Nesta lição pretendemos abordar o Japonês Clássico propriamente dito, examinando algumas estruturas tanto como curiosidade como também para reforçar o senso de como as construções são formadas e/ou evoluíram.
59.1. COISAS QUE VOCÊ JÁ DEVE SABER
O Japonês Clássico é a forma literária da língua japonesa que foi o padrão até o início do período Shouwa (1926-1989). É baseado na fase inicial do Japonês Médio, a língua falada durante o período Heian (794–1185), mas possui algumas influências posteriores. Seu uso começou a declinar durante o período Meiji tardio (1868-1912), quando os romancistas começaram a escrever seus trabalhos se baseando na língua falada.
No decorrer do nosso curso, fizemos várias menções do Japonês Clássico, a fim de fazer com que você entendesse construções gramaticais atuais com mais facilidade. Sendo assim, dentre outras coisas sobre o Japonês Clássico, você já deve saber:
I. O que era o “Man’yougana”, abordado na lição 1;
II. Uso Histórico do Kana, abordado na lição 3;
III. Etimologia, abordada na lição 9;
IV. Bases de Conjugação, abordadas na lição 12:
V. Classes verbais clássicas e sua evolução, lição 12;
VI. Cópulas clássicas, abordadas nas lições 14 e 53;
VII. Adjetivos clássicos Ku e Shiku e sua evolução, abordados na lição 18;
VIII. Uso das partículas, de modo especial as que abordamos na lição 47.
Como sempre frisamos aqui, língua é algo orgânico. Sempre haverá mudanças no decorrer do tempo, sejam elas drásticas ou moderadas. Mudanças na estrutura dos verbos, na forma de conjuga-los, mudanças nas palavras, em seu sentido e pronúncia ou mesmo no conjunto de palavras usadas com mais frequência, são alguns exemplos de alterações que ocorrem dentro de uma língua.
Com base nestes oito tópicos, relembremos algumas construções modernas e suas respectivas formas clássicas:
Nos tópicos seguintes, abordaremos algumas construções clássicas agora em total desuso – senão muito raras –, a fim de, como dito na introdução, apenas reforçar o senso de como as construções são formadas e/ou evoluíram na língua japonesa moderna ou mesmo curiosidade.
O foco desta lição serão as construções apenas, portanto, vamos usar as mesmas orações como base nos exemplos. Serão nove orações base (pois eram nove as classes verbais clássicas). Vejamos o quadro a seguir:
É importante destacar que no Japonês Clássico era muito comum que verbos auxiliares, sufixos e partículas fossem combinados entre si a fim de criar elementos que pudessem ser usados nas mais diversas situações. Por isso, havia grande número de elementos combinados, que ao longo do tempo foram deixados de lado. Suas respectivas funções ou foram extintas ou repassadas para outras construções usadas atualmente. Para fins meramente didáticos chamaremos essas construções de “elementos clássicos combinados”. Para começar, vejamos alguns:
➩「ななり」: trata-se da combinação da Base Rentaikei da cópula clássica 「なり」com o elemento de suposição 「なり」, que vimos na lição 47. Então, devido a mudanças sonoras, 「なるなり」se tornou 「ななり」. Tinha função de indicar suposição, assemelhando-se à construção moderna 「であるようだ」:
夢ななり。= Parece que é um sonho.
➩「ならし」: o mais provável é que se origine da combinação da Base Rentaikei da cópula clássica 「なり」com 「らし」→ 「なるらし」, que se tornou 「ならし」 devido a mudanças sonoras. Tinha como função indicar uma suposição em construções com o estado-de-ser, assemelhando-se a 「であるらしい」:
夢ならし。= Parece que é um sonho.
➩「ごとくなり」: trata-se da combinação da Base Ren’youkei de 「ごとし」, que vimos na lição 42, com a cópula 「なり」. Funcionava como o substantivo moderno 「よう」(様) (lição 21) para indicar similaridade:
夢ごとくなり。= É como um sonho.
➩「ようなり」: trata-se da combinação do substantivo 「よう」(様) com a cópula 「なり」. Indicava similaridade, assim como 「よう」(様) (lição 21), mas similaridade entendida também como exemplificação de algo ou para transmitir um ar vago. Importante destacar que, como estamos falando de Japonês Clássico, 「よう」(様) era usado na sua forma clássica, isto é, 「やう」(様). Sendo assim, tínhamos 「やうなり」. Era antecedido pela Base Rentaikei ou pelas partículas 「の」ou「が」:
夢のやうなり。= É como um sonho (sentido de similaridade, exemplificação ou fala vaga).
