso cérebro tende a fazer GENERALIZAÇÕES, afinal este é o caminho mais fácil para ele. Observe, por exemplo, como as publicidades sempre focam em nos apresentar as melhores características de um produto, serviço ou lugar, pois a partir disso, tendemos a generalizar como se tudo no produto, serviço ou lugar fosse igualmente maravilhoso. Porém, quem já não se arrependeu de ter comprado algo, pois percebeu que as coisas não eram bem assim, não é mesmo?
Vamos exemplificar pegando a cidade de São Paulo. Ela ocupa, desde 1960, o posto de capital mais rica e populosa do país, gerando, sozinha, cerca de 10% de toda riqueza nacional. Além disso, se pegarmos o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022 da cidade de São Paulo e se ela fosse um país, a capital paulista seria a 60ª maior economia do mundo, ficando à frente de países como Marrocos, Bulgária, Luxemburgo e Uruguai.
Certamente, são dados muito animadores e que atrairiam muitas pessoas. Porém, perguntamos: a cidade de São Paulo representa o Brasil como um todo?
É claro que não!
No Brasil, assim como em qualquer lugar do mundo, existem diferentes aspectos circunstanciais, que fazem com que regiões de um mesmo lugar não sejam homogêneas. Pegando agora o Japão como exemplo, Tóquio não representa o Japão como um todo! Sendo assim, não presenciaremos os mesmos aspectos tecnológicos e sociais de Tóquio nas cidades menores do Japão! Assim como uma publicidade do Brasil focada somente em São Paulo e/ou nas coisas positivas induziria as pessoas a análises equivocadas do Brasil, uma publicidade do Japão focada somente em Tóquio e/ou somente nos aspectos positivos nos induziria também a análises equivocadas do Japão!
Portanto, uma análise realista e saudável envolve pesar os pontos positivos e os pontos negativos!
De certa forma, o senso comum nos leva a acreditar que rupturas culturais ou de tradições são sempre ruins, como se tudo o que viesse do passado fosse melhor. Analisando friamente, porém, percebe-se que a cultura e as tradições são apenas um produto da interação entre indivíduos. São elementos que, em determinado momento da História de uma sociedade, melhor responderam aos anseios, necessidades e preferências dela. Ou, ainda, podem ter sido a ela impostos por questões políticas, por exemplo. Esses elementos de cultura e tradição, portanto, têm naturalmente um caráter mutável, pois as circunstâncias da vida humana mudam constantemente.
O culto exagerado das práticas e tradições antigas sem questionar ou adaptar a cultura às necessidades atuais pode ser prejudicial para o progresso. Em outras palavras, enfrentamos novos desafios ao longo do tempo e a cultura e as tradições não deveriam ser motivo para impedir o avanço e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Embora as tradições e os valores culturais sejam importantes, existem avanços tecnológicos e científicos extremamente benéficos, além de uma maior atenção a valores universais atualmente, como direitos humanos, igualdade e justiça, que também devem ser considerados. Às vezes, certos aspectos culturais ou tradições podem entrar em conflito com esses valores e avanços cientifico-tecnológicos, e é importante reconhecer e corrigir tais desequilíbrios.
Para exemplificar, a carruagem em determinado momento da História foi um grande avanço como meio de transporte, mas seria concretamente imprudente dizer que ela continua sendo atualmente o melhor meio de transporte só por que já foi em um passado distante. Seria extremamente imprudente fechar os olhos para os carros, metrô e aviões “em respeito” à carruagem só por causa do que ela representou em um passado distante. E a importância da abertura para o novo e benéfico fica ainda mais clara quando consideramos a área da medicina! Quantos avanços foram possíveis graças ao não apego a práticas obsoletas!
Digamos que, por mais difícil que possa ser, deveríamos analisar os fatos e as coisas dentro do seu respectivo período histórico (a carruagem foi importante no seu respectivo período histórico. PONTO), compreendendo que na dinâmica das circunstâncias e resposta ao ambiente, algumas coisas ainda podem ser mantidas, outras precisam ser atualizadas diante dos novos desafios e algumas precisam ser completamente abandonadas.
O discurso de que uma ruptura cultural ou de tradições é algo sempre maléfico geralmente vem de pessoas ou grupos que se beneficiam de alguma forma do estado atual das coisas. Por exemplo, um fabricante de carruagens certamente não gostou da chegada dos carros a motor, afinal isso prejudicou o seu negócio, tirando-o também de sua zona de conforto. Além disso, o seu prestígio ficou prejudicado, pois as pessoas começaram a colocar os holofotes no fabricante de carros, já que estes representavam um grande avanço, uma melhoria se comparados às carruagens. Da mesma forma, a tecnologia atual pode fazer com certos empregos desapareçam em um futuro próximo (como a inteligência artificial substituindo dubladores) e, portanto, pode haver pressão de grupos para regulamentar seu uso.
Gostemos ou não, rupturas culturais e de tradições são constantes e muitas vezes imperceptíveis na vida humana. Por exemplo, quantas músicas deixamos de ouvir? Quantas roupas deixamos de vestir? Quantas palavras e expressões deixamos de usar no português? Quantas festas já não celebramos como nossos avós celebravam?
Um argumento usado contra essas rupturas culturais e de tradições é que uma cultura e tradições sólidas formam a identidade de grupo e o senso de pertencimento, aspectos realmente importantes para a motivação e também para a autoestima, pois em certa medida precisamos nos sentir prestigiados pelos outros para prestigiarmos a nós mesmos.
Porém, aqui nasce um dilema: manter a identidade de grupo é importante para nortear as pessoas, mas inevitavelmente as pessoas mudam conforme mudam as circunstâncias nas quais elas estão inseridas, pois elas percebem coisas benéficas com a mudança.
Como resolver?
Como sempre a melhor maneira de resolver um dilema é através do diálogo e da reflexão. É importante que as pessoas estejam dispostas a discutir as questões envolvidas e a encontrar soluções que sejam benéficas para todos. É um desafio contínuo que exige flexibilidade, compreensão e respeito mútuo. Até por que a identidade de grupo também não deixa de ser uma coisa mutável. Ou alguém acha que os brasileiros de 2023 são os mesmos brasileiros de 1800 em termos de valores, costumes, estética, aspirações e oportunidades? Ora, da mesma forma, os brasileiros de 2400 serão muito diferentes dos brasileiros de 2023.
XXXII. ESTRADA FECHADAÉ natural pensar que podemos nos deparar com a vontade de desistir durante a nossa jornada. Por mais que nos esforcemos e procuremos ter expectativas flexíveis e ajustadas com a realidade que vai se abrindo para nós, a combinação dos fatores externos, que fogem do nosso controle, pode acontecer de tal modo que impossibilite a continuidade do nosso avanço na estrada.
Fazendo uma analogia, suponhamos que uma pessoa deseja ir à praia pela primeira vez. Ela se prepara, providencia o mapa do percurso, analisa-o e verifica como está a condição do carro para que a viagem ocorra da melhor forma possível. A pessoa, então, pega a estrada, mas em dado momento se depara com um aviso:
“ESTRADA EM OBRAS – PASSAGEM PARA O LITORAL TEMPORARIAMENTE FECHADA”
Como obras na estrada demandam tempo, não faria sentido a pessoa pensar: “Ah, eu vou ficar aqui esperando, pois não quero desperdiçar todo o esforço que fiz para chegar até aqui”, afinal a vida tem outros aspectos importantes que não podem ser ignorados. Então, a pessoa decide deixar a viagem para outra oportunidade.
Muitos estudantes, apesar das condições atuais e incontroláveis não serem favoráveis, insistem com alguma meta, pois não querem ter a sensação de “esforço desperdiçado”. Contudo, levantemos alguns pontos importantes:
➩ Há diferença entre desistir e adiar;
➩ Não existe culpa por ter que adiar;
➩ Não existe esforço desperdiçado;
➩ Não existe oportunidade perdida;
➩ O fracasso não é definitivo.
Analisando friamente a analogia que fizemos, a pessoa não desistiu de ir à praia; apenas teve que ADIAR a sua viagem devido a fatores que fugiram de seu controle (obras na estrada) naquele momento. Isso aliás é ter expectativas flexíveis e ajustadas com a realidade. E a realidade é que naquele momento não havia como prosseguir na estrada!
Não há motivos para a pessoa se culpar por não ter ido à praia, pois tudo o que estava ao seu alcance ela fez e ela só não foi por causa de fatores incontroláveis. E não houve esforço desperdiçado, porque a pessoa ganhou experiência com relação à estrada. Esse conhecimento adquirido facilitará a sua ida à praia quando os fatores externos forem favoráveis. Então, mesmo um fracasso aparente frutifica!
Como a analogia com um jogo de RPG que fizemos ao tratar da ferramenta “SATISFAÇÃO NO PRESENTE”, a pessoa apenas teve que recuar e recuar não significa não tentar em outra oportunidade.
Ao tratar da ferramenta “DESTEMOR”, mencionamos um interessante relato feito no Fórum Quora, do qual destacamos três pontos fundamentais:
➩ A interação com falantes nativos é a chave;
➩ Você tem que estar disposto a cometer erros;
➩ O que mais importa é que as pessoas entendam você, não que você fale perfeitamente.
O autor destaca que a chave para ele aprender português foi a interação com falantes nativos. A questão aqui é que interação com pessoas, sejam elas quem forem, envolve aceitação, que é um fator que não está sob controle do estudante. E arriscaríamos dizer que na mesma medida que conseguir ter essa interação de forma sólida e constante aumenta muito a motivação, a dificuldade para ter essa interação é um dos aspectos mais desmotivantes no aprendizado de línguas. Assim como o aspecto mais importante para um vendedor é conquistar clientes e vender constantemente, o aspecto mais importante para um estudante de línguas é poder interagir com nativos e se dar conta de que a comunicação acontece, ainda que precise ser ajustada gradualmente. Afinal, é para isso que ele dedica horas de estudo.
Uma coisa precisa ficar clara: todos somos seres humanos, então, independentemente de quem a pessoa seja e de onde ela seja, os mecanismos de sobrevivência, formação de crenças e valores, aceitação e interação com outras pessoas são os mesmos. O que existem são ambientes e circunstâncias diferentes, que fazem com que determinado instinto seja realçado ou reprimido.
Todos nós, brasileiros, americanos, japoneses, etc. temos uma preferência instintiva de interagir apenas com pessoas que julgamos trazer a possibilidade de algum benefício, ainda que a ideia do que seja benefício varie de pessoa para pessoa. Por exemplo, pode-se ouvir de algum estudante estrangeiro que o que facilita aprender português é o fato de o brasileiro gostar de ter contato e de interagir com estrangeiros, mas será que esse acolhimento brasileiro é igual com pessoas de qualquer país? Instintivamente falando, provavelmente nós vamos gostar de interagir preferencialmente com pessoas cujo país admiramos e/ou que podem trazer algum benefício para nós.
Embora a ideia de que nossas escolhas e comportamentos são influenciados por instintos primitivos possa parecer arcaica nos tempos modernos, é importante reconhecer que esses instintos ainda têm um papel importante em nossa tomada de decisão. No entanto, isso não significa que estamos limitados a agir apenas com base nesses instintos. Como seres racionais, podemos reconhecer esses padrões e trabalhar para superá-los, buscando uma maior compreensão e aceitação das diferenças culturais e individuais.
Ter isso em mente é importante para que não coloquemos ninguém no pedestal ou na lama simplesmente por ser isso ou aquilo ou ser de tal lugar; assim, criamos expectativas ajustadas com relação a pessoas. Todos nós nascemos biologicamente humanos, mas devemos “nos tornar humanos” ao longo da nossa vida, moderando nossos instintos primitivos e cultivando valores como a reciprocidade, o respeito e a generosidade.
A aceitação e interação sólida e constante com nativos é ponto fundamental para o aprendizado de línguas e a falta disso pode fazer você sentir que a estrada está (temporariamente) fechada para continuar sua jornada. O senso comum nos leva a acreditar que o resultado é o único fator que importa, e que todo esforço feito em busca de um objetivo deve ser justificado por um sucesso absoluto. Essa ideia pode nos levar a pensar que qualquer esforço que não resulte em sucesso é desperdiçado, e por isso, muitas pessoas têm medo de fracassar e desistem antes mesmo de tentar.
No entanto, o verdadeiro valor do esforço não está no resultado final, mas no caminho percorrido para alcançá-lo. Cada passo dado, cada obstáculo superado, cada desafio enfrentado, é uma oportunidade de aprendizado e crescimento pessoal. Não devemos ter medo de tentar e falhar, mas sim de não tentar e perder a oportunidade de aprender e evoluir.
Vamos para o outro ponto. Como assim não há oportunidade perdida se é comum que as pessoas digam o contrário, isto é, que oportunidades não voltam?
Gostaríamos de propor uma perspectiva diferente sobre "oportunidade" e para responder à pergunta inicial, questionamos:
Somos capazes de prever o futuro com certeza absoluta?
A resposta com certeza absoluta é NÃO!
Sendo assim, se refletirmos com sinceridade, é impossível saber se uma determinada situação é uma oportunidade de fato sem antes conhecer o desdobramento dos acontecimentos.
Como assim?
Por exemplo, suponhamos que você esteja concorrendo em um sorteio a uma viagem com tudo pago para a Disney. Você não ganha e se entristece por ter perdido uma “oportunidade” que não volta mais. Então, o avião decola levando o ganhador do sorteio, mas sofre um acidente e cai.
Agora perguntamos:
O fato de não ganhar o neste sorteio foi uma oportunidade perdida?
NÃO!
Com isso queremos dizer que no fim das contas oportunidade é apenas uma possibilidade, pois ninguém é capaz de prever o futuro com absoluta certeza. Aliás, a palavra oportunidade vem do latim “opportunus”, que significa “o que empurra para o porto”, ou seja, “vento favorável” e originalmente a palavra era usada apenas para representar os ventos mediterrâneos que colaboravam para os barcos à vela partirem de, ou chegarem a um determinado porto.
Há inúmeras oportunidades (que são possibilidades) disponíveis no PRESENTE e muitas outras (e melhores) serão disponibilizadas no FUTURO. É questão de sermos FLEXÍVEIS com o fato de que elas podem não acontecer no momento que desejamos e exatamente COMO desejamos no início.
Oportunidade é apenas um vento FAVORÁVEL. Por isso, não há motivos para nos culparmos por uma “oportunidade” perdida. O importante é estar aberto às oportunidades que surgirem e saber que elas são apenas possibilidades, que podem ou não se concretizar. Novos ventos favoráveis aparecem constantemente.
A realidade é complexa e cheia de variáveis e cremos que o correto seja dizer que podem haver possibilidades mais favoráveis ou menos favoráveis. Temos a mania de nos colocar como juízes de nós mesmos depois que os fatos acontecem, mas isso é muito fácil e injusto.
Por fim, o fracasso não é definitivo.
Como assim?
Façamos uma analogia com jogos. Em um jogo de videogame a expressão “Game Over” pode ter dois sentidos:
➩ FRACASSO MOMENTÂNEO: o jogador gastou todas as suas vidas e não conseguiu atingir momentaneamente o objetivo de chegar ao final do jogo. Contudo, ele pode melhorar, refletindo sobre sua experiência “de fracasso” anterior e aprendendo com ela, e continuar tentando sempre que quiser!
➩ SUCESSO NA JORNADA: o jogador finalmente cumpriu a missão do jogo, não importando quantos fracassos momentâneos (game over) ele teve durante a jornada.
E aqui acrescentaríamos mais um sentido que se aplica àquele jogador que não tenta jogar o jogo. É o FRACASSO ABSOLUTO, pois nessa situação não há a mínima possibilidade de chegar ao final do jogo.
Lembra-se da “caixa da vaidade” que o Nelson citou? Nela está a importância de não negarmos os nossos equívocos do passado, mas refletir e aprender com eles. Ainda que tenham sido muito custosos.
A vida é cheia de altos e baixos, fatores controláveis e muitos fatores incontroláveis. Se aprendermos a valorizar o esforço em si, em vez de apenas o resultado, podemos lidar melhor com os momentos de fracasso aparente e encará-los como uma oportunidade de aprendizado, crescimento pessoal e de construção de uma vida mais rica e plena. Portanto, o verdadeiro fracasso não é não atingir um objetivo (por enquanto), mas sim não tentar e não se permitir crescer e evoluir como ser humano.
XXXIII. ESTRANGEIROS: HUMANOS OU SERES INFERIORES?
Quando alguém opta por trabalhar e morar em um país estrangeiro, geralmente leva em consideração apenas os pontos aparentemente positivos, como salários mais altos, aspectos culturais superficiais belos e/ou opções de entretenimento que mais lhe agradam. Entretanto, existe uma questão que é de extrema importância, mas que é pouco (ou nunca) discutida quando o assunto é Japão:
“Como nós seremos realmente tratados, social e juridicamente, sendo estrangeiros?”
Em maio de 2024 o presidente americano Joe Biden chamou o Japão de país xenófobo. O jornal japonês The Mainichi pareceu, de certa forma, concordar com o presidente americano ao intitular um artigo como “A xenofobia está incorporada na Constituição do Japão do pós-guerra”, fazendo um interessante paralelo da Constituição japonesa com a de outros países. Vejamos:
A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão declara que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos", tal como a Constituição dos Estados Unidos, que diz que "nenhum Estado deve (...) negar a quem quer que se encontre sob a sua jurisdição a igual proteção das leis", e a Lei Fundamental da Alemanha do pós-guerra, que afirma que “todas as pessoas são iguais perante a lei”. Em contraste, a Constituição japonesa usa o termo “kokumin” – cidadãos (nativos) – no texto original, em vez de uma palavra que geralmente se traduz por “pessoas”. |
Acrescentamos aqui o artigo 5º da Constituição do Brasil que diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Ainda segundo o interessante artigo do jornal “The Mainichi”, “de acordo com uma pesquisa meticulosa sobre a história constitucional do Japão feita por acadêmicos como Shoichi Koseki, o alvo dos direitos no projeto de Constituição da autoridade de ocupação era "shizenjin" (pessoas físicas), mas o lado japonês alterou para "kokumin" (cidadãos).
O artigo continua afirmando que “posteriormente, os oficiais das forças de ocupação atestaram que o Capítulo I, sobre o Imperador, e o Capítulo II, sobre a renúncia à guerra, tinham prioridade e, portanto, eles queriam evitar discutir sobre os direitos dos estrangeiros. (...) Três anos depois, a Lei de Nacionalidade estipulou que “kokumin” se referia aos portadores de nacionalidade japonesa. A interpretação atual da Constituição não limita os direitos humanos apenas aos cidadãos. Entretanto, há uma crença generalizada e persistente de que os direitos dos estrangeiros devem ser limitados. A noção de que o constitucionalismo japonês buscava apenas se basear na renúncia à guerra é ingênua”.
James C. Fisher, professor da Faculdade de Direito e de Pós-Graduação de Direito e Política da Universidade de Tóquio, diz:
A palavra kokumin tem um destaque especial na legislação japonesa, sendo um termo importante em muitos artigos da Constituição do Japão do pós-guerra, como, por exemplo, no Artigo 14: “Todas as ‘pessoas’ [usa-se o termo “kokumin”] são iguais perante a lei e não haverá discriminação nas relações políticas, econômicas ou sociais por causa de raça, credo, sexo, status social ou origem familiar". Se os residentes estrangeiros permanentes não fazem parte dos kokumin, então, todos os direitos sociais e políticos que a Constituição concede aos kokumin não se estendem, por uma questão estrita da lei aos residentes estrangeiros do Japão. Isso implica que não apenas os residentes estrangeiros possuem menos proteção do que os japoneses em uma ampla variedade de situações (por exemplo, as mulheres estrangeiras não serão assistidas pela garantia de igualdade de gênero do Artigo 14), mas também significa que os estrangeiros no Japão não têm proteção contra a discriminação com base no próprio fato de serem de uma origem étnica ou nacional diferente. |
E acrescenta:
No passado, foi decidido judicialmente que os estrangeiros têm certos direitos constitucionais. No entanto, esses direitos não incluem aqueles que, “por sua natureza”, só podem ser aplicados a cidadãos japoneses. Essa categoria ampla e indefinida de direitos exclusivos dos cidadãos japoneses inclui vários direitos dos mais fundamentais (...). Consequentemente, a concessão de direitos constitucionais a estrangeiros é inevitavelmente limitada e sujeita à restrição judicial ou até mesmo à revogação. De fato, parece que os estrangeiros só desfrutam de direitos constitucionais (limitados) devido à boa vontade de juízes, uma vez que não há nenhuma lei textual para a qual os residentes estrangeiros possam apontar para provar a existência desses direitos. (...) Portanto, um tipo de jurisprudência por parte de juízes de que os estrangeiros desfrutam de direitos constitucionais (limitados) não serve como uma compensação por sua exclusão do texto da Constituição. |
Ainda segundo James C. Fisher, “os primeiros projetos americanos da Constituição visavam garantir que os direitos civis fundamentais fossem aplicados aos ‘indivíduos japoneses e a todas as pessoas dentro da jurisdição japonesa’. Segue o que seria um desses projetos:
Artigo 13: Todas as pessoas físicas são iguais perante a lei. Nenhuma discriminação será autorizada ou tolerada nas relações políticas, econômicas ou sociais em razão de raça, credo, sexo ou condição social, casta ou origem nacional. Artigo 16: Os estrangeiros terão igual direito à proteção da lei. |
Continua James C. Fisher dizendo que “Depois de receber a tradução japonesa da versão americana (que havia reproduzido fielmente os artigos 13 e 16 acima), o General MacArthur determinou pessoalmente que os delegados americanos e japoneses compilassem uma versão final, com a tradução japonesa, em um período de dois dias em março de 1946. Nesse processo de revisão intensa a maioria das proteções constitucionais para os estrangeiros foi reduzida ou simplesmente removida. (...) A garantia explícita do Artigo 16 de igualdade legal para os estrangeiros foi totalmente removida. Isso, pelo menos, pode ser explicado e foi atribuído à intervenção de Tatsuo Sato, um oficial sênior japonês que frequentemente atuava como intermediário nas negociações. (...) Diante do Parlamento Japonês, vários anos depois, Tatsuo Sato recordaria: ‘Tratar os estrangeiros com igualdade já era ruim por si só, mas ter que incluir o Artigo 16 na versão japonesa era particularmente desagradável’”.
Em seu livro “Embracing Defeat: Japan in the Wake of World War II”, John Dower, professor emérito de História no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, afirma que “Sato e seus colegas eliminaram essas garantias por meio de manobras linguísticas. (...) A natureza escancaradamente racista dessa revisão foi posteriormente reforçada por revisões “terminológicas” durante as decisões do Parlamento, o que forneceu a base para a legislação discriminatória que rege a nacionalidade aprovada em 1950”.
Debito Arudou, escritor, blogueiro e ativista de direitos humanos americano e naturalizado japonês em 2000, escreveu em 2007 que “Em 25 de agosto de 2007, o governo japonês divulgou os resultados de uma pesquisa do gabinete realizada a cada quatro anos. Intitulada “Pesquisa pública sobre a defesa dos direitos humanos”, (...) quando os entrevistados foram questionados: “Os estrangeiros devem ter as mesmas proteções que os japoneses têm com relação aos direitos humanos?”, 59,3% disseram que sim. É uma recuperação, pois esse percentual estava em queda constante desde 1995: 68,3% em 1995, 65,5% em 1999 e 54% em 2003”.
E Debito Arudou continua afirmando que “por que o governo está perguntando se os não-japoneses merecem direitos iguais? Os direitos humanos são opcionais, uma questão de pesquisas de opinião? E se a maioria disser que os estrangeiros merecem menos direitos, isso justifica a política atual de ausência de leis contra a discriminação racial? De acordo com ONU, não. Em 1998, o Comitê de Direitos Civis e Políticos criticou a pesquisa, afirmando que ‘O Comitê enfatiza que a proteção dos direitos humanos e os padrões de direitos humanos não são determinados por pesquisas de opinião. O Comitê está preocupado com o uso repetido de estatísticas de aceitação popular para justificar atitudes [do Japão] que possam violar suas obrigações nos termos do Tratado’ (CCPR/C/79/Add.102 Item C (7))”.
O ativista continua dizendo que “Quando uma pesquisa de direitos humanos, mesmo dos níveis mais altos do governo, permite a possibilidade de os direitos humanos serem opcionais (ou pior ainda, justificadamente negáveis com base na nacionalidade), temos um problema profundo. (...) É impressionante como até mesmo nosso governo não tem noção da promoção, nem mesmo da representação, dos direitos humanos no Japão. Essa pesquisa é mais esclarecedora quando vista por esse ângulo. (...) No entanto, por mais críticas que receba da ONU, nosso destemido gabinete continua a fazer a pesquisa como se os residentes não japoneses não importassem”.
Ainda, Debito Arudou diz, em um artigo pelo East-West Center, que “Os direitos humanos e civis no Japão são condicionados à posse da nacionalidade japonesa. (...) Quando o Japão afirma possuir ‘pessoas etnicamente puras’, está negando a existência da diversidade no país (até mesmo declarando oficialmente à ONU que as pessoas etnicamente diferentes no Japão não são cidadãos [Ministério da Justiça, 1999]), justificando, assim, o tratamento jurídico desigual dos não japoneses na sociedade”. Segundo o ativista, todo esse contexto de insegurança jurídica para os estrangeiros se trata de um “racismo incorporado, que estabelece, impõe legalmente e reafirma constantemente a ‘japonesidade’ por meio de um processo sistemático de diferenciação, contraste e subordinação”. Aliás, o próprio Comitê para a Erradicação da Discriminação Racial da ONU já mostrou preocupação com a ineficácia do Artigo 14 da Constituição japonesa afirmando que o Japão precisa “adotar uma legislação específica para coibir a discriminação racial”.
Citando o artigo de Debito Arudou, Marzia Ambrozini escreve no HiPo, jornal estudantil de História e Ciência Política do Langara College, Canadá, que “A Suprema Corte japonesa reiterou sua posição de que ‘os direitos humanos no Japão não estão ligados ao fato de uma pessoa ser humana; eles estão ligados à posse da cidadania japonesa’. Em várias ocasiões, e mais recentemente em uma decisão de 2008, foi definido que ‘a falta de nacionalidade japonesa é a causa da discriminação e que a obtenção da nacionalidade japonesa é essencial para que os direitos humanos básicos sejam garantidos no Japão”. James C. Fisher vai na mesma linha dizendo que “A única parte da lei que concede o direito à igualdade de tratamento e a proibição de discriminação com base na raça (...) é o Artigo 14, que a própria Suprema Corte do Japão decidiu [discretamente] que não se aplica textualmente às pessoas sem cidadania japonesa”.
Um argumento muito comum entre os estrangeiros que desejam morar ou já moram no Japão é este:
“Em todos os países existe preconceito contra estrangeiros e eles são tratados como seres inferiores!”
Este tipo de argumento é FALSO, porque seria a mesma coisa que dizer, por exemplo, que ninguém pode reclamar da violência no Brasil, porque em TODOS os países existe violência.
Não faz sentido não é mesmo? Afinal, facilmente percebemos que os ÍNDICES de violência e a FORÇA DAS LEIS que visam coibir a criminalidade diferem de país para país, fazendo com que um país possa ser mais ou menos violento em comparação a outro. E isso vale para o racismo e xenofobia: embora existam racistas e xenófobos em todos os lugares, a força das leis antidiscriminação, a educação da população sobre esta questão, etc. fará com que os índices desta prática variem de país para país.
Com isso, é claro que não estamos dizendo que TODOS os japoneses são xenófobos/racistas. Porém, não há como negar que todo esse contexto acaba gerando uma grande insegurança jurídica para os estrangeiros no que diz respeito à discriminação por causa da falta (ou ambiguidade) de leis existentes.
Outro ponto a se considerar nessa questão é que a existência ou não de leis sobre determinado assunto acaba, na prática, moldando a mentalidade da população. Exemplificando com o artigo 5º, inciso II, da Constituição brasileira que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, se a lei japonesa não proíbe expressamente a discriminação contra estrangeiros, torna-se difícil querer que os japoneses por ventura não discriminem os estrangeiros. Afinal, de certa forma, o Japão (como Estado) sendo omisso, ambíguo nesta questão, está dizendo à população japonesa que discriminar estrangeiros é “algo normal”.
Para ilustrar, observe a seguir o relato de um americano:
Há alguns anos, quando eu era recém-chegado ao Japão, eu estava reclamando com uma amiga japonesa, que havia morado no exterior e que, pensei, simpatizaria com meu ponto de vista, sobre o racismo que às vezes via ao meu redor. Ela ficou brava, virou-se para mim e disse: “O Japão é para os japoneses. Se você quer um país para todos, volte para os Estados Unidos”. Fiquei um pouco chocado com a resposta dela, mas, até certo ponto, ela tinha razão (do ponto de vista japonês). O Japão é um país que foi construído para ser o lar de um grupo étnico. |
Durante a crise econômica de 2008, o governo japonês lançou o “Programa de Assistência de Retorno à Pátria”, que concedia aos imigrantes brasileiros desempregados uma quantia de cerca de 3 mil dólares e mais 2 mil dólares para cada dependente para custeio das passagens de retorno ao Brasil. Contudo, uma das condições para receber este auxílio era concordar em nunca mais voltar a trabalhar no Japão. Wellington Shibuya, que na época estava há seis anos no Japão, afirmou: “Eles nos toleraram enquanto precisaram da mão de obra. Mas agora que a economia está ruim, eles nos dão um pouco de dinheiro e dizem adeus”.
Diante desse fato, Hidenori Sakanaka, diretor do Japan Immigration Policy Institute, uma organização de pesquisa independente, declarou: “Isso é uma vergonha. É uma atitude desumana. O Japão está dando um tiro no próprio pé. Podemos estar em uma recessão econômica agora, mas está claro que o país não terá um futuro sem os trabalhadores estrangeiros”. Por outro lado, Jiro Kawasaki, ex-ministro da saúde e legislador sênior do Partido Liberal Democrata, declarou: “Devemos parar de permitir a entrada de trabalhadores não qualificados no Japão. Devemos nos certificar de que até mesmo os postos de trabalho 3K (sujo, perigoso e indesejado) sejam bem remunerados e que sejam ocupados por japoneses. (...) Não acho que o Japão deva se tornar uma sociedade com várias etnias".
Ao se referir a esse episódio, um artigo publicado em 2015 pela “TRAVESSIA – Revista do Migrante” afirma que “Chamar esse auxílio de volta ao país de origem de ‘retorno à pátria’ é evidenciar que ali, definitivamente não é o lugar do imigrante. Esta denominação de uma política social estatal explicita que o nikkei não pertence a pátria japonesa e, portanto, o imigrante será sempre visto dessa forma específica, discriminada. (...) O dekassegui é, ao mesmo tempo, desejado e indesejado (xenofobia), necessário e desnecessário quando convier (crise econômica), socialmente deslocado, incômodo, mas permanentemente presente (...)”.
Um estudo do Instituto de Política do King's College London mostrou que o Japão é um dos três países menos receptivos no quesito “Você NÃO gostaria de ter como vizinhos imigrantes/trabalhadores estrangeiros”:
Um estudo publicado no Jornal da Universidade de Waseda pelo departamento de Pós-Graduação em Estudos da Ásia-Pacífico perguntou a mais de 4.000 pessoas, dentre outras coisas, “Você aprova ou desaprova o número crescente de estrangeiros em sua comunidade?”. O resultado mostrou que apenas 37,7% dos 4.220 entrevistados responderam “Aprovo”, 56,3% responderam “Desaprovo” e 6% não responderam. Ou seja, mais da metade dos entrevistados apresentou uma visão negativa em relação aos estrangeiros.
O estudo apontou como possíveis causas para essa atitude negativa dos japoneses em relação aos estrangeiros o medo da perda da identidade japonesa e problemas econômicos como a perda de posições no mercado de trabalho. Além disso, o estudo mencionou que “a atitude dos japoneses em relação aos imigrantes varia dependendo da nacionalidade. É mais provável que os japoneses aceitem o crescimento de imigrantes vindos da Europa e da América do Norte do que o crescimento de imigrantes vindos de outros países asiáticos. Além disso, os japoneses acham mais fácil aceitar estrangeiros do Sudeste Asiático e da Coreia do que imigrantes da China”.
No Índice de Políticas de Integração de Migrantes de 2020 o Japão foi classificado como um país cuja imigração é sem integração.
O relatório aponta que os imigrantes estrangeiros no Japão se deparam com a negação de oportunidades iguais, bem como de vários direitos básicos, especialmente a proteção contra a discriminação, colocando o país SIGNIFICAMENTE atrás de outros países desenvolvidos.
Segundo o relatório, o sistema jurídico do Japão é inadequado para combater a discriminação na sociedade. As vítimas que buscam a justiça não têm, de fato, acesso a uma lei antidiscriminação específica ou a um órgão independente de igualdade. Isso colocou o Japão entre as três últimas posições em termos de políticas antidiscriminatórias, ficando, por exemplo, atrás da Coreia do Sul.
Justificando o que relatórios e pesquisas mostram sobre o tema, o empresário Ken Kato, residente em Tóquio, diz:
“Eu diria que o Japão é uma das nações mais acolhedoras do mundo. (...) Não estou convencido de que o Japão precise de um elevado número de trabalhadores estrangeiros, pois dentro de uma década ou duas, a Inteligência Artificial, a robótica e outras tecnologias terão avançado a tal ponto que resolverão os problemas de mão de obra (...). Não acho que isso seja xenofobia; é apenas uma medida sensata” |
Novamente: ainda que se diga que racistas e xenófobos existem em todos os lugares, a omissão do Japão como Estado perante algo tão grave é muito preocupante, pois deixa impune o infrator (e o faz pensar que isso é normal), ao contrário do que acontece em muitos países atualmente.
Não vemos ninguém idolatrando, por exemplo, o Brasil por ser a terra da educação e do respeito. Não vemos ninguém relativizando o problema da criminalidade no Brasil afirmando que em todos os lugares existem crimes. Essas são atitudes de quem apenas quer satisfazer o seu sistema de crenças, mesmo que tenha que negar a realidade concreta. Assim como há países muito mais avançados no combate à criminalidade em relação ao Brasil, há países muito mais avançados no combate ao preconceito e à discriminação (e como sociedade no geral) em relação ao Japão. Ora, em uma terra dita ser exemplo de educação e o respeito, NÃO deveria haver preconceito e discriminação. A educação e o respeito deveriam ser para TODOS.
Além disso, proporcionar um ambiente hostil a estrangeiros, ainda que visando a preservação étnica e cultural de uma civilização pode, cedo ou tarde, acabar causando o efeito inverso, isto é, o enfraquecimento (ou mesmo a extinção) desta mesma civilização. Como veremos com mais detalhes nos próximos tópicos, cremos que seja evidente para todos que, para que uma civilização tenha continuidade e crescimento econômico, é necessário que haja uma “reposição populacional”, visto que humanos NÃO vivem para sempre. Pessoas precisam nascer para que deem continuidade a uma etnia e sejam os trabalhadores e consumidores do futuro. Assim, a roda das gerações e da economia continua a girar. Na medida que a taxa de natalidade diminui, a “importação de população” se torna uma das ferramentas mais importantes.
Um dos motivos que fazem as pessoas se cegarem ou relativizarem os problemas de racismo/xenofobia no Japão (ou em qualquer outro lugar) é a PRIORIZAÇÃO DO DINHEIRO, principalmente quando se trata de pessoas de gerações passadas. Elas tendem a priorizar o conforto financeiro, como se isso fosse a fonte de todos os outros confortos, e acabam relevando problemas de condições de trabalho, psicológicas e sociais. Quem já não ouviu a famosa e superficial justificativa: “O Japão é bom, porque lá se ganha mais do que no Brasil”?
Isso acaba criando um ciclo de abusos, pois o dinheiro se torna o fim e a justificativa para tudo. Gerações mais novas, porém, tendem a se preocupar também com outros aspectos da vida humana, como qualidade de vida e problemas sociais.
Sendo assim, qual imigrante escolheria um país cujo ambiente é de certa forma hostil para estrangeiros tendo outras opções (países) mais amigáveis? Sem a sensação de pertencimento, pessoas adoecem, pessoas não têm boas oportunidades (pois serão sempre vistas como inferiores) e, como afirmam alguns sociólogos, pessoas tendem à criminalidade e/ou ao suicídio. Ora, se uma pessoa se sente parte de um grupo, não vai atentar contra esse grupo na medida que isso prejudicaria a ela mesma. O contrário também é verdadeiro, isto é, se uma pessoa não se sente parte do grupo, este grupo passa a ser visto como irrelevante (ou mesmo inimigo). Exemplos claros desse mecanismo em ação seriam as torcidas organizadas de futebol atualmente e algumas religiões no passado, principalmente quando há incentivo de um “nós contra eles”: extremo respeito aos membros do grupo, mas possibilidade de extremo desrespeito aos “de fora” do grupo.
XXXIV. O MITO DO EXCEPCIONALISMO JAPONÊS
Diante de tudo o que abordamos no tópico anterior, você pode estar muito surpreso, pois parece que há dois Japões: o Japão real e um Japão midiático.
Diremos que sim!
Para entender isso, primeiramente observe alguns conceitos importantes, tendo em mente que, em um mundo globalizado, é importante que os países se relacionem, pois os recursos são escassos. Portanto, assim como as pessoas precisam construir uma imagem positiva e/ou de poder para que sejam aceitas e respeitadas, os países precisam construir uma imagem (marca nacional) diante de outros países para que sejam aceitos e respeitados.
Sem mais delongas, vamos aos conceitos:
(1) HARD POWER: refere-se à influência com o uso da força (força militar e poder econômico);
(2) SOFT POWER: refere-se à influência sem o uso da força, mas por meio do exemplo e ideais (cultura, valores, políticas e diplomacia);
(3) NEOCOLONIALISMO: refere-se ao processo de dominação política e econômica de nações e povos da África e da Ásia por potências, em geral europeias, como Reino Unido, França e Bélgica. Ocorreu no final do século XIX e ao longo do século XX;
(4) DARWINISMO SOCIAL: segundo o site Educa Mais Brasil, o Darwinismo Social é uma “tentativa de aplicar pressupostos da teoria da evolução - que diz respeito às características biológicas dos seres vivos - ao contexto social”, assim pregando “uma ideia de hierarquia entre as sociedades. Desse modo, seria possível falar que determinada sociedade é superior a outra. Essa hierarquização estaria associada a uma dinâmica competitiva existente entre os indivíduos. Nesse contexto, somente aqueles que apresentam maior aptidão física e intelectual seriam capazes de sobreviver socialmente. Com as sociedades, as mais desenvolvidas teriam a função legítima de governar as demais”;
(5) EXCEPCIONALISMO: percepção ou crença de que uma espécie, país, sociedade, instituição, movimento, indivíduo ou período de tempo é "excepcional" (normalmente no sentido de “superior” aos demais).
(6) PLANO MARSHALL: segundo o site Mundo Educação, “foi uma ajuda financeira dos Estados Unidos para reconstruir a Europa após o final da Segunda Guerra Mundial. Os principais objetivos desse plano eram garantir o apoio dos países da Europa Ocidental ao lado norte-americano e evitar o avanço da União Soviética sobre o Ocidente”. Diríamos que neste plano estava implícito o princípio do “ajudar os outros para os outros me protegerem” (guarde bem isso). Ao fornecer assistência financeira e técnica, os EUA fortaleciam as economias e os governos europeus, tornando-os menos suscetíveis à influência soviética.
Poderíamos dizer que o princípio do “ajudar os outros para os outros me protegerem” é algo implícito, mas muito importante em geopolítica. Além da influência ideológica, isso faz com que outros países sirvam como muros, como uma linha de frente para enfraquecer o rival em caso de batalha. Em outras palavras, não é necessário que potências rivais entrem em guerra diretamente; é possível financiar outros países para que, em caso de conflito de interesses, estes entrem em guerra com alguma potência rival no lugar de outra. Além disso, os EUA também estavam criando mercados consumidores para seus produtos. Uma Europa recuperada significava mais comércio e oportunidades econômicas para as empresas americanas.
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Agora, vamos voltar um pouco na História. Segundo Kana Yamamoto em um artigo para o Centro de Estudos sobre Etnicidade e Racismo da Universidade de Leeds (Reino Unido), no Período Meiji (de 3 de fevereiro de 1868 a 30 de julho de 1912), “o governo japonês estava desesperado visando modernizar e industrializar o país, a fim de evitar a invasão dos países europeus, e tentou aprender com eles como fazer isso”. Assim, o governo japonês conheceu (...) “a ideia de raça, que se baseia em características físicas como a cor da pele, e desenvolveram o eugenismo junto com o darwinismo social. Como resultado da mistura do novo conhecimento e do seu contexto pré-moderno sobre raça, desenvolveram a sua própria nova forma de racialização e categorias raciais dentro do país para proteger a soberania nacional e para justificar a sua invasão e discriminação a outras populações asiáticas”.
Aliás, sobre o darwinismo social, o site Brasil Escola afirma:
Enquanto durou, o darwinismo social teve como principal consequência fornecer elementos para que muitos justificassem a imposição da língua, da religião, da moral, enfim, da própria cultura europeia como se ela fosse superior. Além disso, tornou-se uma ideologia popular que estimulou a percepção da desigualdade social como uma consequência natural do progresso evolutivo humano, o que desencorajava qualquer tipo de intervenção do governo ou de outras origens para melhorar as condições da vida social de grupos desprivilegiados. |
Kana Yamamoto continua dizendo que “A antropologia foi incentivada para provar o potencial racial e cultural característico do Japão como país e para estudar as origens do Japão. O que serviu com as evidências antropológicas para provar a ‘pureza’ e a superioridade do Japão em relação a outras populações asiáticas foi o eugenismo”. (...) O racismo científico, que aumentou durante este período, ajudou o Japão Imperial a ter uma teoria eugênica e uma justificativa para a sua invasão a outros países asiáticos. Esses estudos visavam provar a superioridade racial do Japão. (...) O racismo científico, que impulsionou a ideia do eugenismo, estava de fato ativo no Japão, especialmente durante o período da guerra, e foi até mesmo estudado oficialmente por organizações importantes”.
Continua Kana Yamamoto afirmando que “Embora o nacionalismo japonês pareça ter desaparecido após a guerra em 1945 com o fim do imperialismo, ele ainda permanece na sociedade como um mito de homogeneidade racial e cultural no Japão. (...) Esse mito da homogeneidade serviu para o nacionalismo japonês durante o período imperial, que oprimia os cidadãos japoneses para que pudessem ser controlados e tentou assimilar ‘outras raças’, principalmente nas antigas colônias. (…) É necessário que o governo japonês e o povo japonês tenham ideia de que isso se trata de um ‘mito’ construído social e historicamente devido à necessidade de unir e controlar o país no passado. E eles precisam rever essa ideia pré-existente de si mesmos”.
Em um artigo pela Universidade Duke, Jaya Z. Powell afirma que “O país pequeno e fraco começou a sofrer de um complexo de inferioridade em relação às grandes potências ocidentais, que continuavam a colonizar e conquistar as nações da Ásia e da África. O Japão estava preocupado em como manter sua independência diante do poder dominante do mundo ocidental. Assim, um discurso sobre o nacionalismo começou a florescer ‘a fim de combater a ameaça representada pela colonização da Ásia pelas potências ocidentais’ [citação de Eiji Oguma em seu livro A genealogy of “Japanese” self-images]”.
