Tal como acontece com muitos idiomas, a língua japonesa tem sua parcela de dialetos regionais. Nesta lição, vamos conhecer os principais a fim de enriquecer o seu conhecimento.
50.1. O QUE É UM DIALETO?
Primeiramente, vamos conceituar o que vem a ser um “dialeto”. Segundo o Dicionário Aulete, trata-se de uma “variante de uma língua restrita a uma comunidade inserida em uma comunidade maior de mesma língua”. Seria, segundo alguns, uma espécie de fala “atravessada”, um linguajar defeituoso, não conforme às normas do falar estabelecidas pelos gramáticos. A primeira definição de dialeto (que, por sinal, teria inspirado as posteriores) baseava-se numa visão preconceituosa que a elite ateniense do período clássico tinha em relação à fala tanto das camadas populares quanto dos estrangeiros (não-atenienses, inclusive gregos de cidades vizinhas).
O reconhecimento de uma variedade linguística como língua é questão meramente política. Por exemplo, o catalão foi reconhecido pela Espanha como língua oficial, ao lado do castelhano, galego e basco, depois de ter sido violentamente reprimido pela ditadura franquista. Em Barcelona, é possível comprar edições bilíngues de diários como El Periódico de Catalunya, em catalão e espanhol, cem páginas cada. Sua língua-irmã, o occitano, não é reconhecida pelo governo francês, que teme onda de separatismo, já que o reconhecimento de uma língua é o primeiro passo para a afirmação de nacionalidade.
Na tentativa de estabelecer distinção entre língua e dialeto que não se apoiasse em fatores políticos ou sociológicos, alguns buscaram critérios relacionados aos aspectos comunicacionais. O lingüista romeno Eugenio Coseriu propôs o chamado critério da intercompreensão, segundo o qual dois falares podem ser considerados dialetos da mesma língua se seus falantes conseguem compreender-se mutuamente; caso contrário, teremos duas línguas diferentes. Esse critério não é muito bom, porque se apóia num dado subjetivo: o grau de intercompreensão entre falantes. Por exemplo, falantes do português e do espanhol podem entender-se relativamente, portanto seriam dialetos, segundo Coseriu. Já o português e o francês seriam línguas distintas, de acordo com o mesmo critério.
As línguas são organismos vivos, que nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Na verdade, poderiam ser comparadas com mais propriedade a espécies biológicas. Se tomarmos como exemplo o nosso idioma, cada ato de fala ou escrita do português seria um espécime da espécie chamada língua portuguesa. E, assim como acontece com as espécies biológicas, os idiomas evoluem, sucedendo às vezes de uma língua tornar-se duas ou mais, ou extinguir-se sem deixar descendentes. Sua tendência natural é evoluir e fragmentar-se. Quando isso não ocorre, ou ocorre lentamente, é porque uma força (por exemplo, a escola) está agindo em sentido oposto.
As línguas evoluem por mutação. Pequenas alterações na pronúncia, na gramática ou no léxico (mudanças de sentido, novas palavras) ocorrem o tempo todo. Essas mutações se acumulam e ocorrem simultaneamente, mas com resultados diferentes, em todo um território. A distância geográfica, e a ausência ou dificuldade de comunicação entre os habitantes de regiões distintas, faz com que, ao fim de um período, os falares das regiões estejam bem diferentes entre si.
Outro fator de dialetação é o substrato lingüístico. Quando o português chegou, havia vários idiomas indígenas no Brasil. Ele se impôs como idioma oficial e de cultura, mas resquícios dos demais ficaram “por baixo” dele, influenciando, em cada região, o vocabulário e a pronúncia.
Há casos em que a diferenciação regional chega a ser tanta que leva à mútua incompreensão. Se as mutações não só alterarem o falar local como se propagarem para localidades vizinhas, como ondas, a superposição dessas “ondas” de inovações dará ao mapa lingüístico de um país o aspecto de uma colcha de retalhos.
As línguas nacionais são dialetos que conquistaram prestígio em relação aos demais, porque produziram importante literatura ou eram os dialetos falados pela classe dominante. A língua oficial de uma nação tende a ser o dialeto da capital. Por isso, os falares regionais não são dialetos da língua oficial. São dialetos de sua língua-mãe. Como alguns dialetos se distanciam mais do que outros em relação à língua de origem, muitos deles representam estados mais antigos de uma língua, que ainda conservam traços já desaparecidos na língua-padrão.