➩ 「げなり」: trata-se do sufixo 「気」, que cria um substantivo com sentido de "ter a impressão/sensação/aparência de" (Lição 18) com a cópula 「なり」, sendo assim, semelhante à 「ようだ」ou mesmo 「らしい」. Quando se tratava de verbos, 「げ」 era anexado à Base Ren’youkei:
水がありげなり。= Parece que há água.
「げなり」 podia ser contraído para 「げな」:
水がありげな。= Parece que há água.
Atenção para não confundir a forma contraída de 「げなり」 com 「げな」, alternativa clássica para 「ような」:
どのような → どんな → どげな
59.2. O SISTEMA「をことてん」
Os estudiosos chineses da dinastia T'ang acrescentavam "pontos" nos quatro cantos dos Kanjis para indicar as diferenças tonais e assim sinalizar o significado das palavras. Baseados nesse método, os japoneses criaram um dispositivo gráfico composto por cerca de dez pontos fixos em um quadrado que seriam usados para decodificar as estruturas chinesas para o japonês de acordo com as regras estabelecidas por grupos de estudiosos ou sacerdotes de ramificações budistas. Esses pontos eram geralmente escritos com tinta vermelha para evitar confusões e facilitar o seu reconhecimento. Observe a ilustração a seguir:
Por exemplo, se houvesse um ponto no canto superior esquerdo o caractere 「人」deveria ser lido como se fosse 「人に」, isto é, gramaticalmente deveria ser encarado como o receptor de uma ação ou o resultado de uma mudança. Esse sistema de decodificação ficou conhecido como 「をことてん」(ヲコト点).
De forma parecida à civilização ocidental medieval, que foi dominada pelo cristianismo, a era Nara-Heian da história japonesa desenvolveu sua cultura sob a forte influência das religiões importadas da China. Assim, o desenvolvimento do sistema de escrita japonês foi sendo alimentado pelos líderes ou doutores de diferentes grupos religiosos, dentre as quais a Bukke (A Casa do Budismo) e a Juke (A Casa de Confúcio) são provavelmente as mais conhecidas.
Cada um desses grupos mantinha um gráfico 「をことてん」diferente para sua própria interpretação (leitura) de seu material religioso escrito em chinês. Até mesmo as tabelas usadas em templos individuais do mesmo grupo podiam diferir. Alguns contrastes podem ser vistos nos exemplos a seguir:
Alguns críticos afirmam que a tabela do「をことてん」não era simplesmente um sistema para ajudar a interpretar a sintaxe do idioma chinês; esse sistema também servia como maneira para manter o sigilo da interpretação religiosa pertencente ao próprio grupo.
Enquanto o Budismo continuava sua expansão durante os períodos Heian e Kamakura, o 「をことてん」perdia popularidade.
59.3. EXPRESSANDO COISAS PASSADAS
Note que no título deste tópico usamos a expressão “coisas passadas” e não “tempo passado”. O motivo disso é apenas didático, pois veremos aqui seis auxiliares que podiam ser usados para expressar coisas passadas, mas que tinham pequenas diferenças. Os auxiliares que abordaremos neste tópico são「き」, 「けり」, 「ぬ」, 「つ」, 「たり」e「り」. Todos eram anexados à Base Ren'youkei do verbo ou adjetivo. Primeiramente, vejamos as suas respectivas bases:
Apresentadas as bases de cada auxiliar, vamos explicar a origem: como já sabemos, 「たり」 se origina de 「て」+ 「あり」 (lição 14). Já 「けり」 vem da junção de 「き」+ 「あり」. Note que aqui com a junção ocorre o fenômeno da “apofonia” (lição 9). O auxiliar 「り」, que já vimos na lição 27, é considerado uma versão abreviada de 「あり」.
Quanto ao sentido transmitido, podemos dividi-los em três grupos:
I.「き」e 「けり」eram usados para indicar recordação. O verbo auxiliar 「き」indica passado (pessoal) distante e mostra uma lembrança direta. Já 「けり」indica uma lembrança transmitida, frequentemente enfatizando de maneira poética ou emocional:
映画を見き。= (Eu) vi o filme.