Nesta mesma linha, Shinichi Asano em um artigo para a Universidade de Kobe, afirma que o mito de que o Japão é uma nação monoétnica foi muitas vezes atribuído ao seu ambiente insular e à política isolacionista dos primeiros períodos da história moderna. No entanto, esse mito não era tão forte antes do Período Meiji como é hoje.
Durante a modernização do Japão, o nacionalismo e os interesses da comunidade étnica japonesa foram moldados como ideologias que sustentavam o progresso capitalista do país. Essas ideologias também justificariam a invasão de colônias e fomentariam um sentimento de competição e hostilidade em relação às potências ocidentais, ajudando a dissipar a insatisfação interna.
Nesse contexto, surgiu a ideia de que o Imperador era o “chefe” de todas as famílias, estabelecendo uma hierarquia familiar com o Imperador no topo, o que incentivava a veneração e o serviço a ele. Esse paternalismo, promovido como uma estética japonesa tradicional, foi disseminado entre camponeses, proprietários de terras, trabalhadores, capitalistas, soldados e seus superiores, consolidando assim um “mito monoétnico” que ligava toda a nação ao Imperador como ancestral comum.
Ainda segundo um artigo da BBC, “até a restauração Meiji, o imperador tinha pouco poder e era uma figura amplamente desconhecida e cerimonial. Na verdade, o Japão era administrado por nobres feudais, e o imperador vivia em reclusão e, às vezes, em uma verdadeira prisão. (...) Durante a década de 1930, alguns ensinavam que o Imperador era um ‘akitsu mikami’ (kami manifesto), um ser humano no qual a natureza divina se manifestava de forma perfeita”.
Daí surge a retórica do “pan-asianismo”, que deveria ser uma união asiática, liderada pelo Japão (devido à sua suposta superioridade) com o objetivo de enfrentar o colonialismo europeu. Contudo, isso era apenas um pretexto para que o Japão pudesse colocar o seu próprio projeto de colonização (expansão territorial) em prática, o que resultou na subjugação de outras nações asiáticas, como a Coreia, Taiwan e partes da China. Usando como instrumento um tipo de “racismo inclusivo”, era como se o Japão dissesse: “Vocês, outros povos da Ásia, são inferiores, mas se se submeterem a nossa dominação, nós os transformaremos em súditos imperiais japoneses e os tiraremos das sociedades atrasadas que estão os aprisionando”. Tal política de assimilação forçada, o Japão já havia colocado em prática de certo modo com os povos de Okinawa e Hokkaido.
E você já deve ter percebido que, ainda hoje o Japão impõe, de certo modo, a assimilação forçada aos estrangeiros – sejam eles turistas ou residentes. Yumi Murayama-Cain, da Universidade Católica Portuguesa, diz que "A ideia de um Japão homogêneo tem sido politicamente útil para unir o país. O mito da homogeneidade ainda é fortemente aceito entre os japoneses, ao mesmo tempo em que o formalismo dos costumes e do idioma mantém a sociedade controlada". E ela cita o sociólogo australiano Peter N. Dale, que criticou o Nihonjinron por esta ideologia insistir na identidade racial homogênea dos japoneses, o que leva ao “fascismo cultural”.
David Ta-wei Huang, da Escola de Estudos Globais Frederick S. Pardee da Universidade de Boston, escreve que no Japão, os “sentimentos de excepcionalismo e senso nacionalista de si mesmo foram manifestados na forma de nihonjinron e perpetuados na sociedade japonesa contemporânea por meio de políticos e da mídia. (...) Michael Prieler, um professor associado na Coreia do Sul (...) documenta que os estrangeiros 'são frequentemente estereotipados de maneiras que os diferenciam dos japoneses', assim 'contribuindo (...) para o discurso de longa data do excepcionalismo japonês (nihonjinron)'”.
David Ta-wei Huang se refere a um ciclo de desinformação, como o exposto a seguir:
Traçando um interessante paralelo com a situação dos Estados Unidos no final do século 19, David Ta-wei Huang diz que “Na década de 1890, os Estados Unidos possuíam todos, exceto um dos elementos do ciclo da homogeneidade — a falta de residentes estrangeiros (que o combatessem) —, o que efetivamente impediu a formação desse ciclo e permitiu que o país dissipasse do pensamento predominante o excepcionalismo americano baseado no darwinismo social e o marginalizasse nas discussões sobre a imigração. (...) Os Estados Unidos conseguiu superar o uso de pseudociência e da superioridade racial como justificativa para argumentos e legislação nativistas e anti-imigração no pensamento predominante. No Japão, porém, o nihonjinron ainda está sendo disseminado e perpetuado por políticos e pela mídia e permanece arraigado em sua sociedade”.
O excepcionalismo japonês ainda é apontado, pelo senso comum, como causa principal do desenvolvimento econômico do Japão. Entretanto, um artigo do periódico de Estudos do Leste-Asiático publicado pela Cambridge University Press diz:
O notável impulso de crescimento do Japão no pós-guerra, na década de 1960, não teria sido possível sem a aliança com os Estados Unidos. O Japão teve a sorte de reconstruir sua economia durante a Guerra Fria, quando o país mais poderoso do mundo precisava de aliados fortes. Os Estados Unidos não apenas absorveram as exportações do Japão e toleraram o protecionismo japonês, mas também concederam subsídios à economia japonesa e transferiram tecnologia para empresas japonesas. Sem essas vantagens, o Japão ainda poderia ter alcançado um crescimento econômico sólido, mas provavelmente não um milagre econômico. (...) Com o fim da Guerra Fria, (...) muitas das ferramentas que o Japão usou para estimular o crescimento e cultivar empresas competitivas em nível mundial (...) agora são regulamentadas ou proibidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). |
Parafraseando o geofísico e Youtuber Sergio Sacani, guerras sempre foram usadas como justificativa para se investir qualquer quantia de dinheiro. Particularmente a Guerra da Coreia (25 de junho de 1950 a 27 de julho de 1953) é tida por muitos como um grande propulsor da economia japonesa. Sobre isso um artigo na Harvard Business Review diz que “Após a invasão comunista da Coreia do Sul em 1950, (...) um grupo de acadêmicos norte-americanos criou uma imagem higienizada do Japão. Eles retratavam o Japão como uma terra de harmonia e de valores saudáveis como trabalho árduo e visão de longo prazo. (...) Ao fazer isso, transformaram os inimigos dos Estados Unidos em aliados que contribuiriam para a cruzada anticomunista”.
Segundo o site História do Mundo, “a China, desde a década de 1920, passava por uma guerra civil entre nacionalistas, apoiados pelos norte-americanos, e comunistas, com o apoio da União Soviética. Esse conflito cessou por um tempo, mas, com o fim da Segunda Guerra Mundial, foi retomado. Os comunistas saíram vencedores e tomaram o poder em 1949. Com isso, os EUA se viram profundamente ameaçados, o que, posteriormente, ocasionou maior investimento ianque em países como Japão e Coreia do Sul, visando contrapor o avanço comunista no Oriente”.
País aliado com economia forte e de povo aparentemente virtuoso bem do lado do oponente (União Soviética) são excelentes itens para uma boa propaganda de força em um contexto de Guerra Fria (e seus desdobramentos), não é mesmo?
Sobre isso, Yoshikuni Igarashi, professor de História na Universidade Vanderbilt diz que “A cultura, ou tradição, foi um instrumento conveniente para promover a continuidade do Japão com o passado a fim de mascarar a desconexão histórica do Japão de ex-inimigo para aliado dos Estados Unidos. Ao apresentar o Japão como um objeto cultural sempre desejável dos Estados Unidos, muitos japoneses e americanos conseguiram se afastar das lembranças do conflito”.
Continua Yoshikuni Igarashi dizendo que “A omissão da história tem sido um aspecto importante do discurso cultural do pós-guerra. (...) A narrativa central das relações no pós-guerra não apenas consolidou os dois países como aliados, mas também desviou a atenção da sociedade japonesa do passado colonizador do país. O Japão estava protegido de seu próprio passado, por assim dizer, nesse cenário político da Guerra Fria. (...) Os militares dos EUA estavam dispostos a ocultar um dos crimes de guerra mais horríveis cometidos pelo exército japonês”.
O Japão foi uma área de preparação avançada para todas as operações dos EUA na Guerra da Coreia. A infraestrutura japonesa foi construída e usada para bases logísticas, instalações médicas e de alimentação, depósitos para reparos de aeronaves e navios, etc. O investimento americano foi tão grande que Shigeru Yoshida, Primeiro-Ministro na época, afirmou que todo aquele contexto se tratava de “um presente dos deuses”. Referindo-se às encomendas americanas de cerca de 5.000 veículos, Shotaro Kamiya, CEO da Toyota Motor Company afirmou: “As encomendas do exército americano foram a salvação de nossa empresa”.
Lawrence W. Reed, da Foundation for Economic Education diz que “A política dos EUA nos primeiros meses da Ocupação do Japão tendia a ser punitiva, destinada a manter o país na pobreza. Porém, em 1947, com o agravamento da Guerra Fria com a União Soviética e a China comunista, o governo Truman decidiu que um Japão mais forte e mais livre ajudaria a impedir os avanços comunistas na Ásia e no Pacífico”.
Ryo Yokoe, da Universidade de Sheffield, afirma que “é preciso perceber que o sucesso econômico do Japão no pós-guerra é atribuído aos Estados Unidos. Sem o conveniente papel estratégico que ele desempenhou para a proteção dos interesses americanos na região, teria sido perfeitamente possível que o país se tornasse uma ditadura do terceiro mundo em vez de passar por um processo de industrialização e democratização que, sem dúvida, começou quando o Japão começou a produzir armas para as intervenções americanas no Extremo Oriente. Não é coincidência que os dois períodos de crescimento econômico mais rápido tenham ocorrido durante o auge das guerras na Coreia e no Vietnã”.
Ainda, Ian Buruma, professor de democracia e direitos humanos no Bard College, em Nova York é de certa forma polêmico ao dizer que o Japão “tornou-se rico como um estado vassalo submisso dos Estados Unidos. (...) Foi um modelo que agradou a todos: os japoneses ficaram ricos, os americanos tinham um estado vassalo anticomunista obediente e outros países asiáticos, até mesmo a China comunista, preferiam a Pax Americana a um renascimento do poderio militar japonês”. Nesta mesma linha polêmica, Karel van Wolferen, jornalista, escritor e professor holandês, particularmente reconhecido por seu conhecimento da política, economia, história e cultura do Japão diz que “o Japão não é um aliado dos Estados Unidos – o Japão é um protetorado”.
O Japão é atualmente o país estrangeiro com maior presença militar americana com cerca de 55.000 soldados. Cerca da metade destes soldados está presente em Okinawa. Em um protesto contra a presença militar americana ocorrido em 2000, Toyo Hokama, de 82 anos afirmou: “O Exército americano é dono da nossa terra, nosso mar e nosso céu”.
Ricardo Sorgon Pires, Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo diz que "Grande parte dos estudos que olharam o Japão a partir de uma ótica “excepcionalista” surgiram, tanto no Japão quanto em outros países, no período do pós-guerra e foram denominados como nihonjinron, algo como “teoria sobre o japonês”. (...) Além de se mostrar falha em diversos argumentos, a literatura nihonjinron mostrou-se tendenciosa (laudatória do desenvolvimento japonês), preconceituosa, a-histórica e mesmo racista, chegando a apresentar os japoneses como únicos até mesmo em termos genéticos e biológicos". Ainda, ele cita Renato Ortiz, graduado em Sociologia pela Universidade de Paris VIII e Doutor em Sociologia e Antropologia pela École des Hautes Études em Sciences Sociales (Paris), que em seu livro "O Próximo e o Distante: Japão e Modernidade-Mundo", afirma que creditar o êxito das tecnologias industriais modernas do Japão aos mesmos princípios que os antigos samurais aplicavam às suas técnicas guerreiras é uma interpretação ingênua.
Aliás, a prática de usar algum fato concreto positivo para “provar” a veracidade de um IDEAL (algo que se imagina), mesmo que não tenham nenhuma relação, é muito comum na História humana. Neste caso, poderíamos montar o seguinte esquema:
(1) UNIDADE E SUPERIORIDADE DO POVO JAPONÊS (IMAGINADO) + (2) CRESCIMENTO ECONÔMICO (CONCRETO) = (3) VERACIDADE DO IMAGINADO
“Se você passar a acreditar firmemente que os unicórnios é que fazem chover, qualquer garoa será, para você, uma prova irrefutável de que os unicórnios realmente existem”
O objetivo do excepcionalismo japonês não era (é) simplesmente afirmar que os japoneses são únicos. A ideia era (é) afirmar que os japoneses são únicos e, portanto, superiores a todas as outras culturas. Perceba como o contexto histórico do pós-guerra e o crescimento econômico, de certa forma, foram fatores muito propícios para que essa ideia fosse revivida e justificada, isto é, parecesse verdadeira. Com isso, durante décadas se passou ao restante do mundo a impressão de que o Japão realmente cresceu somente por causa da elevada virtude e unidade do povo japonês, que, portanto, seriam superiores aos demais povos do mundo.
Em termos de propaganda, o mito do excepcionalismo japonês deu tão certo que não raramente vemos estrangeiros caindo no fanatismo pelo Japão. Buscando certezas em meio às incertezas da vida (o que causa o medo), o ser humano agarra-se ferozmente a algo que vai lhe dar respostas para todas as suas incertezas, preenchendo assim as suas lacunas emocionais. É como se o fanático divinizasse aquilo ao qual ele se agarrou e demonizasse tudo o que lhe for antagônico.
Cegando-se, relativizando ou mesmo sendo intolerantes com quem aponta os problemas concretos do Japão, os estrangeiros fanáticos tratam o Japão como se ele fosse o Jardim do Éden e os japoneses como se fossem deuses na Terra, ao qual, todos devem se submeter não importando o que façam.
Isso cria um ciclo difícil de ser quebrado. Ora, se os japoneses são sinônimos das mais altas virtudes, unir-se a eles de alguma forma (estudando japonês, tendo amigos japoneses, trabalhando no Japão, etc.), tende a nos fazer prestigiados também. Logo, fanatismo e a busca por prestígio (a qualquer custo) estão de alguma forma conectados. Além disso, o fanatismo e a busca constante por prestígio (relacionados a alguma carência) frequentemente resultam em desinformação, pois as pessoas tendem a querer conservar a todo custo tudo aquilo que lhes proporciona prestígio e lhes fornece respostas que preenchem um vazio (e/ou insegurança) interior. Temos que considerar também que antes da era da internet, as informações que as pessoas tinham para a tomada de decisões eram muito limitadas, podendo, por exemplo, ser baseadas no relato de uma única pessoa que passou pela experiência.
No fim das contas, por causa desse fanatismo pelo Japão, muitos daqueles (os estrangeiros) que deveriam agir como um contraponto ao mito do excepcionalismo japonês acabam “ajudando” os japoneses a reforçá-lo. E para prejuízo dos próprios estrangeiros…
Quem já não ouviu afirmações como a seguinte:
“É FATO que os estrangeiros, especialmente os brasileiros, cometem mais crimes do que os japoneses”
Esse é o tipo de afirmação proferida por alguém que apenas quer acreditar em algo e generaliza sem levar em conta as estatísticas. Novamente, se você passar a acreditar firmemente que os unicórnios é que fazem chover, qualquer garoa será, para você, uma prova irrefutável de que os unicórnios realmente existem. No caso aqui, como a pessoa QUER acreditar que os japoneses são TODOS honestos, e os estrangeiros, especialmente os brasileiros, TODOS desonestos, vai generalizar a partir dos maus exemplos destes como se isso irrefutavelmente refletisse a realidade estatística.
Segundo Jay Allen, um residente de Tóquio, que trabalha como repórter para a Unseen Japan e como redator técnico, na internet alguns “alegam que os estrangeiros no Japão cometem mais crimes do que os cidadãos japoneses. Mas o que as estatísticas dizem?” Segundo dados de 2020, “(...) apenas 0,3% dos estrangeiros no Japão são presos por delitos criminais. Isso também significa que apenas 5% de todas as prisões por delitos criminais no Japão são direcionadas a estrangeiros. (...) De qualquer forma, as estatísticas são claras. Se a meta é reduzir a criminalidade no Japão, visar os estrangeiros não é um uso inteligente de dinheiro e recursos”. Além disso, desses 5% de estrangeiros presos, brasileiros representam 4,60%.
Termina Jay Allen dizendo que "ao recitar o mito de que os estrangeiros estão à solta no Japão, os proponentes querem pintar uma imagem de um país que está se afogando em crimes cometidos por imigrantes. Nada poderia estar mais longe da verdade. É provável que haja muitas maneiras de tornar o Japão mais seguro. Mas nenhuma delas envolve a caracterização racial de seus residentes estrangeiros de longa data.
Aliás, se os japoneses e/ou os estrangeiros admiradores do Japão estivessem realmente certos em generalizar negativamente os estrangeiros por causa dos maus exemplos de alguns, então, qualquer intercâmbio cultural se tornaria impossível, visto que em TODOS os grupos humanos há as laranjas podres, que poderiam ser usadas como base para haver aversões pelo grupo inteiro. E isso inclui os japoneses, que por exemplo, praticaram atos de terrorismo no Brasil!
Uma reportagem do jornal americano The New York Times de agosto de 1946 destacou:
TERRORISTAS ALARMAM O BRASIL Sociedade japonesa é acusada de planejar ataque a imigrantes SÃO PAULO, Brasil, 13 de agosto (1LP.) — A sociedade secreta japonesa Shindo Remmel, que afirma que o Japão não perdeu a guerra, foi acusada hoje de planejar uma nova campanha de assassinatos em massa contra os milhares de imigrantes japoneses que perceberam que o Imperador foi derrotado. A polícia estadual disse que os assassinatos começariam na quinta-feira e admitiu que não tinha como impedir a onda de terror planejada. A polícia pediu ao Exército para manter a ordem e evitar assassinatos nos assentamentos japoneses ao redor desta cidade. Pelo menos doze pessoas foram assassinadas e treze feridas pelo Shindo Remmei nos últimos seis meses apenas neste Estado, disse à polícia. Eles acreditam que outros corpos podem não ter sido encontrados. Os japoneses estão tão aterrorizados com a Shindo Remmei que vários deles cometeram suicídio depois de saber que estavam na lista de morte da sociedade. A polícia disse que a Shindo Remmei atacou três vezes nos últimos quatro dias, resultando na morte de dois homens. |
Outra reportagem do The New York Times do mesmo ano destacou:
TERRORISTA JAPONÊS NO BRASIL SE SUICIDA RIO DE JANEIRO, 20 de abril – Sakeo Negara, um comerciante japonês que foi associado pela polícia à filial brasileira da sociedade secreta japonesa Black Dragon, se enforcou hoje na cadeia de São Paulo. Ele havia sido preso para ser interrogado sobre as atividades terroristas dos japoneses no país. Elementos terroristas japoneses continuaram seu trabalho clandestino, ameaçando seus compatriotas, em uma campanha para incitar os colonos japoneses no Brasil a se revoltarem, informou a polícia. A proclamação que circulou por todo o Brasil pela Legação Sueca, responsável pelos interesses japoneses aqui, explicando aos colonos a derrota do Japão na guerra, teria levado os terroristas a acelerar sua campanha. Folhetos terroristas dizendo que a frota japonesa bombardeou o Rio de Janeiro e afirmando a vitória japonesa sobre os Aliados no Pacífico apareceram em vários centros. Os folhetos dizem aos colonos para não acreditarem nas declarações da Legação Sueca e para contribuírem com fundos para a construção de uma forte frente japonesa, caso contrário serão colocados na lista negra e sofrerão danos físicos. |
Líderes da comunidade japonesa temiam que as ações imprudentes de muitos japoneses que insistiam em negar a derrota do Japão levassem à exclusão de todos os imigrantes japoneses da sociedade brasileira. Com isso, e os líderes iniciaram um “movimento pelo reconhecimento da situação” (ou simplesmente “movimento de reconhecimento”) para convencer aqueles que acreditavam que o Japão havia vencido a guerra, bem como para que todos os japoneses no Brasil refletissem juntos sobre como deveriam se comportar na sociedade brasileira.
A situação, no entanto, piorou e, a partir de março de 1946, houve frequentes ataques terroristas contra o grupo de reconhecimento da derrota japonesa. Em 7 de março, Ikuta Mizobe, diretor executivo da Cooperativa Industrial de Bastos, foi assassinado; em 1º de abril, Nomura Chuzaburo, diretor da Associação para a Promoção da Educação Japonesa (o ex-embaixador japonês na Argentina, Shigetsuna Furuya, também foi atacado no mesmo dia, mas a tentativa fracassou); e em 2 de junho, Jinsaku Wakiyama, coronel aposentado do Exército Japonês e presidente da Cooperativa Industrial de Bastos, foi assassinado. Além disso, participantes do movimento de reconhecimento também foram atacados em regiões periféricas, e houve casos de bombas enviadas em pequenos pacotes.
O governo brasileiro prendeu várias pessoas, não apenas aquelas diretamente envolvidas nos ataques, enviando alguns dos presos para a prisão na Ilha Anchieta, na costa nordeste do Estado de São Paulo, e uma medida foi aprovada, a qual previa a deportação deles (extradição forçada para o Japão) em três grupos a partir de agosto (a medida, no entanto, nunca foi realmente executada). Os ataques terroristas cometidos por japoneses foram amplamente noticiados em jornais de língua portuguesa, o que fez com que o sentimento anti-japonês crescesse significativamente entre os brasileiros. Em 2024, o Brasil pediu desculpas pela perseguição a imigrantes japoneses.
Percebe o perigo das generalizações negativas? O governo brasileiro pediu desculpas, pois, embora houvessem maus elementos japoneses, isso acabou servindo como base para uma perseguição e aversão generalizada aos imigrantes japoneses. Ora, se você concorda que o Brasil errou em generalizar negativamente os japoneses por causa de uma minoria má, por que não afirmar a mesma coisa em relação às generalizações negativas de estrangeiros por parte dos japoneses?
Além de a afirmação de que estrangeiros cometem mais crimes do que japoneses ser FALSA, ela indica uma grande HIPOCRISIA por parte dos estrangeiros que a propagam:
“TODO estrangeiro que diz que nenhum estrangeiro presta sempre se coloca como a única exceção a esta regra”
Esse tipo de estrangeiro com visão deturpada está serrando o próprio galho, afinal por que os japoneses deveriam acreditar que CADA estrangeiro que diz isso é a única exceção, como se fosse o único estrangeiro virtuoso? Ora, compare essa atitude com a de políticos enganadores. É o mesmíssimo mecanismo. E sabemos como isso sempre termina, não é mesmo?
Cremos que compreender que a ideia do excepcionalismo japonês, alimentado pela mídia de massa e pelo discurso político, ainda faz parte do senso comum japonês possibilita que enxerguemos o motivo da existência de leis e de um ambiente social pouco favoráveis para os estrangeiros.
Para ilustrar o viés tendencioso da mídia japonesa e do governo buscando mostrar aos japoneses a veracidade do excepcionalismo japonês, observe a seguir um interessante relato de um alemão que viveu no Japão:
Os japoneses são ensinados a ignorar qualquer coisa ou problema negativo em seu próprio país ou cultura, mas são informados até mesmo sobre o menor e mais insignificante problema em outras culturas, o que faz com que desenvolvam uma visão arrogante de superioridade (que não existe) sobre sua própria cultura. Isso acontece por causa do currículo escolar padronizado, mas principalmente por causa da mídia de massa. Todos os dias, você verá um programa no horário nobre da TV sobre japoneses que estão indo para o exterior a fim de viajar ou para iniciar um negócio. Por outro lado, os estrangeiros que eles mostram nesses programas são retratados como idiotas ou pessoas ignorantes que adoram a comida japonesa. O bom é que os japoneses podem aprender, e a maioria deles que vive fora do Japão por alguns anos percebe que as informações recebidas na escola sobre países estrangeiros foi uma mera propaganda. |
Segue um trecho de outro relato de um estrangeiro que diz basicamente a mesma coisa:
(…) Moro no Japão e já presenciei japoneses se vangloriando sempre que saem notícias negativas sobre outro país asiático (a mídia japonesa está ativamente procurando notícias ruins ou as criando do nada). Eles dirão, por exemplo, “Você já ouviu falar da China? É muito perigosa!!!” e usarão isso como uma prova de que o Japão é superior. Os japoneses não entendem que qualquer notícia ruim sobre o Japão tem pouquíssimas chances de chegar até o público, permitindo que façam uma comparação correta entre seu próprio país e os outros, já que a mídia japonesa é organizada e age como um órgão de relações públicas do governo japonês, visando esconder notícias negativas sobre o Japão. Daí a classificação muito baixa do Japão no índice de liberdade da imprensa (70ª posição em 2024 caindo duas posições em relação à 2023 e sendo o pior pais do G7, segundo o relatório do “Repórteres sem Fronteiras”), um lugar vergonhosamente baixo para um país democrático supostamente moderno. Portanto, (...) ninguém que possa ser levado a sério pensa que os japoneses sejam “superiores e os únicos asiáticos civilizados. |
Diante desses relatos, alguém poderia pensar que se tratam apenas de “estrangeiros malvados” que gostam de criticar o Japão. Então, observe o seguinte relato de uma japonesa:
A mentalidade de supremacia japonesa é tão difundida que, mesmo que oculta no início, ela existe e eu a odeio. Por exemplo, ontem à noite eu estava conversando com um empresário que expressou desprezo por um colega de negócios americano que sempre buscava se comunicar em inglês, apesar de ter estudado japonês. De acordo com esse empresário, não se poderia esperar que esse americano entendesse as complexidades do japonês, pois a língua japonesa é o idioma mais sofisticado do mundo, e é impossível para qualquer pessoa que não seja japonesa conseguir entender as sutilezas pelo fato de o Japão ter a cultura mais sofisticada do mundo. Tão intrincada, tão refinada, tão avançada... Infelizmente, já ouvi a mesma coisa de inúmeros outros japoneses que (dizem que) se “rebaixam” ao interagir com estrangeiros. Isso nunca deixa de me causar estranheza. Não sei bem o motivo, mas boa parte dos japoneses acha que o idioma inglês é inferior, excessivamente simples e que não possui complexidades, nem honoríficos ou maneiras educadas e diplomáticas de falar, enquanto o japonês é ultra complexo, elegante e gracioso. Sempre fico surpresa com o orgulho que as pessoas têm. ALGUNS COMENTÁRIOS: (1) Há uma senhora em meu escritório (de empresa japonesa) que SEMPRE sente a necessidade de me lembrar de como o japonês é mais difícil do que o inglês, porque não tem forma polida. Veja bem, ela não sabe falar uma palavra de inglês. E sim. O inglês tem maneiras educadas de dizer as coisas e de falar sobre negócios. (2) Isso é muito verdade! Como ex-aluno de intercâmbio no Japão, meu anfitrião comentou algumas vezes sobre como a língua inglesa é “simples” e “básica”. Ele acreditava que a história e o idioma de nosso país não são desenvolvidos em comparação com a longa história e o idioma antigo do Japão. Ele descreveu como há muitas maneiras de dizer “água” em japonês, mas apenas algumas em inglês. Definitivamente, concordo com a resposta (...). Ele não era fluente (em inglês). (3) Na verdade, não há nenhum idioma que seja significativamente “mais sofisticado” do que os demais. No final das contas, todos os idiomas estão vivos e evoluem a partir da necessidade das pessoas que os falam de expressar ideias em vários graus de complexidade. Superficialmente, alguns recursos podem parecer “mais básicos”, mas esses idiomas tendem a compensar isso transmitindo o significado por outros meios. Para dar um exemplo, a conjugação de verbos é muito simples em inglês, mas outras construções são usadas em combinação para transmitir as mesmas sutilezas que os idiomas fazem por meio da conjugação. (4) Tenho uma pergunta: se o inglês é tão “simples”, por que os japoneses têm tanta dificuldade em aprendê-lo? (5) Acho que a parte mais engraçada disso tudo é quando os japoneses se gabam do fato de serem tão humildes e educados.... |
Agora, segue um relato de um nipo-americano:
Há japoneses que acham que sair por aí postando sobre como o Japão é ótimo, como o Japão é superior à Coreia, à China ou a outros países, como o Japão nunca cometeu erros durante a guerra e assim por diante (...) melhorará a imagem do Japão no exterior. Mas isso tem EXATAMENTE o efeito oposto. Felizmente, esses comentários são, em sua maioria, escritos apenas em japonês em sites e fóruns japoneses, que pouquíssimos estrangeiros leem. Mas se os estrangeiros os lessem, ficariam horrorizados e isso daria à maioria deles uma impressão muito ruim do Japão. |
O Japão ocupa a PIOR posição entre as nações do G7 quando se trata de liberdade de imprensa. A vulnerabilidade dos jornalistas à pressão do governo e das grandes empresas é causa disso, pois cria uma cultura de autocensura entre os jornalistas.
Para entender o motivo disso, no Japão, há os “clubes de jornalistas” (kisha clubs), que são rigidamente controlados. Cada ministério do governo e grande empresa tem um clube de jornalistas, e os membros desses clubes são quase que exclusivamente jornalistas das principais agências de notícias nacionais e que se alinham aos interesses do governo. As notícias geralmente são divulgadas aos membros em coletivas de imprensa e em encontros não registrados. Ou seja: se algum jornalista “desagradar”, muito provavelmente será expulso desses clubes e não terá acesso às informações (controladas).
Para ilustrar a situação da mídia japonesa, o Índice de Democracia 2015 da Economist Intelligence Unit (EIU), rebaixou o Japão classificando-o como “democracia falha” devido à “crescente censura da mídia”. Além disso, em 2016 três âncoras de telejornal foram substituídos por causa de uma pressão indireta do gabinete do primeiro-ministro. Diante desse episódio, Takashi Koyama, professor visitante de política na Akita International University, disse: "Não acho que seja exagero dizer que isso é uma ameaça à democracia”. A própria ONU se mostrou preocupada com a situação, diante da qual o Japão apenas respondeu com raiva, afirmando que no relatório havia imprecisões. Aliás, esta tem sido uma prática comum por parte do Japão diante de críticas da ONU e de órgãos observadores internacionais: o desmerecimento dos relatórios e/ou uma retórica confusa, beirando o vitimismo.
Nesse contexto conturbado, a mídia de massa japonesa acaba agindo como um “bom servo”, divulgando exatamente o que o governo e as grandes empresas querem que seja divulgado e, com isso, o público é muitas vezes mantido no escuro. “E isso, para mim, significa que a mídia aqui está prestando um grande desserviço às pessoas”, diz um jornalista americano que trabalha há 30 anos para um jornal japonês.
Não é à toa que é possível encontrar em fóruns da internet com certa frequência pessoas perguntando se o Japão é realmente uma democracia. Ora, democracias podem coexistir com ambientes sociais que têm características autoritárias. Mesmo em países com sistemas políticos formalmente democráticos, a cultura, as práticas sociais e as pressões do governo podem restringir liberdades de maneira mais sutil, mas ainda significativa. Trocando em miúdos: autointitular-se democrático não garante práticas concretas democráticas. Neste sentido, a liberdade de imprensa é um termômetro poderoso para medir a saúde de uma democracia. Quanto mais uma sociedade tem acesso a uma mídia independente, investigativa e plural, mais robusta é sua democracia. Quando essa liberdade é comprometida, a democracia perde vitalidade e dá espaço a práticas autoritárias ou oligárquicas, como é o caso do Japão, onde a mídia reforça narrativas nacionalistas e limita a crítica pública ao governo.
Além disso, a ideia do excepcionalismo japonês nos mostra os grandes malefícios de usar eventos concretos como justificativa/fundamentação para mitos nos quais acreditamos ou queremos que sejam verdadeiros. Ora, atribuir o crescimento econômico japonês ao (mito do) excepcionalismo japonês cega as pessoas para os motivos concretos que possibilitaram esse crescimento econômico. Agindo assim, as pessoas ficam sem saber como lidar com as adversidades que o mundo concreto nos apresenta, frequentemente recorrendo à desinformação e/ou preconceitos para justificar essas adversidades. Por que a economia do Japão está em declínio se os japoneses são desde sempre “superiores”? A culpa é do mundo maléfico que não para de mudar e/ou dos estrangeiros que são todos malvados? Alguns dizem que sim, infelizmente…
XXXV. O FANATISMO PELO JAPÃO
Abordamos a questão jurídica e social do Japão em relação aos estrangeiros, bem como fizemos uma abordagem histórica para tentar entender o motivo de os japoneses ainda serem de certa forma fechados aos estrangeiros. Poderíamos dizer que há ainda um certo temor pouco verbalizado dos japoneses em serem “colonizados” e, por isso, na visão deles, é muito importante manter uma UNIDADE fundamentada numa identidade étnica e cultural e numa ainda presente narrativa de excepcionalismo.
Para ilustrar esse receio não verbalizado que os japoneses têm de serem “colonizados”, observe os argumentos de um nipo-americano com quem debatemos em uma rede social. Ele chegou ao ponto de relativizar a adoção de um regime autoritário nos moldes da Coreia do Norte se o fim fosse proteger a cultura e a identidade japonesas:
Não sou a pessoa certa para dizer com certeza que a Coreia do Norte está errada por manter uma sociedade fechada. Sim, ela pode ter problemas, mas o mesmo acontece com as sociedades abertas. Liberdade também é um termo muito subjetivo que difere para diferentes grupos de pessoas. (...) Se o Japão se tornar mais globalizado, os japoneses precisarão estar cientes de como serão tratados por outros povos, especialmente se os japoneses se tornarem uma minoria racial dentro do próprio Japão. Se alguém achar que meus argumentos são extremos, dê uma olhada no Havaí ou na América do Norte, onde a população nativa foi reduzida a uma minoria. Na época em que esses países estavam sendo colonizados, não se pensava em proteger as culturas nativas e seus povos, porque eles eram a maioria. Esse é um caso semelhante ao do Japão atualmente, embora com menos violência. Quando os japoneses forem reduzidos a uma minoria, aqueles de nós que tentaram resistir às mudanças em nossa cultura serão vistos como os chamados povos indígenas que estavam sujeitos ao sentimento anti-japonês/pensamento colonialista e que agora precisam ser protegidos, mas aí será tarde demais, porque já não teremos mais o domínio político e seremos uma minoria em nosso país natal. Há toda uma história de europeus eliminando grupos étnicos e essa tendência só continuará se não formos respeitados por quem somos. (...) Não é apropriado pedir aos japoneses que mudem sua sociedade para os outros, especialmente para os americanos e europeus, até que sejamos totalmente respeitados. No momento, não somos. E nenhum grupo étnico deve ser obrigado a compartilhar sua cultura. Nem todos os países estão pedindo para serem globalizados. Os japoneses não pediram. (...) Se o Japão acolher imigrantes, que em cinquenta anos representarão dez por cento ou mais da população, as pessoas precisarão manter distância uma das outras. |
Por mais discriminatória que possa ter sido essa argumentação, as coisas precisam ser ditas de forma clara para que ajustemos nossas expectativas com relação aos nossos estudos e com relação ao Japão em si.
A identidade japonesa possui dois aspectos: a étnica e a cultural. Portanto, para que alguém seja visto “como um igual” pelos japoneses, NÃO basta apenas conhecer, aprender e praticar a cultura japonesa e a língua japonesa. É preciso TAMBÉM possuir a ETNIA (o que é diferente de nacionalidade) japonesa (ou pelo menos se parecer japonês). Observe os relatos a seguir:
(1) Nasci e fui criado no Japão. Minha mãe é japonesa e meu pai é americano. Nasci com olhos azuis e, por causa disso, nunca fui aceito como japonês passados 50 anos; continua a mesma coisa, então a resposta é NUNCA (um estrangeiro será visto [aceito] como um japonês). Contudo, hoje em dia, não dou a mínima para isso, então vivo minha vida, e eles vivem a deles, e estou bem com isso. Ah, e eu falo japonês nativo, e minha nacionalidade é japonesa. Ah, esqueci que há uma exceção: quando você representa alguma equipe do Japão nas Olimpíadas, você pode ser o que quiser e, se ganhar uma medalha de ouro, eles fingirão que o aceitam. (2) Na cultura japonesa, você perceberá que existe uma espécie de “complexo de inveja” muito forte, e a sociedade japonesa pode ser descrita como se todos estivessem sentados em uma mesa redonda, olhando uns para os outros e se patrulhando mutualmente para verificar se não há algo “injusto”: → Se você se parece com um estrangeiro no Japão, então, você é tratado como um estrangeiro. É simples assim. Não importa se você fala japonês bem ou se conhece os costumes; → Se você se parece japonês o suficiente, mas não sabe falar o idioma ou não conhece os costumes o suficiente para se passar por um japonês, você só conseguirá ser tratado como tal se não falar com ninguém (…); → Se você se parece japonês o suficiente e conhece o idioma e os costumes o suficiente para se passar por um japonês, você pode sobreviver até que, cedo ou tarde, seja “desmascarado” (verificação de antecedentes do empregador, etc.); → A situação pode ficar mais confusa, pois alguns japoneses mais progressistas não se importam e o tratarão como um japonês, enquanto os conservadores mais rígidos fazem disso um problema e começarão a tratá-lo de forma diferente. |
Um caso emblemático que nos mostra a importância que se dá no Japão em também aparentar ser japonês é o da Miss Japão 2024 Carolina Shiino. Ucraniana naturalizada japonesa, ela sofreu duras críticas por não se parecer japonesa. Shiino diz ter se candidatado à coroa justamente para lutar por “uma sociedade na qual as pessoas não sejam julgadas por sua aparência”. Na coroação ela disse: “Tive que superar barreiras, que frequentemente me impediram de ser aceita como japonesa. Por isso, sou extremamente grata por ser aceita como japonesa nesta competição”. Outro caso é o de Ariana Miyamoto, Miss Japão 2015. Filha de um afro-americano, foi a primeira mestiça a ser coroada Miss Japão, recebendo também duras críticas por não se parecer “japonesa o suficiente”. Ela expressou o desejo de combater a preconceito racial, afirmando que entrou no concurso de beleza depois que um amigo também mestiço cometeu suicídio. Ela disse: “Ele tinha 20 anos e sofria com problemas de identidade. Quando ele morreu, decidi que tinha de fazer algo a respeito”.
Por falar nisso, Monique Moreira é uma das mães que preferiram que seus filhos voltassem ao Brasil a terem que suportar o bullying e a exclusão social, dizendo: “Na escola japonesa ela (a filha) não tinha amigos, não entendia bem o idioma e não conseguia se comunicar. Ela sofreu bullying por ser diferente dos japoneses. Na escola brasileira tinham grupinhos formados que excluíam os recém-chegados. Algumas crianças eram mal-educadas e maldosas”. Além disso, em julho de 2024, o site BBC News Brasil relatou o fato de que muitos brasileiros e outros estrangeiros no Japão mudam de nome no processo de naturalização para parecerem japoneses e, assim, tentar evitar o preconceito. Sobre isso, Angelo Ishi, professor do departamento de mídia e sociologia da Universidade Musashi, diz que “Existe discriminação baseada no nome pessoal, isso é fato comprovado, especialmente no que se refere à procura de emprego”. Lilian Terumi Hatano, professora aposentada da Universidade Kindai, diz que “O nome pode funcionar como um barômetro para a tolerância, empatia e aceitação de outras culturas. E, nesse sentido, a sociedade japonesa ainda tem muito a aprimorar e mudar, e entender que nem sempre a aparência física corresponde com a nacionalidade ou a origem da pessoa”.
E isso também vale para os japoneses, na medida que eles podem “perder” o aspecto cultural se, por exemplo, viveram muito tempo no exterior. Observe os relatos a seguir:
(1) Um japonês nativo que tenha passado um tempo no exterior (mesmo que 5 anos!) geralmente já não é considerado “japonês de verdade” quando retorna ao Japão. Isso aconteceu com um de meus parentes: ele nasceu e foi criado no Japão, mas passou um tempo nos Estados Unidos, de modo que, quando voltou, as pessoas já não o consideravam totalmente japonês, e isso foi para o resto de sua vida. (2) Há determinados setores, especialmente os mais tradicionais, como o financeiro, que evitam abertamente os japoneses que foram criados no exterior e voltaram ao Japão, porque têm medo de mudanças. (3) Eu tinha uma amiga estudante de pós-graduação que estava nessa situação. Ela nasceu de pais japoneses, mas viveu a maior parte de sua vida no Sudeste Asiático. Ela estudou em escolas internacionais e fez seu bacharelado nos EUA. Portanto, ela parecia e soava mais como uma típica asiática-americana do que como uma japonesa. (...) Certa vez, um policial exigiu que ela mostrasse o cartão de registro de estrangeiro dela. Trata-se de um cartão que todos os estrangeiros devem portar o tempo todo. Então, quando ela disse que era japonesa, o policial não acreditou. (4) Na verdade, não há nada que você possa fazer para ser aceito no Japão como um japonês se você não for um. Mesmo que tenha nascido no Japão em uma família japonesa, se você foi criado no exterior, provavelmente nunca será aceito como um japonês. (5) Legalmente, você pode ser um cidadão japonês, mas isso não significa que será tratado como tal quando retornar ao Japão. Você tem que falar, agir e pensar como todos os outros japoneses. Se você demonstrar algum traço de autonomia ou alguma capacidade de se comportar fora do pensamento de grupo, poderá ser considerado um estrangeiro. (6) Já ouvi histórias de japoneses que moraram em outro país, voltaram ao Japão depois de um longo período e se depararam com o fato de serem considerados estrangeiros. (7) (…) Há uma certa mentalidade que vem do fato de ter sido criado neste país. (…) Conheço uma japonesa que se naturalizou cidadã americana e depois retornou ao Japão; a maioria dos meus colegas de trabalho a vê como americana e não como japonesa. (8) Socialmente falando, (ser japonês) significa ter um nome japonês, um rosto japonês e seguir a cultura japonesa. (9) O que talvez você não saiba é o quanto a sociedade japonesa é competitiva. É preciso tirar boas notas na escola e passar nos exames para entrar na escola de maior prestígio, para conseguir o emprego na empresa de maior prestígio – e, mais importante, com salário mais alto – ou se qualificar para um emprego de carreira no setor público federal em vez de se tornar um funcionário público municipal. Se você cresceu em um país estrangeiro e não passou pela mesma corrida de ratos que seus colegas e espera receber o mesmo tratamento no mercado de trabalho, você não vai conseguir isso. Essa é realmente a essência da pergunta “Você não é considerado japonês se não cresceu no Japão?” Começa com algo muito básico como: “Você consegue escrever um simples e-mail comercial em japonês?”. (10) Muitos japoneses que viveram no exterior são vistos com desconfiança. Se o inglês do indivíduo for "muito bom", ele pode ser condenado ao isolamento. Para as crianças japonesas que passaram um tempo no exterior e falam inglês fluentemente, o bullying dos colegas de classe pode ser imediato e cruel. Há também muitas crianças de origem internacional em escolas particulares internacionais devido aos maus-tratos sofridos nas escolas japonesas. No entanto, há uma exceção: o fator celebridade. Se alguém se torna uma celebridade japonesa, cantor, ator/atriz, etc., paradoxalmente, tudo é perdoado. Então, a crueldade é invertida e você se torna um modelo de realização japonesa. Tudo isso parece contraditório, mas os japoneses às vezes seguem esse protocolo irracional e imprevisível. |
Nelson, idealizador do projeto Ganbarou Ze! diz que “certa vez estava conversando com uma pessoa japonesa e a questionei sobre essa forte pressão pela conformidade que ainda existe no Japão. Eis que recebi como resposta: ‘ser diferente é ser egoísta, e nós, os japoneses, odiamos pessoas egoístas”’. Isso nos faz lembrar do “complexo de inveja”, citado em um dos comentários trazidos neste tópico, que se assemelha com a fala do psicólogo Marcos Lacerda que destacamos no tópico “O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL”. Ao comentar sobre a fofoca, ele diz que “existe uma grande vingança social que é a seguinte: eu não posso ser o que eu quero. Está certo! Eu vou pagar esse preço, mas eu vou cobrar a mesma coisa de você. Você também não será livre!”. Tudo isso remete também à chamada “mentalidade de caranguejo”, que descreve o suposto comportamento dos caranguejos colocados em um balde; embora os que estão no topo possam sair facilmente, suas tentativas são frustradas porque os outros os puxam para baixo. Então, “mentalidade de caranguejo” é a tendência de uma pessoa ou grupo de rebaixar aqueles ao seu redor que são considerados melhores em algum aspecto. É como se tivessem como princípio a ideia de que todos ficam felizes, desde que ninguém fique feliz. Ainda, o site The Japan FAQ afirma que “Muito daquilo que motiva os japoneses está baseado na inveja e, enquanto a igualdade no Ocidente significa uma chance justa para todos, no Japão a igualdade é mais como uma criança mimada que pensa: ‘se eu não posso ter, ninguém mais pode’”.