Quando uma nação se forma, isto é, cria consciência nacional, desenvolve uma língua nacional. Ela é baseada no dialeto de maior prestígio, mas recebe contribuições de outros dialetos sendo compreensível em maior ou menor grau por todos os cidadãos. A língua-padrão passa a ser ensinada nas escolas e, com a comunicação de massa, veiculada na mídia. Isso, aliado ao prestígio e à possibilidade de ascensão social permitida pelo domínio do padrão, faz com que falares regionais tendam a sumir. A língua-padrão é sujeita à regulamentação da gramática normativa, o que lhe dá caráter conservador e refreia parte da tendência natural à evolução. O português oficial é fundamentalmente o dialeto lisboeta, que suplantou o galaico-português dos primeiros séculos da história lusitana, enriquecido por outros dialetos portugueses e idiomas.
Exemplo de invenção de uma língua-padrão é o nynorsk, o neonorueguês, criada no século 19 com base em dialetos da Noruega, por oposição ao norueguês oficial, muito influenciado pelo dinamarquês. Hoje, ambas são oficiais no país.
50.2. OS DIALETOS NO JAPÃO
Variantes regionais da língua japonesa foram confirmados desde os tempos do Japonês Antigo. Man'youshuu, a mais antiga coleção existente de poesia japonesa inclui poemas escritos em dialetos da capital (Nara) e leste do Japão. Com a modernização no final do século 19, o governo e os intelectuais promoveram o estabelecimento e a difusão da língua padrão. As línguas e dialetos regionais foram desprezados e suprimidos, e assim os moradores tinham um sentimento de inferioridade com relação as suas línguas "ruins" e "vergonhosas".
A língua estabelecida para ensino foi o Japonês Padrão [ 「ひょうじゅんご 」 (標準語)], e alguns professores davam punições para o uso de línguas não-padrão, em particular nas regiões de Okinawa e Tohoku. De 1940 à 1960, período do nacionalismo Shouwa, milagre econômico pós-guerra, o impulso para a padronização das línguas/dialetos regionais atingiu o seu pico.
Atualmente, o Japonês Padrão se espalha por todo o país e dialetos regionais estão diminuindo por causa da educação, televisão, expansão do tráfego, a concentração urbana etc. No entanto, os dialetos regionais não estão completamente substituídos pelo Japonês Padrão. A propagação do Japonês Padrão significa que os dialetos regionais estão agora rotulados como "nostalgia", "comoção" e "identidade local preciosa" e muitos moradores gradualmente superam o seu sentimento de inferioridade com relação aos seus dialetos. O contato entre dialetos regionais e o Japonês Padrão inventa um novo falar regional entre os jovens, como o japonês de Okinawa. Também, as novas gerações costumam misturar o japonês padrão com os dialetos locais.
No Japão se falam dezenas de dialetos. Esta grande variedade se deve a natureza montanhosa e a história de exclusão tanto interna como externa do país. Os dialetos se diferenciam entre eles pelo sotaque, formação de verbos e adjetivos, uso das partículas, vocabulário e em alguns casos a pronúncia. Alguns também difierem nas consoantes e nas vogais, ainda que isto seja pouco comum.
Há várias abordagens semelhantes ao se classificar dialetos japoneses. Alguns dividem os dialetos em três grupos: dialetos do Leste, dialetos do Oeste e dialetos de Kyushuu; outros classificam os dialetos de Kyushuu como sendo uma subclasse dos dialetos do Oeste. Estas teorias baseiam-se principalmente nas diferenças gramaticais entre o leste e o oeste. Outros estudiosos, porém, classificam os dialetos em três grupos circulares concêntricos: dentro (Kansai, Shikoku etc), meio (Kantou do oeste, Chubu, Chugoku etc) e fora (Kantou do leste, Tohoku, Izumo, Kyushu, Hachijo etc), com base em sistemas de sotaque, fonema e conjugação.
Seja qual for a classificação utilizada para os dialetos existentes, nos próximos tópicos estudaremos um pouco os dialetos mais comuns. Nossa intenção não é fazer um estudo aprofundado deles, o que exigiria um manual a parte dadas as particularidades, mas sim deixá-lo ciente da importância de considerá-los em seu estudo de lingua japonesa.