戦士が死にけり。= O guerreiro morreu.
II.「ぬ」e 「つ」eram usados para indicar o perfectivo. O perfectivo se refere a uma ação que foi realizada ou completada. Alguns gramáticos afirmam que「ぬ」e 「つ」eram equivalentes basicamente em todos os sentidos e tinham os mesmos usos. Outros, porém, afirmam que 「ぬ」 era usado com verbos intransitivos e indicava que uma ação que era completada gradualmente, ao passo que 「つ」 era usado com verbos transitivos (lição 17) e indicava que uma ação era completada de uma vez e repentinamente, sendo mais enfático que「ぬ」. Enfim, não há consenso:
戦士が死にぬ。= O guerreiro morreu.
映画を見つ。= (Eu) vi o filme.
III.「たり」e「り」eram usados para indicar resultado, continuação e o pretérito. 「り」 (que já vimos na lição 27) é muito mais antigo que「たり」, que como já sabemos, deu origem ao auxiliar moderno 「た」 (lição 14):
映画を見たり。= (Eu) vi o filme.
学生と話せり。= (Eu) falei com o estudante.
No primeiro tópico desta lição, chamamos a atenção para a questão dos “elementos clássicos combinados”. Vejamos os que têm alguma relação com os auxiliares aqui estudados:
➩「てけり」: indicava que uma ação no passado estava completa. Esta função se assemelha ao primeiro uso de 「てしまった」 (lição 36). Também, podia indicar surpresa e admiração quanto a um evento passado, assemelhando-se a 「てしまったことだ」 ou 「てしまったのだなあ」:
寿司を食べてけり。= (Eu) comi sushi.
➩「にけり」: possuía funções parecidas com as de 「てけり」. No Japonês Moderno, construções como 「... た (verbo na forma passada) 」, 「てしまった」, 「... たことだ」e 「てしまったことだ」se assemelham ao sentido de 「にけり」:
寿司を食べにけり。= (Eu) comi sushi.
➩「てき」: indicava uma ação que certamente ocorreu. Assemelha-se a 「てしまった」 ou 「たしかに ... た (verbo na forma passada) 」:
寿司を食べてき。= (Certamente), (eu) comi sushi.
➩「にき」: indicava uma ação completa. Assemelha-se a construções como 「... た (verbo na forma passada) 」ou「てしまった」:
寿司を食べにき。= (Eu) comi sushi.
➩「ぬなり」: origina-se da combinação do auxiliar perfectivo 「ぬ」e 「なり」, que indicava suposição (lição 47). Indicava boato ou suposição passados, assemelhando-se a construções como 「てしまったそうだ」 e 「てしまったようだ」:
戦士が死にぬなり。= Parece que o guerreiro morreu.
➩「た(ん)なり」: origina-se da Base Rentaikei de 「たり」em conjunto com o elemento de suposição 「なり」 (lição 47) →「たるなり」, que devido a mudanças sonoras, possuía as variantes 「たんなり」e 「たなり」. Indicava boato ou suposição, assemelhando-se a 「ているそうだ」 e 「ているようだ」:
戦士が死にた(ん)なり。= Parece que o guerreiro morreu. / Ouvi que o guerreiro morreu.
➩「たりけり」: indicava um passado resultante, assemelhando-se a 「ていた」 e 「てあった」, uma lembrança de um boato, assemelhando-se a 「ていたそうだ」, ou o reconhecimento de algo ao relembrar algo passado, assemelhando-se a 「たことだなあ」:
寿司を食べたりけり。= (Ele) comia sushi. / Ouvi que ele comia sushi.
➩「たりつ」: indicava uma ação resultante que perdurava até o presente, assemelhando-se a 「ていた」 e 「てあった」:
ボールが落ちたりつ。= A bola caiu (e continua caída no chão).
➩「りき」: indicava uma recordação descritiva de algo que existiu, assemelhando-se a 「ていた」:
学生と話せりき。= (Eu) falava com o estudante.
➩「なりけり」: trata-se da combinação da cópula clássica「なり」com 「けり」. Indicava o reconhecimento de que algo no passado era tido como realidade ou princípio universal. Assemelha-se a 「であったのだなあ」.
学生なりけり。= (Ele) era um estudante.