Novamente afirmamos que as coisas precisam ser ditas de forma clara para que ajustemos nossas expectativas com relação aos nossos estudos e com relação ao Japão em si. Você já deve ter ouvido aquele ditado que diz que “toda generalização é burra”. Contudo, isso é válido para grupos abertos à diversidade. Quando grupos (ou sociedades) almejam alcançar uma identidade e uma unidade baseada nessa identidade para que o grupo seja forte e assim permaneça, a existência de certos comportamentos e pensamentos de forma generalizada (comportamento de manada) é mais do que esperada, sendo os desvios de comportamento uma exceção. Ora, neste caso, é justamente a generalização de pensamentos e comportamentos – a UNIDADE! – que se está buscando! Perceba como no Japão, de certa forma, o bullying e aquilo que conhecemos como a cultura do cancelamento funcionam como se fossem um mecanismo de pressão para coibir desvios de comportamento e pensamento e, assim, proteger a identidade e unidade japonesas.
Em outras palavras: é claro que existem exceções, mas é bem mais provável que encontremos japoneses apenas seguindo a manada do que japoneses que se desviam da manada. Ora, em grupos em que há o mecanismo de pressão para a conformidade, é muito difícil uma pessoa sair dele, a menos que ela visualize algo externo, uma recompensa pela qual vale a pena desafiar (ou abandonar) o grupo. Por isso, reforçamos que você procure interagir com japoneses que JÁ tenham uma abertura para outras culturas. A menos que representemos uma recompensa que valha muito a pena, diríamos que dificilmente conseguiremos fazer com que um japonês mude de mentalidade e queira abandonar a manada. Afinal, o preço que se pode pagar por qualquer desvio da manada é muito alto!
Como mencionamos anteriormente, a ideia de “refundação do Japão” no pós-guerra através de uma maciça propaganda muito positiva (e distorcida) do Japão e do povo japonês, aliada ao crescimento econômico impulsionado pela ajuda dos Estados Unidos nos anos de 1960, fez com que o ocidente acreditasse que o Japão fosse realmente uma nação-modelo e fonte das mais altas virtudes. E não há como negar que muitos estrangeiros compraram (e ainda compram) essa propaganda, ao ponto de se tornarem fanáticos pelo Japão e se comportarem como se fossem guardiões da cultura e do povo japonês. Ora, se alguns acreditam que os japoneses são superiores, sinônimos das mais altas virtudes, unir-se a eles de alguma forma (estudando japonês, tendo amigos japoneses, trabalhando no Japão, etc.), tende a fazê-los prestigiados também. Logo, fanatismo e a busca por prestígio (a qualquer custo) estão de alguma forma conectados.
Em linhas gerais, o fanático é alguém que diviniza algo como fonte de todas as respostas para as suas inseguranças e/ou carências emocionais ou financeiras, passando assim, a demonizar, não raramente, com atos de violência (seja verbal ou física), tudo o que possa contradizer ou mesmo colocar em dúvida o “ser divino”, o seu objeto de adoração.
É aqui que entra algo que pode prejudicar muito os seus estudos:
“A busca por prestígio pode desencadear o desejo de EXCLUSIVIDADE dentro de um grupo”
Pense que são PESSOAS que reconhecerão (ou não) nossos talentos e habilidades. São PESSOAS que nos darão (ou não) uma oportunidade de emprego. São PESSOAS que nos manterão (ou não) em nossos empregos. E, ainda que tenhamos nosso próprio negócio, são PESSOAS que comprarão (ou não) nossos produtos e nos indicarão (ou não) a outras pessoas. Mesmo um influenciador digital só se torna famoso se PESSOAS começam a lhe dar fama. São essas mesmas PESSOAS, aliás, que têm o poder de cancelar o influenciador. Com o DESEJO DE EXCLUSIVIDADE, porém, todo e qualquer ato de reconhecimento e acolhimento fica muito prejudicado.
Para ilustrar, observe o relato a seguir:
Acredito que o japonês é visto como uma língua estrangeira de prestígio por muitas pessoas. É fácil aumentar o ego com isso, mesmo quando se tem apenas um conhecimento rudimentar do idioma. Eu também já caí na armadilha de me sentir presunçoso perto de outras pessoas porque sei falar um pouco de japonês. É claro que isso é burrice e há uma grande diferença entre sentir-se orgulhoso e sentir-se presunçoso. Meu conselho é que faça o que está fazendo agora. Evite as pessoas tóxicas e aproveite para passar o tempo e aprender em uma comunidade que o apoia. |
Nesta mesma linha, observe o relato de outro estrangeiro:
Todos os estrangeiros com interesse no Japão odeiam todos os outros estrangeiros com interesse no Japão. (...) Estrangeiros que falam japonês estão em constante batalha entre si, competindo para provar suas habilidades linguísticas, conhecimento misterioso e capacidade de integração social. |
Agora, observe o próximo relato:
Em geral, acho que o complexo de superioridade deles se deve a uma autoestima incrivelmente baixa (em geral, pelo fato de terem sido maltratados por seus gostos e comportamentos estranhos quando eram crianças). Agora que estão mais velhos e veem que há uma comunidade inteira de pessoas “como eles”, acham que podem ser o rei dessa comunidade e se tornam o agressor (ou tentam). Eu já namorei um cara assim e ele era muito chato com essas coisas. Eu sabia um pouco mais sobre anime do que ele, mas isso não o impedia de me intimidar e me rebaixar. Eu o encontrava durante o ensino médio e a faculdade como amigo, então, percebi a escalada. Ele era um garoto quieto, estranho e solitário que sofria bullying. Então, ele começou a se vestir com roupas asiáticas na faculdade e sentiu que as pessoas o prestigiavam e o achavam legal e diferente. Ele se alimentava disso. Que idiota ele era! |
Infelizmente, não é difícil nos depararmos com comentários e/ou reclamações, seja na internet ou na vida real, sobre a toxicidade dos estudantes de japonês. Como estamos abordando, de fato, existe uma certa MÍSTICA com relação às línguas orientais, como se quem conseguisse aprender (ou mesmo ainda está aprendendo) fosse alguém acima da média. Isso faz com que, no geral, haja muita vaidade entre os estudantes de língua japonesa ("Eu já sou JLPT 1", "Eu já sei 2.000 Kanjis", "Eu já sei 3.000 palavras", "Eu sei mais gramática do que um japonês nativo", etc.) e com isso vão se criando ambientes extremamente competitivos, em vez de ambientes acolhedores e de reconhecimento como deveria ser.
Por falar em vaidade e ambientes competitivos em vez de ambientes acolhedores, talvez, aqui encontramos uma vantagem dos cursos tradicionais e aulas particulares SE estivermos tendo dificuldade para encontrar um ambiente de recompensas. De certa forma, um bom professor particular ou um bom curso tradicional podem ser um meio inicial para desenvolvermos o destemor, pois um professor particular ou um curso tradicional nos acolhem e são adaptativos ao nosso nível.
Assim, podemos ir nos expressando mesmo com um conhecimento ainda limitado e mesmo ainda tendo insegurança. Isso até que sintamos que o nosso japonês se tornou pelo menos funcional, isto é, nós nos tornamos capazes de entender e sermos entendidos, ainda que tenha que haver ajustes como pedir que usem palavras mais simples ou falem mais devagar. Afinal, fluência e repertório são coisas distintas. Uma pessoa pode ser fluente e não ter repertório (o caso de muitos nativos) ou ter repertório, mas não ser fluente (o caso de muitos estudantes de línguas estrangeiras).
Além disso, refletindo recentemente sobre os nossos fracassos com colaboradores diretos, digamos que encontramos mais uma vantagem dos cursos tradicionais e professores particulares presenciais, o que de certa forma se aplica a qualquer tipo de relacionamento humano.
O mundo virtual tem muitos pontos positivos, mas ele proporciona duas coisas que facilitam muito o modo de agir daqueles que buscam criar personagens de si mesmos para impressionar e tirar proveito em algum aspecto: o TEMPO e a DISTÂNCIA.
Em cursos ou com um professor particular presencial, o estudante tem o que chamaremos de ATESTAÇÃO EM TEMPO REAL DA HABILIDADE do professor (ou curso). Isso também vale para os nossos companheiros de estudos presenciais (ambiente de recompensas).
No mundo virtual, tendo a seu favor o TEMPO e a DISTÂNCIA, uma pessoa com a intenção apenas de impressionar pessoas e tirar delas proveito pode montar um completo teatro (escrevendo postagens difíceis, desmerecendo constantemente outras pessoas por motivos banais, dizendo possuir um nível de conhecimento que no mundo real não tem, etc.) E se for questionado, tem o TEMPO e a DISTÂNCIA a seu favor. Pode pesquisar no Google ou perguntar a alguém e se "apropriar" da resposta em postagens ou mensagens próprias. Além disso, pode até mesmo usar a tática da “falsa autoridade” para fundamentar seus erros e idealizações – por exemplo, “eu tenho um amigo (inexistente) que é médico que disse!”.
Impressionadas com toda essa ostentação falsa, pessoas podem perder tempo e até mesmo dinheiro, felizes achando que finalmente encontraram um amigo ou professor virtual muito conhecedor do assunto (só que não!). Na verdade, é o criador desse teatro todo que quer alguma coisa de quem nele acredita.
Claro que nem todas as pessoas na internet agem assim. Claro que podemos encontrar "criadores de teatro" no mundo real também. Porém, convenhamos que no mundo real é mais fácil identificar essa situação porque podemos confrontar em tempo real a pessoa. Ela não tem o TEMPO e a DISTÂNCIA a seu favor para pesquisar ou perguntar a outra pessoa e se apropriar da resposta. Presencialmente, a enrolação ou desqualificação de quem confronta são táticas geralmente usadas para tentar encobrir o teatro.
Um conselho que damos é que se houver incoerência entre o que a pessoa diz de si mesma (frequentemente engrandecendo-se e desmerecendo os outros) e o seu comportamento concreto, leve sempre em consideração o comportamento e não considere as palavras.
Outro ponto sobre o qual devemos refletir é este:
“O fanatismo pelo Japão, via de regra, não nos trará nenhum benefício concreto”
Ao ler este tópico, você deve ter pensado que somos malucos, pois aparentemente não existe relação entre a identidade e unidade japonesa e o fanatismo dos estrangeiros pelo Japão. Porém, uma vez que o fanatismo e a busca por prestígio podem estar juntos, faz sentido relacionar esses dois fatores.
Nenhum tipo de fanatismo é saudável e, na medida que dificilmente um estrangeiro conseguirá preencher todos os elementos da identidade japonesa, o fanatismo pelo Japão não nos proporcionará uma melhor aceitação pelos japoneses! Em um primeiro momento pode até causar uma boa impressão nos estrangeiros que admiram o Japão, mas isso também não é algo duradouro. Ou seja, o fanatismo pelo Japão, que de início pode causar realmente uma boa impressão em outros estrangeiros, pode, a longo prazo, fazer com que pareçamos estranhos e deslocados socialmente. Não raramente vemos estrangeiros fanáticos pelo Japão tentando passar pano a todo custo para o Japão, o que pode fazer com que esses estrangeiros fanáticos sejam muito mal vistos, assim como um fanático político ou religioso é mal visto. Além disso, assim como um fanático político ou religioso tende a afastar pessoas da política ou da religião em vez de atrai-las, um fanático pelo Japão tende a afastar pessoas do Japão em vez de atrai-las.
Em outras palavras, do ponto de vista japonês, o fanatismo pelo Japão de um estrangeiro é totalmente inútil, pois este dificilmente será visto como um japonês pelos japoneses. Do ponto de vista dos estrangeiros, é uma faca de dois gumes: pode nos fazer parecer chiques no início, mas a longo prazo, isso pode acabar fazendo com que pareçamos estranhos e, por isso, seremos desprestigiados socialmente. Portanto, o fanatismo pelo Japão, longe de ser um caminho para a aceitação ou para o prestígio social, é uma estrada que leva a alienação e desilusão.
Para ilustrar, observe o ponto de vista a seguir:
Animes em si não são necessariamente ruins; eu já gostei de alguns. Mas por que as pessoas acham que é normal dedicar sua própria identidade a isso? Se você não é um criador de conteúdo, que literalmente é sua carreira, você está obcecado por um produto, uma cultura e um estilo de vida opressor. O Japão costumava ter uma cultura de guerreiros. Pare de correr como o Naruto, pare de usar orelhas de gato; construa sua vida com base em hábitos saudáveis. Se você não sair dessa fase, nunca será visto como alguém aceitável no mundo real. Podemos voltar a apreciar a cultura japonesa e seus derivados sem normalizar a obsessão por ela? |
Observe o próximo comentário:
Eles têm um fetiche pela cultura asiática de forma doentia e, se pensarmos bem, quando fingem ser japoneses, isso é muito racista. Eles tratam os asiáticos como mercadorias de anime em vez de pessoas de verdade. Eles glorificam demais os asiáticos, como se fossem superiores a outras raças, o que, por si só, é racista. Eles fazem os asiáticos de verdade se sentirem muito desconfortáveis e constantemente estereotipam os asiáticos como personagens de anime. (…) Eles não conseguem distinguir entre um desenho animado e a realidade. Anime não é realidade, e eles parecem não entender isso. Você não consegue ir a um restaurante asiático sem que eles falem com um sotaque asiático/de anime detestável, o que é realmente ofensivo e racista e constrange todos os presentes. Eles tratam os países asiáticos como convenções de anime. (…) Eles são irritantes e racistas de uma forma meio cafona. |
Lembrando que estamos falando de fanatismo e certos traços estão presentes em qualquer tipo de fanatismo. Agora, imagine que situação desagradável a de um fanático: a pessoa se propôs a abrir mão de muitas coisas, brigou com amigos e familiares, evitou contato com muitas pessoas... tudo em nome de seu objeto de adoração, que no fim o acabou decepcionando.
Vale a pena?
Outro ponto importante é este:
“O fanatismo dos estrangeiros pelo Japão prejudica os próprios japoneses!”
Com discursos muitas vezes vitimistas, do tipo “São os estrangeiros que não entendem os japoneses", os fanáticos pelo Japão frequentemente passam pano para muitos atos questionáveis dos japoneses, tratando-os como quase deuses e chegando a relativizar a xenofobia: “a xenofobia pelo menos preserva a cultura!”. Ao mesmo tempo, esses mesmos estrangeiros fanáticos pelo Japão costumam inferiorizar os estrangeiros, sendo eles mesmos também estrangeiros!
Outro recurso MUITO usado pelos fanáticos pelo Japão é o chamado “Tu quoque”, expressão latina que significa “Você também”, e se refere à atitude de tentar mostrar que um argumento é inválido por causa das ações e/ou palavras da pessoa que profere tal argumento. É um recurso que visa usar a (suposta) hipocrisia como evidência da falsidade de um argumento. Por exemplo:
Fulano: “Fumar não é saudável. Você realmente deveria parar”.
Sicrano: “Você também fuma há 10 anos, portanto, seu argumento é falso”.
O “Tu quoque”, também chamado de “apelo à hipocrisia”, é falacioso, porque rejeita o argumento com base apenas nas supostas falhas do outro, ignorando, assim, fatos concretos (no caso, fumar é realmente prejudicial à saúde). O filósofo americano Scott F. Aikin diz que a hipocrisia do argumentador NÃO é necessariamente uma evidência da falsidade do que ele argumenta. Ainda, Leandro Karnal, historiador, professor e escritor brasileiro, diz que “ao invés de responder ao argumento, eu mostro a hipocrisia ou duplicidade de julgamento do interlocutor”. Segundo ele, é um recurso “indicando vazio de contra-argumento”.
É óbvio!
Dizer, por exemplo, que fumar não é saudável é um fato concreto e atestável independentemente de quem afirme isso, ainda que esteja agindo com hipocrisia. São coisas completamente distintas, isto é, a hipocrisia NÃO altera o fato concreto de que fumar é prejudicial à saúde.
No caso do Japão, é muito comum o “Tu quoque” ser usado para defender a ideia de que o Japão é um país superior e, se existe algo de ruim nele, TODOS os outros países fazem a mesma coisa (ou já fizeram isso, ainda que em um passado distante). Logo, ninguém teria moral para apontar os pontos negativos do Japão. Veja um exemplo (baseado em um diálogo real):
Sicrano: “O modelo de educação do Japão é o único que gera civilidade!”
Fulano: “Se o Japão é o único país do mundo realmente civilizado, por que cometeu grandes atrocidades em um passado recente?”
Sicrano: “Deixe de frescura! Todos os países cometeram grandes atrocidades no passado”.
Poderíamos até dizer que Sicrano caiu em uma grande contradição, pois, pelas próprias palavras dele, o Japão NÃO seria um país modelo de civilidade, já que ele se igualaria a TODOS os outros países em termos de grandes atrocidades cometidas no passado. Ora, um país modelo em civilidade deveria mostrar a todos os outros países “não civilizados” como agir civilizadamente e não se igualar a eles na brutalidade. Se tudo de ruim que existe no Japão existe também em todos os outros países, onde está a suposta “superioridade” do Japão?
Todo esse fanatismo pelo Japão, porém, transforma os próprios japoneses em vítimas da arrogância, extremismo e intolerância dos estrangeiros fanáticos, pois, na prática, eles acabam forçando os próprios japoneses a se encaixarem totalmente no ideal desses fanáticos, sob pena de serem tratados como inferiores, hereges de uma denominação religiosa a “vergonha para o Japão”.
Logo, fica a pergunta: “Será que os fanáticos pelo Japão realmente prezam pelo Japão ou apenas tratam o Japão e os japoneses como OBJETOS que devem satisfazer seus fetiches, preenchendo assim um vazio interior?”
Veja um interessante relato:
Estou morando no Japão. De acordo com minha experiência até agora, observo que há duas razões principais (para o fanatismo pelo Japão): identidade social e sexualização. Pelo que tenho percebido, as pessoas aqui que têm um intenso afeto pelo Japão e pela cultura japonesa são geralmente aquelas que são vistas como “esquisitonas” (alguém socialmente deixado de lado) em seus respectivos países. As pessoas com as quais trabalho (a grande maioria delas vem de países ocidentais) são um pouco “excêntricas” (uma palavra melhor seria, sinceramente, “esquisitas”) e têm um fascínio pela cultura (ou um interesse sexual pelas pessoas, para ser sincero). Eles sentem que NÃO pertencem ao seu país de origem, porque os outros os tratam como estranhos, apesar de serem pessoas nativas. Aqui no Japão, eles ainda são tratados como alguém de fora, mas nessa situação eles o são de fato. Isso é muito mais fácil para a nossa psique processar e aceitar. Ainda assim, em certa medida, há uma ilusão de que eles podem se tornar japoneses ou participar da cultura da mesma forma que os próprios japoneses. A realidade é que eles nunca serão aceitos na sociedade japonesa convencional (mas, por alguma razão, eles reagiriam a essa afirmação e diriam: “Não! Meus amigos japoneses me amam! Eles me aceitam!"). O outro elemento em ação é a coisificação da cultura (que eu pessoalmente acho que pode se manifestar sexualmente). O Japão é literalmente o extremo oposto do Ocidente. Até mesmo a Coreia e a China têm semelhanças básicas, sejam culturais ou estéticas, com os países ocidentais – e o Japão representa exatamente o oposto (daí a atração dos mal-adaptados mencionados acima). Esse caráter exótico atrai as pessoas e, suponho, pode se manifestar em forma de obsessão. Gostaria de mencionar que a maioria dos estrangeiros com quem trabalho (homens) tem esposas japonesas. Eu diria que 80% deles são casados (alguns deles ainda na faixa dos 20 anos), e todos com mulheres japonesas. Isso me leva a crer que muitas dessas pessoas vieram para cá para se casar. A maneira como eles falam e olham para as mulheres também é um pouco nojenta. Certamente há uma dinâmica sexual por trás disso. |
Veja a seguir o relato de outro estrangeiro que mora no Japão e que tem basicamente a mesma percepção:
Há dois grupos que enxergam os japoneses como superiores: (1) Pessoas não japonesas que são fanáticas pelo Japão; (2) Japoneses (provavelmente não todos). O primeiro grupo não deve ser levado a sério. Essas pessoas estão usando o Japão para representar a sua própria falta de autoestima. Os fanáticos pelo Japão têm dificuldade de se socializar em seu próprio país ou estão tentando se tornar mais interessantes se associando a uma realidade externa: algumas pessoas compram carros esportivos, outras tentam se tornar mais japonesas do que os próprios japoneses. É apenas uma coisa diferente com a qual podem se associar. O engraçado é que até mesmo os japoneses acham que os fanáticos pelo Japão são estranhos, e não se sentem muito felizes ao ter contato com eles. Os japoneses até usam o termo “perdedores em casa” para se referir a eles. Eu também costumo sentir pena dessas pessoas. Como identificar um fanático pelo Japão? É qualquer pessoa (...) que fala do Japão apenas nos melhores termos e minimiza os muitos aspectos negativos do país e da cultura. Eles (...) tentam gritar e desacreditar qualquer opinião que seja contrária às crenças que eles formaram sobre sua única fonte de autoestima, o Japão. O segundo grupo são os próprios japoneses. E eles também não devem ser levados a sério. Mesmo que a maioria não admita imediatamente, eu percebo que a grande maioria dos japoneses tende ao chauvinismo (patriotismo fanático, agressivo; entusiasmo excessivo pelo que é nacional, e menosprezo sistemático pelo que é estrangeiro) considerando-se, assim, superior a todos os outros asiáticos, a ponto de alguns dizerem de si mesmos que “não são realmente asiáticos, mas mais próximos dos europeus”. Sim, você provavelmente insultará um japonês simplesmente se referindo a ele como sendo “asiático”. (...) É verdade que atualmente os japoneses não estão invadindo, matando ou escravizando outros povos asiáticos, mas a ideologia que tornou essas coisas possíveis no início do século XX tem sido deliberadamente mantida viva por meio do sistema educacional e da mídia. [NOTA: provavelmente ele se referiu à ideia do excepcionalismo japonês, a qual abordamos anteriormente] Moro no Japão e já presenciei japoneses se vangloriando sempre que saem notícias negativas sobre outro país asiático (a mídia japonesa está ativamente procurando notícias ruins ou as criando do nada). Eles dirão, por exemplo, “Você já ouviu falar da China? É muito perigosa!!!” e usarão isso como uma prova de que o Japão é superior. Os japoneses não entendem que qualquer notícia ruim sobre o Japão tem pouquíssimas chances de chegar até o público, permitindo que façam uma comparação correta entre seu próprio país e os outros, já que a mídia japonesa é organizada e age como um órgão de relações públicas do governo japonês, visando esconder notícias negativas sobre o Japão. Daí a classificação muito baixa do Japão no índice de liberdade da imprensa (70ª posição em 2024 caindo duas posições em relação à 2023 e sendo o pior pais do G7, segundo o relatório do “Repórteres sem Fronteiras”), um lugar vergonhosamente baixo para um país democrático supostamente moderno. Portanto, (...) ninguém que possa ser levado a sério pensa que os japoneses sejam “superiores e os únicos asiáticos civilizados”. |
Tratando na verdade os japoneses como objetos, os estrangeiros fanáticos não querem que o Japão evolua e os japoneses busquem melhores oportunidades para suas vidas. Apenas usam o Japão e os japoneses como seu narcótico diário.
É claro que o próprio Japão tem grande culpa nisso ao vender para o mundo a imagem de país perfeito. Mas os japoneses têm total direito de não quererem se adequar a essa propaganda.
Além disso, podemos dizer que o fanatismo mais AFASTA pessoas do que as atrai. Quantas pessoas se afastam da religião, da política, dos esportes por causa da violência e intolerância presentes em maior ou menor grau nesses grupos? Logo, o fanatismo pelo Japão prejudica muito a imagem do Japão e dos japoneses.
Aliás, já pensou que sua dificuldade para encontrar amigos japoneses pode estar justamente nisso? Ou seja, de tanto querer “respeitar” a cultura japonesa e agir como um japonês, será que você não se torna desnecessário e ofensivo para os japoneses que não querem mais ser como os japoneses?
Diante de tudo o que abordamos neste tópico você pode pensar:
“O nosso cérebro não foi feito para ser bombardeado por estímulos diferentes e os próprios psicólogos afirmam que ‘menos é mais’, em referência ao paradoxo da escolha. Sendo assim, os japoneses não estariam certos em se ‘blindar’ das influências externas, buscando ‘apenas viver com o necessário’?”
Respondemos que um médico pode acertar muito no diagnóstico de uma doença, mas também pode errar muito no tratamento dessa doença. Uma coisa é dizer que menos estímulos para o nosso cérebro é melhor. Nisso os especialistas estão de acordo. Outra coisa é forçar as pessoas a terem menos estímulos através de ações extremamente questionáveis para os tempos atuais.
Por exemplo, muito se relaciona as redes sociais com a baixa autoestima devido aos supostos altos padrões nelas exibidos, o que tende a causar em que vê tudo isso a sensação de que sempre está abaixo desses padrões.
Vamos banir as redes sociais ou obrigar as pessoas a NÃO usá-las?
Claro que não! A tecnologia, as redes sociais, o excesso de opções e o acesso facilitado a elas, embora tragam pontos negativos, são coisas necessárias para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. A chave é o USO CONSCIENTE de todas essas coisas. E para que haja uso consciente, é preciso que as pessoas tenham LIBERDADE para conhecer, ter informações e escolher, coisa que o Japão parece ainda não querer dar plenamente a seus cidadãos.
Imagine-se numa estrada: você está indo reto, mas logo à frente aparece uma curva. O que você faz? Continua indo reto ou faz a curva?
Faz a curva para ACOMPANHAR e CONTINUAR na estrada, não é mesmo?
Assim é o nosso mundo! Não sabemos quais curvas virão à frente, mas se quisermos continuar na estrada, temos que ser flexíveis às curvas que aparecerem, sob pena de sairmos da estrada e de ficarmos para trás!
Mas parece que o Japão quer ignorar as curvas e fazer seus cidadãos não terem a possibilidade de fazer as curvas por si mesmos.
Poderíamos dizer que a cultura japonesa se baseia na ideia da “mesmice”. Ela nasce de uma visão rígida de que qualquer coisa fora da norma é vista com estranheza. Qualquer coisa que possa causar um desequilíbrio nessa "mesmice" é desaprovada quase que religiosamente pelo governo e, surpreendentemente, pela nação como um todo. É como se os japoneses adotassem o princípio "o que não vejo, não existe”.
O grande problema dessa blindagem contra “estímulos diferentes” é que isso não se restringe a coisas ou ações, mas se estende a pessoas diferentes! Homossexuais, pessoas com deficiência, etc. Por isso, não é de se espantar que os japoneses se cobrem tanto para que se mantenham os protocolos sociais impostos nos mínimos detalhes. E isso recai também sobre os estrangeiros: falta de empatia com tentativas de imposição cultural total aos estrangeiros e ridicularização/evitamento deles (ao ponto de haver xenofobia) caso não cumpram esses protocolos sociais nos mínimos detalhes.
De certa forma, isso nos faz lembrar da fala do psicólogo Marcos Lacerda, que destacamos no tópico “O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL”:
“Existe uma grande vingança social que é a seguinte: eu não posso ser o que eu quero. Está certo! Eu vou pagar esse preço, mas eu vou cobrar a mesma coisa de você. Você também não será livre!”
Isso se aplica a todos nós, mas será que no fim das contas a rigidez da cultura não faz dos japoneses pessoas revoltadas e, por isso, vingativas e passivo-agressivas com qualquer coisa ou pessoa minimamente diferente?
Essa pergunta pode parecer provocativa, mas é necessária. Aliás, veja a seguir as palavras de um japonês ao responder à pergunta: “Algumas culturas formam pessoas mais passivo-agressivas do que outras?”
Definitivamente, eu diria que meu país natal, o Japão, ou mais especificamente a cultura japonesa, desenvolve muitos traços de agressividade passiva nas pessoas. Os japoneses são conhecidos por serem educados e flexíveis, por obedecerem às regras e por não fazerem objeções. No entanto, toda essa aparência de ordem tem um custo enorme, pois, afinal de contas, eles são humanos como todo mundo. É preciso uma enorme força psicológica e sacrifício para manter, em um nível superficial, essa polidez intacta na sociedade, tanto que a hostilidade e o ressentimento acumulados se infiltram na vida cotidiana das pessoas de maneiras inesperadas, sutis e extremas. O resultado final não é apenas o comportamento passivo-agressivo, mas também fenômenos nacionais, como altas taxas de suicídio, altas taxas de bullying escolar e uma associação sombria de sexualidade e imagens infantis, conforme evidenciado pelos grupos de meninas idols no Japão, cujos membros mais jovens geralmente estão no início da adolescência, enquanto a maioria dos fãs são homens japoneses de meia-idade. Conclusão: só posso falar sobre o Japão, mas, pelo que percebi, quanto mais reprimida, formal e rígida for uma cultura, mais ela promove o comportamento passivo-agressivo. |
Vamos prosseguir com nossas reflexões…
XXXVI. AINDA VALE A PENA APRENDER JAPONÊS?
Apresentamos a seguir um trecho de “Alice no País das Maravilhas”:
— Ufa, até aqui tudo bem — comentou Alice. — Você poderia me dizer, por favor, para qual lado devo seguir?
— Isso depende bastante de aonde você quer chegar — respondeu o Gato.
— O lugar não me importa… — disse ela.
— Então também não importa para qual lado você vai — afirmou o Gato.
***
Ao longo desta seção estamos abordando alguns pontos que podem fazer com que você fique em dúvida se REALMENTE vale a pena aprender japonês.
É isso que desejamos!
Como assim?
Como o nosso cérebro aprende baseado na importância que algo tem para nós, é muito importante que saibamos onde realmente estamos pisando para que decidamos se vale pagar o preço ou não.
Neste sentido, muito sábio é o conceito de “custo de oportunidade”, que não nos diz a respeito dos ganhos, mas sim das nossas perdas por não escolher outras alternativas disponíveis. Então, a pergunta não deveria ser “O que ganharemos por escolher o Japão?”, mas sim esta:
“O que PERDEREMOS por escolher o Japão e não outros países (outras opções disponíveis)?”
O problema é que muitas vezes analisamos as coisas com uma “visão de túnel” como se existissem apenas dois países no mundo: Brasil e Japão. Assim, logicamente a nossa tomada de decisão fica muito prejudicada! O que queremos dizer é que, a depender da REFERÊNCIA usada para a comparação, as conclusões podem variar e, com isso, a nossa visão se fechar ou se expandir. Por exemplo, via de regra nós brasileiros acreditamos que o Brasil é um país ruim. Porém, para pessoas de países como a Venezuela, o Brasil é uma terra de oportunidades.
Outro problema referente ao nosso processo de tomada de decisão, principalmente quando estamos muito apegados emocionalmente a algo, é o chamado “viés do sobrevivente”. É uma tendência de considerarmos um pequeno grupo bem-sucedido como uma representação do grupo como um todo. Você já deve ter ouvido aquela máxima que diz que “A exceção é a regra do burro”. Apesar de dura, ela tem um fundo de verdade, pois nos diz a respeito do viés do sobrevivente. Mesmo diante de inúmeros casos que contrariam suas expectativas, as pessoas preferem se iludir com fatos decorrentes de exceções.
Usar a exceção bem-sucedida com regra geral de algum modo se conecta com um conceito que mencionamos anteriormente: a hipótese do mundo justo, que indica a nossa resistência instintiva em aceitar a arbitrariedade do mundo, isto é, não queremos acreditar na possibilidade de que o mundo venha a ser injusto conosco e incontrolável. Precisamos sempre nos sentir no controle e conhecedores das regras do jogo. Precisamos encontrar ou conhecer padrões de causa e efeito infalíveis. É daí que talvez nasceu o conceito de meritocracia, que nos induz a acreditar erroneamente que o mundo e as pessoas são como entes robóticos, movidos por princípios imutáveis e sem liberdade individual para interpretar as coisas da forma que for mais conveniente (e NÃO necessariamente justa e meritocrática) para elas. Afinal, agir com justiça e reconhecer o mérito de alguém pode representar uma PERDA para a pessoa (perda de cargo numa empresa, perda de prestígio, abalo da zona de conforto, perda de vendas, dor emocional, etc.).
A imagem acima exemplifica como a ideia de justiça (e mérito) como princípios certeiros é muito cômoda de ser defendida por aqueles que já estão numa posição privilegiada dentro de um grupo. Em contrapartida, diríamos que a única regra que existe neste contexto é que oportunidades SEMPRE chegarão a nós através de PESSOAS e, por isso, tudo dependerá de como PESSOAS nos enxergam e enxergam nossos esforços e resultados.
Em outras palavras, se estivermos rodeados por pessoas que nos enxergam verdadeiramente de MANEIRA POSITIVA e que estão dispostos a reconhecer o valor dos nossos esforços e resultados, pouco será necessário. No entanto, se estivermos rodeados por pessoas que nos enxergam de MANEIRA NEGATIVA e que NÃO estão dispostos a reconhecer o valor de nossos esforços e resultados, NADA será suficiente, não importa o que façamos. Entender isso é fundamental para que selecionemos melhor com com quem caminharemos e para quem dedicaremos os nossos esforços.
“Uma das grandes razões de nossos fracassos está no fato de que perdemos muito tempo caminhando e nos esforçando para as PESSOAS ERRADAS. Elas já fecharam a porta para nós, mas perdemos tempo tentando conquistá-las!”
Para exemplificar, em meados de 2022 um vídeo recomendou alguns sites para aprender japonês, e dentre eles estava o Ganbarou Ze!. Um dos comentadores, porém, disse “… o ganbarouze ainda é incompleto comparado ao guia do tae Kim. Tô falando que traduziram completamente o guia do Tae kim, que por sinal... é melhor do que o ganbarouze, mas não quero desmerecer o trabalho dele”. (destaques nossos)
Perceba como a individualização extrema pode ser extremamente prejudicial para análises e para a tomada de decisões, pois ao individualizarmos extremamente os acontecimentos e as experiências, é possível fundamentar qualquer coisa. Sempre haverá pessoas que dizem, por exemplo, já terem visto unicórnios, o saci-pererê ou a mula sem cabeça. Assim, recomendamos que você também reflita:
“Aquilo que eu desejo é possível? Se for possível, é estatisticamente bem provável?”
Um exemplo clássico que ilustra bem a diferença entre o possível e o provável é a MEGA-SENA:
➩ É possível ganhar na Mega-Sena? SIM!
➩ É provável que se ganhe na Mega-Sena? Estatisticamente, NÃO (as chances são de 1 para cada 50.063.860, o que resulta em aproximadamente 0,000002%)!
➩ CONCLUSÃO: A “regra” é NÃO ganhar. Por ser um “investimento de altíssimo risco”, em sã consciência ninguém apostaria todo seu dinheiro na Mega-Sena, mas apenas pequenos valores.
Por isso, o ideal é considerarmos o AMBIENTE (como as pessoas enxergam a nós, nossos esforços e resultados) e as ESTATÍSTICAS, pois, embora o futuro seja sempre incerto e tudo pode ser possível, a probabilidade para que as coisas aconteçam varia. Por exemplo, uma pessoa que acha que se tornará facilmente bem-sucedida no Japão porque um influenciador digital ou um jogador de futebol estrangeiro se tornaram facilmente bem-sucedidos. Porém, ela não reflete se esses dois exemplos representam uma ocorrência comum ou, na verdade, representam uma ocorrência rara, uma exceção.
Agora, gostaríamos de trazer mais um ponto para reflexão:
“Você NÃO tem tempo, força de trabalho e recursos ilimitados!”
Como estamos abordando, falar de futuro é sempre falar de possibilidades. É um jogar de dados e o máximo que podemos fazer é, baseados em variadas estatísticas comparadas, dizer o que é mais provável de acontecer dada determinada circunstância. Tudo tem o seu preço, mas neste sentido, objetivos abrangentes são preferíveis a objetivos restritos.
No caso de trabalhar e morar no exterior é preciso levar em conta que isso exigirá de nós tempo e dinheiro. Dinheiro sabemos que não é ilimitado; o tempo também não é ilimitado, na medida que não estaremos para sempre aptos como mão de obra. Além disso, aprender uma língua e adaptar-se a um novo país consomem tempo!
Até quantos anos pode-se trabalhar e ser útil como mão de obra, tendo um bom salário? 40 ou 50 anos? Ou seja, poderíamos dizer que nossa utilidade como mão de obra é por volta de 30 anos (ou até menos)!
Não há como negar que, para quem deseja viver e trabalhar no exterior, a língua inglesa é a que nos dá mais possiblidades. Neste sentido, não há nem como comparar com a língua japonesa, que é muito restrita. Aliás, o site Babbel Magazine listou as 11 línguas mais faladas no mundo usando como critério o NÚMERO DE PAÍSES que adotam determinada língua como oficial ou cooficial. Seguem as 5 primeiras:
Segundo a revista online portuguesa PROFFORMA, o domínio do inglês “significa crescimento, desenvolvimento e, acima de tudo, melhores condições para acompanhar as rápidas mudanças que têm vindo a ocorrer. O Inglês abre assim as portas para o desenvolvimento pessoal, profissional e cultural. Há estimativas de que 85% das publicações científicas do mundo, 75% de toda a comunicação internacional por escrito, 80% da informação armazenada em todos os computadores do mundo e 90% do conteúdo da Internet são em Inglês”.
Supondo que você aposte todas as fichas na língua japonesa, não há como negar que suas possibilidades estarão reduzidas, até mesmo se precisar se reinventar e procurar trabalho em outro país.
Frequentemente podemos nos deparar com comportamentos extremamente agressivos de estrangeiros entre 40 e 50 anos, que, ao serem questionados sobre os pontos negativos do Japão, procuram negá-los a todo custo. Isso é compreensível, pois não deixa de ser um mecanismo de defesa para não ter que aceitar a ideia de que precisam se reinventar já estando com o seu tempo de mão de obra no limite ou, sendo mais jovem, tendo investido muito alto no Japão.
Observe o relato a seguir:
Eu acho que, se você trabalha em uma empresa de língua inglesa ou em uma empresa totalmente estrangeira que lhe paga em um padrão internacional, pode valer a pena morar aqui (sem considerar a solidão e a vida social de péssima qualidade). Porém, para as pessoas que pretendem aprender japonês e depois planejam trabalhar no Japão, isso é totalmente sem sentido. Como seus 40-50% de energia serão desperdiçados para entender as complicadas regras e cultura japonesa, que só lhe serão úteis para trabalhar no Japão, os 50% restantes serão dedicados ao seu trabalho principal. Imagine só, depois de alguns anos, se você decidir ou quiser trabalhar em outro país, seus 50% de trabalho árduo para entender a complicada cultura de trabalho japonesa acabarão na lata do lixo. |
Não estamos dizendo que você não deve estudar japonês em hipótese nenhuma, afinal ninguém é capaz de prever o futuro com extrema exatidão. Estamos apenas falando de possibilidades! Apenas queremos que você esteja ciente de que suas possibilidades estarão reduzidas. Apenas queremos que você esteja ciente de que apostar TODAS as suas fichas na língua japonesa e no Japão poderá dificultar muito uma futura mudança de rota. Por que não pensar no Japão apenas como um destino para suas férias?
E já que estamos falando de objetivos mais restritos e mais amplos, façamos agora um contraponto ao tópico “INGLÊS, A LÍNGUA UNIVERSAL?”, no qual afirmamos que a melhor forma de se comunicar com um nativo de qualquer país é falando a mesma língua dele.
Não encare isso como dogma, pois ninguém duvida (e a realidade concreta atual e globalizada nos IMPÕE isto) que é preciso haver abertura para ADAPTAR a comunicação quando necessário. Ou seja, entre pessoas que falam línguas diferentes é preciso haver uma língua comum que possibilite a comunicação. Gostemos ou não, esta língua comum atualmente é a LÍNGUA INGLESA!
No tópico “INGLÊS, A LÍNGUA UNIVERSAL?” mencionamos que na edição de 2021 do Índice de Proficiência em Inglês da EF, o Japão ficou na 78º posição. Já na edição de 2022, o Japão caiu duas posições em relação a 2021 ficando na 80º posição em um ranking com 111 países. Tal posição classifica o Japão como tendo “baixa proficiência” e, ao contrário do que se pode esperar, o Japão só vem perdendo posições neste ranking ao longo dos anos. Vejamos:
Em uma entrevista um famoso influenciador digital japonês disse, em outras palavras, que não há nada de errado em os japoneses não saberem inglês e que é arrogância dos estrangeiros esperarem que os japoneses se comuniquem em inglês. Ele disse: “Não seja esse tipo de estrangeiro”. Também, disse que “você não pode esperar que os japoneses aprendam inglês a menos que você aprenda japonês”.
Ao influenciador digital japonês parece faltar um senso de relevância dos idiomas. Ele fala como se inglês e japonês tivessem a mesma relevância e alcance no mundo.
É claro que não! E isto não é um achismo. É um FATO CONCRETO e facilmente ATESTÁVEL.
O japonês é uma língua restrita, local, ao passo que o inglês se tornou uma língua global. É a língua que UNE pessoas de idiomas diferentes. Portanto, NÃO É arrogância nenhuma imaginar que pessoas consigam se comunicar em inglês. É algo mais do que esperado. É uma NECESSIDADE imposta a nós pelo mundo globalizado. Bem-vindo ao mundo REAL!
O famoso influenciador digital japonês disse, em outras palavras, que não há nada de errado em os japoneses não saberem inglês. Claro que há! Os japoneses ficam para trás ao não se abrirem para a adaptação da linguagem usando o inglês, quando necessário. Não estamos mais em um mundo em que a comunicação e o intercâmbio entre países eram bastante limitados! Por esse e outros motivos, são os próprios japoneses que perdem oportunidade de melhores negócios e clientes usando placas como esta:
O famoso influenciador digital japonês disse também que “você não pode esperar que os japoneses aprendam inglês a menos que você aprenda japonês”. Com esta fala totalmente desconexa do mundo real, o arrogante nessa história acaba sendo o influenciador japonês que, dotado de um pensamento ultrapassado e mimado (nós somos assim e ponto final), não enxerga a diferença de relevância natural que há entre idiomas. Aliás, nesse quesito seria mais realista dizer que não há nada de errado em os estrangeiros não saberem JAPONÊS, já que é uma língua restrita e são os JAPONESES que deveriam se abrir às tendências comunicativas atuais! Eles que deveriam aprender inglês. E claro, porém, que para morar no Japão o ideal e saber se comunicar na língua local, mas isso vale para QUALQUER lugar.