Importante observar que algumas pronúncias ocasionais são comuns à maioria dos dialetos da língua japonesa. Assim como toda língua falada, ocorrem contrações utilizadas no cotidiano. Por exemplo:
「~(あだん)い」 ou 「~(おだん)い」 → [fonema respectivo em 「えだん]+ 「え]], como em 「できない]→ 「できねえ] e 「すごい] → 「すげえ](mais comumente usado com 「ない]);
Hatsuonbin (geralmente dos fonemas de 「らぎょう]→ 「わからない] → 「わかんない] (→ 「わかんねえ]).
Como mencionamos acima, é muito importante que você dedique parte dos seus estudos aos dialetos do Japão. Apenas para você perceber como certos padrões de dialetos estão presentes no dia a dia, observe os trechos destacados na oração abaixo:
どげな辛い事があっても笑っとったら楽しくなるばい! = Não importa o quão existam coisas difíceis, se rirmos, nos divertiremos!
Neste trecho de "Yoka Yoka Dance", tema de enceramento de Dragon Ball Super, aparece a palavra 「どげな」, que tem sentido igual a 「どんな」. 「ばい」 é uma partícula de final de sentença que adiciona ênfase e se origina do dialeto de Kyuushuu. 「笑っとったら」 se trata da forma condicional 「~たら」 de 「笑っておる」, que aqui está abreviado 「笑っとる」. 「笑っとる」 tem o mesmo sentido de 「笑ってる」, sendo comumente usado no dialeto Kansai.
50.3. O DIALETO KANSAI
Kansai (関西) é uma das regiões da ilha de Honshu, Japão. Fazem parte da região as províncias de Nara, Wakayama, Quioto, Osaka, Hyogo e Shiga. Observe o mapa:
Uma das características de Kansai é o dialeto típico da região, o 「かんさいべん」 (関西弁). Esta região tem como característica falar seu dialeto com orgulho (especialmente as pessoas de Osaka e Quioto), visto que Osaka e Quioto têm uma grande importância cultural e econômica a nível nacional. Historicamente, o dialeto de Kansai desempenhou um papel importante no desenvolvimento gramatical e lingüístico japonês, porque por um milênio a capital do Japão esteve localizada nesta região: primeiro em Nara no século 8 e, em seguida, em Quioto (final do século 8 até meados do século 19).
Para os falantes do padrão japonês, o dialeto de Kansai pode soar charmoso e engraçado ou desagradável e rude. As pessoas de Kansai geralmente mudam a maneira de falar quando se deslocam para Tóquio, com exceção dos momentos em que querem ser charmosos ou mostrar seu orgulho pelo dialeto. Costuma ser falado por comediantes (muitos dos quais são de Osaka) e gangsters na TV.
Como as pessoas de Kansai, o dialeto é animado. Tem muito mais entoação e é geralmente falado mais rapidamente. Eles têm suas próprias palavras. As características do dialeto de Kansai variam conforme a cidade, e o número de expressões é incrivelmente enorme. Vejamos algumas características:
Também, há particularidades na gramática. Vejamos algumas:
50.4. O DIALETO DE QUIOTO
Tecnicamente, as pessoas de Quioto falam o dialeto de Kansai, e o dialeto de Quioto pode ser considerado uma variante dele. Neste dialeto, a fala é um pouco diferente e para a maioria dos japoneses, é considerado bonito e elegante, especialmente quando falado por mulheres. Eles usam expressões mais formais e terminações verbais que são, na verdade, reminiscências de uma antiga forma de japonês. Devido às razões históricas que explanamos no tópico anterior, o dialeto de Quioto foi o japonês padrão de 794 até meados do século 19. Quando o centro político e militar do Japão foi transferido para Edo sob o xogunato Tokugawa e a região de Kantou cresceu em proeminência, o dialeto de Edo tomou o lugar do dialeto de Quioto. Com da Restauração Meiji (1868) e a transferência da capital imperial de Quioto para Tóquio, passou a ser um dialeto local. Atualmente está dominado pelo novo dialeto padrão de Tóquio e até mesmo pelo dialeto de Osaka. Sendo assim, a versão tradicional deste dialeto está gradualmente diminuindo, exceto no mundo das gueixas, que atribui grande importância à herança dos costumes tradicionais. Vejamos algumas particularidades:
50.5. O DIALETO DE TOHOKU
Tohoku (東北) é a parte norte da ilha principal do Japão, Honshu. A região consiste em seis províncias: Akita, Aomori, Fukushima, Iwate, Miyagi e Yamagata. Observe o mapa:
O dialeto de Tohoku é tão difícil de entender que, mesmo um japonês nativo, precisa do auxílio de legendas quando um habitante de Tohoku está na TV. E para que você fique realmente motivado, não há apenas um dialeto de Tohoku, mas cerca de uma dúzia de diferentes versões do mesmo dialeto falado em toda a região. É comum dizer que as pessoas de Tohoku falam sem abrir a boca. Como resposta, os habitantes afirmam que a região é muito fria para falar, e que qualquer um faria o mesmo, se vivesse lá.