Será que se o famoso influenciador digital japonês vier visitar o Brasil, vai vir com um português fluente ou vai ser arrogante (como ele diz) assumindo que nós brasileiros sabemos falar inglês? Aliás, ele mesmo faz seus vídeos falando em inglês com os estrangeiros.
No fundo, o influenciador digital (que felizmente não representa TODOS os japoneses mais jovens) carrega parte daquele sentimento antigo (e tolo) de superioridade japonesa. Ele coloca erroneamente o japonês e o inglês no mesmo patamar e tenta compensar o equívoco dos japoneses em não se abrirem ao inglês atribuindo aos estrangeiros o mesmo tipo de equívoco ao não aprenderem japonês, dizendo infantilmente: “você não pode esperar que os japoneses aprendam inglês a menos que você aprenda japonês”.
Como se as duas línguas tivessem a mesma relevância no mundo atual. Esta é, aliás, uma das armas dos incompetentes/ignorantes: tentar de forma fantasiosa igualar os outros a si mesmo atribuindo a eles a sua incompetência/ignorância.
Esse pensamento fechado, ultrapassado (que nenhum aspecto cultural justifica) tende a apenas prejudicar os próprios japoneses, que ficam parecendo aquele vizinho mimado e aquém das mudanças do mundo que justifica sua ignorância atribuindo-a aos outros vizinhos, que ao contrário dele, estão evoluindo.
É importante frisar que quando se fala que é importante saber se comunicar em inglês, não se está pregando o americanismo, colonialismo ou desrespeito a uma cultura local. Apenas se está apontando para um fato concreto e facilmente atestável, isto é, gostemos ou não, a língua inglesa se tornou uma língua global, é a língua que UNE pessoas de idiomas diferentes. A questão aqui é apenas a adaptação da linguagem para que possa haver comunicação entre as partes.
Abrir-se a essa adaptação de linguagem não significa de forma alguma abolir uma língua ou cultura local. Pode até ser uma forma de mantê-la, pois assim mais pessoas de fora tendem a se interessar por ela, já que torna a língua e cultura amigáveis aos estrangeiros. Muito mais do que tentativas (implícitas ou explícitas) de IMPOSIÇÃO.
Peguemos como exemplo a expansão do Cristianismo. É sabido que no tempo de Jesus havia alguns que atribuíam a si mesmos o título de Messias. Por que a mensagem de Jesus permanece até hoje e a de outros sumiu?
É claro que houve inegáveis episódios de imposição, mas uma das explicações é que a mensagem de Jesus sempre teve um caráter universal, ao contrário de outros que visavam atender aos anseios do povo local ou da elite deste povo.
Ao se dirigirem a outros povos, os discípulos de Jesus trataram de tornar a mensagem amigável usando, por exemplo, o grego, que naquela época tinha relevância parecida com a que o inglês tem hoje. Mais tarde, a Igreja foi se tornando amigável a povos ditos pagãos se utilizando de elementos da cultura destes povos.
Perceba como essa abordagem flexível facilitou a aceitação do Cristianismo em várias partes do mundo. Sendo assim, a comunicação em inglês pode perfeitamente coexistir com a preservação e valorização das línguas e culturas locais. A diversidade linguística e cultural é uma riqueza, e a comunicação em inglês pode ser vista como uma ferramenta para facilitar o entendimento e a colaboração entre diferentes partes do mundo.
Agora, analisando estatísticas e as comparando com as de outros países desenvolvidos (o que faremos a seguir), ouvindo especialistas e pessoas sensatas que já moram (ou moraram) no Japão, perceberemos que o Japão NÃO é a única opção para nós brasileiros. E diríamos mais: em termos gerais, NÃO é nem de longe a melhor opção possível atualmente. Vamos adiantar o seguinte quadro:
Não há como negar que nos últimos anos tem se criado muito “oba-oba” com relação ao Japão e à cultura japonesa. Parece que o Japão se resume a animês, mangás, alta tecnologia, ninjas, samurais, mulheres e homens fofos, etc. Isso seria a mesma coisa que dizer, por exemplo, que o Brasil tem carnaval, samba, churrasco e praia o ano todo, o que não é verdade, ainda que esses elementos façam parte da cultura brasileira.
Todos nós humanos estamos sujeitos a enxergar as coisas por meio de estereótipos, que segundo o Dicionário Aulete, é um tipo de padrão “formado a partir de uma imagem alimentada mais por conceitos fixos e preconcebidos do que pela própria realidade”. É o caminho mais fácil para o nosso cérebro. Por isso, é necessário colocar os pés no chão e apontar a realidade dos fatos, de novo, para que a pessoa decida se realmente quer pagar o preço!
Temos que considerar o dinamismo e a mutabilidade das circunstâncias. Como afirmamos anteriormente, nem sempre as velhas fórmulas produzem no presente os bons resultados que já produziram no passado. Nesse aspecto, é comum se dizer que a economia do Japão está estagnada. Se no final da década de 1980 os japoneses eram mais ricos do que os americanos, agora eles ganham menos do que os britânicos. Há décadas, o Japão vem lutando com uma economia lenta, prejudicada por uma profunda resistência à mudança e um apego obstinado ao passado. Agora, sua população está envelhecendo e diminuindo.
Confira também o ranking das dez maiores economias do mundo em 2023, segundo projeção do FMI:
De certa forma, esse ranking reflete a dificuldade que os japoneses têm de abraçar as mudanças que os novos tempos exigem. E a consequência disso é mais do que esperada: ficar para trás. Até 2010, o Japão era a segunda maior economia do mundo, quando foi ultrapassado pela China. Como vimos, se as projeções do Fundo Monetário Internacional se concretizarem, a Alemanha fechará 2023 ocupando o lugar do Japão, que não parece muito distante da Índia e do Reino Unido. Aliás, segundo uma projeção da S&P Global Market Intelligence, por volta de 2030 a Índia poderá ter superado o Japão. Ou seja, se as projeções se concretizarem, o Japão terá perdido três posições em apenas 20 anos.
Façamos uma analogia: o Brasil tem cinco Copas do Mundo, mas ATUALMENTE pode ser considerada a MELHOR seleção masculina de futebol?
O torcedor mais realista diria que NÃO, afinal as outras seleções evoluíram e desde 2002 o Brasil não tem ganhado mais nenhuma Copa. Também, não faria sentido avaliar o tempo presente através de um tempo passado distante. Seria a mesma coisa que dizer que a carruagem é o melhor meio de transporte atualmente, porque já foi no passado. Daí vem aquela famosa frase: “Futebol é momento”.
Assim como o futebol, a economia também é momento. Assim como as seleções de futebol, os países evoluem ou “param no tempo”. Para fins de comparação, em um ranking da OCDE de 2024 com 40 países, o Brasil ficou em 7º lugar como a economia que cresceu; o Japão ficou em 35º:
Um ponto que pesa negativamente para o Japão em comparação ao Brasil neste aspecto é que o Japão é um país bem industrializado e com muitas tecnologias próprias, ao contrário do Brasil. Ou seja, poderíamos até dizer que o Japão há décadas não está sabendo aproveitar e aprimorar o que conseguiu conquistar em um passado recente para construir um presente e um futuro promissores, ao ponto de economias em desenvolvimento estarem em melhor situação atualmente. Analogamente é como a seleção brasileira masculina de futebol: teve um passado glorioso, mas não soube aproveitar e aprimorar as bases construídas naquele passado para proporcionar um futebol promissor no presente e no futuro. Hoje, há muitas seleções consideradas inferiores que no campo dão trabalho ao Brasil.
A economia é dinâmica e as leis de imigração sofrem constantes mudanças. Nesse sentido estrito, atualmente qual o benefício de trabalhar no Japão que outros países (Canadá, Estados Unidos, Irlanda e outros países da Europa, por exemplo) não poderiam oferecer na mesma proporção ou até melhor ou mais facilmente para nós brasileiros?
Diante desta pergunta, fazemos outra:
“Você deseja trabalhar no Japão porque julga que os salários são bons. Porém, você chegou a essa conclusão porque só conhece o Japão como opção? Ou você já procurou se informar sobre outros países?”
Com o processo de globalização em curso, a busca por profissionais altamente qualificados tem crescido em escala mundial, intensificando a competição por talentos entre os países. Contudo, no Japão, apenas 1% dos trabalhadores altamente qualificados são estrangeiros, uma proporção significativamente inferior aos 23% no Reino Unido e aos 16% nos Estados Unidos. Uma das razões que podem explicar essa disparidade notável reside no fato de que os salários no Japão, de maneira geral, estão abaixo da média em comparação com outros países desenvolvidos. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o salário médio no Japão registrou um aumento de apenas 3% ao longo de três décadas, uma cifra consideravelmente inferior aos 40% na Coreia do Sul e aos 29% nos Estados Unidos no mesmo período.
Especialistas apontam que as empresas japonesas, apesar disso, relutam em mudar a cultura de trabalho. Hisashi Yamada, economista do Instituto de Pesquisa do Japão diz que “o Japão fica para trás por causa dos salários abaixo da média”. Esse talvez seja um dos fatores que faz Keisuke Yoshida, da Transcend-Learning, uma organização que ajuda empresas japonesas a encontrar estudantes internacionais talentosos, afirmar que “quanto mais alta for a classificação da universidade, menos os estudantes desejam trabalhar no Japão”.
Keisuke Yoshida também afirma que “quando converso com estudantes estrangeiros, eles dizem que se assustam quando veem o JLPT nível 1 como um requisito para o cargo. É como se os japoneses dissessem que não estão aptos para trabalhar no Japão, e os estudantes desistem”. E, diante das altas exigências, mas dos baixos salários, julgamos muito oportuno o que diz Kaori Akiyama, diretora administrativa da Japan-Asia Youth Exchange Association, uma organização que supervisiona estagiários: “estamos dizendo às empresas japonesas: se vocês querem mão de obra qualificada, precisam pagar mais”.
Uma pesquisa de 2021 mostrou alguns dados interessantes. Observe:
Perceba que trabalhar propriamente no Japão parece NÃO ser o desejo da maioria daqueles que querem (ou estão) estudando japonês. De acordo com os dados e falas de especialistas, este fato, no entanto, não surpreende.
Muitas exigências das empresas, dificuldade de adaptação (cultura fechada, inflexível e muito diferente para muitos, falta de acolhimento dos japoneses, etc.) e salários baixos em comparação a outros países desenvolvidos. Diante disso, muito sensata é a fala do Baka Gaijin, youtuber brasileiro que mora no Japão:
“Se você está pensando em sair do Brasil só por causa de dinheiro, é melhor você ir tipo para o Canadá. Lá a imigração é menos exigente do que aqui no Japão e os salários são até mais altos do que aqui no Japão. Para você querer competir no mercado de trabalho japonês, tem que ser por que você GOSTA do Japão e você quer morar aqui especificamente”
Segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de 2023, os dez países mais atraentes para trabalhadores altamente qualificados são:
Quando se trata de atratividade para fundadores de start-ups, os dez países melhores colocados foram:
Mesmo diante desses fatores, não raramente presenciamos pessoas justificando ou se cegando para os aspectos negativos do Japão por causa da segurança, organização e/ou salários melhores em comparação ao Brasil.
Contudo, não vemos sentido algum em tal atitude, porque o Japão NÃO é o ÚNICO país a oferecer melhor segurança, organização e salários em comparação ao Brasil. O raciocínio, aliás, deveria ser: “Atualmente, qual país DESENVOLVIDO não ofereceria melhor segurança, organização e salários em comparação ao Brasil?”.
Mesmo que inconscientemente, as pessoas levam em consideração essas variáveis e isso acaba afetando o grau de importância que elas dão ao aprendizado da língua japonesa ao longo do tempo. Some-se a isso a resistência dos japoneses a mudanças (em parte devido ao governo e à falta de alternância de poder), o que aumenta mais a insegurança das pessoas com relação à economia do país e à qualidade de vida. Ao dar menos importância, é natural que o engajamento da pessoa diminua gradativamente.
Outro ponto a se considerar é que a língua japonesa restringe muito as nossas possibilidades.
Quando tratamos de metas, estamos falando sempre de futuro e, consequentemente, de possibilidades. E neste quesito, não há como negar que, considerando determinadas variáveis atuais, algumas possibilidades são mais propensas de ocorrer em comparação a outras.
Perguntamos: será que muitos de nós não nos desmotivamos com o estudo da língua japonesa justamente por que em dado momento nos damos conta de que as possibilidades que ela nos oferece são, atualmente, muito restritas?
Façamos uma analogia: suponhamos que deem a você um prêmio de R$ 100.000 caso você consiga fazer com que dois dados caiam com o número 6 para cima. Então, oferecem duas opções: uma tentativa ou dez tentativas.
Cremos que todos nós escolheríamos a opção “dez tentativas”, não é mesmo? E o motivo é óbvio: com dez tentativas a possibilidade de ganhar é muito maior. Em outras palavras, podemos ganhar com uma tentativa, mas é “mais seguro” escolher dez tentativas.
Com essa analogia meio maluca, não há como negar que a língua japonesa acaba sendo sim muito restritiva, isto é, diminuindo as nossas possibilidades, ao contrário de alguém que aprende inglês, por exemplo. Afinal, há mais países cuja língua oficial ou cooficial é o inglês. De uma forma simplista, se alguém que domina o inglês não conseguir emprego nos Estados Unidos, poderá tentar no Canadá, Austrália, Irlanda, etc.
Novamente: ser restrito não significa que não poderemos chegar onde desejamos; estamos falando apenas de maior ou menor possibilidade de algo ocorrer dadas as circunstâncias atuais. O problema nisso tudo é que normalmente agimos como “engenheiros de obra pronta”, isto é, avaliamos as coisas depois que os fatos concretamente ocorrem. Contudo, antes que as coisas ocorram concretamente estamos ainda no campo das possibilidades, sendo elas maiores ou menores.
Você pode ainda dizer:
“Eu sei que atualmente existem opções melhores para quem quer ganhar dinheiro. Mas eu realmente gosto do Japão por causa da cultura única!”
Realmente o aspecto cultural japonês é um enorme atrativo. Contudo, neste aspecto precisamos considerar quatro pontos:
➩ Todos os países são únicos e todos têm uma cultura única: povos foram se desenvolvendo ao longo da História através de experiências diferentes e, com isso, foram desenvolvendo uma cultura diferente das demais. Além disso, cada país tem seus pontos turísticos e paisagens naturais únicos. Acaso encontraríamos as pirâmides do Egito, o Cristo Redentor, as muralhas da China, as Cataratas do Iguaçu, a cidade de Machu Picchu ou de Veneza, etc. no Japão?
Portanto, é extremamente errôneo atribuir somente ao Japão o rótulo de país único, pois isso vale para qualquer país! Sendo assim, a questão de “superioridade” (entre aspas) é uma questão apenas de gosto pessoal;
➩ Temos que saber diferenciar o fazer turismo e o viver a vida no Japão: a menos que trabalhemos com algo relacionado à cultura japonesa, a experiência cultural por si só não paga as nossas contas e não preenche as necessidades humanas mais básicas. Viver a vida no Japão vai muito além dos animês, jogos, ninjas, samurais e garotas e garotos fofos, por exemplo. Temos que nos preocupar com coisas como arrumar um emprego digno, moradia e construir relações sociais saudáveis;
➩ O que você gosta é a cultura como um todo ou apenas parte dela?: pensemos que a cultura de qualquer pais quando vista de fora é como um carro na loja. Para chamar a atenção dos clientes, as lojas se preocupam muito com a lataria do veículo, porque instintivamente costumamos julgar o conteúdo pela aparência externa. É depois que compramos um carro e o utilizamos que percebemos os problemas. Sendo assim, será que o que você chama de cultura não é apenas a “aparência externa” dela? Ou você já examinou o seu conteúdo, a parte interna?
➩ Será que você aprecia tanto a cultura japonesa porque não conhece outras?: a questão dos afetos é mais maleável do que imaginamos. Basta analisarmos a nossa própria vida e perceberemos que ao longo do tempo já gostamos de algumas coisas e desgostamos de algumas outras. E isso tem muito a ver com o conhecimento que temos até determinado momento, as circunstâncias mutáveis da vida e as oportunidades que vão se apresentando ao longo do caminho. Por exemplo, há algumas décadas fazer um curso de datilografia era considerado essencial. Atualmente, isso já não é considerado mais essencial diante dos avanços tecnológicos e o uso de computadores. Portanto seria muito imprudente “ficar ancorado” a cursos de datilografia nos dias atuais. Claro que a questão do afeto faz parte do ser humano, mas ele tem que de alguma forma nos fazer evoluir também. Não deveria ser uma âncora ou uma fuga da realidade.
A questão cultural vai muito além da bela aparência externa. Envolve também questões sociais, que muitas vezes são omitidas (como os defeitos de um carro na vitrine), e que devem ser pesadas também. Por exemplo, o World Giving Index (WGI) é um relatório anual publicado pela Charities Aid Foundation que classifica mais de 140 países do mundo de acordo com o grau de caridade. O objetivo do World Giving Index é fornecer informações sobre o escopo e a natureza das doações em todo o mundo. No relatório publicado em 2022, O Japão aprece na penúltima colocação na classificação geral (como comparação, o Brasil aparece na 18ª posição):
E se considerarmos alguns dados específicos do relatório, a situação parece ainda mais desanimadora, já que o estudo analisa três aspectos do comportamento relacionados à generosidade, perguntando “No último mês, você praticou alguma das seguintes ações?”. Seguem as perguntas e as respectivas porcentagens obtidas pelo Japão:
(1) Ajudou um estranho ou alguém que não conhecia que precisava de ajuda? – 24% (ficou na 118ª posição)
(2) Doou dinheiro a uma instituição de caridade? – 18% (ficou na 103ª posição)
(3) Dedicou o seu tempo como voluntário em alguma instituição? – 17% (ficou na 83ª posição)
Observe um relato de uma brasileira que mora no Japão:
Eu detesto escola japonesa! As escolas brasileiras (no Japão) podem não ser perfeitas e nem ter um ensino de qualidade, mas para mim ainda é o melhor para as crianças brasileiras se sentirem mais felizes num ambiente que lembra um pouco o Brasil. Falo isso por experiência própria, porque tive netos na escola brasileira e na japonesa. O bullying e o preconceito é o que tem de pior nas escolas japonesas. Conheci muitos brasileiros que sofreram por causa disso precisando até de tratamento psicológico, como aconteceu com um dos meus netos. Ele teve que voltar ao Brasil e morar com a avó materna para fazer tratamento. Vivo aqui há mais de 20 anos e é bem assim mesmo! Para ser sincera eu tenho muita dó das crianças estrangeiras. É uma minoria que vive bem e feliz. |
Em um vídeo postado em fevereiro de 2025, o Nômade Raiz relata que os piores países em que ele já esteve são Japão e Coreia do Sul. Basicamente, o ponto central da crítica dele está no fato da dificuldade de se conectar com os locais, fato que repetidas vezes apontamos como algo essencial para o nosso bem-estar emocional e mesmo profissional, afinal oportunidades sempre nos chegam através de outras pessoas!
Em uma reportagem de janeiro de 2025, o site da Revista Exame mostrou como pessoas idosas no Japão têm preferido cometer crimes e irem para cadeia a fim de terem uma vida “mais segura”.
Segundo a reportagem, “muitas fazem isso para sobreviver — 20% das pessoas com mais de 65 anos no Japão vivem na pobreza, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em comparação com uma média de 14,2% nos 38 países membros da organização. (...) Além da pobreza, outro problema que aflige a população idosa japonesa é o abandono familiar, o que resulta na falta de apoio quando são reintegrados à sociedade”.
Numa reportagem de agosto de 2024, o site da Revista Exame mostrou que “quase 40.000 pessoas morreram sozinhas em suas casas no Japão de janeiro a junho de 2024, segundo dados recentes da Agência Nacional de Polícia. Destas, 3.939 pessoas foram descobertas mais de um mês após sua morte, e os idosos a partir de 65 anos foram os mais afetados, representando 76,1% dos casos”.
Os fatores econômicos favorecem esse fenômeno japonês e são o que realmente revelam o quanto a população idosa é desprezada por um governo cujos esforços estão centrados em espremer a mão de obra da sociedade jovem, enquanto tenta convencê-los de que precisam namorar, casar e terem filhos para que as bases políticas do país não colapsem.
Os extremos se tocam. É interessante como o coletivismo extremo pode resultar no mesmo problema do individualismo extremo, isto é, a indiferença, por razões diferentes. Ou seja, pessoas podem ser indiferentes aos outros por pensarem: “Não posso me destacar, nem mesmo para o bem!” (pensamento coletivista) ou serem igualmente indiferentes por pensarem: “Não me importo, pois não é problema meu” (pensamento individualista).
No caso do Japão, alguns afirmam que os japoneses costumam não ser solidários uns com os outros não apenas por receio de se destacar, mas por respeito.
Como assim?
De algum modo, preservar uma boa imagem é muito importante no Japão. Neste sentido, poderíamos dizer que mostrar sinais de fraqueza (precisar de ajuda) seria vergonhoso. Sendo assim, as pessoas fingiriam não perceber quem está precisando de ajuda para que a pessoa não se sinta ofendida. Tanto que é comum os japoneses NÃO oferecerem seu lugar para idosos nos transportes coletivos. Além disso, a própria pessoa que precisa de ajuda não desejaria ser ajudada para não ser um incômodo para os outros e também não gerar uma espécie de dívida moral para si em relação ao outro.
E é claro que essa indiferença que paira sobre a sociedade japonesa geralmente causa insegurança não somente para os próprios japoneses, mas também para os estrangeiros, podendo ser ainda mais evidente. Some-se a isso a preocupação excessiva com a “estética” de coisas e comportamentos, o que faz com que o Japão tenha um número excessivo de regras implícitas e explicitas. Tal fato costuma causar muita insegurança principalmente nos estrangeiros, já que o mínimo deslize pode ser sinônimo de exclusão perante um grupo. De certa forma, essa preocupação excessiva com a “estética” das coisas, apesar de conservar a beleza para quem a vê de fora, gera intolerância aos que são diferentes.
Conforme aponta o relatório de 2023 sobre direitos humanos da Human Rights Watch, o Japão AINDA “não tem leis que proíbam a discriminação racial, étnica ou religiosa, ou a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero”. Também pontua que “o Japão não tem uma instituição nacional de direitos humanos”.
O professor Junko Kotani, do departamento de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Shizuoka, afirma que o Japão “não tem nenhuma lei que proíba a discriminação racial por entidades privadas no mercado de trabalho ou em locais públicos. Por exemplo, mesmo que o proprietário de uma loja coloque uma placa com os dizeres ‘Somente japoneses’ na porta da loja, ou que o proprietário de uma empresa discrimine um funcionário por causa de sua origem étnica, ele não está infringindo diretamente nenhuma disposição legal”.
Indo na contramão de muitas nações e mantendo a posição de que os pensamentos racistas não são disseminados e a discriminação racial não é incitada no país, o Parlamento japonês demonstrou ressalvas em relação ao artigo 4 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD), que pede às nações membros que criminalizem esse tipo de discurso de ódio, por conflitar com o direito à liberdade de expressão.
Diante dos crescentes incidentes de discurso de ódio no Japão, em 2014, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial observou a falta de uma legislação antidiscriminação no Japão e encorajou o governo a combater o discurso de ódio racista. Então, o Japão promulgou a Lei de Eliminação do Discurso de Ódio em 2016, informando ao Comitê que a considerava inadequada pelo padrão da ONU, porque a lei promulgada não criminaliza esse tipo de discurso. Na lei, o discurso de ódio é chamado de “discurso e comportamento discriminatório injusto” e é apenas considerado “inapropriado” e “inadmissível”.
Cremos que essa atitude do Parlamento japonês é muito preocupante e leviana, pois numa sociedade etnicamente homogênea como a japonesa (cerca de 98% da população é japonesa) e também, de certa forma, de pensamento homogêneo, os estrangeiros tendem a ser as maiores vítimas do discurso de ódio, ficando desamparados. Todo esse contexto, aumenta ainda mais a sensação de insegurança social nos estrangeiros.
Aliás, a considerar pelas estatísticas, a harmonia social que se propagandeia com relação ao Japão não é tão única e bela assim tendo em vista o alto grau de rigidez presente na sociedade japonesa. Ou seja, há países que não têm o mesmo grau de rigidez social do Japão, mas cujo grau de harmonia social é igual ou até superior ao do Japão. Podemos considerar aqui, por exemplo, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que leva em consideração a riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população, especialmente das crianças. Na edição de 2022, o Japão ficou na 19º posição:
O site Wage Centre listou os 25 países com maiores salários em 2023. Segundo informações do site, os valores devem ser considerados sem os impostos e são baseados em dados oficiais de governos e agências de estatísticas governamentais. O Japão NÃO aparece nesta lista. Seguem os 15 primeiros:
Por falar em salários, uma pesquisa feita pelo McKinsey Health Institute em 2023 envolvendo 30 países e mais de 30.000 trabalhadores apontou que o Japão é o pior país quando o assunto é bem-estar dos trabalhadores. A pontuação do Japão foi 25 e, para fins de comparação, o Brasil ficou na 13ª posição com 62 pontos. Seguem os dez primeiros:
Embora as empresas japonesas tenham construído uma reputação de oferecer emprego vitalício e segurança no trabalho, isso também significa que os funcionários podem ter dificuldade para mudar de emprego se não estiverem satisfeitos.
Com esses dados, é oportuno mencionar e desmitificar algo que se ouve com certa frequência:
“O Japão só é ruim para quem NÃO gosta de trabalhar”
Este tipo de argumento é muito infantil, pois o Japão não está nem entre os 25 melhores salários do site Wage Centre. Além disso, muitas horas trabalhadas por dia NÃO é sinônimo de melhor produtividade. Curiosamente, desde 1970, o Japão tem permanecido na parte inferior da classificação de produtividade das nações do G7. Observe o gráfico a seguir:
Em 2000, a produtividade do Japão era de cerca de 70% da dos Estados Unidos, mas o nível caiu para cerca de 65% em 2010 e para 60% nos últimos anos. Ora, se a pessoa “X” leva 8 horas para produzir R$ 100 e a pessoa “Y” leva 1 hora para produzir os mesmos R$ 100, podemos dizer que a pessoa “X” é mais trabalhadora do que a pessoa “Y” e que a pessoa “Y” NÃO gosta de trabalhar?
É claro que não, pois ou o método de trabalho da pessoa X é questionável ou ela está “enrolando” em seu serviço. Kristin Surak, da London School of Economics And Political Science, diz que no Japão, “você encontra talvez seis pessoas orientando o trânsito em um estacionamento pequeno, e isso não precisa acontecer”. Rupert Wingfield-Hayes, ex-correspondente da BBC em Tóquio diz que “quando pensamos nos elegantes trens-bala do Japão ou na maravilhosa fabricação em linha de montagem da Toyota, podemos facilmente pensar que o Japão é o modelo da eficiência. Mas não é. A burocracia pode ser assustadora, e enormes montantes de dinheiro público são gastos em atividades de utilidade duvidosa”. Hiroaki Watanabe, professor da Universidade de Quioto, diz que “pelo menos é relativamente fácil conseguir um emprego hoje em dia, ainda que não seja bem pago. O salário é bem baixo, mas dá pra sobreviver”. Laís Alegretti, repórter da BBC Brasil, diz que no Japão “a taxa de desemprego é muito baixa. Só que isso acontece justamente por que muitas das pessoas que estão empregadas estão em trabalhos pouco produtivos ou desempenhando funções que em outros países já foram automatizadas”.
Corroborando com as afirmações trazidas, veja o relato de um estrangeiro que mora no Japão desde 1995:
Certamente há exceções, mas (no Japão) é mais importante PARECER que você está trabalhando arduamente do que ser eficiente. Isso pode acontecer na forma de funcionários arrumando sua mesa já arrumada, simplesmente movendo papéis de um lado para o outro, ou indo para a sala de descanso para lavar as xícaras de café três vezes, sendo três pessoas diferentes, ou cortando mato à mão em um grande jardim, no qual usar um dispositivo eletrônico seria muito mais eficiente. Em desastres naturais, há sempre os socorristas que ficam apenas parados e dez pessoas fazendo o trabalho que uma pessoa poderia fazer. Quando uma pessoa decide mover uma cadeira sozinha, mais cinco pessoas correm para pegar uma cadeira de escritório; agora teremos cinco pessoas tropeçando umas nas outras tentando mover uma cadeira que pesa menos que minha filha. Também temos o "omotenashi", que deveria servir para causar uma boa impressão nos convidados/visitantes, pois o prestador de serviços estaria proporcionando a melhor experiência para a pessoa atendida. Eu fiz check-in em um hotel outro dia, apenas querendo tomar um banho e deitar. Todo o estúpido "omotenashi" que estava sendo realizado por cinco funcionários desajeitados, a fim de encontrar a chave do meu quarto que estava debaixo da mesa (com três mulheres procurando pela chave em uma pequena gaveta) levou mais tempo do que se uma mulher sozinha procurasse a chave na gaveta. Havia quatro pessoas para me ajudar a levantar a minha pequena mala e colocá-la em um carrinho (apesar do fato de que minha mala tem rodas e eu poderia simplesmente rolá-la para o elevador e para o meu quarto em 1/100 do tempo que levou para eles). Então, agora, mesmo que tenha sido um bom preço para o hotel, fico imaginando quanto da receita vai para pagar os quatro funcionários desnecessários. Trabalhando em uma pequena empresa de TI, eu ofereci aos meus colegas de trabalho escrever um script para reduzir o tempo de trabalho de certas tarefas de uma hora para quatro minutos. Não aceitaram, pois aí eles não teriam nada que os fizesse PARECER ocupados. Eu posso continuar e continuar. Depois de um tempo você se acostuma, para de reclamar e até começa a fazer isso também. Eu limpo mesas que não precisam ser limpas e movo coisas de um lado da sala para o outro apenas para PARECER que estou fazendo alguma coisa. |
Veja outro relato de estrangeiro:
Os assalariados japoneses não têm autonomia para tomar decisões. Na verdade, os gerentes também não. Todos nas empresas japonesas têm medo de decidir qualquer coisa. Assim, a empresa segue em frente com grandes e pequenas decisões sendo eternamente adiadas. Os gerentes japoneses não são treinados para tomar decisões. Eles são ensinados a se conformar, a ser cauteloso, a ser conservador. As empresas japonesas oferecem pouca mobilidade vertical. O avanço nas empresas é baseado principalmente no tempo de empresa e muito pouco no mérito. Os gerentes mais competentes não sobem ao topo; ou se o fizerem, levarão 30 anos. Muitos jovens com talento brilhante são desperdiçados no Japão. E não há muito incentivo para se destacar. Além disso, os superiores não têm grandes incentivos financeiros como nos EUA. Seus bônus de gerenciamento são muito modestos. Mudar de empresa é mal visto. As pessoas geralmente ficam na mesma empresa durante toda a sua vida profissional. Aqui no Vale do Silício eu fico cansado do trabalho depois de 4 ou 5 anos e então eu passo a tentar algo diferente. Quando eu começo um novo emprego, eu entro com uma nova atitude e com muita energia, ansioso para fazer a diferença. As empresas japonesas não são isso. As pessoas que passam a vida inteira em uma empresa têm um modo de trabalhar longo e lento. Quando eles ficam entediados, eles simplesmente continuam a trabalhar. |
Claramente se nota que a afirmação “O Japão só é ruim para quem NÃO gosta de trabalhar” está muito longe de descrever a realidade concreta. Se os japoneses ou os estrangeiros que estão no Japão supostamente trabalham mais do que as pessoas em outros países, isso não tem a ver com uma virtude superior ou por que eles amam o trabalho mais do que os outros povos em si, mas sim com o fato de que os métodos, instrumentos e cultura de trabalho japoneses são arcaicos e pouco produtivos/eficientes. Como podemos perceber, há uma pressão social que exige das pessoas a mera APARÊNCIA de trabalhador dedicado em vez de um trabalhador eficiente de fato.
Portanto, diante de salários poucos competitivos, de métodos e cultura de trabalho arcaicos e de longas jornadas de trabalho desnecessárias, que servem apenas para alcançar uma mera APARÊNCIA de trabalhador dedicado tão somente para cumprir uma expectativa social em vez de se buscar a eficiência e produtividade, é até NATURAL que estrangeiros reclamem do Japão, principalmente aqueles que buscam verdadeiramente crescimento pessoal e financeiro.
E não há como falar de salário sem falar de custo de vida. Segundo o site Living Cost, o Japão ocupa a 69ª posição em um ranking com 197 países:
O Expat Insider é um estudo abrangente baseado nas experiências de pessoas vivendo em país estrangeiro. Segundo o relatório de 2023, que considerou a experiência de 12.000 pessoas vivendo em solo estrangeiro, o Japão ficou entre os piores países para estrangeiros ocupando a 44ª posição de 53 considerando uma média de todos os aspectos analisados no relatório. Para fins de comparação, o Brasil ocupou a 15ª posição. Veja alguns dados referentes ao Japão:
O Índice Global de Aposentadoria avalia qual o melhor sistema de aposentadoria com base em cinquenta indicadores aproximadamente. No relatório de 2023 foram comparados 47 sistemas de aposentadoria em todo o mundo e o Japão ficou na 30ª posição com uma média de 56,3. Para fins de comparação, o Brasil ficou na 33ª posição com uma média de 55,7 e ambos receberam a nota C. Os dez melhores países foram:
Há também o Índice Global de Paz, que faz uma análise sobre as tendências da paz, o valor econômico e como desenvolver sociedades pacíficas, usando 23 indicadores qualitativos e quantitativos em três aspectos: o nível de segurança e proteção social, a dimensão do Conflito Doméstico e Internacional em Curso, e o grau de militarização. Na edição de 2023, o Japão foi considerado o 9º país mais pacífico do mundo:
O México foi classificado como o melhor país para estrangeiros. Diante deste dado muitos podem ficar surpresos. Porém, será que não é por que muitos de nós apenas se preocupam com a questão financeira e a questão da segurança e tentam fechar os olhos para outros aspectos que, pelo menos A LONGO PRAZO, acabam pesando mais? A considerar o parecer do relatório em relação ao México, perceberemos que o Japão deixa MUITO a desejar na maioria destes aspectos. Veja que eles se relacionam de algum modo a QUESTÕES SOCIAIS. Segue:
O desempenho superior do México não chega a ser uma surpresa, pois o país sempre esteve entre os 5 primeiros colocados desde que a primeira pesquisa foi realizada em 2014. E ao longo dos 10 anos do Expat Insider, o México sempre se classificou entre os melhores no Índice de Facilidade de Integração (1º em 2023). Os estrangeiros apreciam a simpatia local (1º): a maioria considera os residentes locais amigáveis em geral (91% vs. 67% globalmente) e em relação aos residentes estrangeiros em particular (89% vs. 65% globalmente). Encontrar amigos (2º) também não é problema. Cerca de três em cada quatro estrangeiros (74%) dizem que é fácil fazer amizade com os mexicanos (residentes locais), em comparação com apenas 43% em outros países. Essa é provavelmente uma das razões pelas quais os estrangeiros no México têm uma rede de apoio pessoal (2º) e estão satisfeitos com sua vida social em geral (4º). O México garante outro 1º lugar na subcategoria Cultura e Boas-vindas. Os estrangeiros relatam que é fácil se acostumar com a cultura mexicana (1º). O país tem outro forte desempenho no Índice de Elementos Essenciais Para Estrangeiros (12º). A moradia (6º) é um destaque especial, pois os estrangeiros dizem que acomodação no México não é apenas fácil de encontrar, mas também acessível (7º para ambos). A acessibilidade econômica é uma tendência geral no México. Ele ocupa a 2ª posição no Índice de Finanças Pessoais. E 71% estão satisfeitos com o custo de vida geral, em comparação com apenas 44% em nível global. No geral, 80% estão satisfeitos com sua situação financeira (contra 58% globalmente). O México tem resultados positivos no Índice Geral de Trabalho no Exterior (22º). Os estrangeiros estão especialmente satisfeitos com suas oportunidades pessoais de carreira (4º), remuneração justa (5º) e equilíbrio entre vida pessoal e profissional (7º). O Índice de Qualidade de Vida (26º) revela resultados bastante mistos. Do lado negativo, o México ocupa apenas a 45ª posição em termos de estabilidade política, e 18% dos estrangeiros não se sentem seguros no país, mais do que o dobro da média global (8%). Do lado positivo, as opções de lazer do país (2º) estão entre as melhores do mundo. No geral, 90% dos estrangeiros estão satisfeitos com sua vida no México, em comparação com 72% em outros países. |
O Índice de Percepção da Corrupção é o principal indicador de corrupção do mundo. Quanto maior a pontuação, menor é a (percepção de) corrupção. Na edição de 2022, o Japão ficou na 18ª posição:
O Índice Global de Diferenças de Gênero (Global Gender Gap Index) avalia anualmente o estado atual e a evolução da paridade de gênero em quatro dimensões principais (Participação e Oportunidade Econômica, Nível Educacional, Saúde e Sobrevivência e Participação na Política). É o índice mais antigo que acompanha o progresso dos esforços de vários países para preencher essas lacunas ao longo do tempo desde sua criação em 2006. Na edição de 2023, em um ranking com 146 países, o Japão ocupou a 125ª posição. Para fins comparativos, o Brasil ocupou a 57ª posição.
Os dez países que apresentaram maior igualdade de gênero foram:
De novembro a dezembro de 2020, uma pesquisa perguntou a 22.000 pessoas de 21 países como elas classificavam sua autoestima, felicidade e bem-estar. A pesquisa mostrou que Coreia do Sul, Arábia Saudita, França, Japão e Espanha tiveram pontuações muito baixas, enquanto Austrália, Dinamarca e Estados Unidos ficaram no topo da lista com a maior pontuação média de amor-próprio:
De acordo com os pesquisadores, os usuários frequentes das redes sociais têm níveis mais baixos de amor-próprio. Globalmente, quase 1 em cada 3 pessoas que ficam nas redes sociais por mais de 2 horas por dia tiveram as pontuações mais baixas no Índice de Amor Próprio. As pessoas concordaram que os influenciadores, as celebridades e o(a)s modelos em anúncios contribuem muito para a baixa autoestima.
Também, em termos globais, a maior parte das pessoas acredita que a indústria da beleza pode ter um impacto negativo na sua autoconfiança, devido à utilização de imagens retocadas e a afirmações irrealistas. As mulheres mais jovens consideram a falta de diversidade na publicidade como um impacto negativo importante, mais do que as mulheres mais velhas.
Considerando o FIB (Felicidade Interna Bruta), na edição de 2023, o Japão ficou na 47º posição, um pouco acima do Brasil, que ficou na 49º posição. Segue o histórico do Japão neste índice comparado com o Brasil:
No relatório sobre felicidade de 2023 feito pela Ipsos com 32 países, o Brasil aparece na 5ª colocação e o Japão, na 29ª posição, ficando atrás apenas da Polônia, Coreia do Sul e Hungria. Contudo, no item “Tenho um ou vários amigos próximos ou familiares com quem posso contar para me ajudarem em caso de necessidade”, Brasil e Japão estão nas últimas colocações: o Brasil ficou na 31ª posição e o Japão ficou na última posição:
É interessante que dois países culturalmente opostos tenham índices tão parecidos neste quesito, não é mesmo? Cremos que a raiz disso está naquilo que mencionamos no tópico “O PENSAMENTO JAPONÊS TRADICIONAL”, isto é, de alguma forma os extremos opostos se tocam resultando nas mesmas coisas. Neste caso, resulta na INDIFERENÇA. O Japão por que tem uma visão coletivista beirando o extremo. Por outro lado, o brasileiro está cada vez mais individualista, também beirando o extremo. O acesso facilitado às coisas e o excesso de opções possivelmente esteja gerando em nós brasileiros (e no mundo) uma sensação de autossuficiência.
Em décadas passadas, não tínhamos muitas opções e, por isso, tínhamos consciência de que precisávamos uns dos outros: brincávamos na rua, pedíamos coisas emprestadas, íamos na casa de amigos para jogar um jogo ou videogame que (ainda) não possuíamos, etc. Como não tínhamos muitas opções, o nosso cérebro não “se enjoava” tão rapidamente das coisas e das pessoas como acontece hoje.
Como não tínhamos tantas pessoas com quem nos compararmos, como acontece hoje por causa das redes sociais, tendíamos a nos sentir mais satisfeitos com o que possuíamos e com o pequeno grupo de pessoas com quem era possível interagir.
Aliás, segue um interessante relato de um canadense que mora há mais de 12 anos no Japão:
Sou canadense e moro no interior do sul de Shikoku há mais de 12 anos. (...). Minha meta nos primeiros 5 anos era me integrar totalmente à sociedade japonesa. Por isso, evitei estabelecer relacionamentos com outros estrangeiros e me concentrei apenas em estudar japonês e conhecer japoneses. O que percebi é que a integração como estrangeiro é impossível. Até hoje, não tenho um único amigo japonês. Não importa quanto esforço eu faça para construir relacionamentos, nunca é recíproco. Claro, tenho conhecidos no trabalho e em outros lugares, mas os relacionamentos são muito superficiais e sempre há uma barreira invisível entre nós. Quando saio do escritório, vivo uma vida completamente isolada, sem vida social. Um japonês nunca, jamais, fará qualquer esforço para construir um relacionamento com um estrangeiro. As regras são intermináveis e as expectativas de se comportar exatamente da mesma forma que todos ao seu redor são constantes. Como pensador independente, percebi que realmente não me encaixo na sociedade japonesa. Se eu expressar minha opinião diferente da do grupo, isso é realmente mal visto. Tenho uma bela casa tradicional e uma pequena fazenda aqui, mas o isolamento contínuo está me fazendo querer voltar para o Canadá. |
Percebeu neste relato a presença de aspectos do pensamento japonês tradicional? De algum modo, o relato reforça algo que mencionamos anteriormente, isto é, como estudante, NÃO procure interagir com qualquer japonês, mas sim procure interagir com japoneses que já tenham interesse na cultura estrangeira, que estejam aprendendo português, inglês, etc. É importante que lhes sejamos úteis de alguma forma.
Aliás, como precisamos ser úteis de alguma forma para os japoneses já que somos nós que estamos interessados no Japão e na cultura japonesa, NÃO deveríamos tirar conclusões precipitadas baseados em experiências que não seriam as nossas.
Como assim?
É claro que, por exemplo, um jogador de futebol famoso que desperte interesse nos japoneses tenderá a ser bem tratado, tendo até algumas regalias, afinal, foram os japoneses que primeiro se interessaram por ele, viram nele justamente alguma utilidade. Esse, no entanto, não será o caso de muitos de nós. Logo, deveríamos nos basear em experiências daqueles em situação parecida com a nossa. Por exemplo, se você vai trabalhar em fábrica, quais são os prós e contras daqueles que foram para o Japão trabalhar em fábrica? Se você tem uma deficiência física, quais são os prós e contras dos estrangeiros que têm alguma deficiência física e vivem no Japão? E assim por diante.
Em outras palavras, por mais que tenhamos dificuldade de aceitar isto, na maioria dos lugares o tratamento que receberemos, as facilidades ou dificuldades que encontraremos dependerão muito da nossa utilidade (social, técnica, financeira, etc.) para o outro e, infelizmente, até de como somos vistos (os pré-conceitos) pelo outro.
Além disso, é importante considerarmos o quesito diversidade, pois ela tende a fazer com que as pessoas sejam mais tolerantes com os que são diferentes. Sendo assim, morar em grandes centros urbanos é preferível a morar em cidades menores por possuírem diversidade e, com isso, temos mais probabilidades de integração, algo muito importante para o bem-estar de uma pessoa por gerar a sensação de pertencimento.
Agora, veja mais um relato que encontramos em uma discussão na internet:
“Entrei em um aplicativo de idiomas no ano passado e conheci meu primeiro parceiro de idiomas nesse aplicativo. Éramos muito próximos, embora ele fosse mais jovem do que eu. Durante meses, continuamos com nossas rotinas: mensagens de ‘bom dia’, mensagens no almoço e chamadas de vídeo à noite. Depois, as mensagens e as ligações foram reduzidas para duas vezes por semana, depois para uma vez por mês e, por fim, para um ano. Ele não disse que estava ocupado ou algo assim. Ele simplesmente desapareceu, mas continua postando stories em seu perfil. É uma pena porque ele era um amigo querido”. |
A discussão aqui é sobre o ghosting (a prática de desaparecer repentinamente sem motivo aparente) no Japão. Quem já não passou por isso, não é mesmo? E isso pode se tornar um grande motivo para nos desmotivarmos com a língua japonesa.
Primeiramente, pode-se dizer que o ghosting sempre existiu e em todo lugar; as redes sociais apenas facilitaram essa prática. Não encontramos dados que comprovem que no Japão o ghosting seja uma prática mais comum em comparação a outros países, embora pode-se supor que SIM devido à questão cultural – a preferência pela comunicação indireta e o evitar conflitos. Aliás, encontramos relatos que apontam que na Coreia o ghosting também seria uma prática muito comum.
E por que as redes sociais facilitam o ghosting? Um dos motivos é o chamado “paradoxo da escolha”, que nos diz que quanto mais opções pudermos escolher, mais insatisfeitos ficamos com as escolhas atuais por causa da sensação de estarmos perdendo algo melhor. Por isso, deveríamos continuar procurando a opção “perfeita”.
Gostemos ou não, as redes sociais nos transformaram em produtos na prateleira. Um produto pode ser muito procurado em uma semana, mas na outra surge um melhor e o produto que era muito procurado se torna esquecido.
Cremos que isso é uma coisa que veio para ficar, infelizmente. Dizemos infelizmente, pois um produto não tem aspirações e sentimentos, mas nós humanos temos. Ser visto pelo outro como inútil ou que não somos tão bons assim – é o que a pessoa que aplica o ghosting no fundo está nos dizendo – pode ferir muito a nossa autoestima.
Cremos que dois pontos precisam ser considerados:
(1) Há muita idealização com relação ao Japão e aos japoneses e nos esquecemos de que os japoneses são humanos como nós. Os aspectos culturais são apenas nossa embalagem e a receita de bolo que impõem a nós. Os ingredientes (o ser humano) funcionam basicamente da mesma forma, em qualquer tempo e lugar. Em outras palavras: se desconsiderarmos os padrões comportamentais e estéticos impostos, estaremos diante de alguém com as mesmas fraquezas e necessidades humanas;
(2) O ghosting veio para ficar nas redes sociais e, desconsiderando a discussão sobre a ética, precisamos aprender a lidar com isso. Talvez se nos déssemos conta de que somos seres em constante construção, que ainda não somos o melhor que poderíamos ser, nós não ficaríamos abalados ao sermos “descartados”, pois o outro também precisa aprender ainda. A autoestima tem a ver também com o aceitar a nossa imperfeição buscando melhorar o que precisa ser melhorado. Não queiramos ser como o Vegeta.
Não estamos dizendo que o ghosting é legal. Longe disso! Mas também não temos controle sobre as atitudes do outro. Podemos tirar lições: de alguma forma, a rejeição pode nos ajudar a olhar para as nossas imperfeições que não vemos e também a analisar se a meta que estamos perseguindo é mesmo o que queremos (ou é a melhor para nós).
Não há como negar que no Japão, assim como em qualquer lugar, existem aspectos culturais que, apesar de belos na superfície, vêm perpetuam questões muito negativas e que deveriam ser revistas. Como vimos pelas estatísticas, a rigidez social presente no Japão não se justifica, já que há países que estão muito mais avançados como sociedade e que alcançam isso sem o alto grau de rigidez social ou mesmo ações ultrapassadas e questionáveis como no Japão. Além da indiferença e hostilidade implícitos que pairam na sociedade japonesa diante dos diferentes ou considerados mais fracos, o que leva a um tipo de “seleção social”, até 1996, o Japão possuía uma lei eugênica, que visava “impedir o nascimento de descendentes de má qualidade”. Entre 1948 e 1996, cerca de 16.000 pessoas foram operadas sem consentimento e até hoje as vítimas demandam indenizações.
Algo também importante a se abordar é como a sociedade japonesa lidaria com as pessoas com deficiência. Quando se trata desse assunto, julgamos que dois aspectos precisam ser levados em consideração:
(1) Acessibilidade oferecida:
(2) Olhar da sociedade.
Com relação à acessibilidade oferecida, o Japão de maneira geral costuma ser bem classificado. Contudo, o que muitos se esquecem é que, como cada deficiência tem seu grau e particularidade (como uma impressão digital), nenhuma acessibilidade por si só será capaz de satisfazer as necessidades de todas as pessoas com deficiência. Por exemplo, o banheiro adaptado que serve para alguns, não servirá para outros.
Para preencher esta LACUNA é importante considerar o que chamamos de “olhar da sociedade”, isto é, o respeito e o desejo que as pessoas têm de espontaneamente ajudar a pessoa com deficiência e incluí-la. Afinal, não adianta uma pessoa com deficiência poder entrar numa universidade que possui acessibilidade se dentro dela as pessoas a tratarem com INDIFERENÇA, não lhe proporcionando o sentimento de pertencimento. Neste caso, a aparente inclusão se torna uma verdadeira e torturante exclusão. A inclusão se dá no dia a dia, nas conversas informais, no respeito e desejo espontâneos das pessoas de ajudar e fazer com que a pessoa com deficiência se sinta importante e PARTE do grupo. A inclusão não se dá apenas em situações de curta duração ou quando a lei obriga.
No aspecto “Olhar da Sociedade” o Japão infelizmente parece estar muito atrasado em relação a outros países. Segundo o “The Japan Times”, uma pesquisa apontou que para 88,5% dos entrevistados, a discriminação contra pessoas com deficiência “existe” ou “existe até certo ponto” no Japão. O acadêmico Michael Gillan Peckitt, que possui uma doença congênita desde o nascimento e que mora em Kobe, relatou ao “International Press Foundation (IPF)” que no Japão “a vergonha de ter um filho com deficiência é muito grande. A deficiência geralmente é escondida. Minha esposa, que é japonesa e professora em uma universidade daqui, também tem paralisia cerebral. Quando ela tinha 11 anos, simplesmente se presumia que a mãe dela não queria que ela frequentasse o ensino médio. Ela realmente teve de lutar para mantê-la na escola. A situação está melhorando, mas aponta para uma cultura de vergonha”.
Takashi Ono, padrasto de um sobrevivente de um ataque ocorrido em 2016 em uma clínica para pessoas com deficiência perto de Tóquio, no qual morreram pelo menos 19 pessoas, disse à Reuters que “Certamente, alguns talvez não queriam que seus filhos fossem submetidos ao escárnio público. (...) No Japão, as pessoas com deficiência são discriminadas e, por isso, as famílias quiseram ocultá-las”. Essa declaração foi feita diante do fato de que nenhuma informação sobre as vítimas que morreram, exceto seus gêneros e idades, variando de 19 a 70 anos, foi divulgada.
Ainda segundo a reportagem da Reuters, no Japão, “as pessoas com deficiências, especialmente as cognitivas, ainda podem sofrer estigma e, ao contrário do que ocorre em muitos países ocidentais avançados, suas famílias compartilham a vergonha”.
Agora, você pode pensar:
“É quase um consenso mundial que os japoneses são pessoas educadas e respeitosas. Fiquei confuso agora!”
Isso acontece justamente porque muitos se deixam levar pelas aparências, procurando até justifica-las cegamente para satisfazer o seu sistema de crenças. O estereótipo de que todos os japoneses são educados e respeitosos tem sido perpetuado por muitos anos e é frequentemente reforçado pela mídia popular e por representações culturais. No entanto, é preciso entender de onde brota o ato de educação e respeito:
➩ É algo superficial apenas para cumprir um protocolo ou uma expectativa social dentro de circunstâncias específicas?
➩ É algo teatral para causar uma falsa boa impressão e assim atrair, por exemplo, turistas e satisfazer interesses econômicos e políticos?
➩ É algo seletivo, direcionado a apenas alguns grupos, que seriam aqueles que estão de acordo com as expectativas sociais?
➩ É algo natural, que uma pessoa vem exercitando espontaneamente ao longo da vida?
É claro que há japoneses (ou qualquer outra pessoa no mundo) que exercitam o ser educado e o respeitar o outro espontaneamente, mas, de maneira geral e em qualquer parte do mundo, podemos dizer que existem situações que nos forçam a ser educados e respeitosos superficialmente, como em uma reunião de negócios, em uma situação de compra e venda, etc. Ou seja, a hospitalidade, a educação, o respeito e um bom atendimento ao cliente, ainda que superficiais, são aspectos fundamentais para se fazer negócios, para o setor de serviços e para a imagem de qualquer país. Perceba também que aqui estamos falando de circunstâncias de curta duração.
E, justamente por um ato de educação e respeito poder ser apenas um protocolo ou um cumprimento de uma expectativa social para determinadas situações de curta duração, não deveríamos confundi-lo com o gostar, amar ou querer por perto. Aliás, por causa dessa confusão é que muitos estrangeiros acabam “se decepcionando” com os japoneses achando que se eles foram (aparentemente) educados e respeitosos uma vez o serão sempre e é por que eles já gostaram da gente e já vão nos quer sempre por perto. É por isso que turistas se encantam e é por isso que não raramente nos deparamos com afirmações de que existe um Japão para se fazer turismo e existe outro Japão, completamente diferente, para se viver como estrangeiro.
Aliás, assista ao documentário “Japan's Disability Shame”, que legendamos e disponibilizamos em nosso canal no Youtube. Não divulgado aqui no Brasil, esse documentário aborda a questão da forte discriminação que existe contra pessoas com deficiência no Japão, a ponto de as famílias esconderem membros que possuem alguma deficiência com medo de serem vistas como inferiores e/ou serem criticadas. Além disso, houve até 1996 uma lei de eugenia que podia fazer com que pessoas com alguma deficiência física ou intelectual fossem esterilizadas à força.
Embora existam fatores culturais e sociais que contribuem para o estereótipo de que os japoneses são todos educados e respeitosos o tempo todo, é importante reconhecer suas limitações e possíveis danos. Os estereótipos podem criar expectativas irreais, mal-entendidos e perpetuar mitos prejudiciais. É importante abordar as diferenças culturais com a mente aberta e evitar fazer conclusões para o bem ou para o mal com base em experiências ou percepções limitadas.
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O Japão é um exemplo de como um país pode ser avançado economicamente, mas socialmente deixar muito a desejar. Poderíamos sintetizar da seguinte forma:
“Japão: um país por enquanto desenvolvido economicamente, um país subdesenvolvido em muitos aspectos sociais e tecnologicamente estagnado”
Com relação à tecnologia, observe esta interessantíssima análise:
Não sei por que as pessoas ainda acreditam no mito de que “o Japão é a nação mais avançada do mundo tecnologicamente”. Qualquer pessoa que tenha viajado bastante sabe que o Japão é um país que parece estar preso na década de 1990. Algumas pessoas afirmam que o Japão foi o país mais avançado do mundo tecnologicamente em um passado recente, mas eu também não acredito nisso, porque nenhuma evidência mostra que o Japão superou o Ocidente em termos de tecnologia. Pergunto: “o Japão já foi, de fato, uma nação mais avançada do que os Estados Unidos ou mesmo a Alemanha tecnologicamente?” Todos os relatórios de análise de negócios da década de 1980 que eu li concluem que os EUA ainda estavam tecnologicamente muito à frente do Japão. Acho que essa impressão de que o Japão é o “país mais avançado tecnologicamente” vem do fato de que o Japão era muito mais desenvolvido do que o resto da Ásia em um passado recente, porque os outros países asiáticos eram pobres, estavam passando fome e vivendo o caos como resultado do imperialismo e da instabilidade (em grande parte por culpa do próprio Japão na metade oriental da Ásia). Então, alguns produtos japoneses, devido ao seu preço acessível e à boa engenharia, inundaram mercados em todo o mundo e ameaçaram os EUA. Isso se aplica especialmente à ascensão do setor automobilístico japonês, e ao quanto o setor automobilístico americano acabou sofrendo com isso. Havia muita preocupação com o Perigo Amarelo na consciência americana, como se essa nação de super nerds asiáticos fosse destruir a economia americana com seus produtos baratos e sua ética de trabalho robótica. Na década de 1980, os americanos desenvolveram essa imagem exagerada de alta tecnologia do Japão, e o gênero cyberpunk demonstrou seus temores de um “futuro dominado pelos japoneses”. Essa imagem de um “Japão super tecnológico” ainda é a percepção que a maioria dos americanos tem do Japão atualmente, mesmo que países antes pobres como a Coreia do Sul e Cingapura tenham ultrapassado totalmente o Japão em termos de inovação tecnológica ao longo das décadas. Grande parte da falta de evolução do Japão tem a ver com a cultura conservadora do país e o envelhecimento da população. Eles não conseguem apresentar novas ideias e permanecer competitivos como antes. O Japão ainda é líder mundial em robótica, mas chegou tarde ao mercado de smartphones (as câmeras japonesas ainda são as melhores do mercado, mas as câmeras agora se tornaram um “nicho”, pois a maioria das pessoas usa seus smartphones para tirar fotos de tudo), eles priorizaram o hardware em vez do software quando o resto do mundo estava tendendo para o software, e muitos cientistas japoneses vão trabalhar em outros países, porque odeiam a estrutura social rígida da academia japonesa. Costumava haver muito preconceito contra os produtos sul-coreanos, mas houve uma grande melhora neles. Ganhei de presente um MP3 player da Samsung quando era mais jovem, mas ele tinha muitos problemas e quebrou em menos de um ano devido à sua baixa qualidade. Agora, tenho um celular Samsung e ele funciona muito bem. Gosto muito mais dele do que do meu antigo iPhone. Também acho que outro problema do Japão é seu racismo e complexo de superioridade em relação a outras nações do leste asiático. O Japão ignorou o restante da Ásia, porque os considerava inferiores e só começou a se dar conta quando o progresso do restante da Ásia começou a incomodar os japoneses. Da perspectiva japonesa, seus únicos “pares” eram os países ocidentais. Eles subestimaram muito os outros países asiáticos, já que o Japão era o único com presença global, e isso acabou tornando o povo japonês presunçoso. Agora, o setor de eletrônicos do Japão foi engolido pelos concorrentes sul-coreanos e, em breve, veremos o setor automobilístico do Japão (um de seus setores mais importantes) ir por água abaixo à medida que os veículos elétricos chineses os esmagarem, já que o Japão não conseguiu se adaptar rapidamente. Fico impressionado com o fato de o Japão estar ao lado da Coreia do Sul e da China, mas nunca ter prestado atenção ao que eles estavam fazendo. As empresas automobilísticas japonesas estão enlouquecendo com os veículos elétricos no momento, e não acho que as pessoas em geral estejam falando sobre a enorme mudança que está ocorrendo. Isso me lembra de como as montadoras americanas costumavam se assustar com o fato de os carros japoneses as esmagarem. Bem, a história se repete, etc. etc. Os Estados Unidos são a nação mais avançada tecnologicamente do planeta. O Japão nunca tirou essa posição deles e provavelmente nunca tirará. Ainda não se sabe se algum país conseguirá tirar os EUA do topo. |
Não estamos dizendo, porém, que o Japão seja um país ruim. Estamos afirmando apenas que, baseados em dados, o Japão não é a melhor opção. Para entender, façamos uma analogia: suponhamos que você precise colocar um prego na parede. Qual a melhor ferramenta para fazer isso? Concordamos que é o martelo, não é mesmo?
Contudo, dizer que o martelo é a melhor ferramenta não significa que ela é a única coisa que pode ser usada para se colocar um prego na parede. Uma pessoa poderia usar, por exemplo, um sapato em cinco situações:
(1) Na falta de um martelo. Neste caso é preferível usar um sapato a não usar nada;
(2) Na falta de conhecimento da existência do martelo. Neste caso, a pessoa recorre a uma opção pouco eficaz, mas satisfatória por NÃO ter a informação sobre a existência do martelo;
(3) A opção mais fácil disponível. Neste caso, a pessoa SABE que o martelo é a melhor opção, mas usa um sapato porque é a opção mais fácil em dado momento;
(4) Satisfação do sistema de crenças. Neste caso, a pessoa SABE da existência do martelo, mas QUER se convencer de que o sapato é a melhor opção, mesmo que precise negar a realidade objetiva;
(5) Pura preferência. Neste caso, a pessoa SABE da existência do martelo e que ele é a MELHOR opção. Porém, por uma questão de preferência, usa, mesmo assim, o sapato.
Em linhas gerais, a noção de melhor ou pior nasce do conhecimento (ou não) da existência de outras opções e da comparação da nossa situação atual com as opções que conhecemos, podendo ser aquilo que parece estar mais próximo de nós e/ou mais fácil. Neste sentido, existe no Japão uma certa blindagem (por omissão e/ou manipulação de informações) contra influências externas com alguns até acusando o governo, a mídia e o sistema educacional de fazerem um tipo de lavagem cerebral. Assim, é mais do que esperado que os japoneses ACHEM que o Japão é a melhor opção disponível para eles. E talvez não seja à toa que praticamente o mesmo partido governa o Japão há quase 70 anos!
É claro que se formos considerar, por exemplo, o quesito salário, o Japão é melhor se comparado à média salarial do Brasil, assim como o Brasil seria uma opção melhor para pessoas de países economicamente em situação menos favorável. A questão é quantas opções conhecemos, isto é, o Japão NÃO é o único país que oferece um salário melhor. Levando em consideração os dados desfavoráveis do Japão, alguns ainda poderão escolher o Japão por desconhecerem os dados melhores referentes a outros países. Outros, poderão ainda escolher o Japão por ser a opção mais fácil, considerando suas circunstâncias individuais. Haverá outros que ainda escolherão o Japão por quererem acreditar que ele é a melhor opção, negando os dados concretos. E haverá outros que ainda escolherão o Japão apenas por preferência mesmo estando ciente de que ele não é a melhor opção possível.
Outro ponto geralmente levantando é este:
“O Japão tem, pelo menos, a vantagem de não exigir conhecimento da língua japonesa, escolaridade e/ou muitos recursos financeiros para imigrar. Neste sentido, ele pode proporcionar uma grande melhoria na vida de pessoas mais pobres e/ou sem estudo”
Sim, mas isso é PARCIALMENTE verdade. Quem usa este argumento provavelmente tem em mente somente os descendentes e os cônjuges não descendentes. Estes, de fato, têm essa “facilidade” com relação ao Japão.
Porém, para os não descendentes e não cônjuges de descendentes, o cenário não é tão simples assim. Via de regra, estes podem entrar no Japão através do visto de estudante ou por uma bolsa do MEXT. Ou seja, nestes casos, a pessoa terá que ter muitos recursos financeiros e/ou estudar muito, comprovando certo conhecimento na língua japonesa. Precisará mostrar certo diferencial com relação aos próprios japoneses para “convencer” empresas a preferir um estrangeiro a um japonês.
Precisamos levar em conta também as mudanças das circunstâncias: parece estar havendo uma gradativa perda de preferência, por exemplo, pela mão de obra brasileira por causa de povos asiáticos de países em desenvolvimento, como os vietnamitas, que estão chegando ao Japão frequentemente com salários menores, interesse e conhecimento da língua japonesa e uma cultura mais próxima da japonesa. Ou seja, provavelmente essas ditas “facilidades” dos descendentes e cônjuges não descendentes NÃO durarão por muito tempo por causa da chegada de “candidatos melhores” do ponto de vista japonês. Além disso, essas ditas facilidades também se aplicam em maior ou menor grau a muitos países, sendo descendente ou cônjuge.
Além disso, muito tem se falado ultimamente que a grande quantidade de descendentes reclamando da queda de qualidade de vida no Japão se deve ao fato de justamente eles não estudarem (aprenderem a língua e fazer uma faculdade). Contudo, como veremos nos próximos tópicos, estatisticamente falando, estudar sendo estrangeiro no Japão NÃO coloca a pessoa em igualdade com os japoneses. Em outras palavras, via de regra em empresas japonesas, um japonês sempre terá a preferência e os critérios por parte do recrutador, na prática, acabam sendo muito subjetivos.
Aliás, um ponto ao qual já nos referimos, mas é bom trazê-lo novamente aqui:
“O Japão quer apenas trabalhadores estrangeiros temporários. Não quer que fiquemos lá para sempre”
De alguma forma, este ponto se relaciona ao anterior, pois muitos brasileiros descendentes e cônjuges de descendentes, sem terem aprendido japonês e sem terem buscado alguma qualificação, decidiram permanecer no Japão para sempre. Isso por si só já seria ruim EM QUALQUER PAÍS, pois nossa mão de obra tem prazo de validade e novos trabalhadores chegam aumentando a concorrência.
No caso do Japão especificamente, é sabido, embora nunca dito explicitamente, que eles querem que estrangeiros fiquem apenas um curto período de tempo no Japão. Aliás, o famoso jornal americano The New York Times diz em um interessante artigo sobre essa questão que “Os trabalhadores estrangeiros têm se tornado muito mais visíveis no Japão. Mas as políticas criadas apenas para permanência de curto prazo podem prejudicar o país na competição global por mão de obra”.
Muitas vezes o óbvio precisa ser dito. Mudar-se para outro país é um dos investimentos mais custosos (tempo, dinheiro, saúde mental, etc.) que alguém pode fazer, portanto, obviamente o retorno precisa valer a pena.
Com salários poucos competitivos em comparação a outros países desenvolvidos, estaria o Japão na posição de poder querer que estrangeiros fiquem pouco tempo?
É claro que NÃO! Yang Liu, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Economia, Comércio e Indústria, em Tóquio de certa forma reconhece isso dizendo que “Se o sistema continuar como está, a probabilidade de que trabalhadores estrangeiros deixem de vir é muito alta.”
Talvez por isso mesmo a própria reportagem do The New York Times afirme que muitos dos trabalhadores estrangeiros que chegaram ao Japão apenas “fugiram dos baixos salários, da repressão política ou dos conflitos armados em seus países de origem”. Ou seja, ao que parece muitos trabalhadores estrangeiros no Japão o escolheram apenas por oferecer uma situação “menos pior” do que enfrentariam em seus países de origem.
É provável que muitos trabalhadores brasileiros desejaram, de fato, ficar pouco tempo no Japão, guardar dinheiro e investir no Brasil, abrindo empresas e/ou adquirindo propriedades. Alguns imigrantes fizeram isso na década de 1990 e início dos anos 2000. Contudo, é provável também que muitos dos que decidiram ficar no Japão para sempre, fizeram isso porque já não conseguem guardar dinheiro por conta dos salários japoneses defasados e um aumento considerável no custo de vida, ficando presos a um ciclo, do tipo:
Vou guardar dinheiro por 2 anos e voltar ➝ Não consegui ➝ Vou ficar mais dois anos ➝ Não consegui ➝ Vou ficar mais dois anos...
O problema desse ciclo, como dissemos, é que como mão de obra temos prazo de validade e a concorrência dos mais jovens chegando. Sem uma qualificação, sem dominar o japonês, o que fazer? Como se reinventar? Como o sistema de aposentadoria japonês suportará uma grande população japonesa já envelhecida acrescida de uma população de estrangeiros também envelhecida e sem qualificação? Chegará um momento em que o governo os convidará a se retirar do Japão, como fizeram durante a crise de 2008? A conta não fecha...
Você pode ainda pensar:
“Eu quero aprender japonês para ter oportunidade de emprego no Brasil mesmo. Não estou interessado em morar no Japão”
Pelo menos em um primeiro momento, no quesito emprego esta é a opção mais escolhida, conforme a pesquisa que destacamos anteriormente.
É claro que há mercado para se trabalhar com a língua japonesa no Brasil, como por exemplo, tradutor e intérprete ou professor. Porém, é claro também que, se comparamos com as línguas inglesa ou espanhola, as oportunidades com a língua japonesa são bem reduzidas, até por questão da própria demanda.
Não há como negar que, pelo menos atualmente, a língua japonesa ainda é muito ligada ao entretenimento, algo que tende a ser temporário, facilmente substituível por outras formas de diversão, como por exemplo, a onda coreana com o K-pop e K-dramas, além dos quadrinhos e animações.
Perceba a diferença, por exemplo, com as línguas inglesa e espanhola: o inglês é uma língua GLOBAL, e o espanhol pode abrir muitas oportunidades para nós brasileiros por conta do MERCOSUL, por exemplo, além de ser também uma língua amplamente falada no mundo.
***
Agora, vamos recapitular alguns pontos negativos de se estudar japonês:➩ Tendência ao comportamento agressivo-passivo devido à rigidez cultural (busca pela uniformidade, identidade de grupo), o que reprime os japoneses, tornando-os intolerantes e “vingativos” com o diferente (coisas, ações e pessoas);
➩ O Japão ainda deixa a desejar no quesito acolhimento aos estrangeiros;
➩ O Japão ainda deixa a desejar no quesito adaptação na comunicação;
➩ Questões culturais como a preferência pela comunicação indireta e o evitar conflitos tendem a levar os japoneses a praticarem o ghosting (o cortar relações sem motivo aparente, desaparecendo repentinamente) com muita frequência;
➩ Essa falta de acolhimento dos japoneses dificultará a nossa inserção em um ambiente de recompensas e consequentemente poderá diminuir muito a nossa motivação ao longo do tempo pela falta de sentimento de pertencimento;
➩ O aspecto cultural tem realmente valor único, pois cada povo tem sua própria cultura. Embora o Japão possa ser muito atraente no quesito cultural, não é recomendável considerar esse aspecto isoladamente em todas as circunstâncias. Em outras palavras, uma coisa é fazer turismo; outra é viver por um longo período no país. Neste caso, todos nós precisamos ter uma vida social saudável e um bom trabalho para viver satisfatoriamente;
➩ No quesito viver por um longo período, o Japão já não é tão atraente financeiramente e o mesmo vale para o bem-estar geral proporcionado, sendo que há atualmente países com melhores oportunidades, melhor nível de bem-estar proporcionado e cuja adaptação cultural e linguística tende a ser mais fácil (e menos rígida!) para nós brasileiros;
➩ Como há muita idealização e “oba-oba” com relação ao Japão, podemos nos deparar constantemente com pessoas (principalmente influenciadores digitais) tentando nos manipular a fim de obterem para si algum benefício (posse, prestígio e/ou poder);
➩ A língua japonesa restringe muito as nossas opções, servindo praticamente apenas no Japão. Comparando-a com o inglês, por exemplo, há cerca de 60 países que adotam o inglês como língua oficial ou cooficial;
➩ Há uma escassez de materiais didáticos em português;
➩ Os estudantes de língua japonesa e admiradores da cultura japonesa tendem a ser muito fantasiosos na sua maneira de ver o Japão e, por isso, muitas vezes acabam induzindo os recém-interessados a ações e análises equivocadas;
➩ Os estudantes de japonês tendem a ser muito competitivos em vez de acolhedores. Isso tem a ver com a vaidade (pois quem estuda ou se comunica em línguas asiáticas costuma ser visto {erroneamente!} como alguém acima da média), mas também pode estar relacionado à existência de processos seletivos rigorosos para empregos e bolsas de estudo. Em outras palavras, a existência de mais estudantes ou ajudar o outro significa criar concorrentes.
Considerando todos esses aspectos, muitos estudantes acabam se tornando como os participantes da prova da ponte de vidro da série Round 6. Até querem aprender japonês, mas carregam uma grande insegurança (inconsciente) quanto aos benefícios futuros, o que faz com não se engajem de fato e busquem fórmulas certeiras e milagrosas para não “pisar em falso”.
Muitos estudantes acabam agindo como uma pessoa que se diz fã de um animê, mas pensa:
“Eu sei que o animê que eu gosto precisa de engajamento e retorno financeiro para continuar existindo, mas os outros fazem isso. Eu mesmo não compro nada oficial. Os outros que comprem! Existem os produtos piratas!”
Esse é o tipo de pessoa que, mesmo que negue, na prática não quer pagar o preço para que o animê exista. Se todos pensarem assim, o animê não se sustentará. No fundo, isso é a mesma coisa que dizer “tanto faz” para a existência do animê, ainda que a pessoa afirme que gosta do animê.
Outra analogia que podemos fazer é daquele jogador que quer jogar determinado jogo, mas fica esperando descobrirem algum código secreto para que tenha certeza absoluta de que chegará ao final do jogo. Ora, um jogador que age assim está também dizendo “tanto faz” por conta de uma insegurança quanto aos resultados futuros.
Em todos os aspectos da vida temos uma tendência de achar que as coisas podem acontecer sem que tenhamos que pagar um preço por elas, mas não é assim! Por exemplo, em qualquer relacionamento humano, se todas as partes não estiverem dispostas a “investir” no relacionamento, ele afundará. Ou você se sentiria satisfeito com uma pessoa que dissesse: “Eu não vou retribuir, pois não sei se nosso relacionamento dará certo”. Uma pessoa que assim pensa está dizendo “tanto faz” para o relacionamento e o cenário piora ainda mais quando essa pessoa passa exigir coisas do outro mesmo não estando disposta a retribuir.
O nosso cérebro é muito chato. Podemos até mesmo dizer que no quesito “importância”, ele é binário, isto é, para ele só existe o “É importante” ou o “Não é importante”. O “tanto faz” é o “Não é importante”, ainda que inicialmente pareça o contrário.
Nós JÁ sabemos o que temos que fazer para aprender uma língua estrangeira. Como dissemos anteriormente, basicamente temos que ESPELHAR aquilo que fazemos na nossa língua nativa. A única diferença é que na nossa língua nativa não tivemos escolha, isto é, era realmente necessário que aprendêssemos nossa língua nativa para sobreviver melhor em nosso ambiente original. Já numa língua estrangeira temos que passar pelos mesmos processos de forma voluntária, isto é, temos o poder da escolha. Em princípio, aprender ou não uma língua estrangeira não prejudicará a nossa sobrevivência.
Diante de tudo que abordamos neste longo tópico (UFA!), você pode ainda pensar:
“O futuro é sempre incerto e a visão de mundo de cada pessoa, variável. Portanto, digam o que disserem, uma pessoa só vai saber mesmo se o Japão é bom ou ruim se ela mesma morar no Japão”
Esse tipo de afirmação é muito comum e, à primeira vista, parece correta. Porém, pode nos induzir a grandes equívocos.
Por quê?
Troquemos as palavras: “(...) Você só vai saber se VENENO mata ou não se tomar você mesmo tomar o veneno”.
Perguntamos: você tomaria veneno?
O que queremos dizer é que falar de futuro, de fato, é sempre um jogar de dados, possibilidades, mas existem resultados mais esperados de ocorrer do que outros. Ou seja, você pode não morrer ao tomar o veneno, mas o resultado mais esperado é a morte.
Além disso, ações têm custos diferentes. A menos que a pessoa tenha dinheiro sobrando e/ou uma rede de apoio (o que pode NÃO ser a realidade da maioria), "experimentar um país" não é tão simples como experimentar uma roupa ou calçado numa loja, isto é, "sem custo". Decisões complexas envolvem estatísticas comparadas com as de outros países, experiências de pessoas NA MESMA situação e projeções de especialistas.
A questão é que costumamos usar como parâmetro experiências que NÃO seriam as nossas. Ou seja, se vamos trabalhar numa fábrica, deveríamos considerar as experiências de "pessoas iguais", isto é, que já trabalham ou trabalharam em fábrica. O problema está em usarmos como parâmetro, por exemplo, a experiência do Zico no Japão, ou a daqueles influenciadores digitais famosos. Ora, são realidades completamente DIFERENTES.
Você pode ainda pensar:
“Mas e se o Japão for bom para mim? Melhor tentar do que se arrepender depois por não ter tentado e ficar pensando ‘E se...’”
Algo que pode nos ajudar a lidar com o pensamento “e se...” é nos conformarmos que nunca seremos capazes de experimentar tudo e, por isso, sempre estaremos perdendo algo, muitas dessas coisas podendo ser ainda para nós desconhecidas no momento. Por isso, observe algo interessante: enquanto refletimos para a tomada de decisões, normalmente consideramos SOMENTE os possíveis ganhos, mas não consideramos as possíveis perdas. Neste sentido, cada processo de tomada de decisão se trata, na verdade, de escolher o que perder para tentar ganhar.
Suponhamos que você queira adquirir um Playstation 5. Precisamos levar em conta que para adquiri-lo (ganhar), você precisará PERDER pelo menos 4.000 reais. A cada jogo que você quiser jogar (ganhar), terá que PERDER pelo menos 200 reais. Além do dinheiro em si, com certeza você JÁ estará perdendo a oportunidade de desfrutar de outros consoles e jogos (outras alternativas disponibilizadas pela concorrência).
Desta maneira, o pensamento “e se...” pode brotar na nossa cabeça independentemente de tentarmos algo ou não, de escolhermos A, B, C, etc.. Por exemplo, muitos de nós estão aprendendo japonês porque querem encontrar melhores oportunidades de trabalho. Porém, já imaginou que a sua melhor oportunidade de trabalho pode estar na Alemanha, por exemplo?
Percebe? Você pode estar estudando japonês para tentar algo melhor e não se arrepender depois (“E SE eu tivesse estudado japonês...”). Contudo, mais para frente e ainda mais com a Alemanha assumindo a terceira posição como economia mundial, você pode, da mesma maneira, arrepender-se por ter estudado japonês e não ter estudado alemão (“E SE eu tivesse estudado alemão e não japonês?!”).
Cremos que o problema com o pensamento “e se...” está em querer ser o que é impossível sermos: seres oniscientes e nem onipresentes. Portanto, o melhor que podemos fazer é buscar conhecimento constantemente e aceitar as mudanças necessárias. Agindo assim, nós nos daremos conta de que estaremos tomando as melhores decisões POSSÍVEIS com as ferramentas que temos no momento (e SEMPRE perdendo algo que pode ser melhor).
Portanto, reflita agora e constantemente:
“Quero realmente pagar o preço para aprender japonês ou para mim tanto faz? Os benefícios que o Japão pode me oferecer qualquer país pode oferecer igual, melhor ou mais facilmente?”
Talvez você acabe se desmotivando com relação à língua japonesa. Ou, talvez, depois de refletir sobre todas essas questões a sua motivação fique ainda mais forte. Seja como for, o que desejamos é que você saiba onde quer pisar (ou está pisando) e o faça da forma mais consciente possível – pesando os prós e os contras como devemos agir diante de qualquer meta. Afinal, podemos sim nos motivar por razões equivocadas. Assim, nos esforçaremos de fato, gastaremos recursos e tempo, mas não colheremos os frutos desejados. Precisamos alicerçar nossas metas sobre a rocha firme, ainda que as alicerçar sobre a areia seja mais prazeroso.
XXXVII. QUAL O FUTURO DO JAPÃO?
Cremos que fica evidente pelas estatísticas comparadas que a idolatria pela mesmice tem sido danosa para os próprios japoneses. Além disso, a população está ficando cada vez mais idosa, com uma quantidade surpreendente de pessoas solteiras morando sozinhas. Isso resultará em uma população extremamente baixa nas próximas décadas, incapaz de se sustentar como sociedade. Veja alguns dados:
Segundo dados do Ministério de Assuntos Internos e Comunicações, o Japão registrou uma proporção histórica de idosos, definidos como pessoas com 65 anos ou mais. Essa faixa etária agora abrange 29,1% da população total do país, marcando a mais alta taxa em todo o mundo. Também vem acumulando anos consecutivos de queda populacional, e as projeções para o futuro não são animadoras. De acordo com o The National Institute of Population and Social Security Research, a população japonesa deverá diminuir para cerca de 110,92 milhões em 2040, cair abaixo dos 100 milhões para 99,24 milhões em 2053, e cair para 88,08 milhões em 2065. Além disso, especialistas dizem que 43% dos mais de 1.700 municípios do Japão podem ser extintos, já que suas populações de mulheres em idade fértil estão a caminho de cair para menos da metade dos números atuais até 2050.
Logo, percebe-se que a realidade concreta está dizendo que essa política da “mesmice”, no mundo moderno, não funciona mais, ainda que no passado tenha produzido algo de bom e de certa forma para alguns é o que manteria o aspecto único da cultura.
Diante desse dilema, irá o Japão se abrir para a diversidade, caminho que parece inevitável (e há dados que mostram que por volta de 2070, a população do Japão será composta por cerca de 11% de estrangeiros) ou irá preferir ir se apagando? Será que isso é visto como um processo natural e algo até desejado para supostamente manter os recursos?
Como assim?
A escassez de recursos é um tema que gera acalorados debates com uns defendendo que os recursos, mesmo com os avanços tecnológicos, são limitados e, por isso, um certo controle de crescimento populacional (e também migratório) é necessário. Outros, porém, dizem que os recursos NÃO são limitados e o problema está no acúmulo de recursos por parte de alguns. Veja o quanto o 1% da população mais rica de cada país detém da riqueza nacional segundo o relatório da Riqueza Global de 2023, publicado pelo banco Credit Suisse (quanto maior a porcentagem, pior):
Alguns poderão ainda dizer que, mesmo que o problema dos recursos esteja no acúmulo por parte de alguns, um certo controle de crescimento populacional e migratório se faz necessário por questões territoriais, isto é, naturalmente os lugares têm uma capacidade limitada para acomodar pessoas. Neste aspecto, o Japão tem o tamanho de 377.973 km², sendo a soma aproximada dos territórios dos Estados do Mato Grosso do Sul (357.125 km²) e Sergipe (21.910 km²). Porém, o Japão tem uma população (de 122,4 milhões) muito maior que a desses dois Estados juntos (5.868.817 de habitantes). A densidade demográfica do Japão é de aproximadamente 326 habitantes/km² e, para fins de comparação, a do Brasil é de 24 habitantes/km² aproximadamente. E só uma curiosidade: para que a densidade demográfica do Japão se equiparasse a do Brasil, a população japonesa precisaria ser de aproximadamente 10 milhões ou o seu território precisaria ser aumentado em pelo menos 13 vezes.
Estaria aí também um dos motivos para a rígida legislação japonesa de imigração e a dificuldade de os japoneses acolherem os estrangeiros? Será que há um pensamento (implícito) na sociedade japonesa de que não precisam dos estrangeiros por já terem gente demais e poderem dar conta de tudo sozinhos? Como se bastasse qualificar o povo japonês e, por um processo análogo à seleção natural, os melhores prevaleceriam?
Segundo Makiko Ando, vice-secretária da ONG Rede de Solidariedade aos Migrantes do Japão, o pensamento é claro: “O Japão não quer que os estrangeiros fiquem aqui por muito tempo. Eles só querem trabalhadores temporários”. Jeff Kingston, professor de estudos japoneses da Universidade Temple diz que “o Japão trata os trabalhadores estrangeiros como se fossem lenços de papel. É a filosofia do usar e jogar fora”.
Ao comentar sobre os casos de assédio no trabalho, o professor Yoshihisa Saito da Graduate School of International Cooperation Studies e especialista em direito trabalhista, estagiários estrangeiros e a situação atual no Vietnã, diz que “o Japão continua vendo os trabalhadores estrangeiros não como amigos que vivem lado a lado, mas como objetos descartáveis aos quais deve ser dado o mínimo apoio. (...) Isso pode ser resumido se pensarmos nos frutos da árvore do vizinho ao lado de seu jardim. Digamos que você pegue, morda e jogue de volta por cima da cerca a quantidade de frutas que quiser e depois plante apenas as sementes das frutas mais deliciosas em seu próprio jardim. Seu comportamento seria corretamente chamado de desprezível. Essa situação precisa ser profundamente corrigida”.
Se os japoneses tendem a pensar que são autossuficientes ou que no máximo precisam de estrangeiros temporariamente apenas para aprenderem dos estrangeiros algo necessário, por outro lado, não é isso que os dados têm mostrado. Segundo o relatório Global Talent Shortage de 2023, no Japão 78% dos empregadores relataram dificuldade para preencher vagas em aberto, sendo que a média global é de 77% e, para fins comparativos, a taxa no Brasil foi de 80%. Ainda, em 2018 esse índice chegou a 89% vindo de uma série de sucessivos aumentos:
O político Keisuke Tsumura, membro do Partido Democrático para o Povo, diz que “o Japão se tornará mais globalizado. (...) Haverá mais casamentos com estrangeiros e, em algum momento no futuro, o inglês poderá ser nosso idioma nacional.” Segundo ele, a sociedade japonesa está ciente de que há um limite para o crescimento se o Japão “continuar a ser homogêneo”. Já o professor Yoshihisa Saito afirma que:
“Antes de perguntar o que precisamos fazer para tornar o Japão o destino preferido dos estrangeiros, precisamos pensar por que os japoneses não se sentem atraídos por determinadas regiões e setores. É o mesmo que acontece com os alimentos e a energia – primeiro é preciso pensar em medidas sustentáveis para poder lidar com isso por conta própria. Se continuarmos a solicitar mão de obra estrangeira ‘descartável’, o que acontecerá se essas pessoas não vierem para cá? Os setores que dependem apenas de estrangeiros não poderão continuar. Primeiro, precisamos oferecer aos japoneses um equilíbrio adequado entre vida pessoal e profissional. Devemos criar um ambiente no qual as pessoas com filhos pequenos possam trabalhar com facilidade. Tornar o trabalho atraente para os japoneses é a prioridade. Depois, podemos pensar em quem gostaríamos de atrair para cá. Acho que o desenvolvimento de políticas requer uma visão de longo prazo, e não apenas o foco em questões atuais”. |
Contudo, um estudo publicado em 2022 apontou que o Japão precisará de cerca de 6 milhões de trabalhadores estrangeiros em 2040, aproximadamente quatro vezes mais do que tem hoje, para atingir a meta de crescimento econômico do governo.
E o que mão de obra estrangeira tem a ver com crescimento econômico?
A lógica disso é simples. Sabemos que nós seres humanos NÃO conseguimos manter o mesmo grau de vitalidade durante toda vida, não é mesmo? Com isso, podemos dizer que NÃO estaremos para sempre aptos para o mercado de trabalho.
Como todos nós um dia perderemos as forças, envelheceremos e morreremos, é preciso que haja uma “reposição” da população para que sempre exista mão de obra apta para o mercado de trabalho, bem como potenciais consumidores. É por isso que se costuma dizer que a taxa de fecundidade tem relação fundamental com a manutenção (e crescimento) da economia de um país.