Duas das características mais comuns do dialeto de Tohoku são esticar as vogais, tornando-as mais longas e misturar os ditongos. Eles também mudar sons consonantais (por exemplo, / k / torna-se / g /) e, por vezes, inserem um "n" antes de "g" para torná-lo "ng". Estas características levam as pessoas de Tóquio a considerar esse dialeto um tanto preguiçoso e caipira. . Vejamos algumas particularidades:
50.6. A PROVÍNCIA DE OKINAWA
A Província de Okinawa (沖縄県) se localiza mais ao sul do Japão. Consiste em 169 ilhas que formam o arquipélago Ryukyu, numa cadeia de ilhas de 1000 quilômetros de comprimento, que se estende de sudoeste, de Kyushu até Taiwan, ainda que as ilhas mais ao norte façam parte da província de Kagoshima. A capital de Okinawa, Naha, está localizada na parte meridional da maior e mais povoada ilha do arquipélago: Okinawa Honto. As disputadas ilhas Senkaku são, em teoria, administradas como parte da província.
Devido à sua posição estratégica – entre a Indonésia, Polinésia, China, península da Coreia e Japão – se tornou um entreposto comercial. Relatos antigos apontam comerciantes e representantes okinawanos nas cortes imperiais da China e do Japão. Historicamente, Okinawa recebeu mais influências culturais da China do que do Japão.
Okinawa fazia parte de um reino independente, o reino Ryukyu. Por isso, desenvolveu uma cultura própria e até uma lingua própria, o “uchinaguchi” (沖縄口), e parte de sua história é diferenciada do resto do Japão. É comum encontrar japoneses que mesmo hoje, não consideram Okinawa como sendo parte do Japão.
Invadida pelo clã feudal de Satsuma (atual Kagoshima) no século XVI, perdeu a independência e o porte de armas foi proibido entre seus cidadãos. Diz-se que o caratê, como arte marcial, nasceu nesta época, tendo Okinawa como seu berço.
Depois da Segunda Guerra Mundial e da Batalha de Okinawa em 1945, Okinawa permaneceu sob a administração dos Estados Unidos por 27 anos. Durante esse período, os Estados Unidos estabeleceram lá várias bases militares. Em 15 de maio de 1972, Okinawa foi devolvido ao Japão. No entanto, os Estados Unidos ainda mantém uma grande presença militar no arquipélago.
Quando ao idioma, por volta do século XIII, a língua de Okinawa começou a ser escrita com Hiragana. Antes disso os habitantes das ilhas Ryukyu estavam familiarizados com a escrita chinesa, devido ao comércio com a China, Japão e Coreia. O Hiragana foi muito popular na maioria dos textos por muito tempo, porém, a partir do século XVI passou a ser escrito numa mistura de Kanji e Hiragana.
Depois que Okinawa foi tomada pelo clã Satsuma em 1609, a língua oficial escrita passou a ser o japonês, mas as pessoas continuaram a usar o uchinaguchi na literatura local, até o século XIX. Depois que as ilhas Ryukyu foram anexadas ao Japão em 1879, o uso do uchinaguchi e outros dialetos locais foi desencorajado nas escolas, tanto para fala como escrita, e o japonês padrão baseados em dialeto de Tóquio se tornou a linguagem da educação. Praticamente desapareceu o uchinaguchi escrito.
Desde 1945, a escrita do uchinaguchi foi revivida com o uso de sistemas de escrita baseado no alfabeto latino ou o silabário Katakana concebido por estudiosos japoneses e americanos. Não há atualmente nenhuma maneira padronizada de escrever o idioma. Algumas pessoas preferem escrever com Hiragana e Kanji. Vejamos algumas expresses e palavras:
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