No tópico anterior, trouxemos a fala do empresário Ken Kato que disse não estar convencido de que o Japão precise de um elevado número de trabalhadores estrangeiros, pois ele acredita que dentro de uma década ou duas, a Inteligência Artificial, a robótica e outras tecnologias terão avançado a tal ponto que resolverão os problemas de mão de obra. Contudo, essa conclusão é muito equivocada, pois desconsidera a outra parte deste ciclo, isto é, apenas seres humanos podem consumir de fato produtos e serviços. Apenas seres humanos possuem preferências e necessidades mutáveis, e é justamente por causa disso que existem a publicidade e a propaganda e diferentes ações de marketing. As máquinas podem produzir, mas não têm necessidades ou preferências mutáveis como nós humanos.
Muito interessante, aliás, é um artigo do Japan Today, do qual trazemos alguns trechos (com adaptações para fazer um texto corrido):
A produção em massa deu tudo a todos, e o consumo em massa gerou uma “cultura do descartável”, que destruiu o respeito e, por sinal, manifestou-se no mercado de trabalho ao fazer os trabalhadores se tornarem bens "descartáveis", contratados quando necessário e demitidos quando não. A democracia japonesa tinha algo de “falso” desde o início. O sistema educacional do “tamanho único” favorecia os medianos em detrimento dos superdotados e diferenciados. “Seja igual a todo mundo ou apodreça!” era a mensagem implícita. O governo de partido único, praticamente ininterrupto desde 1955, aumenta a impressão de conformidade – ou indiferença – triunfante. As décadas de 1970 e 1980 foram décadas de orgulho. A ambição do pós-guerra de alcançar os EUA em termos econômicos ficou ainda mais ousada – por que não ser o número um? Como o Japão passou dessa situação para a atual é uma questão que envolverá futuros acadêmicos por décadas. O prognóstico não é bom. O período imediatamente posterior à guerra foi pior, mas a nação era jovem. Os jovens de antigamente são os idosos de hoje. A geração jovem está diminuindo constantemente, em termos numéricos. Os tempos estão mudando drasticamente, e o vigor da juventude que prospera com as mudanças não está em evidência. Será que a tecnologia avançada – robôs, inteligência artificial e coisas do gênero – poderá preencher o vácuo? Ela pode muito bem aumentar a produtividade, mas é mais provável ainda que desempregue um grande número de pessoas. Quem, nesse caso, serão os consumidores? |
Sendo assim, a presença de seres humanos também como consumidores é indispensável para manter a dinâmica do mercado. E como as pessoas poderão consumir produtos e serviços sem ter recursos financeiros, o que geralmente advém do emprego? Logo, a substituição em massa de mão de obra humana por tecnologia, embora tenha benefícios, pode levar ao desemprego, reduzindo o poder aquisitivo da população e, consequentemente, a demanda por produtos e serviços.
Para que a reposição populacional seja assegurada, a taxa de fecundidade recomendada é de 2,1 filhos por mulher, pois duas crianças “repõem” pelo menos os pais e a fração 0,1 é necessária para compensar os indivíduos que morrem antes de atingir a idade reprodutiva.
Porém, e quando a taxa de natalidade do país está abaixo do recomendado, não garantindo assim a mão de obra e potenciais consumidores para o futuro?
Seres humanos não nascem em árvores e uma medida que pode ser tomada para essa reposição é a “importação de população” com políticas de incentivo para a entrada de estrangeiros.
O historiador e cientista americano Jared Diamond diz que “embora os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Europa Ocidental também tenham uma queda na taxa de natalidade e um envelhecimento de sua população nativa, esses países minimizaram as consequências ao admitirem um grande número de imigrantes”. Gabriele Vogt, professora de política e sociedade japonesa na Universidade de Hamburgo, na Alemanha, diz que “Se compararmos o Japão com a Alemanha, nas décadas de 1950, 1960 e 1970, a Alemanha recrutou ativamente os chamados 'trabalhadores convidados', principalmente de países europeus, enquanto o Japão nunca o fez. (...) A Alemanha escolheu o caminho do recrutamento de imigrantes, enquanto, no Japão, houve migração interna para áreas de crescimento econômico ou polos industriais”.
Será que o Japão conseguirá se tornar atraente para os estrangeiros diante da concorrência de outros países? Será que o Japão conseguirá fazer com que os japoneses se interessem por áreas e setores que hoje não lhes despertam interesse? Ou será que veremos um movimento cada vez maior de saída dos japoneses para países estrangeiros?
Isso só o tempo dirá, mas para trabalhar no Japão, estrangeiros têm de passar por processos seletivos rigorosos com altas exigências, precisam encarar uma cultura de trabalho árdua e inflexível, bem como uma sociedade ainda pouco amigável a estrangeiros e uma legislação de proteção do imigrante ineficiente. Todas essas dificuldades tendo em troca salários baixos em comparação a outros países desenvolvidos. Michiyo Ishida, repórter da emissora singapurense CNA diz que “para que o Japão esteja no topo da lista de escolha dos estrangeiros para trabalhar e viver, os japoneses precisam aprender a ser mais acolhedores com aqueles que não sabem falar japonês e têm culturas e valores diferentes, pois a bomba-relógio demográfica não para. Não há outra opção”.
Não é à toa que em 2020, os imigrantes no Japão somavam apenas 2,2% da população, enquanto representavam 13,3% nos Estados Unidos, 19% na Alemanha e 21% no Canadá. Além disso, como citamos anteriormente, no Japão, apenas 1% dos trabalhadores altamente qualificados são estrangeiros, uma proporção significativamente inferior aos 23% no Reino Unido e aos 16% nos Estados Unidos. Outro dado mostra que mais de 60% dos estudantes estrangeiros no Canadá e na Alemanha, países que oferecem suporte aos estudantes que desejam obter vistos de trabalho, permanecem no país cinco anos depois de entrarem, e mais de 40% continuam lá depois de 10 anos, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. No Japão, as taxas são de menos de 40% após cinco anos e 20% após 10 anos. Podemos relacionar estes dados com uma pesquisa de 2023 que mostrou que os estudantes estrangeiros no Japão têm mais dificuldade em conseguir ofertas de emprego do que os estudantes japoneses, sendo que a diferença no percentual de oferta de empregos é de mais de 30%. Sobre isso, Yuki Megumi, professora de sociologia da Universidade de Gunma, diz que “As universidades precisam adotar uma estratégia de longo prazo para dar suporte aos estudantes estrangeiros, como oferecer orientação profissional e oportunidades de estágio nas primeiras etapas do processo”.
De acordo com um estudo realizado pela Organização de Serviços para Estudantes do Japão no ano de 2021, pouco menos de 40% dos estudantes estrangeiros encontraram emprego no Japão após a conclusão do curso. Eles precisam competir com os estudantes japoneses e, assim, muitos empregadores japoneses optam por não empregar estudantes estrangeiros devido à falta de conhecimento do idioma, mesmo que esses estudantes tenham outras habilidades. Yang Senlin, uma pós-graduanda de 24 anos da China e que possui o nível 1 (o mais alto) do JLPT (Teste de Proficiência na Língua Japonesa) diz: “O que mais me preocupa são minhas habilidades no idioma japonês. (...) Eles fazem entrevistas em japonês e pedem que você participe de discussões em grupo no processo de recrutamento. Tudo isso é difícil para mim”.
Falando novamente dos descendentes e cônjuges e da suposta facilidade que o Japão lhes oferece por lhes proporcionar uma melhora de vida mesmo com baixa escolaridade e sem saber o idioma japonês, isso tem se mostrado, na prática, falso, devido a concorrentes vindos de outros países em desenvolvimento que aceitam salários menores e/ou se interessam pela língua japonesa. Da mesma forma, a ideia de que estudar e dominar o idioma japonês proporciona melhores oportunidades não deixa de ser também falsa, uma vez que, estatisticamente falando, é perceptível a preferência das empresas japonesas por candidatos japoneses, ainda que sejam tecnicamente inferiores a algum candidato estrangeiro se este não dominar realmente a língua e costumes japoneses. Observe o esquema a seguir:
Em suma, diríamos que como regra geral um estrangeiro só terá a preferência das empresas 100% japonesas (excluindo-se mistas e/ou estrangeiras no Japão) se for altamente qualificado, sendo esta qualificação maior do que a de um japonês, e TAMBÉM se realmente dominar a língua e cultura (costumes) japonesas. Esses dois fatores, entretanto, frequentemente acabam sendo muito subjetivos por parte dos recrutadores.
Outro ponto é que alguns dizem que as pessoas não precisam trabalhar tanto se entrarem com visto de estudante. Sim, isso é verdade. Porém, o salário será proporcional ao quanto se trabalha e frequentemente será “muito apertado” para se viver em cidades como Tóquio. Além disso, a pessoa não poderá ficar para sempre com visto de estudante! Em determinado momento, ela será obrigada a enfrentar a dura cultura de trabalho japonesa!
Perguntamos: não é um preço muito alto para um retorno (financeiro e social) que deixa muito a desejar em comparação a outros países? Se for para buscar alta capacitação e o domínio da língua local (algo que exige tempo, dinheiro e esforço), não seria melhor escolher outro país cujo retorno é maior?
Percebe-se claramente que o Japão está com uma atratividade muito baixa, ainda que muitos não percebam. Tendo atualmente muito mais acesso à informação do que em décadas passadas, as pessoas podem comparar estatísticas de vários países, ouvir vários relatos de pessoas diferentes, etc. e tomar decisões melhores.
Por isso, cremos que, mais pela proximidade, o Japão se tornará o destino de pessoas de outros países asiáticos, como já mostram os dados de 2021, em que representam 84% do total de imigrantes no Japão:
E dados de 2024 confirmam a grande presença e a tendência de crescimento de imigrantes asiáticos em comparação a povos do ocidente:Em termos de percentual na composição de população de imigrantes, asiáticos estão disparadamente à frente, assim como no número de novos imigrantes em relação a 2023. Observe a lista acima agora ordenada por número de novos imigrantes:
Perceba que também existe uma grande diferença entre o número de novos imigrantes vindos da Ásia e do Ocidente: os brasileiros são o maior grupo de ocidentais no Japão, mas é o terceiro menor em novos imigrantes, ficando apenas atrás de Peru e Reino Unido.
Em termos de turismo, dados de 2023 mostram que a GRANDE MAIORIA dos turistas (mais de 70%) é da própria Ásia. Neste quesito, o maior grupo de turistas não asiáticos é o de canadenses e americanos, que representam juntos cerca de 10% dos turistas, seguidos dos europeus, que representam cerca de 7,5% dos turistas. Observe a tabela a seguir:
Aliás, estaria aí o motivo do grande desinteresse dos japoneses em aprenderem e se abrirem para a língua inglesa? Ora, a maior parte dos imigrantes (mais de 80%) e turistas (mais de 70%) no Japão são da própria Ásia. Em geral, os povos asiáticos ainda enxergam o Japão como uma mina de ouro e, por isso, costumam se esforçar mais para aprender japonês e assimilar a cultura japonesa.
O presidente global da Mynavi, Motoki Yuzuriha, reconhece que “o declínio da atratividade do Japão do ponto de vista dos estrangeiros está começando a se tornar realidade. As empresas precisam melhorar os salários e outros benefícios e, ao mesmo tempo, criar locais de trabalho onde trabalhadores estrangeiros e japoneses possam trabalhar em harmonia”. Porém, o que acontece quando começa a haver muitas pessoas que aceitam ganhar pouco pelo mesmo serviço?
EXATO!
A tendência é que os salários diminuam (ou congelem). Afinal, por que pagar mais se há pessoas que aceitam ganhar menos fazendo o mesmo trabalho?
De certa forma, é isso que está acontecendo no Japão. Ao mesmo tempo que precisam de estrangeiros para repor a mão de obra, eles NÃO querem pagar muito. Com isso, acabam atraindo majoritariamente povos de países em desenvolvimento, pois estes tendem a aceitar salários baixos, mas que são “menos piores” do que os pagos em seus países de origem. O mesmo vale para as condições de trabalho. Ou seja, dependendo da situação de vida do imigrante em seu país de origem, ele tende a fechar os olhos para direitos fundamentais da pessoa humana não observados, contanto que ele consiga melhorar sua situação financeira. Com isso vai se criando um ciclo perigoso de salários baixos e condições de trabalho e sociais muito questionáveis. Como vimos no tópico anterior, o Japão é considerado um dos piores países em termos de integração, oportunidades e proteção jurídica ao imigrante. Ora, se há pessoas que aceitam isso, por que mudar?
Essa tendência de atrair mão de obra barata pode ser facilmente percebida pelas estatísticas do quadro acima, que mostra que, em sua maioria, são povos de países asiáticos em desenvolvimento que migram para o Japão.
Observe um interessante relato de alguém que trabalhou por sete anos no Japão:
Vamos ser honestos. Hoje em dia, apenas asiáticos de países considerados pobres e os fanáticos pelo Japão (weebs) querem trabalhar e viver permanentemente no Japão. O Japão não é mais um lugar atraente. Morei e trabalhei no Japão por sete anos e voltei para a Itália em 2019. Quando trabalhei no Japão eu tinha horas extras desnecessárias, 10 dias de férias remuneradas e aumento muito lento das férias remuneradas e pouco equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Agora na Itália não preciso de horas extras desnecessárias e todas as horas extras se tornam automaticamente horas adicionais que posso usar como férias remuneradas (portanto, a cada 8 horas extras, tenho 1 dia adicional de férias). Tenho 32 dias de férias remuneradas desde o início, 6 dias de trabalho em casa todos os meses e um ótimo equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Sim, os países da União Europeia têm muitos problemas e não são o paraíso, mas, em termos de salário, condições de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional, são melhores que o Japão. |
Se por um lado a diminuição do custo da mão-de-obra é ruim para os trabalhadores em geral, por outro lado, além de ser bom para as empresas, pois aumenta sua lucratividade, tende a atrair o interesse do investimento estrangeiro. Menores custos com salários podem resultar em produtos mais baratos, que podem ser vendidos com maior margem de lucro ou com preços mais competitivos no mercado global. Não é à toa que, por exemplo, o grupo Toyota Motor tenha registrado um lucro operacional recorde no ano fiscal de 2023, de mais de 5 trilhões de ienes. Esse é o valor mais alto de todos os tempos para uma empresa japonesa cotada na bolsa de valores.
Cremos também que o governo NÃO conseguirá suprir a falta de mão de obra despertando interesse nos próprios japoneses. Cada vez mais, parece que os jovens japoneses estão procurando, em países como a Austrália, melhores salários e um equilíbrio entre vida e trabalho. Em 2023, o número de jovens japoneses que se candidataram para trabalhar e viver na Austrália saltou subitamente atingindo um novo recorde de 14.398.
Os japoneses já são o quarto maior grupo na Austrália em vistos de trabalho de férias. Itsuro Fujita, que trabalha como agente da Japan Working Holiday Association, afirma que os japoneses estão tentando escapar dos baixos salários, de uma cultura de trabalho rígida e da queda do iene. Ele também diz que “antes, a grande maioria das pessoas dizia que ‘quero ter experiências no exterior e adquirir conhecimentos de inglês’. Agora, a expressão mudou para ‘quero ganhar dinheiro’ e isso está aumentando”.
E não é difícil encontrar relatos de japoneses que chegam a ganhar o dobro do que ganhavam no Japão. Por exemplo, o japonês Shonaru trabalha em uma fábrica de processamento de metais. A renda mensal dele no Japão era de 250 mil ienes, e na Austrália passou a ganhar o equivalente a 800 mil ienes. Além disso, ele trabalha das 6h às 14h30min, tendo tempo para sair com os amigos e aproveitar uma praia. Diante do equilíbrio entre vida e trabalho, o que proporciona qualidade de vida, Shonaru diz: “Sinceramente, não quero mais trabalhar no Japão”.
O japonês Fukuoka trabalha em uma fábrica de carnes na Austrália e ganha o equivalente a 552 mil ienes. Ele diz que “Pensando no que ganho, não quero mais voltar ao Japão”. Um dos motivos é que “no Japão ficamos presos ao trabalho, e os salários são baixos”.
Podemos dizer que, de certo modo, mão de obra barata é o sonho de qualquer empresa, investidor ou mesmo consumidor. Afinal, isso resulta em produtos mais baratos também para consumidores em geral. Ora, quantos de nós não preferem comprar produtos da China por eles serem mais baratos, não é mesmo?
Isso não deixa de ser irônico, porque como trabalhadores, as pessoas desejam melhores salários e condições de trabalho, mas como consumidores, frequentemente procuram os produtos mais baratos, muitas vezes fabricados em condições que elas próprias não aceitariam. Isso cria um ciclo difícil de quebrar, no qual a pressão para reduzir custos pode perpetuar práticas de trabalho exploratórias, e talvez no Japão esse ciclo apenas fica mais evidente.
Resta saber até quando as empresas japonesas conseguirão manter esse ciclo, pois nada impede que povos de países asiáticos em desenvolvimento comecem a perceber que há outros países desenvolvidos que oferecem salários, condições de trabalho, qualidade de vida e suporte ao imigrante melhores que o Japão. Aliás, isso já está começando a acontecer com os vietnamitas trocando o Japão pela Austrália e a Alemanha. O vietnamita Tu de 30 anos foi um dos muitos trabalhadores vietnamitas que deixaram o Japão depois de perceber que seus rendimentos lá já não eram tão bons. Ele diz que “tinha que trabalhar entre 11 e 12 horas por dia quando estava no Japão, em comparação com apenas oito horas por dia, cinco dias por semana” na Alemanha.
Em 2023 havia cerca de 325.000 estagiários técnicos estrangeiros e 131.000 trabalhadores estrangeiros qualificados específicos no Japão, sendo os vietnamitas a maior fonte desses grupos, representando 54% dos estagiários técnicos e 59% dos trabalhadores qualificados específicos. Porém, Nguyen Thuy Linh, presidente da Himawari Service, uma empresa de recursos humanos em Hanói, diz que “desde a desvalorização do iene, tornou-se difícil recrutar trabalhadores migrantes para o Japão”.
Estima-se que a partir de 2031, os trabalhadores vietnamitas deixem de ver o Japão como atraente. Os custos associados à migração deixarão de valer a pena, uma vez que os salários no Japão serão apenas cerca de três vezes os salários vietnamitas. Viver no Japão também é caro – cerca de quatro vezes mais caro do que no Vietnã, em 2023. O salário médio mensal dos trabalhadores migrantes é de cerca de 180.000 ienes (cerca de 1.250 dólares), mas 40 a 50% desse valor é consumido pelos custos de taxas de dormitório, impostos, seguro social e outras deduções.
Especialistas apontam que há uma intensa disputa pela mão de obra vinda de países asiáticos, que contribuem com mais de 40% dos trabalhadores no mercado global. Para que o Japão continue sendo um destino atraente para esses profissionais, será necessário que o país faça concessões adicionais, melhore as condições de trabalho e ofereça salários mais competitivos.
Veja a seguir um interessante relato:
Trabalho na área de software aqui no Japão. Temos projetos com as principais empresas japonesas, portanto, trabalho com japoneses e também com pessoas de diferentes nacionalidades que vieram para cá em viagem de negócios. Também sempre participo de reuniões sociais, como esportes ou prática de idiomas, então tive a oportunidade de conhecer muitos estrangeiros e conversar com eles. Aqui estão as coisas comuns que ouço de estrangeiros e também de japoneses: 1. A cultura deles é sobre criar uma imagem e protegê-la, portanto, eles farão isso a todo custo. Se você notar algo estranho na cultura deles e perguntar sobre isso, eles tentarão encobrir o fato; 2. Os estrangeiros que vêm de países em desenvolvimento serão tratados pior do que aqueles que vêm de países desenvolvidos. A exploração, o bullying e o assédio também ocorrem em empresas japonesas conhecidas, mas ninguém ousa reclamar devido à pressão para manter a harmonia do grupo e o relacionamento com seus chefes; 3. O estilo de vida dos japoneses é muito estressante desde a juventude, portanto, a saúde mental é realmente um problema aqui. Algumas pessoas simplesmente descontam o estresse em você, mesmo que você não tenha feito nada de errado. É por isso que o bullying e o assédio são comuns na escola e no local de trabalho; 4. Eles têm a velha mentalidade de que quanto mais tempo você trabalha, melhor funcionário você é. Isso cria uma imagem de que você é muito bom. Isso cria uma imagem de que você está muito ocupado fazendo muitas coisas que contribuirão para a empresa. É por isso que você se deparará com muitas reuniões longas e sem sentido, nas quais nada muito importante está sendo abordado. Eles fingem estar ocupados pela manhã, começam a trabalhar de fato à tarde e depois fazem hora extra. O trabalho eficiente não é muito apreciado aqui; 5. Uma das primeiras impressões mais comuns dos estrangeiros que vêm para o Japão e depois percebem que é exatamente o oposto após viverem aqui por tempo suficiente e se tornarem bons no idioma é que os japoneses são gentis e educados. Aqui estão algumas dicas para quem vem para cá: 1. Se estiver viajando a negócios por apenas alguns meses, não precisa se preocupar. Você vai sentir a gentileza, a hospitalidade e a educação das pessoas daqui; 2. Se estiver planejando trabalhar aqui por um ano ou mais, procure empresas que sejam majoritariamente de estrangeiros, para que a cultura tóxica do trabalho seja, de certa forma, atenuada; 3. Faça amigos japoneses, especialmente aqueles que já viveram fora do Japão ou têm amigos estrangeiros, pois eles têm a mente mais aberta e são mais fáceis de conviver; 4. Esqueça a ideia de que o Japão é um país perfeito e não espere que as coisas sejam justas para você. No final das contas, somos apenas hospedes aqui, portanto, vamos precisar aceitar tanto o lado bom quanto o lado ruim do país, das pessoas e da cultura. |
Enfim, o soft power japonês tem sido uma ferramenta poderosa que pode criar uma imagem atraente, mas é importante olhar além dessa fachada para entender os desafios e complexidades da sociedade japonesa.
Você agora pode estar pensando:
“Parece que vocês estão dizendo que o Japão deveria se abrir à diversidade e ao multiculturalismo. Isso não seria desrespeitar o Japão e a cultura japonesa?”
Aqui precisamos entender que uma mesma ação pode ter efeitos positivos ou negativos a depender das circunstâncias externas, que estão em constante movimento, sendo muitas delas incontroláveis. Em tempos antigos, em que a locomoção, a comunicação, a captação de recursos e a qualidade de vida eram bem mais restritos, pessoas podiam se juntar em clãs isolados uns dos outros. Com isso, a ideia de cultura e etnia como identidade de um povo era realmente muito valorizada. Na Bíblia, por exemplo, há frequentemente relatos de povos lutando contra povos para mostrar a sua força, e a Parábola do Bom Samaritano nos mostra como naquela época só era considerado “o próximo” aquele que tinha o mesmo sangue e compartilhava do mesmo pensamento (mentalidade de clã). Visão esta que Jesus quis mostrar ser sem fundamento, pois quem socorre o homem caído na estrada é um Samaritano, alguém considerado inimigo.
Entretanto, os tempos hoje são outros. Diante das exigências da vida moderna (estudo, trabalho, carreira, contas para pagar, etc.), das inúmeras opções que ela nos apresenta (diferentes áreas de estudo, trabalhos diferentes, salários diferentes, diferentes opções de lazer, etc.), da comunicação em larga escala e da troca de conhecimento e recursos entre países, quem de nós hoje conseguiria ou mesmo aceitaria viver uma vida com recursos mínimos como nas vilas e povoados antigos? A menos que se viva em um país de regime autoritário em que o governo obrigue a população a viver com recursos e qualidade de vida mínimos e/ou haja muita manipulação de informação, isso concretamente é (quase) impossível! Aliás, sobre manipulação de informação, a brasileira Priscilla Sato que reside há 30 anos no Japão diz:
“Eu não assisto TV japonesa mais. (...) Se vocês acham que a Globo ou qualquer outra TV do Brasil manipula, vixe Maria! (...) Se você não entende japonês a ponto de entender a TV japonesa, então, você está bem por fora. (...) Eu sinto essa tendência de mostrar como o Japão é muito melhor do que outros países. (...) (em rankings), eles sempre tentam deixar o Japão em um lugar bem perto do bom. (...) É muita manipulação mesmo, muita manipulação. É tudo direcionado pra você pensar de uma forma. Uma coisa de cabresto mesmo” |
Considerando as exigências da vida moderna e um regime democrático saudável, NÃO existe país autossuficiente, que proporcionaria todos os recursos desejados por sua população. Daí a importância de países manterem boa relação uns com os outros para que haja troca de recursos e conhecimento entre eles. Além disso, as pessoas naturalmente, buscando as melhores pessoas e oportunidades possíveis, podem escolher mudar-se para outros países, casar-se com pessoas de outras nacionalidades, mudar sua visão de mundo, etc. Sendo assim, em um mundo globalizado e democrático, a diversidade e o multiculturalismo são consequências naturais e inevitáveis.
Neste sentido, poderíamos dizer que a mentalidade de clã, ainda presente no Japão e, de certa forma, isolacionista e autoritária tende a prejudicar o futuro do Japão, como as estatísticas frequentemente têm mostrado. Gostemos ou não, a globalização transformou o nosso mundo em um grande condomínio, no qual os países são apenas as casas. Não são entes autossuficientes e absolutamente soberanos.
Não podemos retirar a nossa casa do condomínio e muito menos mudar de planeta, não é mesmo? Sendo assim, provavelmente a escola japonesa terá que, cedo ou tarde, começar a educar os japoneses para o mundo e não apenas para o Japão.
O que é preferível: um barco permanecer inalterado, mas afundar por não fazer mais frente aos desafios do mar ou reformar o barco para que ele consiga continuar navegando com segurança?
Além disso, o argumento de que a diversidade e multiculturalismo necessariamente destroem culturas locais é FALSO. O que passará a existir são diversas culturas juntas e, devido a um processo natural diante de novos desafios e oportunidades que forem surgindo, as PESSOAS optarem por reformar ou abandonar algum aspecto cultural.
A cultura é um fator fundamental para a compreensão do comportamento humano, e a própria História nos mostra vários exemplos de como a cultura modela, controla e até justifica o comportamento de uma sociedade em determinado período.
Segundo o antropólogo britânico Edward Tylor, a cultura é “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. A cultura, portanto, não é um conjunto de verdades inatas, absolutas e inalteradas. É apenas um tipo de seletor de comportamentos que está em função dos eventos específicos enfrentados na História. Uma mudança no ambiente ou de ambiente resulta numa mudança no comportamento, que aos poucos resulta em mudanças culturais. Por exemplo, no Brasil quantos estilos de música não ouvimos mais? Quantos modelos de carros não são fabricados e comprados mais? Quantos tipos de roupa não vestimos mais? Quantas festas religiosas perderam seu sentido? E assim por diante. Muitas mudanças ocorrem naturalmente.
Acaso vamos condenar pessoas a viverem eternamente no passado por puro fetichismo com relação a algum aspecto cultural do qual gostamos? Isso seria egoísmo puro e o bem-estar das pessoas é muito mais importante. E já imaginou quantas pessoas brigaram, mataram ou morreram no passado por julgarem estar protegendo sua “cultura sagrada”, mas que hoje já sofreu muitas mudanças ou nem existe mais?
Outo argumento falso, e de certa forma, veiculado pelo Japão, é de que a diversidade gera conflitos.
Não!
Se analisarmos friamente a História, todos os conflitos, independentemente da proporção, são causados por um sentimento de superioridade e de suposta justiça decorrente disso (“Por ser superior a [X], eu tenho direito a [Y]”). A causa não é a diversidade em si, mas justamente a falta de respeito e tolerância à diversidade. Afinal, nós seres humanos somos naturalmente diferentes uns dos outros.
Terminamos este tópico com um interessante trecho do livro “O animal Social”, no qual é dito que “Gostamos de pessoas cujo comportamento nos proporciona maior recompensa ao menor custo, calculando “o valor de uma pessoa como amiga ou parceira romântica em parte pela comparação entre aquilo que nos trazem com aquilo que poderíamos obter com outros amigos ou parceiros românticos em potencial”.
Por mais difícil que seja aceitar isso, essa lógica vale para qualquer tipo de escolha e, portanto, é preciso colocar o Japão na balança e compará-lo com outros países, analisando os custos e os benefícios. Afinal, da mesma forma, os japoneses lhe colocarão na balança diante das opções disponíveis para eles.
XXXVIII. ENDIVIDAMENTO DO JAPÃO: O VERDADEIRO VILÃO?
Agora, gostaríamos de propor uma reflexão que gera controvérsias. Perguntamos:
Será que a estagnação dos salários, o ambiente pouco propício para a construção de carreira, a aversão a mudança dos japoneses, etc. não está de algum modo relacionado ao fato de que o Japão é um país extremamente endividado, ficando não raramente em primeiro lugar quando se considera a dívida do país em relação ao PIB?
A seguir apresentaremos essa reflexão em tópicos, já que este assunto pode ser um pouco complexo:
CONTEXTUALIZAÇÃO
Em 2025, o Japão é o país que deverá apresentar a MAIOR relação “dívida pública/PIB” do mundo, isto é, 242%. Esse alto endividamento é relativamente recente: em 1990, o endividamento era de apenas cerca de 50% do PIB. No entanto, esse número aumentou posteriormente devido aos gastos governamentais agressivos com o objetivo de reanimar uma economia estagnada pelo colapso da bolha dos preços de ativos no início da década de 1990.
PONTO 1: O Dilema do Japão: Um Cartão de Crédito com Dívida Eterna?
Imagine uma pessoa com uma dívida crescente no cartão de crédito, mas que, milagrosamente, sempre consegue pagar o valor mínimo da fatura. Ela continua gastando, nunca zera a dívida, mas, enquanto mantiver a confiança do banco e não extrapolar um limite de tolerância, o sistema funciona.
Trocando em miúdos, uma pessoa que pelo menos paga todo os meses o mínimo da fatura do cartão de crédito consegue manter a confiança da instituição financeira, pois, ainda que nunca quite a dívida, ela consegue pagar constantemente o mínimo aceito pela instituição financeira, não dando calote.
É exatamente essa a analogia para entender o Japão: um dos países mais endividados do mundo (em relação ao seu PIB), que, paradoxalmente, consegue manter juros baixíssimos em sua dívida.
PONTO 2: Pelo Menos Essa Dívida É Entre “Parentes”
A maior parte da dívida pública japonesa (cerca de 90%!) é detida por instituições domésticas (bancos, fundos de pensão, seguradoras e o próprio Banco do Japão). Isso torna a dívida menos vulnerável a saídas de capital estrangeiro e choques externos, um diferencial importante em relação a outros países endividados.
Além disso, historicamente, o Japão tem uma alta taxa de poupança doméstica, o que fornece uma fonte abundante de fundos para financiar a dívida do governo sem depender excessivamente de capital estrangeiro. No entanto, com o envelhecimento da população, a taxa de poupança pode diminuir.
Trocando em miúdos, é “menos pior” dever para um parente do que dever para um desconhecido, pois digamos, a pressão tende a ser menor sobre o endividado.
Quando um país depende muito de credores estrangeiros, qualquer sinal de instabilidade econômica ou política pode levar esses investidores a retirarem seus fundos rapidamente. Isso causa uma forte desvalorização da moeda, aumenta os custos de empréstimo (juros) e pode levar a uma crise de balança de pagamentos. Com credores domésticos, a probabilidade de uma saída maciça e repentina de capital é muito menor, pois eles têm interesses mais alinhados com a estabilidade do próprio país.
PONTO 3: A Chave do Equilíbrio Frágil: O Iene Forte e a Inflação Controlada
Como o Japão mantém uma moeda forte e estável, mesmo imprimindo tanto dinheiro?
A resposta está em evitar que esse dinheiro chegue à mão de muita gente ao mesmo tempo, controlando a demanda e, consequentemente, a inflação. A lógica é simples: se o consumo disparasse, a inflação subiria, o iene perderia valor e o governo seria obrigado a pagar juros muito mais altos pela dívida.
Pense numa Ferrari: muito do status a ela atribuído está justamente no fato de que POUCAS pessoas conseguem comprar uma Ferrari. Com o dinheiro vale este mesmo princípio.
PONTO 4: O Custo Social: Uma Classe Média Estagnada e Desencanto
Para manter esse equilíbrio, um dos “efeitos colaterais” é a estagnação dos salários. Isso gera uma “grande classe média” que, embora dificilmente desça ao nível da miséria, também não consegue ascender ao nível da riqueza e ver perspectivas de um futuro mais próspero. A consequência é um desencanto social e econômico, com menos incentivo à inovação e ao empreendedorismo, já que o retorno financeiro do esforço adicional é limitado. O sistema é funcional para controlar a dívida, mas cobra um preço no dinamismo econômico e nas ambições dos cidadãos. Acaba fomentando na sociedade japonesa uma espécie de guerra silenciosa contra a prosperidade rápida. É como se a maioria pensasse: “É melhor que fiquemos TODOS aqui no MEIO. Se alguém tentar SUBIR, todos nós cairemos”.
Aliás, reproduzimos aqui um interessante comentário sobre o motivo de muitos brasileiros retornarem de novo ao Japão depois de voltarem ao Brasil:
Comentário:
Quem vai (do Brasil para o Japão) é por que não está bem de vida no Brasil. É aquele de baixa escolaridade e sem renda estável. Para se ter uma ideia, só consegue ir porque alguém financia a passagem (só de ida). Por aí já se tem uma ideia da situação financeira daquele que vai.
É, em outras palavras, alguém que não se sente inserido na sociedade brasileira. Já no Japão, tem um padrão de vida que nunca teve no Brasil. Casa de classe média, carro na garagem, comida todo dia no prato e o suficiente para consumir e se divertir. É tratado como gente pela sociedade. Enfim, bem ou mal, se sente inserido.
Depois de alguns anos ele retorna (para o Brasil). Passou este tempo no Japão como operário. Por isso, no máximo esta experiência lhe permite arranjar emprego em fábrica no Brasil, coisa que ele rejeita porque o salário é baixo. A maioria volta do Japão com algum dinheiro, mas acaba perdendo em investimentos mal feitos.
Enfim, retorna ao mesmo buraco que estava antes (de ir para o Japão). Porém, velho e sem experiência profissional. A vida no Japão não contribuiu para lhe dar um futuro melhor no Brasil. Com isso todo aquele karma, aquela carga emocional negativa que havia sumido quando estava no Japão volta. Uma vez que se experimenta uma vida melhor é muito difícil voltar ao padrão anterior.
Qual a opção? Retornar. Me dizem que a maioria dos brasileiros hoje no Japão são de gente retornando.
Uma das respostas a este comentário:
Em outras palavras, é por que a sociedade Japonesa cria melhores condições para inserir pessoas de baixa renda/escolaridade em seu meio e de garantir acesso a bens e benefícios através do seu trabalho. Sua observação é correta, mas em vez de focar na pessoa como sendo o problema talvez uma melhor abordagem seria focar onde o problema realmente está, na sociedade e no país que as excluem e limitam seu acesso aos benefícios do mundo moderno.
***
Percebe? De modos diferentes, ambos estão dizendo que, de alguma maneira, no Japão é possível fazer parte desta “grande classe média” japonesa. Ainda que esteja decaindo gradativamente e sem perspectivas boas para o futuro, tal situação pode ser boa (ou menos pior) para quem vem de países em desenvolvimento sem ter tido perspectiva de crescimento em seu país natal. O mesmo vale para aqueles que vem de outros países desenvolvidos, mas que não conseguiram acompanhar a corrida da ascensão social em seu país de origem.
PONTO 5: A Imigração e o Turismo: Vender, Mas Não Muito! Consumir, Mas Não Muito!
Esse mesmo raciocínio se estende a outras áreas, como a política de imigração e a aversão ao overtourism (excesso de turismo):
→ Imigração Estratégica: O Japão parece não fazer questão de atrair imigrantes com alto poder de compra ou altamente qualificados em grandes volumes. Em vez disso, prefere atrair trabalhadores de países em desenvolvimento. O motivo é estratégico: esses imigrantes tendem a ter um menor poder de gerar demanda nos setores econômicos, o que ajuda a manter a inflação e os salários sob controle, sem desestabilizar o meticuloso equilíbrio que mantém os juros da dívida baixos. Por outro lado, imigrantes altamente qualificados e/ou com alto poder de compra provavelmente exigiriam maiores salários e pressionariam o mercado por oferta de produtos e serviços, já que tenderiam a consumir mais.
→ Overtourism: A aversão ao excesso de turismo, embora possa parecer estranha para alguns (já que o comércio vende mais), é mais uma medida de proteção. Turistas, especialmente os de alto poder aquisitivo, criam um choque de demanda em setores como alimentação, hospedagem e transporte. Essa demanda, sem um aumento proporcional na oferta, leva a um aumento de preços (inflação) que ameaça o equilíbrio do sistema econômico japonês. A ideia é: “vender, mas não muito”, buscando um crescimento controlado e incremental para não bagunçar as métricas que mantêm o "mínimo da fatura" sob controle.
→ Enriquecimento dos japoneses no exterior: Se o modelo econômico busca evitar choques de demanda e pressões inflacionárias, uma menor mobilidade internacional da população japonesa é, indiretamente, favorável. Menos japoneses enriquecendo rapidamente no exterior e retornando significa menos capital novo injetado de forma descontrolada na economia doméstica.
A baixa mobilidade internacional, nesse contexto, ajuda a manter o ambiente econômico em um estado de "calma" controlada, essencial para o gerenciamento da dívida e a evitação da inflação “ruim”.
PONTO 6: ... Mas um Estado Tem Dinheiro Infinito?
Algumas correntes econômicas modernas — majoritariamente classificadas como heterodoxas, como a Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês) — defendem que um Estado que emite sua própria moeda não pode "quebrar" no sentido tradicional, pois sempre pode emitir mais dinheiro para financiar seus gastos. Segundo essa visão, o governo não precisa arrecadar impostos antes de gastar, nem tampouco se preocupar com déficits fiscais da mesma forma que uma família ou empresa.
A lógica é simples: como o Estado é o emissor soberano de sua moeda, ele pode gastar o quanto for necessário para promover o pleno emprego, o crescimento econômico e o bem-estar da população. Se há pessoas desempregadas e recursos ociosos, o governo pode criar demanda por meio de gastos públicos — financiados pela emissão monetária — até que a economia atinja sua capacidade total. O limite, portanto, não é financeiro, mas inflacionário: o governo deve parar de gastar quando surgem pressões inflacionárias, não antes.
Essa abordagem entra em confronto direto com a visão ortodoxa, que defende a necessidade de equilibrar as contas públicas, controlar o endividamento e limitar a emissão de moeda para preservar a confiança na economia e evitar a inflação.
A justificativa por trás da visão heterodoxa parte de uma observação prática: os empresários só investem e contratam se houver expectativa de lucro. Ou seja, a iniciativa privada por si só não garante pleno emprego. Cabe então ao governo atuar como indutor da demanda agregada. A dinâmica proposta é a seguinte:
(1) O governo contrata uma construtora → (2) a construtora paga salários e fornecedores → (3) os trabalhadores e empresários consomem mais → (4) o comércio vende mais → (5) o comércio compra mais de seus fornecedores → (6) o governo arrecada mais impostos com esse aumento de atividade → (7) e parte do gasto inicial retorna ao Estado.
Essa lógica foi, de certa forma, aplicada involuntariamente no Brasil durante a ditadura militar. Como relata a Revista Você S/A, o governo financiava seus projetos com emissão direta de moeda. Quando o Banco do Brasil precisava de recursos para cobrir despesas públicas e não havia dinheiro suficiente em caixa, bastava ligar para o Banco Central e solicitar a impressão de mais dinheiro. Era simples no curto prazo — mas custoso no longo.
O resultado foi um aumento descontrolado da base monetária e, com ela, da inflação. Os preços subiram de forma contínua e acelerada: a inflação, que era de 22% ao ano em 1973, saltou para 235% em 1985. Esse mecanismo de emissão direta foi formalmente extinto em 1986, mas o estrago já estava feito: a semente da hiperinflação havia sido plantada. Em 1993, o Brasil atingiria uma inflação de 2.708% ao ano — uma das maiores da história. Quem viveu, lembra.
Assim, embora a ideia de que o Estado tem "dinheiro infinito" faça sentido sob certos aspectos técnicos, ignorar os limites reais — como a capacidade produtiva e os efeitos inflacionários — pode ter consequências severas. A emissão de moeda, portanto, pode ser uma ferramenta útil, mas exige responsabilidade, contexto e planejamento.
PONTO 7: E Novamente... A Busca Por Prestígio Social
Nesta discussão, é fundamental reconhecer que o ser humano não é apenas um “animal material”, movido somente pela busca de recursos materiais básicos para sobreviver com conforto. Ele é, acima de tudo, um ser social, e sua realização pessoal passa pela necessidade de reconhecimento, status e pertencimento. O que realmente o faz “viver melhor” muitas vezes não é apenas o que possui materialmente, mas como é visto pelos outros.
Queremos o melhor emprego, os melhores amigos, as melhores oportunidades, o melhor relacionamento amoroso. E, para conquistar tudo isso, precisamos ser escolhidos em meio a milhões — ou bilhões — de outras pessoas. Ou seja: não basta existir, é preciso se destacar. O ser humano busca, instintiva e culturalmente, diferenciação e prestígio.
Como diz o ditado: “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”. A sabedoria popular sintetiza bem essa ideia — sem contraste, não há destaque. Se todos fossem absolutamente iguais, ninguém se sobressairia, ninguém seria especial. E, por mais desconfortável que isso possa parecer, a diferenciação é a base do prestígio.
Esse impulso por distinção social ajuda a explicar fenômenos como o seguinte: o Japão, embora seja uma das economias mais desenvolvidas do mundo e com baixo desemprego estrutural, enfrenta escassez de mão de obra em diversos setores — e recorre frequentemente a trabalhadores estrangeiros. Por quê?
Porque muitos desses empregos são classificados como “3K”: Kiken (perigoso), Kitsui (árduo) e Kitanai (sujo). Trata-se de funções socialmente desvalorizadas, frequentemente ligadas a serviços braçais, limpeza, construção civil, cuidados de idosos e outras tarefas consideradas pouco prestigiadas pelos japoneses. Mesmo que esses trabalhos ofereçam salários compatíveis ou até superiores ao mínimo necessário para viver com dignidade, o reconhecimento social associado a eles é baixo — e isso afasta muitos japoneses.
Afinal, não basta ter recursos materiais suficientes. O ser humano deseja mais: ser admirado, desejado, respeitado e escolhido. O prestígio social é, no fim das contas, um componente essencial da qualidade de vida. É o que nos abre mais portas. E, assim, compreendemos que decisões econômicas, sociais e profissionais nem sempre seguem a lógica do custo-benefício material, mas muitas vezes obedecem à lógica do status e do reconhecimento.
CONCLUSÃO
Em suma, o Japão opera sob um equilíbrio econômico frágil, em que a prioridade é a gestão da dívida pública através da manutenção de juros baixos e inflação controlada. As consequências disso são sentidas na estagnação da renda, no desencanto social e na cautela em relação a fatores externos (como a imigração, o enriquecimento de japoneses no exterior e o turismo excessivo) que poderiam desestabilizar esse delicado modelo.
Seria como um paciente que está com a pressão arterial muito baixa e os médicos tentam aumentá-la para um nível saudável. Mas se a pressão disparar para um nível perigosíssimo de repente, vira uma nova (e grave) ameaça à vida.
Portanto, o Japão está numa corda bamba:
→ De um lado, luta contra a deflação e tenta gerar uma inflação moderada e saudável;
→ Do outro lado, teme uma inflação alta e descontrolada que destruiria o pilar fundamental de seu modelo econômico: a capacidade de financiar sua gigantesca dívida a juros baixíssimos.
Essa dualidade é o cerne do dilema japonês. A fragilidade do sistema está justamente em sua sensibilidade a choques que possam empurrar a inflação para fora do controle, forçando o Banco do Japão a subir os juros e quebrando o ciclo virtuoso (para a dívida) de baixas taxas.
XXXIX. COISAS MAL RESOLVIDAS
Os países diferem na maneira como lidam com a diversidade, o reconhecimento das minorias imigrantes e sua incorporação na sociedade. Por um lado, há países que apoiam a cultura e as tradições dos imigrantes, focando na promoção da inclusão e participação dos imigrantes na sociedade, reduzindo a discriminação, aumentando a igualdade e melhorando a posição econômica e social dos imigrantes. Este é o caso do Canadá, onde as políticas multiculturais incluem tanto o reconhecimento da diversidade cultural quanto a equidade e inclusão de imigrantes e minorias étnicas. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, as políticas têm focado principalmente no reconhecimento da diversidade.
Por outro lado, há países como o Japão que possuem mentalidade e políticas assimilacionistas, que são baseadas na ideia de que os imigrantes devem adotar a língua, os costumes e os valores da população local, abandonando seu próprio patrimônio cultural. Essa atitude visa homogeneizar a população e reduzir a diversidade cultural, geralmente sob a alegação de que a diversidade cultural destrói a cultura local aos poucos e causa conflitos entre as pessoas.
Agora, veja um relato de um japonês:
Os japoneses são bastante intransigentes com relação aos riscos apresentados pelo aumento da imigração. A cultura e as tradições únicas do Japão foram nutridas ao longo de muitos anos em um ambiente fechado e frágil como vidro, vulnerável a pressões externas. Um dos motivos pelos quais os japoneses estão otimistas em relação ao aumento da imigração é que os estrangeiros com os quais a maioria dos japoneses está familiarizada são chineses, coreanos e outros asiáticos orientais. Essas pessoas são racial e culturalmente próximas dos japoneses, além de serem trabalhadoras e civilizadas. Os japoneses acham relativamente fácil aceitá-los. Por outro lado, alguns países europeus aceitaram muitas pessoas da África e do Oriente Médio devido a razões históricas, etc. A aceitação de pessoas com origens culturais muito diferentes provocou grande atrito. Os japoneses devem ter muito cuidado com o tipo de imigrantes que aceitam e com a quantidade deles. |
Gostaríamos de fazer uma analogia que poderá ajudá-lo a entender essa característica que causa surpresa em muitos. Perguntamos:
“Pessoas de religiões diferentes se casam?”
Diríamos que sim, desde que ambas as partes estejam dispostas a se entender mutualmente, fazendo concessões para o bem dos dois e da relação.
Contudo, esse não seria o cenário de duas pessoas de religiões diferentes que levam a sua religiosidade a sério. Ou NÃO se casariam ou uma das partes teria que abrir mão de sua religião para poder se casar com a outra pessoa, possivelmente tendo que se converter. Essa é a prática ainda hoje geralmente de denominações religiosas mais tradicionais no Brasil e no mundo.
Veja, por exemplo, o que diz o site da Canção Nova sobre o casamento entre uma pessoa católica e não católica:
A Igreja chama de “casamento misto” quando uma das partes tem o batismo, mas não é católica; e de “casamento com disparidade de culto” quando uma das partes não é batizada. Neste segundo caso, para ter o casamento válido, é preciso ter a permissão do ordinário local. Outra condição é que o casal deve se comprometer a educar os filhos na fé católica (cf. Catecismo da Igreja Católica 1633 a 1637). |
Então, podemos dizer que os japoneses encaram sua cultura como sua religião. Disso, podemos traçar alguns paralelos com um fiel religioso:
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses não estão dispostos a fazer concessões, sendo você a parte que tem que “se converter” se quiser com eles se relacionar;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez julguem a própria cultura como modelo e por isso a querem manter “protegida” de influências externas;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez se cobrem tanto para se manterem “na linha”, excluindo o “fiel herege”, isto é, aquele que está no meio deles, mas é diferente;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez enxerguem o “fiel herege” e a diversidade de pensamentos (e/ou mesmo étnica) como uma ameaça ao grupo;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez fechem os olhos e/ou “passem pano” para aspectos extremamente questionáveis da própria cultura e/ou do país. Por exemplo, há um certo ocultamento nos livros de História japoneses dos diversos massacres cometidos pelo império japonês contra povos asiáticos, que muitos dizem terem sido muito mais cruéis do que os massacres cometidos pelos nazistas;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez tenham a visão de panelinha, olhando com menosprezo os “de fora”;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses talvez tenham a tendência de criticar constante e ferozmente “os de fora”, mesmo que manipulando informações, para se convencerem de que sua cultura e país é o que há de melhor e, assim, evitar questionamentos e saídas (emigrações);
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa, os japoneses podem acabar justificando o preconceito, a discriminação ou qualquer outra ação reprovável em nome da cultura ou da proteção dela;
➩ Assim como um fiel seguidor de uma doutrina religiosa respeita a nossa liberdade de não querer nos converter desde que não frequentemos o templo dele, os japoneses tendem a respeitar essa nossa liberdade desde que não a queiramos exercer estando no Japão. Em outras palavras, se não concordamos com todos os aspectos da cultura deles e não queremos praticá-los, somos livres para não ir ao Japão.
E assim por diante...
Agora, veja o relato de um estrangeiro que se conecta com o relato anterior do japonês e com a analogia que fizemos:
Eu moro no Japão há mais de 2 anos e estou na região há mais de 7 anos. Falando com os japoneses, há uma série de motivos (para não aceitar a diversidade e o multiculturalismo): → O Japão é seguro. Eles acham que o país se tornará menos seguro se tornar-se multicultural; → Embora o número de crimes cometidos por estrangeiros não seja maior do que o número de crimes cometidos por japoneses, a mídia deixa as pessoas em pânico quando estrangeiros cometem crimes, especialmente se forem soldados americanos. Na verdade, os militares americanos são estatisticamente menos propensos a cometer crimes se comparados a outros estrangeiros e japoneses, mas quando os militares americanos cometem crimes horríveis, há debates na sociedade; → Eles enxergam algumas das questões e problemas com a diversidade e o multiculturalismo na Europa; → Os problemas com o envelhecimento da população ainda não geraram grandes efeitos negativos; → O Japão tem uma mentalidade de ilha. |
É claro, porém, que em denominações religiosas também existem aqueles seguidores não tão fieis assim e é por isso que recomendamos que você prefira interagir com japoneses “não tão fiéis” assim, que não tenham receio de questionamentos e mudanças necessárias e/ou estejam procurando melhores oportunidades fora do Japão.
O fato de os japoneses tenderem a não negociar os mínimos aspectos da própria cultura pode causar muita estranheza, já que, na maioria dos países, há uma certa margem, uma noção de grau de importância e, por isso, liberdade para as pessoas locais e estrangeiros. Ou seja, é claro que em qualquer país devemos respeitar as leis locais. Isso é de extrema importância. Mas dar esse mesmo peso aos costumes nos mínimos aspectos e exigir isso dos (turistas) estrangeiros pode ser visto como uma atitude muito questionável e desrespeitosa.
Neste sentido, perceba como a cultura japonesa, quando vista de fora, pode parecer bela e única, porém, quando estamos inseridos nela, pode se tornar um dos principais contras de se morar no Japão. Há uma certa etiqueta para fazer quase tudo no Japão e, não raramente, vamos nos deparar com japoneses justificando o tratamento ruim dado a um estrangeiro por este não entender a cultura e/ou a língua. Como se não entender os mínimos aspectos de uma cultura tivesse o mesmo peso de se cometer um crime e, por isso, a pessoa merecesse ser hostilizada. Isso, aliás, nos faz lembrar da mentalidade de caranguejo, da qual falamos anteriormente.
Por mais óbvias que tenham sido, é muito importante você se conscientizar de todas as coisas que abordamos até aqui, porque o aprendizado de japonês pode estar sendo uma ARMADILHA.
Em que sentido?
Precisamos avaliar constantemente se o aprender japonês (ou de qualquer outra coisa) não está sendo uma resposta as nossas feridas emocionais do passado (um tipo de compensação) ou até mesmo uma tentativa de resolver uma situação financeira urgente.
Uma má situação emocional ou financeira causa consequências AGORA MESMO e, por isso, nos faz olhar para o curto prazo. O aprendizado de qualquer língua por si só, no entanto, é um processo que exige um longo prazo, um tempo indeterminado. Além disso, exige conexão com pessoas de diferentes culturas. Sendo assim, aprender línguas NÃO resolve situações de curto prazo. Seria como querer matar a nossa fome de agora plantando uma macieira e esperando ela dar frutos.
Não faria sentido, não é mesmo?
Também, se nos sentirmos rejeitados em algum momento, isso pode acabar abrindo ainda mais as nossas feridas emocionais e, com isso, vem aquela rápida desmotivação. E neste ponto não há como desconsiderar a ainda insatisfatória abertura dos japoneses aos estrangeiros – seja no âmbito jurídico (tratamento desigual) ou no âmbito social.
Fazendo uma analogia, quando você adere aos princípios e práticas de um grupo religioso, tende a ser tratado como parte desse grupo, recebendo um senso de pertencimento. No Japão, entretanto, é provável que você continue sendo visto como alguém de fora, mesmo que tenha aprendido a língua, os aspectos culturais e tenha obtido a nacionalidade japonesa. Isso por que a questão étnica (ou pelo menos aparentar ser japonês) também desempenha um papel importante, dado que o Japão se considera uma sociedade etnicamente homogênea. Em seu livro Embedded Racism: Japan’s Visible Minorities and Racial Discrimination, Debito Arudou diz que no Japão os estrangeiros “estão intimamente ligados entre si pelo que não são (isto é, não são “japoneses”), e não por quem são. (...) As pessoas que são constantemente excluídas e subjugadas em uma sociedade acabam por não compartilhar experiências de vida em comum (...) como também acabarão perdendo a esperança de um futuro de tratamento igualitário nesta sociedade. A constante marginalização impedirá que muitas pessoas tenham um senso de pertencimento” ao Japão.
Portanto, se a sua motivação principal é encontrar um sentimento de pertencimento que lhe falta no Brasil, o Japão pode não ser a melhor escolha.
Contudo, ironicamente alguns podem estar buscando justamente a certeza da falta de pertencimento no Japão e, assim, vivê-la “tranquilamente” (bem entre aspas). Afinal, o Japão é encarado por alguns como um Paraíso para aqueles que têm dificuldade de se socializar. Para ilustrar observe o seguinte comentário:
Por que alguém escolheria viver como um estranho em uma terra estrangeira? Especialmente entre um povo que continuará a vê-lo e a tratá-lo como um estranho mesmo após 10 ou 20 anos. Isso não faz sentido, não é mesmo? Para a maioria das pessoas, não. Exceto se... Você já é um estranho. Você sempre foi um estranho. Você nunca se encaixou em lugar algum. Adaptar-se à sociedade é como fazer alpinismo. E o Japão é o Monte Everest. Curiosamente, como a sociedade japonesa pressiona muito as pessoas a se adaptarem, essa é uma batalha que você nem precisa travar. Nos países ocidentais, espera-se que você se adapte. Que compartilhe valores e siga as normas da sociedade. Nos países ocidentais, você precisa se esforçar para escalar essa montanha. No Japão, não se espera que você seja nada além de um estranho, que é exatamente o que você sempre foi. UMA DAS RESPOSTAS: É uma perspectiva interessante, e acho que você acertou em cheio. Como morador do Japão, eu não me adaptei em casa e, de forma geral, isso foi bem ruim. Aqui no Japão, ninguém espera que eu me adapte, o que é um grande alívio para mim. O Japão, como qualquer outro lugar, tem seus fatores estressantes, mas as pessoas praticamente me deixam em paz e não esperam constantemente que eu tenha um time de futebol favorito, um posicionamento político ou qualquer outra coisa para me sentir parte da tribo. |
Trocando em miúdos: já que me sinto ou sou tratado como estranho no meu próprio país, então, é melhor estar em um país (o Japão) no qual com certeza ninguém se importará comigo e as pessoas me deixem em paz.
Entretanto, essa lógica, pelo menos a longo prazo, pode ser muito perigosa. Abordaremos os malefícios do isolamento social mais adiante, mas, como regra geral, em nosso país de origem, ainda que nos sintamos como estranhos ou sejamos tratados como tal, nós pelo menos temos os nossos parentes, nós já falamos a língua local, nós já conhecemos a cultura local, há instituições de saúde e de acolhimento, etc. Todos esses elementos podem nos fazer sentir segurança pelo menos em caso de necessidade. E mesmo quando vamos a outro país, a primeira coisa que a maioria de nós vai acabar procurando são elementos que nos façam sentir segurança (rede de apoio como amizades e instituições).
Deste modo, diríamos que a ideia de buscar o Japão como forma de definitivamente “se exilar do mundo” pode ser tentadora principalmente quando se está com a saúde plena. Porém, poderá haver situações que farão com que todos os nossos problemas se manifestem como uma avalanche. E no Japão estaremos realmente sozinhos. Não teremos para onde correr... porque somos estranhos no Japão.
Desconsiderando essa situação específica de “exílio do mundo”, outra questão importante é que, como mencionamos anteriormente, a língua japonesa é muito restrita, isto é, as nossas opções ficam muito reduzidas. Então, a menos que já estejamos em um ambiente propício – o que pode aumentar a nossa probabilidade de sucesso –, a língua japonesa definitivamente NÃO É a melhor opção para tentar resolver questões financeiras urgentes.
Com isso queremos dizer que, como problemas financeiros e problemas emocionais são urgentes, serão resolvidos através de metas de curto prazo e que ofereçam uma maior probabilidade de sucesso. Como exemplo podemos citar fazer terapia (de preferência ANTES de começar a aprender japonês!), candidatar-se para um emprego que pague mais, reduzir os gastos desnecessários, procurar passatempos mais populares ou fazer um trabalho voluntário para ter mais chances de interação com outras pessoas.
Poderíamos dizer que o processo de aprendizado exige SAÚDE EMOCIONAL e, de certa forma, uma TRANQUILIDADE FINANCEIRA, o que não significa ser rico. Ainda mais a língua japonesa que é muito restrita. Observe a tabela a seguir:
Veja que as coisas não deveriam ser trocadas, isto é, não deveríamos querer aprender japonês no curto prazo para tentar resolver problemas urgentes (o que muita gente faz infelizmente!).
Cremos que o melhor cenário é aprender japonês como um UPGRADE para nossa vida, isto é, melhorar o que JÁ está bom no presente e não como um REMÉDIO para nos curar de algo. Até por que se estivermos desesperados, a tendência é que passemos a agir como ANIMAIS SELVAGENS, deixando de lado a ética e o respeito para com os outros. Assim, nós nos tornamos aquilo que NINGUÉM gosta: chatões e parasitas!
Aliás, é por isso que o Ganbarou Ze! já vai fazer quase 10 anos: não estamos em busca de dinheiro ou fama, mas sim temos o PRAZER de COMPARTILHAR conhecimento e experiências. Não usamos o japonês para curar nossas feridas, algo urgente, mas sim o encaramos como um possível UPGRADE. Se dependêssemos de fama ou dinheiro, esse projeto teria acabado no primeiro ano.
E por que nesses quase 10 anos de projeto não conseguimos montar uma equipe de colaboradores?
Cremos que é justamente por que nos deparamos com pessoas querendo resolver suas questões (emocional ou financeira) urgentes através de algo que exige plantio e paciência para se desfrutar dos frutos.
Poderíamos ser a maior comunidade sobre a língua japonesa do Brasil (e quem sabe do mundo!) não fosse o desespero de pessoas para resolver suas questões urgentes.
Todos nós sonhamos. Mas há sempre aqueles que se alimentam de sonhos alheios para manipular a fim de obterem para si posses, prestígio ou poder. A vida concreta não é um completo inferno, mas também não é um completo paraíso. Tomemos muito cuidado com desequilíbrios (principalmente causados por influenciadores digitais) nesta balança. Os “Zecas Urubus” estão constantemente a nossa espreita. Ainda mais agora com a isenção de visto para turismo (até 90 dias) para brasileiros.
A verdadeira ESPERANÇA não nasce de idealizações, mas sim de metas realistas, pois só através delas podemos perceber concretamente que estamos progredindo na estrada.
Agora, imagine-se como uma peça de um quebra cabeça. Você NÃO se encaixará em qualquer lugar. Como peça de um quebra cabeça, você foi feito para COMPLETAR uma parte em algum lugar no conjunto da mesma forma que você será COMPLETADO estando em seu devido lugar.
Perceba que até em um quebra-cabeça precisa haver uma relação de RECIPROCIDADE entre as peças. Uma peça fora do seu lugar acaba sendo inútil da mesma forma que uma peça de outro quebra-cabeça também!
Com essa analogia reforçamos mais uma vez a importância de conhecermos a nós mesmos e de sermos úteis uns aos outros. Além disso, é importante refletirmos constantemente se o lugar no qual queremos nos encaixar é de fato o nosso lugar e não o lugar que apenas idealizamos estar, sendo este lugar errado considerando a nossa "configuração" (experiências vividas, talentos e habilidades).
Será que o Japão e os japoneses serão capazes de completá-lo realmente? Será que você será capaz de completar o Japão e os japoneses de alguma forma também?
Como mencionamos anteriormente, ao longo da vida começamos a gostar de coisas e passamos a desgostar de outras, dependendo do nosso conhecimento e das circunstâncias e oportunidades que vão surgindo ao longo da estrada. O que era bom passa a não ser tão bom... o que não era bom passamos a ver com outros olhos... conhecemos coisas novas... e nesse ciclo caminhamos.
Por isso pergunte-se constantemente: a língua japonesa tem me dado asas, o que me faz evoluir em algum aspecto ou tem sido uma âncora, o que me faz ficar para trás, parado no mesmo lugar ou mesmo preso em uma realidade paralela idealizada?
Outro ponto para reflexão é o seguinte:
“Não confunda persistência com imprudência!”
Com o aumento dos coaches na internet, é comum ouvirmos muitas frases de impacto que, em um primeiro momento, podem parecer belas, mas que no fundo não condizem com a dinâmica das coisas e com a natureza humana.
Um desses aspectos do dito “papo de coach” se refere à persistência. É claro que ela é importante, mas ela não pode nos transformar em um animal cego que corre na selva atropelando tudo. Ainda que ninguém seja capaz de prever o futuro com certeza absoluta, a persistência precisa estar fundada em indícios de que o nosso objetivo pode se concretizar e trará bons frutos. Do contrário, a persistência se torna combustível para a imprudência.
Neste sentido, Nelson, o idealizador do projeto Ganbarou Ze!, diz: “eu, Nelson, tenho paralisia cerebral e gosto muito de futebol. Eu poderia alimentar em mim o objetivo de me tornar um jogador de futebol? É claro que NÃO! A minha condição física retira TODAS as possibilidades de eu me tornar um jogador de futebol, portanto, mesmo que me aceitassem numa escolinha de futebol, não adiantaria eu me matricular e gastar tempo e dinheiro em prol desse objetivo. Seria uma IMPRUDÊNCIA da minha parte”.
Observe a figura a seguir:
Quantos de nós deixamos oportunidades passarem porque preferirmos ficar esperando o tal “momento certo”? E podemos estender isso para os nossos objetivos atuais, isto é, quantos de nós deixamos oportunidades passarem porque preferirmos ficar presos ao tal “objetivo certo”? Por acaso nos esquecemos que a vida, analisando friamente, é como uma bomba relógio, cuja contagem regressiva é sem pausa e sem reset e que NÃO é possível saber quanto tempo ainda nos resta? Ou seja, a cada dia que passa, embora possamos ficar mais sábios, a nossa idade só avança, e o nosso corpo se aproxima de uma deterioração natural, assim com a nossa utilidade como mão de obra.
Neste sentido, Nelson diz: “Pessoas veem a mim pedindo também conselhos amorosos. Ironicamente, sinto que o fracasso de muitos neste aspecto (conhecer novas pessoas) está no fato de que acabam justamente ignorando novas pessoas por estarem esperando a tal ‘pessoa certa’. Tendo alguns quase 40 anos, quanto tempo mais esperarão pela tal ‘pessoa certa’? Fica claro que quem muito escolhe, pouco acerta ou fica sem nada. Se entendêssemos que a vida NÃO é como um gênio da lâmpada que nos concederá as coisas EXATAMENTE como desejamos, saberíamos lidar melhor com as adversidades e aproveitaríamos melhor a vida e as oportunidades que ela nos oferece”.
Não podemos ser 8 ou 80. Não podemos ser extremistas. Principalmente quando as nossas ações não resultam em (indícios de) bons frutos. As circunstâncias de vida não são iguais para todos. Portanto, um mesmo objetivo pode ser oportunidade para uns, mas uma impossibilidade para outros (ou algo muito mais difícil). Por mais difícil que seja refletir sobre essa questão, isso é necessário, pois o que podemos encarar como persistência pode estar sendo uma completa imprudência.
Nós podemos nos enganar com nossas fantasias, a realidade paralela que criamos. Porém, a realidade concreta cedo ou tarde irá se impor friamente diante de nossos olhos.
Por isso, a realidade concreta, ainda que não gostemos dela, deveria ser a base para a tomada de qualquer decisão. Não somos como árvores que estão enraizadas em um único lugar. De algum modo, até mesmo os nossos objetivos precisam ser recíprocos conosco. Persistência, então, não é insistir necessariamente em apenas um objetivo, mas é a capacidade de se reinventar, não tendo medo de abandonar o que não dá frutos. Ajustar a rota. Não ser uma metamorfose ambulante, mas também não ser uma pedra dura.
Aliás, muito oportuno é mencionar aqui o chamado “viés do custo afundado”, que se refere à tendência humana de continuar a investir tempo, dinheiro etc. em algo mesmo sabendo que há fortes indícios de que isso está sendo (e permanecerá sendo) em vão. É como se pensássemos: “Já que estou estudando japonês há dez anos, não posso largar agora!” (mesmo sem resultados presentes e perspectivas de resultados futuros).
Poderíamos até dizer que esse viés de alguma forma está relacionado com a busca pelo prestígio, isto é, para que a pessoa não seja rotulada como fracassada por si mesma ou, pior ainda, pelos outros, ela nutre a esperança de um sucesso mínimo. Porém, já pensou que nesta situação, as pessoas provavelmente nos rotularão negativamente de qualquer jeito, justamente como pessoas imprudentes?
Terminamos este tópico com uma frase para reflexão atribuída a Fritz Perls, psicoterapeuta e psiquiatra alemão: “ninguém consegue aceitar a verdade se ela lhe for dita. A verdade só pode ser tolerada se for descoberta por si mesmo, porque, então, o orgulho da descoberta torna a verdade aceitável”.
XL. SOCIALIZE-SE JÁ!
Nos últimos anos, temos testemunhado uma preocupante tendência de romantização de dois fatores que são muito prejudiciais ao bem-estar humano:
➩ A solidão;
➩ A inutilidade.
Em novembro de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a solidão como um grave problema de saúde pública em escala global, chegando ao ponto de estabelecer uma comissão dedicada a lidar com essa questão.
Vivek Murthy, vice-presidente da comissão e nomeado, pelo presidente Joe Biden, o 21º Cirurgião-Geral dos Estados Unidos (algo como o médico-referência do país), afirma que “por muito tempo, a solidão existiu por trás das sombras, invisível e subestimada, causando doenças físicas e mentais. Agora, temos a oportunidade de mudar isso”. Segundo ele, a solidão tem efeitos na mortalidade equivalentes ao consumo diário de 15 cigarros e, por isso, pessoas solitárias enfrentam um risco maior de morte prematura. Em pessoas da terceira idade, a solidão está associada a um aumento de 50% no risco de desenvolver demência. Também há relação entre o problema e um aumento de 30% no risco de doença arterial coronariana ou acidente vascular cerebral.
Pesquisas indicam que os laços sociais são um dos principais fatores que influenciam a saúde mental. Uma pesquisa com 100 mil pessoas do Reino Unido descobriu que a partilha de segredos e encontros com amigos e familiares são o principal fator de proteção contra a depressão, entre mais de 100 fatores estudados. Gillian Sandstrom, uma psicóloga britânica, destacou em uma de suas pesquisas que mesmo pequenas interações sociais positivas com indivíduos desconhecidos podem melhorar nosso bem-estar.
Dra. Ana Beatriz Barbosa escreve que “Uma pesquisa da Fiocruz revelou dados alarmantes: de 2011 a 2022, o índice de suicídio entre jovens aumentou 6% e os casos de auto lesão subiram 29%. Um dos principais fatores? O medo do cancelamento”. Além disso, em 2015 um estudo mostrou que nosso cérebro entra em estado de alerta quando nos sentimos sozinhos, fazendo com que enxerguemos estranhos como um perigo em potencial.
Segundo Vivek Murthy em seu livro “O poder curativo das relações humanas”, esse instintivo estado de hipervigilância “foi incorporado ao nosso sistema nervoso para produzir a ansiedade que associamos à solidão” para “motivar os solitários a rapidamente voltarem às suas tribos”. Contudo, quando a solidão se torna prolongada, “essa mesma hipervigilância nos leva a interpretar incorretamente situações e pessoas inofensivas, ou mesmo acolhedoras, como ameaças. Fugindo para o modo de autopreservação, evitamos as pessoas e desconfiamos até daquelas que nos oferecem ajuda”.
Com isso, as pessoas que se sentem isoladas passam a ter medo de experiências sociais ruins, deixam de acreditar que é possível desfrutar de uma boa companhia e acabam se isolando cada vez mais, ficando mais sensíveis à negatividade. Em 2001, Jean M. Twenge, chefe da equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de San Diego, no Estado da Califórnia, disse que “Quase todos os incidentes com tiros em escolas envolveram a rejeição dos colegas”.
Até por conta dos conceitos de prova social e a redução de riscos e de “Indicadores de Aptidão” que citamos anteriormente, isto é, pessoas instintivamente procuram em nós “sinais de qualidade (ou não)”, sendo que isso está relacionado inevitavelmente ao senso comum (conceito de beleza, posses, círculo social, etc.), uma pessoa solitária pode ser (e geralmente é) vista como alguém sem valor, pois ninguém ainda a “escolheu”, assim como um produto que ninguém compra é visto como inútil, ainda que seja intrinsicamente valioso.
Assim como um produto na prateleira precisa ter alguma utilidade para ser prestigiado e comprado por consumidores, nós também precisamos ter alguma utilidade para sermos prestigiados e acolhidos por alguém. Assim, poderíamos que a utilidade e a socialização fazem parte de um ciclo:
A inutilidade prejudica não só o nosso prestígio e socialização (quem gastaria tempo e dinheiro em um produto que não agrega nada?), mas afeta diretamente o nosso sentido e propósito de vida.
O que nos faz acordar todos os dias e enfrentar as adversidades inevitáveis da vida?
Se em tudo isso não encontrarmos algo que seja maior do que apenas sobreviver e buscar prazeres imediatos como um animal selvagem, cedo ou tarde um grande vazio e sofrimento tomarão conta de nós. Estudos mostram que quanto maior for o nível da presença de sentido de vida, menores serão os níveis de ansiedade, depressão e estresse, ainda que a procura por um sentido de vida cause o inverso, isto é, níveis mais elevados de ansiedade, depressão e estresse. Ainda, uma pesquisa realizada pela Nielsen em 2014 mostrou que 67% dos respondentes preferem trabalhar em uma empresa socialmente responsável e 55% deles estariam dispostos a pagar mais por serviços ou produtos de empresas comprometidas com impacto socioambiental.
A socialização é fundamental no processo de aprendizado de idiomas, por que nenhum curso em si nos tornará fluentes. Isso não só por causa da falta de naturalidade nas aulas (é um “ambiente controlado” como as aulas em uma autoescola), mas também pela questão de QUEM nos acolhe e nos proporciona validação.
Como assim?
Fazendo uma analogia com carros, o que nos faria sentir que realmente sabemos dirigir? Em um primeiro momento, seria perceber que nos tornamos capazes de dirigir no mundo real, fora do ambiente controlado. Sendo assim, diríamos que essa percepção de capacidade em idiomas só pode ser dada de fato a nós pelos NATIVOS. Ou seja, uma coisa é ser capaz de se comunicar com o professor e/ou colegas dentro da sala de aula (ambiente controlado). Outra coisa é “sair para a estrada” e perceber que somos capazes de nos comunicar naturalmente com NATIVOS, recebendo deles acolhimento e validação.
Para ilustrar o que estamos dizendo, observe um comentário muito interessante que encontramos na internet:
“Qualquer estrangeiro que morar no Brasil por um ano apenas, aprende o idioma e faz amigos, porque na nossa cultura não faz sentido não integrar o estrangeiro ao nosso ambiente. Já conheci duas alemãs que aprenderam nosso idioma desse jeito, em menos de um ano, repletas de amigos…” |
Percebeu o grande poder que o acolhimento e a validação por parte dos nativos têm para o aprendizado de línguas? Acolhimento e validação que, aliás, são necessidades inerentes à natureza humana.
Ao longo desta seção frequentemente abordamos a importância do aspecto social (e consequentemente emocional) da linguagem humana. Afinal, ninguém veio ao mundo do nada. Nascemos em um grupo social composto por nativos da língua portuguesa, a nossa família. Sendo acolhidos e validados por nossa família, fomos aprendendo a língua portuguesa até nos tornarmos nela fluentes.
Esses mesmíssimos aspectos que tivemos no ambiente familiar quando éramos pequenos (acolhimento e validação por parte dos NATIVOS – aspectos social e emocional) deveriam ser abordados também nos cursos de idiomas, mas infelizmente são totalmente esquecidos. Isso não faz nenhum sentido, pois é como se esquecer do óbvio.
Pode surgir aí, no entanto, um ponto:
Diferentemente de uma criança em fase de aquisição da linguagem, um adulto já pode ter desenvolvido traumas e/ou preferências que podem fazê-lo não querer se socializar ou restringir muito essa socialização.
De fato, crianças não têm as mesmas obrigações que os adultos têm e, portanto, a aceitação de um adulto em um grupo envolve critérios bem mais rígidos, digamos assim. Além disso, uma criança na fase da aquisição da linguagem normalmente ainda não terá desenvolvido traumas e/ou preferências que possam fazê-la não querer se socializar ou restringir muito essa socialização.
Contudo, diríamos que assim como já ter uma certa afinidade com a bola é PRÉ-REQUISITO para alguém que deseja se tornar um jogador de futebol, ter certa habilidade social é pré-requisito para quem quer aprender idiomas. Por essa razão, é importante trabalhar em nós essa questão, com a ajuda de um profissional, se necessário, antes de iniciar os estudos de qualquer idioma. Até por que cedo ou tarde, o aprendizado de idiomas vai envolver o acolhimento e validação dos nativos ou a rejeição por parte dos nativos. Não aprenderemos satisfatoriamente trancados no quarto apenas lendo livros e falando com as paredes. A socialização faz parte do processo e é parte fundamental.
Assim como tivemos a nossa família de nativos da língua portuguesa que nos acolheu e nos validou até desenvolvermos a fluência, a segurança com relação à língua portuguesa, temos que encontrar uma família de nativos da língua japonesa que igualmente nos acolha e nos valide até desenvolvermos a fluência, a segurança com relação à língua japonesa. Reconhecemos, no entanto, que por diversos fatores somados, os japoneses tendem a ser fechados, até com eles mesmos, no aspecto da socialização, acolhimento e validação. Isso de fato pode dificultar MUITO o aprendizado do japonês em comparação com outras línguas e nos desmotivar rapidamente.
Frequentemente também nos referimos a algo inerente à natureza humana: a busca por recompensas. Entenda-se com isso que conscientemente ou inconscientemente estamos buscando SEMPRE as melhores oportunidades possíveis, sejam elas ações ou pessoas. Neste sentido, quando nos referimos ao comportamento humano também vale aquela máxima de não existir almoço grátis. Somos caçadores de recompensas.
Em outras palavras, uma pessoa só faz algo ou acolhe alguém se visualizar algum tipo de recompensa. Ainda que alguém diga que faz coisas por satisfação pessoal ou por algum motivo religioso, aí está a sua recompensa: a satisfação pessoal causada pela ação efetuada ou a possibilidade de prêmio divino (ou evitamento de uma punição eterna).
Perceba como a noção de recompensa é muito variável e imprevisível. Por exemplo, a recompensa pode ser evitar um perigo, como aceitar um trabalho ruim só para não ficar sem dinheiro para pagar as contas e comer. Pode ser também subjetiva e/ou disfuncional, como uma pessoa que permanece em um relacionamento abusivo, porque “prefere” estar mal acompanhada a estar sozinha. Ou uma família que esconde um familiar com deficiência, porque “prefere” o prestígio social, a correr o risco de ser vista como uma família “fracassada” por causa desse familiar com deficiência.
Com isso temos que considerar que quanto mais uma pessoa se sentir confortável em sua situação atual, mais a sua “medida de recompensa” tende a aumentar para que ela aceite alguma mudança. Ou seja, nós humanos tendemos a buscar sempre as melhores oportunidades possíveis, usando “checkpoints” como num jogo; procuramos sempre ir para frente a partir daquilo que já conquistamos e não o contrário. Como em um jogo, só “voltaremos para trás” se nos dermos conta de que há algum tipo de recompensa valiosa, algo importante ignorado no caminho já percorrido.
Em seu livro “Inteligência social: A ciência revolucionária das relações humanas”, Daniel Goleman diz que “Ao explicar por que as pessoas mais ricas não são necessariamente as mais felizes, Kahneman argumenta que, ao enriquecermos, adaptamos nossas expectativas, elevando-as, por isso passamos a querer prazeres cada vez mais sofisticados e caros – uma esteira que nunca termina, nem mesmo para os bilionários. Segundo ele, 'os ricos podem ter mais prazeres do que os pobres, mas também precisam de mais prazeres para ficarem igualmente satisfeitos'”.
Nessa mesma linha, Guilherme Batilani, professor de comunicação, linguagem corporal e comportamento humano, diz que “Quanto mais alta for a sua régua, mais difícil vai ser você ser feliz. (...) Você morar numa cidade zoada não é chato. O problema é pisar numa boa. Você descobriu o que o seu cérebro pode viver. Ferrou!”
Apenas buscamos sobreviver desejando encontrar as melhores oportunidades e pessoas possíveis. Neste sentido, poderíamos até dizer que só um desconforto, que pode ser subjetivo, é capaz de fazer com que "baixemos a nossa medida" de resistência a mudanças, bem como de nossas exigências. Do contrário, ela tende a só aumentar.
Considerando tudo isso, é preciso agora aceitar que, gostemos ou não, a cultura japonesa, além de restrita, favorece um comportamento de conformismo. Por isso talvez os japoneses sejam, de forma geral, tão reticentes diante de mudanças. É como se eles pensassem: “Já estou muito bem assim. O que pode haver de melhor?”. Além disso, não raramente nos deparamos com relatos de estrangeiros dizendo que sentem que o governo (cujo mesmo partido governa por praticamente 70 anos, com raríssimas alternâncias), a mídia e até mesmo o sistema educacional tentam criar constantemente espantalhos das pessoas e países estrangeiros como se quisessem dizer aos japoneses que o Japão é o melhor país para eles.
Reproduzimos novamente a fala da brasileira Priscilla Sato que reside há 30 anos no Japão:
“Eu não assisto TV japonesa mais. (...) Se vocês acham que a Globo ou qualquer outra TV do Brasil manipula, vixe Maria! (...) Se você não entende japonês a ponto de entender a TV japonesa, então, você está bem por fora. (...) Eu sinto essa tendência de mostrar como o Japão é muito melhor do que outros países. (...) (em rankings), eles sempre tentam deixar o Japão em um lugar bem perto do bom. (...) É muita manipulação mesmo, muita manipulação. É tudo direcionado pra você pensar de uma forma. Uma coisa de cabresto mesmo” |
Trazemos novamente um relato de um alemão que viveu no Japão e que acaba se conectando com o que a brasileira Priscilla Sato diz:
Os japoneses são ensinados a ignorar qualquer coisa ou problema negativo em seu próprio país ou cultura, mas são informados até mesmo sobre o menor e mais insignificante problema em outras culturas, o que faz com que desenvolvam uma visão arrogante de superioridade (que não existe) sobre sua própria cultura. Isso acontece por causa do currículo escolar padronizado, mas principalmente por causa da mídia de massa. Todos os dias, você verá um programa no horário nobre da TV sobre japoneses que estão indo para o exterior a fim de viajar ou para iniciar um negócio. Por outro lado, os estrangeiros que eles mostram nesses programas são retratados como idiotas ou pessoas ignorantes que adoram a comida japonesa. O bom é que os japoneses podem aprender, e a maioria deles que vive fora do Japão por alguns anos percebe que as informações recebidas na escola sobre países estrangeiros foi uma mera propaganda. |
Michael Smith, do australiano Financial Review, escreve um interessantíssimo artigo abordando a liberdade de imprensa no Japão, que deixa a desejar. Seguem alguns trechos:
O Japão (...) é o país do G7 com a classificação mais baixa no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa. (...) O Partido Liberal Democrático, no poder quase continuamente desde 1955, preside um sistema no qual as perguntas aos ministros do governo são examinadas e o acesso às informações é cuidadosamente controlado por meio de instituições misteriosas conhecidas como “Kisha Clubs” (clubes de jornalistas). (...) Os jornalistas dizem que, se criticarem suas respectivas fontes ou o governo, serão expulsos e impedidos de se filiarem aos clubes. Essa ameaça cria um ambiente no qual a mídia raramente crítica e, muitas vezes, age em sincronia na cobertura dos principais acontecimentos. “A mídia japonesa foi completamente subjugada pelo governo (de Shinzo) Abe, que puniu jornalistas que saíram da linha. Eles conseguiram fazer com que as grandes empresas de mídia demitissem âncoras de jornais que não eram simpáticos ao governo”, diz Jake Adelstein, americano e um dos primeiros estrangeiros a trabalhar em um grande jornal japonês. “Isso criou uma cultura de medo. Em vez de terem que ser instruídos a não escrever uma matéria, os jornalistas a censuram por conta própria. Há momentos em que fico realmente desapontado com a mídia japonesa (...)”. Eu não me filiei a nenhum Kisha Club, pois trabalho para um meio de comunicação estrangeiro. Porém, solicitar entrevistas, acesso ou informações do governo aqui às vezes me lembra de como funciona na China. Em 2022, fui convidado a fazer uma pergunta ao primeiro-ministro Fumio Kishida em uma coletiva de imprensa para a reunião do Quad (Japão, Austrália, Índia e Estados Unidos) em Tóquio, o que inicialmente pareceu um avanço. Porém, a pergunta foi examinada com antecedência. Meses depois, enquanto eu estava pressionando o Ministério das Relações Exteriores por uma entrevista antes da visita de Kishida à Austrália, disseram-me educadamente que eu deveria agradecer por ter sido autorizado a fazer uma pergunta a ele. Fim da história. (...) “O peso das tradições, os interesses econômicos, a pressão política e a desigualdade de gênero impedem que os jornalistas exerçam plenamente seu papel de fiscalizar o governo”, constatou um estudo da organização Repórteres Sem Fronteiras. Muitos também consideram o Japão uma utopia que não deve ser criticada. (...) Porém, para que o Japão possa reivindicar seu status de país (...) que compartilha os valores universais da democracia, da liberdade e do estado de direito, ele deve dar aos jornalistas mais espaço para questionar as decisões do governo. |
Percebe a dificuldade de mudança e de aceitação de estrangeiros por parte dos japoneses neste cenário? É como se juntássemos nele o conformismo pela (aparente) sensação de bem-estar pleno e visões distorcidas com relação ao mundo exterior como se este fosse “inferior”. Com estes dois ingredientes, aliás, quem de nós pensaria em “olhar para trás”, ainda que pudesse existir realmente algum tipo de recompensa? Torna-se naturalmente um comportamento pouco esperado, seja para quem for.
Isso, aliás, remete ao conceito de “comparação social descendente”, que acontece quando pessoas se comparam com quem está em pior situação para que se sintam melhor consigo mesmas, ainda que a situação concreta não seja boa. Lembre-se que a depender da referência para a comparação as conclusões mudam. Isso também nos faz pensar no poder das narrativas. A italiana Nerina Finetto, fundadora da Trace.Dreams, uma plataforma pensada para valorizar pesquisadores, afirma que “As histórias têm poder. Se não tivessem, não haveria um esforço tão grande de governos autoritários em querer ‘reescrever’ o passado, mudando a história dos livros didáticos de acordo com a ideologia”.
Outro dado que mostra o grande desinteresse dos japoneses pelo mundo exterior é o turismo. Apesar de o Japão ter um dos passaportes mais poderosos do mundo, menos de 20% dos japoneses têm passaporte de acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Japão. Além disso, Tetsu Nakamura, professor da Universidade de Tamagawa e especialista em comportamento e psicologia do turismo, diz que “Em 2019, mesmo antes da pandemia, as pessoas (japonesas) que viajavam para o exterior pelo menos uma vez por ano representavam cerca de 10% da população”.
Uma coisa parece certa: uma mudança de mentalidade dos japoneses passa também por uma mudança política profunda e duradoura. Ainda mais numa sociedade hierarquizada como a japonesa. Enquanto isso não acontece, recomendamos que você busque japoneses “já abertos” para o mundo exterior. Que estejam aprendendo português, inglês, etc. (se você puder realmente ajudá-los, é claro) e/ou opte pelo voluntariado numa associação cultural, em eventos, em escolas, em organizações religiosas, etc. Enfim, o que você poderia oferecer aos japoneses que os faria considerar que vale muito a pena sair da zona de conforto deles, destruir possíveis espantalhos e estar com você?
O importante é desejar contribuir verdadeiramente, não sendo um chatão e/ou desesperado, sob o risco de se tornar um parasita e ser (com muita razão) rejeitado. Ninguém gosta desse tipo de pessoa. Nem você mesmo. Não somos tão espertos como pensamos a ponto de ninguém perceber más intenções. A nossa família pode ter nos acolhido automaticamente, afinal precisávamos sair de algum lugar. Porém, no mundo dos adultos, a regra mais básica é a reciprocidade.
“O bom relacionamento obrigatoriamente envolve duas pessoas capazes de dar e receber apoio” (Gabriel Paiva, médico psiquiatra e psicoterapeuta)
Dar-se conta de que no comportamento humano não existe almoço grátis nos ajuda a entender a importância do ser útil e da reciprocidade para que construamos relacionamentos de qualquer natureza que sejam saudáveis. A ideia da aceitação incondicional, tão presente em nosso senso comum, é falsa e só faz com que não evoluamos e cobremos “generosidade” dos outros o tempo todo.
Como já mencionamos, uma pessoa pode ter determinado comportamento que não envolva uma “troca direta” com o outro, porém, ainda assim, a noção de recompensa estará presente em algum lugar: na satisfação (ou prazer) proporcionada ao ver a felicidade do outro por algo feito a ela, no prestígio social proporcionado ou na possibilidade de prêmio ou fuga de um castigo divino, por exemplo.
Dito isso, também pode acontecer de nossa utilidade ser inútil para o outro. Assim como um produto na prateleira pode NÃO nos ser útil, ainda que tenha utilidade para os outros, pessoas também podem não necessitar do que temos a oferecer. Precisamos aceitar que isso acontecerá e isso é NORMAL. Ora, pessoas estão inseridas em circunstancias diferentes e desenvolvem (graus de) necessidades diferentes. Ninguém duvida que está agora mesmo procurando as melhores oportunidades possíveis, não é? Os outros também. Ninguém duvida que está procurando sempre progredir e não regredir, não é? Os outros também...
Deixar de lado a ideia da aceitação incondicional, que só nos torna mimados, e aceitar que a rejeição, embora dolorosa, é algo que faz parte, porque cada tem suas necessidades é passo fundamental para nos conhecermos melhor, saber realmente o que queremos, trabalhar as nossas qualidades, buscando a nossa melhor versão, e oferecê-las a quem realmente precisa delas.
Tentar forçar uma necessidade no outro só para que ele nos acolha é uma das piores coisas que podemos fazer. Afinal, ninguém gosta de um vendedor insistente que tenta vender um produto (a nossa utilidade não deixa de ser um produto) que não precisamos, não é mesmo?
Outro ponto importante da socialização é este:
Como assim?
Durante milhares de anos da nossa existência como espécie, nós nos comunicamos falando apenas. A escrita surgiu muito depois e ainda sendo restrita a uma elite. A alfabetização em massa é algo relativamente recente na História e a falta dela NÃO impediu que as pessoas se comunicassem satisfatoriamente. Aliás, qualquer nativo aprende a sua língua materna falando primeiro e usando um vocabulário pequeno e simples. Só depois aprende a escrever e continua aprimorando o que já sabe.
Métodos tradicionais de ensino de idiomas, porém, incluindo os da língua japonesa, fazem o caminho inverso. Eles NÃO partem da conversação e do vocabulário básico e simples usado nesta modalidade natural por conta do princípio do menor esforço, mas sim de materiais escritos, como jornais e revistas (algo mais restrito).
Com isso, os estudantes de idiomas frequentemente se deparam com um grande abismo entre aquilo que é ensinado nos livros e aquilo que é praticado pelos falantes nativos. Como diz o professor e linguista Ataliba Teixeira de Castilho, “a língua escrita como um documento linguístico mente pra caramba!”.
De alguma forma, sempre haverá um abismo entre o que os falantes estão fazendo agora com a sua língua e o que a gramática e a escrita absorvem depois. É como se a língua falada estivesse sempre no presente, enquanto a gramática e a escrita, ainda no passado (ou no mundo do ideal).
Para exemplificar, um caso interessante de “erro” dos falantes do português que se tornou o padrão depois é o da palavra “floresta”. Originalmente ela deriva do latim “forestis”, passando pelo francês antigo “forest” (1200-1300) e tendo inicialmente em português as formas “foresta” e “furesta”. Perceba que tanto na palavra latina quanto nas formas iniciais do francês e do português não existia a letra “L”.
O que houve é que provavelmente os falantes do português começaram a associar a palavra “foresta” com “flora” (conjunto das espécies vegetais de uma região ou país), fato que deu origem à forma atual “floresta”. E curiosamente a forma inicial francesa “forest” permanece no inglês atual.
Outro caso interessante é o do nome “Tiago”. Ele se origina do latim “Iacobus”, vindo do hebraico “Ya'akov”, que também deu origem a “Jacó”.
Do latim “Iacobus”, surge o nome “Iago”, que ao ser usado com a palavra “Santo” (Santo Iago), deu origem à forma abreviada “Santiago”. Por um “erro” dos falantes do português, “Santiago” passou a ser entendido como “São Tiago” e isso acabou se popularizando.
Agora, tentemos viajar no tempo: um estudante da língua portuguesa aprenderia pelos livros as formas “foresta” e “furesta”, mas ouviria os falantes nativos usando “floresta” e o seu professor diria que “floresta” está errado! Da mesma forma para o nome Tiago, em que os livros e os professores diriam que só existe “Iago”.
Percebe o mesmíssimo problema do abismo com que os estudantes de idiomas se deparam devido aos métodos tradicionais de ensino de idiomas que partem da escrita? Os livros, presos ao passado (ou ao ideal), dizem uma coisa; os falantes nativos, vivendo o presente, fazem outra. Se no passado os livros e os gramáticos diriam que “floresta” e o nome “Tiago” não existem, HOJE os livros registram “floresta” e “Tiago” e nenhum gramático ousaria dizer que “floresta” e o nome “Tiago” não existem, afinal a língua é viva e o que chamamos de certo ou errado na verdade é apenas uma questão de preferência, de popularidade (ou prestígio) considerando determinado período da História de um povo.
“Ninguém tem nenhum problema para resolver as suas questões do dia a dia por causa da língua. De jeito nenhum” (professor Pasquale)
Até por conta do já citado Princípio do Menor Esforço, o vocabulário usado em conversações do dia a dia tende a ser bem menor, contendo as palavras mais simples! Como não podemos pedir explicações a um texto, pois ele é algo estático, a clareza é fundamental. Por isso, na escrita é exigido um vocabulário maior, mais avançado e preciso para que não haja dúvidas no leitor.
Para exemplificar, recentemente adicionamos ao Dicionário Ganbarou Ze! a base de dados “Conversação”. Ela contém aproximadamente 2.500 palavras e cobre cerca de 90% das conversações diárias. Porém, se considerarmos os jornais, a cobertura fica em aproximadamente 73%.
Não nos esqueçamos também que nós só nos tornamos fluentes no português, porque fomos acolhidos e validados por um grupo de falantes nativos do português (a nossa família), sendo expostos ao português do mundo real, da língua falada. Ninguém leu um livro de gramatica do português enquanto estava na barriga da mãe.
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Com o que abordamos nessa seção até aqui, sugerimos que você faça um “TERMO DE COMPROMISSO” com você mesmo. Elaboramos um modelo que você pode baixar clicando aqui. Recomendamos que você o escreva à mão, deixe-o em um lugar acessível e visível e o leia todos os dias.
XLI. RELATOS DO NELSON
Eu cursei Gestão Financeira e fiz pós-graduação em Controladoria e Finanças entre os anos de 2013 e 2016 na modalidade EAD. Porém, em 2005 cheguei a cursar dois semestres de Administração de Empresas na modalidade presencial. E foram dois semestres através dos quais aprendi uma coisa que tenho como filosofia de vida até hoje...
Já desde o começo do curso me deparei com a desconfiança dos colegas de sala. Eu tentava interagir, mas sempre faziam pouco caso de mim. Logo tomei consciência que estava sendo "julgado pela capa" e que as coisas ficariam muito difíceis quando chegasse o momento de ter que montar grupos para fazer os trabalhos. E assim aconteceu...
Logo na primeira vez que tivemos que montar um grupo, sabendo eu que seria difícil me aceitarem, sentei perto de um grupo que estava sendo formado. Eis que me dizem apontando para outro grupo: "Nelson, naquele grupo está faltando gente. Vai lá." Fui, mas não fui aceito... tive que fazer aquele trabalho sozinho...
Em outra oportunidade, numa aula de psicologia, a professora pediu para que juntássemos as carteiras a fim de formar grupos. Eu sentava na frente perto da porta para facilitar a minha locomoção. Ninguém juntou a carteira comigo. Então, a professora resolveu questionar a sala: "Ninguém quer fazer grupo com o Nelson?". Um silêncio se fez presente na sala e novamente tive que fazer o trabalho sozinho...
A partir de então decidi que começaria a fazer os trabalhos em grupo sozinho e que não iria me abater com aquela situação. E assim foi por alguns trabalhos...
Um professor percebeu que o pessoal me olhava com desprezo e como eu tirava boas notas nas provas e trabalhos, começou a fazer algo interessante: toda nota boa que eu tirava nas provas e trabalhos ele anunciava de forma "solene" na sala. Pedia silêncio aos alunos e dizia coisas como "Parabéns, Nelson. Você tirou a nota X!". Esse professor também passou a fazer perguntas aos alunos a respeito da matéria que ele estava explicando. Ele perguntava para duas ou três pessoas e sempre quando ia perguntar pra mim dizia coisas como "Silêncio, pessoal. Agora eu vou perguntar pra quem realmente sabe da matéria". Eu sempre respondia de forma correta e ele dizia: "É isso mesmo! Pessoal, aprendam com o Nelson".
A partir daí, o que você acha que aconteceu?
EXATO! O pessoal começou a me querer nos grupos.
Talvez você esteja pensando ou chegará um momento que pensará:
"Se ninguém acredita em mim, se não tenho os resultados que desejo, melhor desistir mesmo".
Porém, imagine se eu tivesse me abatido, desistido e/ou respondido o desprezo, a desconfiança com o mal? Eu não poderia mostrar o meu potencial quando surgiu a “OPORTUNIDADE DE OURO”, quando surgiu alguém que acreditou em mim, alguém que quis ser um degrau para mim naquela turma para que o meu potencial fosse conhecido: aquele professor que anunciava solenemente minhas boas notas e elogiava minhas respostas corretas. Tudo mudou dali pra frente. Se eu tivesse me abatido, desistido, ou pior ainda, respondido o desprezo, a desconfiança com o mal, a única coisa que eu estaria fazendo é DAR RAZÃO A QUEM NÃO ACREDITAVA EM MIM.
Portanto, esforcemo-nos para manter a motivação e a alegria mesmo diante das adversidades, dos resultados que não chegam na hora que desejamos (ou como desejamos). Esforcemo-nos para responder com o bem a desconfiança, o desprezo. Uma hora pode surgir alguém que queira acreditar em você, que queira ser um degrau para que seu potencial seja conhecido, aquela “OPORTUNIDADE DE OURO”. Esteja sempre preparado para esse grande momento que fará tudo ter valido a pena.
NÃO QUEIRA DAR RAZÃO A QUEM NÃO ACREDITA EM VOCÊ!!
Guarde bem isso:
Por menor que seja a possiblidade de sucesso, ainda existe possibilidade de sucesso. Se desistirmos, é certeza que não haverá possibilidade alguma. Seu divisor de águas, o fator determinante para tudo ser diferente pode estar a uma atitude diferente e /ou a uma pessoa de distância somente (no meu caso estava a uma pessoa de distância: aquele professor que acreditou em mim). É muito melhor olhar para trás e pensar com alegria: “Puxa, como lutei para chegar até aqui” do que olhar para trás e pensar com dúvida: “Puxa, se eu não tivesse desistido, como eu estaria hoje?”. Se você acha que as coisas estão ruins, entre essas coisas ruins e o sonho da sua vida podem existir inúmeras possibilidades e oportunidades que você deixa de perceber por estar paralisado por achar que as coisas estão ruins. Já imaginou que você pode estar sendo como o cavalo que ACHA que está preso na cadeira? Já pensou que você pode estar deixando de ter experiências magníficas por causa de apenas UM pensamento equivocado?
Essa é a filosofia que aplico ao projeto “Ganbarou Ze!”. Alguns dizem para eu retirar da página inicial do blog a minha foto com as muletas e a informação que sou deficiente físico, porque isso afasta as pessoas. Infelizmente tendemos a agir de acordo com aquilo que ACHAMOS ser verdade (no caso, achar que deficiência física implica em incapacidade intelectual, logo, o blog não é bom) e não nos damos o trabalho de conhecer melhor as coisas e as pessoas (como os meus colegas de sala fizeram). Também, pode ser que o ORGULHO afaste as pessoas (não querer aprender de um portador de necessidades especiais, alguém que a pessoa considera inferior a ela). Porém, não vou retirar! Eu tenho deficiência mesmo ué... não posso esconder isso.
Se queremos que os outros nos aceitem, temos que ser os primeiros a nos aceitar. Se há pessoas que julgam o blog por causa disso, quem perde são elas (assim como os meus colegas de sala perderam – e depois que perceberam que estavam errados, vieram me procurar). Uma hora pode aparecer a “OPORTUNIDADE DE OURO”, pode aparecer quem acredite no projeto, da mesma forma que aquele professor universitário acreditou em mim, e queira ser um degrau para que todo o potencial do blog brilhe, seja conhecido. A mim, resta apenas continuar fazendo as coisas com motivação e alegria para não dar razão a quem julga mal o projeto pela capa.
Aliás, gostaria de destacar um ponto muito importante sobre a atitude do professor, que muitos de nós não percebemos. Quando somos ou vemos um grupo rejeitar injustamente alguém, podemos ter estas atitudes:
(1) não fazer nada;
(2) dar lição de moral;
(3) Denunciar a rejeição a alguém com autoridade para que resolva a situação;
(4) Se temos essa autoridade (ou a pessoa com autoridade), obrigar a aceitação;
(5) Mostrar concretamente as qualidades para que o grupo perceba o que está deixando de ganhar.
***
Os demais professores não fizeram nada. Se apenas dessem lição de moral na sala ou apenas obrigassem o pessoal da sala a me aceitar, muito provavelmente além de não me aceitarem de fato, o sentimento de repulsa iria aumentar. Já o professor optou pela opção (5), não é mesmo? Ele escancarou as minhas qualidades (notas boas e conhecimento sobre a matéria) para a sala fazendo com que meus colegas percebessem o que estavam deixando de ganhar por me rejeitarem injustamente. É claro que o fato de o professor ter autoridade perante a sala contribuiu para toda essa virada na situação. Se fosse qualquer outro colega que fizesse isso (alguém na mesma posição hierárquica), talvez não se teria o mesmo resultado. Como mencionado anteriormente, a primeira impressão é difícil de ser mudada, pois costumamos nos apegar às nossas convicções ao ponto de muitos negarem a realidade para darem razão a si mesmos. Aliás, sobre isso Nicholas Rule, do departamento de psicologia da Universidade de Toronto afirma que “Julgamos o livro pela capa e não conseguimos deixar de fazer isso. (...) Quanto menos tempo tivermos para fazer nossos julgamentos, maior será a probabilidade de seguirmos nosso instinto, independentemente dos fatos”.
Ou seja, por causa de uma primeira impressão negativa e equivocada, podemos ser capazes de negar ou ignorar, por exemplo, a competência concreta de uma pessoa apenas para dar razão para nós mesmos. Portanto, ao chegar em um grupo ou se sentir rejeição, procure mostrar com humildade suas qualidades a alguém que tenha autoridade ou prestígio perante o grupo. A validação por parte dessa pessoa tende a facilitar a aceitação por parte do grupo. E se mesmo assim a aceitação não ocorrer, não há outra alternativa a não ser procurar outro ambiente!
Ao comentar sobre a importância da HUMILDADE, mencionei que diplomas e certificados não são um atestado infalível e eterno de que seu possuidor tenha o conhecimento, afinal não sabemos o que motivou a pessoa a buscar o diploma (ou certificado) ou como a pessoa se portou durante o curso (quem é – ou foi – estudante universitário sabe que há diversas artimanhas possíveis para se obter notas).
Certa vez fui chamado para uma entrevista de emprego numa empresa que tinha aberto um processo seletivo para pessoas com necessidades especiais e como é de praxe, o entrevistador começou falando da empresa e depois pediu que eu falasse um pouco sobre mim e sobre a minha experiência profissional até então.
Em dado momento, ele pegou meu currículo e começou a fazer comentários sobre cada item que eu havia colocado. Ao comentar sobre o fato de eu possuir pós-graduação em Controladoria e Finanças, ele disse: "Eu estou vendo que você tem pós-graduação em Controladoria e Finanças. Que legal! Você gostou do curso? Você aprendeu?"
No momento, aquela pergunta soou para mim como uma afronta afinal eu havia terminado a graduação com mérito acadêmico – média geral acima de 8 – e por conta disso, ganhado um desconto na mensalidade da pós-graduação. "Como poderia não ter aprendido?", eu pensei. Porém, chegando em casa, refleti e percebi que aquela pergunta, apesar de estranha, fazia todo sentido. No fim das contas, questione-se sempre:
➩ Tenho diploma (ou certificação), mas aprendi? Tenho esse conhecimento atestado no passado HOJE e procuro me manter atualizado?
Por falar em HOJE, eu disse que precisamos ter satisfação no presente, isto é, que você tenha como maior recompensa o PROCESSO de estar aprendendo japonês AGORA MESMO. Muitos se desmotivam justamente por focar demais naquilo que ainda não têm – "Estou aprendendo japonês para (no futuro...)". Isso uma hora ou outra só vai gerar insatisfação, porque não importa o que sejamos ou tenhamos, vamos querer ainda mais, nada estará bom. O projeto “Ganbarou Ze!”, inclusive, não existiria mais se a minha maior recompensa não fosse o fato de estar compartilhando AGORA MESMO conhecimento com você e ajudando pessoas que nem conheço, de diversos lugares. O que eu mais ouço são coisas como:
- "Desista do projeto. Desde 2014 o que você teve de "reconhecimento"? (aqui provavelmente se referindo a resultados financeiros direta ou indiretamente);
-"Você pode estar trabalhando de graça para alguém que pega seu conteúdo e ganha dinheiro e reconhecimento";
De novo, minha recompensa é o compartilhar conhecimento e ajudar pessoas HOJE. Para mim, o presente é um presente sempre!
Eu costumo ouvir de pessoas próximas coisas como “Eu queria ter essa facilidade que você tem de aprender!”. Além da pós graduação, já estudei música (por recomendação do meu médico) e desde pequeno sempre tive curiosidade com relação a idiomas. Se tenho alguma facilidade de aprender, creio que seja por que eu estudo o que eu gosto, o que tenho interesse e não fico me comparando com ninguém. Apenas quero desfrutar os resultados da melhor forma!
Por fim, gostaria de contar mais uma história. Em 2005 comecei a trabalhar em uma empresa perto de casa. Eles estavam precisando preencher a cota para deficientes e fui aprovado no processo seletivo dessa empresa. Daí então comecei a alimentar em mim o desejo de construir uma carreira dentro dessa empresa. Ganhava bem menos que os meus colegas, mas acreditava que com esforço, conseguiria chegar onde desejava.
Em 2011 fui aprovado em um concurso público estadual, mas como o prédio da repartição pública fica longe de onde moro e o salário inicial era parecido com o que eu ganhava, decidi permanecer na empresa, pois ainda alimentava o desejo de construir uma carreira profissional. Então, de 2013 a 2016 concluí o curso de Gestão Financeira e a pós-graduação em Controladoria e Finanças.
Porém, algo inusitado aconteceu...
Em 2017, essa empresa que eu trabalhava se mudou para outro prédio. Coincidentemente o novo prédio ficava na mesma rua onde fica o prédio da repartição pública (a distância era de apenas 350 metros!). Era possível ver o prédio da repartição pública de onde eu trabalhava e alguns colegas meus brincavam apontando para o prédio da repartição pública: “Puxa, Nelson! Era para você estar lá! Não aqui!”
Em 2018 a empresa que eu trabalhava encerrou as atividades no Estado e fui demitido. Todo aquele desejo de construir uma carreira profissional e todo o meu estudo (graduação e pós-graduação) pareceram ter sido inúteis.
Com essa experiência, faço a seguinte reflexão:
➩ UMA CRENÇA EQUIVOCADA: naquela época eu acreditava, equivocadamente, que o esforço individual era o suficiente e que ele seria naturalmente (e quase que obrigatoriamente) reconhecido em qualquer lugar e por qualquer pessoa. Essa crença equivocada me fez fechar os olhos para a realidade e para outros fatores tão importantes quanto o esforço individual;
➩ A FALTA DE UM AMBIENTE DE RECOMPENSAS: embora de certa maneira eu estivesse me esforçando buscando aprender qualquer tarefa que me davam e posteriormente buscando formação (cursos livres, graduação e pós-graduação), a empresa não era um ambiente de recompensas, pois ela não estava interessada em me proporcionar uma carreira; estava tão somente interessada em cumprir a lei das cotas (como ocorre com a maioria das empresas nessa situação). Ou seja, eu estava me esforçando no lugar errado. Eu estava plantando as sementes do esforço individual em terreno infértil. Do mesmo modo, eu não me preocupava em buscar um ambiente de recompensas, pois acreditava que o meu esforço individual seria quase que obrigatoriamente reconhecido;
➩ EXPECTATIVA DESAJUSTADA: como eu desconsiderei a realidade dos fatos (eu tinha sido contratado apenas para que a lei das cotas fosse cumprida), devido a uma crença equivocada, criei uma expectativa desajustada e agi o tempo todo com base nela a ponto de perder uma grande oportunidade, não indo trabalhar na repartição pública. Se eu tivesse uma expectativa flexível e sempre ajustada com a realidade, e tivesse a consciência da importância de se esforçar, mas se esforçar no lugar certo e estando com pessoas certas, eu teria percebido que aquele não era um lugar para eu construir uma carreira e eu teria assumido meu cargo na repartição pública.
➩ OBJETIVO RESTRITO: repare no erro grave na formulação do meu objetivo: construir uma carreira profissional NAQUELA empresa (que eu já estava). Dessa forma, eu estava restringindo, condicionando o meu objetivo àquela empresa. Por que tinha que ser especificamente NAQUELA empresa se há inúmeras empresas por aí? Por que tinha que ser especificamente NAQUELA empresa se eu havia passado no concurso público? No fim das contas, sem perceber estar NAQUELA empresa acabou se tornando mais importante do que construir uma carreira profissional em si, como pegar um ônibus especifico se tornou mais importante para o estudante do que chegar à escola naquela ilustração do tópico “O TEMPO E AS OPORTUNIDADES”.
Construir uma carreira NAQUELA empresa dependia também de um fator que fugia do meu controle. Ora, eu não tinha controle sobre a maneira como a empresa me enxergava, isto é, apenas como um cotista. Porém, eu me fixei numa expectativa desajustada, fruto dos meus anseios e crenças equivocadas. Perceba a bola de neve que isso se tornou: a minha crença equivocada me fez criar uma expectativa desajustada, que me levou a agir o tempo todo de maneira equivocada. No fim, as coisas foram desabando pouco a pouco. A realidade concreta se impôs e eu fiquei sem nada daquilo que eu gostaria, pois eu mesmo tornei as oportunidades escassas desejando crescer profissionalmente NAQUELA empresa ESPECIFICAMENTE. Ora, se sem perceber eu havia restringido, condicionado o meu objetivo a estar em um lugar específico, uma vez que eu não estava mais lá, não havia mais o que ser feito.
➩ SATISFAÇÃO EM EXCESSO: se a insatisfação em excesso é prejudicial, porque de certo modo nos faz fechar os olhos para a realidade, a satisfação em excesso também causa a mesma coisa. Eu estava muito satisfeito com o meu trabalho acreditando que uma hora eu construiria uma carreira. Faltou aquele pingo de insatisfação, aquele contraponto para me fazer abrir os olhos, refletir e questionar se aquele era mesmo o lugar certo para plantar as sementes do esforço e chegar onde eu desejava;
➩ BUSCA PELA BOA FAMA: parte da satisfação em excesso vinha da validação de pessoas que eu considerava amigas na época e dos meus chefes. De modo geral, as pessoas que eu considerava amigas reforçavam minhas crenças equivocadas e expectativas desajustadas com a realidade me incentivando a continuar naquela empresa, pois uma hora eles me dariam uma oportunidade. E meus chefes também me faziam acreditar que eu estava no caminho certo elogiando o fato de eu ser prestativo e estar aberto a aprender qualquer serviço que precisasse para “tapar buracos”.
No fim, ao ser demitido ouvi da empresa que não havia lugar para mim naquela mudança que estavam fazendo, pois eu tinha um grau acadêmico muito elevado para o que eles tinham a oferecer. Os mesmos que não haviam me dado uma oportunidade de crescimento por conta do meu grau acadêmico elevado, mas me elogiavam pela prestatividade. E depois de ser demitido, das pessoas que eu considerava amigas na época ouvi que o problema foi insistir em ficar em uma empresa que não dava perspectivas de crescimento. Os mesmos que antes me incentivavam a ficar na mesma empresa, porque uma hora iriam me dar uma oportunidade.
Por isso, devemos moderar a busca pela boa fama e saber distinguir relacionamentos saudáveis de relacionamentos tóxicos. Relacionamentos tóxicos também incentivam e elogiam, mas incentivam e elogiam os nossos ERROS para que continuemos neles e não cresçamos (ou se aproveitem dos nossos erros).
➩ FALTA DE “EXPOSIÇÃO VERDADEIRA”: certa vez numa entrevista, a entrevistadora me disse com outras palavras que a minha formação acadêmica não condizia com as funções que eu exerci na empresa que eu havia trabalhado. Eu tinha formação para cargos gerenciais, mas na prática, eu não tinha experiência para tal, já que eu só tive cargos operacionais. Tanto que ela seguiu dizendo que o cargo que eles tinham a me oferecer era operacional e me perguntou se eu aceitaria exercê-lo, apesar da minha formação. Dei-me conta do dilema no qual eu havia me colocado (experiência prática e formação acadêmica incompatíveis) e disse que sim, desde que houvesse possibilidade de crescimento dentro da empresa.
Essa entrevista me fez refletir sobre a importância de “nos expormos verdadeiramente”, e isso vale para qualquer coisa. Da mesma forma que ao estudar idiomas precisamos nos expor ao idioma do mundo real, eu, tendo graduação em Gestão Financeira e pós graduação em Controladoria e Finanças, deveria ter procurado me expor verdadeiramente às rotinas dessas áreas para ir ganhando experiência. Na empresa que eu trabalhava, eu estava tendo uma exposição “de mentirinha”, sendo praticamente um funcionário “tapa-buraco”, que acaba aprendendo muito pouco de muita coisa. Isso me prejudicou, pois, mesmo tendo um conhecimento teórico, eu não havia desenvolvido a habilidade de aplicar esse conhecimento teórico no mundo real, enfrentando os desafios do mundo real. Eu era o motorista que se expôs constantemente ao ato de dirigir, mas usando um carro de brinquedo e uma estrada de mentirinha feita em casa. Eu me acomodei dentro da bolha da exposição de mentirinha. Era cômodo e eu achava que estava progredindo. Porém, essa bolha do “faz-de-conta” estourou e aí me dei conta de que nada (ou muito pouco) do que eu fiz dentro dessa bolha serviu concretamente.
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Com isso, quero ressaltar a importância da dupla “esforço individual e ambiente de recompensas”, bem como criar expectativas flexíveis, sempre ajustadas com a realidade que se desenrola para nós, ao contrário do que costumamos fazer, isto é, criar expectativas fixas com base em ideias pré-concebidas e naquilo que ACHAMOS ideal, como se tivéssemos controle sobre tudo. Nós não temos controle sobre tudo! Isso só vai fazer com que tomemos decisões erradas, fechemos os olhos para oportunidades concretas e nos frustremos com os resultados indesejados. A frase “sonhar com os pés no chão” é clichê, mas é válida. Além disso, a exposição verdadeira é fundamental, pois é no mundo real que vivemos e é no mundo real que os nossos talentos e conhecimentos serão colocados à prova! Como eu mencionei na ferramenta da “EXPOSIÇÃO VERDADEIRA”, apesar de ser mais trabalhoso e incômodo, procure o quanto antes se expor constante e verdadeiramente ao idioma do "mundo real"! Desafie-se!
XLII. 10 ANOS DE PROJETO E UMA REFLEXÃO
Depois de 10 anos de projeto com poucos seguidores (menos de 7.000 no Facebook, sendo 6.000 destes no primeiro ano e menos de 1.000 nos 9 anos seguintes), outras redes sociais praticamente desertas e um engajamento quase nulo, penso que de alguma forma aquilo que aconteceu comigo na faculdade em 2005 se repete no Projeto Ganbarou Ze!.
Tenho refletido ultimamente se as pessoas não têm duvidado da qualidade do material disponibilizado neste blog justamente por causa de uma primeira impressão negativa a meu respeito. Se este for o caso, somente a validação de uma autoridade, como aconteceu em 2005, poderá mudar essa situação de desconfiança e fazer o projeto evoluir como eu gostaria.
E por que não mudo de ambiente (neste caso, de nicho) como eu mesmo recomendo ao longo desta seção se em 10 anos, o que é muito tempo, não houve um devido reconhecimento? E pior: além de não ter um público grande e participativo, ainda houve pessoas querendo me enganar, ofender e tirar vantagens. Não seria isso análogo a um relacionamento tóxico?
Creio que o meu propósito aqui seja com a língua japonesa em si e o compartilhamento de conhecimento e não necessariamente com seguidores. Caso contrário, com certeza já teria mudado de rota e recomendo novamente que faça isso se o seu objetivo ou público-alvo não estiver sendo recíproco com você. É claro, porém, que se um reconhecimento massivo viesse, o meu propósito seria muito melhor trabalhado. Não há como negar que ter um grande número de seguidores e um engajamento sólido atrairia investimentos, parcerias, novas ideias, etc.
Mas como eu disse: supondo que causo uma primeira impressão negativa e ela é difícil de ser mudada mesmo com fatos, somente alguém de autoridade poderia tentar mudar essa visão distorcida que muitos podem ter a meu respeito. Não culpo, porém, as pessoas em geral.
Enquanto essa validação de autoridade (ou de seguidores) não acontece, seguirei atualizando este projeto por mais 5, 10, 20 anos... porque este é meu propósito com a língua japonesa um dos meus hobbies.
O jornal estudantil independente Varsity da Universidade de Cambridge destaca que “A capacidade de nossos ancestrais de fazer avaliações rápidas era uma habilidade essencial para a sobrevivência. Imagine viver em uma caverna, onde cada sussurro ou som poderia anunciar um amigo ou um inimigo. A hesitação seria algo fatal. Nosso cérebro evoluiu para ser uma máquina de processamento de alta velocidade, categorizando rapidamente os estímulos como sendo maus ou bons”. E agora amarrando isso com a fala de Nicholas Rule, do departamento de psicologia da Universidade de Toronto que diz que “Julgamos o livro pela capa e não conseguimos deixar de fazer isso. (...) Quanto menos tempo tivermos para fazer nossos julgamentos, maior será a probabilidade de seguirmos nosso instinto, independentemente dos fatos”, proponho uma reflexão com a seguinte pergunta:
“Será que somos capazes de fazer com que os outros gostem da gente ou na verdade o que podemos fazer é apenas corresponder (ou não) a uma boa primeira impressão que as pessoas tenham tido da gente?”
Essa pergunta parece boba, mas poderia explicar, por exemplo, por que há conteúdos que se tornam virais na internet. Se analisarmos friamente, esse fenômeno não tem a ver necessariamente com uma grande competência técnica e/ou grandes investimentos em divulgação e estrutura. Um conteúdo se torna viral simplesmente por que o conteúdo e/ou a pessoa que o produziu conseguiu causar uma boa primeira impressão no público, estando isso geralmente atrelado a fatores considerados positivos em uma sociedade (ou grupo), como boa aparência, personalidade extrovertida, senso de humor, relação com alguém famoso/influente, etc. Logo, não há como deixar de considerar aqui também o oposto, isto é, aquilo que é, equivocadamente ou não, considerado negativo por uma sociedade ou grupo (valores, atributos, preconceitos, etc.) e pode causar uma primeira impressão negativa no público.
A lei brasileira diz que quando uma empresa envia um produto ou presta um serviço sem que o consumidor tenha solicitado, este produto ou serviço se equipara a uma amostra grátis, não existindo, portanto, nenhuma obrigação de pagamento por parte da pessoa que recebeu o produto ou serviço. Analogamente, o erro de muitos de nós é oferecer coisas e ações a pessoas que não querem nada conosco, que já fecharam a porta para nós. E pior: insistir na esperança de que mudarão de ideia ou depois cobrar! Isso só sufoca o outro lado e potencializa as primeiras impressões negativas.
Lembre-se: algo que NÃO foi solicitado se torna amostra grátis! Não há obrigação de pagamento!
E como saber se uma pessoa foi com a nossa cara ou não, se está de portas abertas para nós ou não?
Este é o encanto das relações humanas: se a incerteza em relação às impressões da outra pessoa pode nos causar temores, esta mesma incerteza pode nos surpreender muito positivamente! O importante é, como diz a letra de uma canção do grupo de pagode Revelação, “Deixa acontecer naturalmente”. O amor, a reciprocidade, a generosidade... só são realmente belos se brotarem espontaneamente.
Se isso não acontece apesar dos seus esforços, você está no lugar errado e/ou com a(s) pessoa(s) errada(s). Como diz o psicólogo Marcos Lacerda, “Se você está se esforçando só, caia fora! Isso não é uma relação. Relação é uma via de mão dupla. Se o outro está se esforçando só, por que você não está se esforçando junto? Isso não faz o menor sentido”.
Reciprocidade NÃO é questão de retribuir com a mesma moeda e na mesma proporção, do tipo “se me dão um carro, tenho que retribuir com um ou dois carros”. Isso sufoca e se torna uma competição de egos. Reciprocidade é simplesmente se importar com o outro, entendendo que o outro é um ser humano que tem suas próprias necessidades a serem supridas.
E na verdade, nós JÁ sabemos se uma pessoa foi com a nossa cara ou não, se está de portas abertas para nós ou não. Muitas vezes não queremos aceitar a realidade e/ou queremos mudar uma decisão já tomada.
Eu diria também que cada um de nós tem uma “regra de jogo” diferente a depender da nossa situação ou da pessoa com quem interagimos. Embora universalmente desejáveis, a reciprocidade (o importar-se com o outro) e a ética nem sempre são praticadas. Uns se aproximarão de nós tendo como regra colaborar conosco. Outros, porém, virão até nós apenas para nos parasitar. E ainda haverá aqueles que virão para tentar nos destruir, pois o nosso conhecimento, sucesso, felicidade, etc. são de alguma forma uma ameaça à autoestima e/ou prestígio deles.
O neuropsicólogo Wellington José da Silva afirma em um artigo que “A espécie humana luta pela sobrevivência como qualquer outra espécie e é, portanto, regida pelas mesmas leis biológicas que estas”. Eu diria que infelizmente NÃO é todo mundo que consegue domar esses instintos selvagens e evoluir para se tornar plenamente humano. Com isso, muitos de nós estão ainda no “modo animal”, no qual beneficiar somente a si mesmo (pela força, pela “esperteza”, pela indiferença ou pelo rebaixamento constante dos outros) é a única regra que seguem.
Por isso, focar nas ações concretas de uma pessoa (ou grupo) tentando captar as “regras do jogo” que ela está usando conosco é fundamental, pois as ações concretas não mentem, fazem com que nossas expectativas estejam sempre ajustadas e impedem que percamos tempo em “jogos com regras parasitas/destrutivas”.
E não há como eu não recordar deste trecho de “O Pequeno Príncipe”:
Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
Provavelmente, nestes 10 anos de projeto eu ainda NÃO consegui cativar este nicho. Por causa disso, o projeto Ganbarou Ze! é, na visão deste nicho, um projeto inteiramente igual a cem mil outros projetos, não tendo este nicho real necessidade dele.
Se formos cativados, a coisa ou pessoa se torna única no mundo, torna-se algo de qualidade, ainda que objetivamente não seja tão diferente das demais. Porém, se NÃO formos cativados, NADA será capaz de tornar a coisa ou pessoa diferente das demais, ainda que objetivamente o seja. Segue mais um trecho de “O Pequeno Príncipe”:
Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música.
Talvez o segredo do sucesso NÃO esteja necessariamente no “mérito” (bem entre aspas) técnico, acadêmico, etc. de uma pessoa, mas simplesmente na sua capacidade de cativar pessoas.
Um caso que ilustra bem isso é o de Jeniffer Castro, que viralizou depois de se recusar a ceder seu assento na janela do avião para uma criança durante um voo e que em poucos dias alcançou mais de 1 milhão de seguidores. Podemos dizer que, de alguma forma, ela conseguiu CATIVAR as pessoas através de uma simples atitude. Veja agora este projeto: objetivamente não há material e abordagem semelhantes disponível em português. Mas ele como um todo não CATIVA...
Aliás, será que é justamente para tentar CATIVAR os outros é que pessoas ostentam na internet, alardeiam suas conquistas, MAS, ao mesmo tempo, tentam ocultar TUDO o que pode prejudicar o seu prestígio perante os demais? Podemos tentar ocultar dos olhos alheios as nossas falhas cometidas no passado, traumas, alguma característica física ou mesmo aquele parente, amigo, etc. que não se encaixa nos padrões aceitos pela sociedade. Tudo em nome do prestígio, que, no fim das contas, é o que realmente nos abre portas. Segue mais um trecho de “O Pequeno Príncipe”:
Esse asteroide só foi visto uma vez ao telescópio, em 1909, por um astrônomo turco. Ele fizera na época uma grande demonstração da sua descoberta num Congresso Internacional de Astronomia. Mas ninguém lhe dera crédito, por causa das roupas que usava. As pessoas grandes são assim. Felizmente para a reputação do asteroide B 612, um ditador turco obrigou o povo, sob pena de morte, a vestir-se à moda europeia. O astrônomo repetiu sua demonstração em 1920, numa elegante casaca. Então, dessa vez, todo o mundo se convenceu.
Quem não sairia alardeando, por exemplo, se se tornasse amigo do Neymar? Afinal, ele é uma figura de muito prestígio e “ser escolhido” por ele como amigo é de certo modo, para a sociedade, sinal de valor. “Alarde” esse que não acontece por parte de quem estuda japonês por meio deste blog.
Porém, eu entendo… afinal, todos nós queremos ser prestigiados. No fim das contas, a nossa vida é um “Topa Tudo Por Prestígio”. Todos nós queremos ser capazes de cativar e, assim, nos tornarmos únicos para algo ou alguém… É isso o que realmente nos abre portas.
O conteúdo deste blog pode ser realmente muito proveitoso, mas mostrar abertamente estar associado de alguma forma a quem idealizou este projeto talvez prejudique o prestígio ou mesmo a autoestima (talvez por isso houve mais gente querendo me ofender, me prejudicar ou parasitar do que me ajudar nesses 10 anos de projeto).
Eu entendo…
Para finalizar, gostaria de responder a uma pergunta:
“Nelson, VOCÊ moraria no Japão?”
Creio que para responder a essa pergunta, precisamos considerar algo óbvio, pois NÃO somos como robôs de uma mesma série fabricados em uma linha de produção. Sendo assim, CADA pessoa tem NECESSIDADES diferentes.
Note que eu usei a palavra necessidade e não GOSTOS, pois gosto e necessidade NÃO são sinônimos, e nem sempre nossos gostos nos ajudam a suprir as nossas necessidades e eles até podem nos PREJUDICAR. Considere, por exemplo, uma pessoa que gosta muito de videogames a ponto de deixar de fazer coisas realmente importantes como se alimentar saudavelmente, fazer exercícios, socializar-se, trabalhar, etc.
Como tenho deficiência física, para mim é muito importante estar em ambientes favoráveis a uma generosidade espontânea, pois ainda que haja adaptações acessíveis, como cada deficiência é diferente uma da outra, haverá momentos em que essas adaptações acessíveis NÃO serão suficientes. Daí entra o fator da espontânea solidariedade das pessoas. Até diria que a espontânea solidariedade das pessoas é muito mais importante do que adaptações acessíveis, pois pessoas solidárias podem substituir qualquer adaptação acessível, mas adaptações acessíveis por si só não garantem a acessibilidade para qualquer pessoa com deficiência. Exemplificando, pessoas solidárias podem carregar uma pessoa com deficiência para que ele suba a um andar superior de um prédio, mas para alguma pessoa com deficiência, uma adaptação pode não ser suficiente para que ela consiga subir ao mesmo andar superior sozinha. Imagine também, por exemplo, se o elevador estiver quebrado.
Usei o termo solidariedade espontânea, pois como há geralmente nas pessoas com deficiência o receio da exclusão, é muito importante que as pessoas nos vejam e estejam abertas a nos ajudar espontaneamente. Ou seja, para algumas pessoas com deficiência há uma grande diferença entre ter que pedir para ser ajudada e as pessoas ao redor se oferecerem para ajuda-la.
Usando minha experiência de vida de mais de 40 anos, posso dizer que os brasileiros de modo geral são espontaneamente solidários. Ao andar na rua, quando vou a eventos, etc. sempre aparece alguém me perguntando se preciso de alguma ajuda. São gestos simples que fazem toda a diferença! Apesar do complexo de vira-lata tão presente na mentalidade de nós brasileiros (e ainda mais forte no nicho dos fãs do Japão, infelizmente), esses pequenos gestos me fazem sentir seguro e acolhido. Na AACD me sentia acolhido e sempre havia atividades e passeios em grupo. Na época da escola, por exemplo, o pessoal me incluía até mesmo no futebol como segundo goleiro (eu ficava de joelhos atrás da linha do gol e se eu conseguisse defender a bola mesmo que o goleiro propriamente dito tivesse a deixado passar, o gol não valia). Na minha adolescência participei do grupo de jovens da paróquia perto de casa e também havia muitos passeios e atividades em grupo. Os mais velhos talvez se lembrarão do dia em que o padre Marcelo Rossi reuniu mais de 2 milhões de pessoas na missa de Finados no autódromo de Interlagos, se não me engano em 2001 ou 2002. Eu estava lá e presenciar muita gente me ajudando espontaneamente foi bem marcante e divertido para mim.
É claro que nem tudo são flores, ainda mais na vida adulta que é muito mais competitiva. Mas como devem ter percebido, gosto é de andar, trabalhar e de me divertir EM GRUPO! Afinal, somos seres sociais e só evoluímos porque soubemos cooperar uns com os outros. Em grupo nos divertimos mais, trabalhamos mais motivados, inovamos mais, produzimos mais, etc.
Creio que no Japão eu NÃO teria a mesma “segurança social” que tenho no Brasil devido à solidariedade e espontaneidade do brasileiro. Aliás, como vocês devem ter percebido, eu meio que me “decepcionei” com o nicho dos fãs do Japão, pois esperava encontrar pessoas para unir forças, compartilhar ideias, crescer e fazer esse projeto crescer JUNTOS! E quem sabe, mostrar ao mundo a força de nós brasileiros e assim abrir mais portas.
Mas o que encontrei foram pessoas que consomem o conteúdo, mas não engajam e nem divulgam o conteúdo. O que eu encontrei foram pessoas que quiseram ser colaboradores do blog, mas nada fizeram a não ser pegar o meu material para si para depois ficar pagando de intelectual e moralista na internet.
Que ironia e hipocrisia, não é mesmo? Os mesmos que idolatram o Japão por uma suposta moral elevada e criticam os brasileiros por supostamente não serem honestos passando a perna nos outros quando convém.
Nesses mais de 10 anos de projeto arrisco a dizer que entrei em contato com uns 90% dos influenciadores do nicho. Nenhum apoio. Nesses mais de 10 anos de projeto entrei em contato com instituições relacionadas ao Japão e/ou à língua japonesa. Nenhum apoio. 10 anos se passaram e já estou com 40 anos de vida. E minhas pernas já não têm a mesma força de antes.
Então, respondendo claramente à pergunta: “Nelson, VOCÊ moraria no Japão?”, a resposta é um sonoro NÃO, afinal não tenho motivos (o Japão e o nicho não me acolhem), necessidade e nem condições físicas para isso. No Brasil, há pessoas que me ajudam espontaneamente, que me incluem, tenho a AACD e o SUS. Já tenho o que REALMENTE importa PARA MIM. O resto é apenas gosto pessoal, que não é necessidade e pode ser facilmente substituído. Se eu tivesse conseguido formar uma equipe ao longo desses 10 anos, talvez a minha resposta fosse diferente, mas pela equipe (todos nós juntos lá no Japão, auxiliando brasileiros e japoneses no Brasil e no Japão). Não pelo Japão em si.
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