➩「けらし」: o mais provável é que se origine da combinação da Base Rentaikei do auxiliar 「けり」com 「らし」→ 「けるらし」, que se tornou 「けらし」 devido a mudanças sonoras. Tinha como função fazer uma suposição no passado, assemelhando-se a 「た (verbo na forma passada) らしい」e 「た (verbo na forma passada) ようだ」.
日本にきけらし。= Parece que (eles) vieram ao Japão.
59.4. UM OLHAR SOBRE A BASE MIZENKEI
Como relembramos no primeiro tópico, a Base Mizenkei (未然形) [de 「みぜん」 = “não feito ainda” e 「けい」= “forma/tipo”] é utilizada para formas verbais que expressam fatos que ainda não ocorreram. Logo, tal definição nos faz lembrar da forma negativa, não é mesmo? Por isso, elementos como o auxiliar de negação 「ず」e o sufixo 「む」são anexados à Base Mizenkei.
Por falar em auxiliar de negação 「ず」, recordemo-nos que na lição 14 mencionamos que no Japonês Clássico ele tinha três conjuntos de bases (vamos nos referir a eles pela base Ren’youkei):
Referente ao conjunto 「ざり」, ele não era usado na língua coloquial e sua principal função era tornar possível a adição de sufixos adicionais, especialmente os flexionáveis, o que não é possível com o conjunto 「ず」:
学生と話さざりき。= (Eu) não falei com o estudante.
É natural que o condicional 「ば」também fosse anexado à base Mizenkei, afinal uma oração na forma condicional ainda não tomou forma no mundo real. Vejamos:
水があらば。= Se houver água.
Na lição 47, vimos a partícula 「や」 que transmite tom de incerteza. Ela podia ser combina com 「ば」→「ばや」 para indicar um desejo que está longe de se tornar realidade:
水があらばや。= Se apenas houvesse água.
Era possível ainda combinar 「ず」com 「は」para expressar um condicional na negativa – “Se não...”. Possuía as variantes 「ずば」e 「ずんば」:
水があらずば。= Se não houver água.
Na lição 51, nós já mencionamos 「ずて」, combinação da base Ren’youkei do conjunto 「ず」com 「て」. Ela exprime negação, podendo ser conectada a outra oração:
寿司を食べずて勉強をす。= (Eu) não vou comer sushi e vou estudar.
Vejamos agora mais três elementos clássicos combinados:
➩「らず」: trata-se da combinação da Base Mizenkei do auxiliar 「り」com o auxiliar 「ず」. Sua função era indicar uma negação de um estado contínuo de uma ação, de forma parecida a 「ていない」:
寿司を食べらず。= (Eu) não estou comendo sushi.
➩「ざなり」origina-se da combinação da Base Rentaikei do auxiliar de negação「ざり」com o elemento de suposição 「なり」→ 「ざるなり」, que se tornou 「ざなり」 devido a mudanças sonoras. Indicava um fato negativo como suposição ou boato. Assemelha-se a 「ないそうだ」, 「ないらしい」 e 「ないようだ」:
ボールが落ちざなり。= Eu ouvi que a bola não cai. / Parece que a bola não cai.
➩「なくに」: trata-se da combinação da Base Mizenkei do conjunto 「に」do auxiliar 「ず」com o sufixo nominalizador 「く」 (lição 42) e a partícula 「に」. Se fôssemos atualizar 「なくに」, teríamos 「ないことに」 em que este 「に」 tem sentido de 「のに」(concessão) ou 「から」(causa). Então, no Japonês Moderno, temos como expressões semelhantes 「ないことなのに」e 「ないことから」:
寿司を食べなくに。= Apesar de não comer sushi / Devido a não comer sushi.
59.5. OS AUXILIARES 「ゆ」, 「らゆ」E 「しむ」
Na lição 31, vimos os verbos auxiliares 「れる」e「られる」 e suas funções. Sabemos que eles derivam dos seus antepassados clássicos「る」e「らる」. O fato novo aqui é que os primeiros verbos a exercerem as mesmas funções de 「れる」e「られる」 que se tem registro são 「ゆ」e 「らゆ」, com exceção da função honorífica. Eram comuns durante o Período Nara (710 d.C. – 794 d.C.).
Então, poderíamos dividi-los em três grupos:
「ゆ」e 「らゆ」 → 「る」e「らる」→ 「れる」e「られる」
Vejamos quais eram as bases de 「ゆ」e 「らゆ」, que tinham como funções a forma passiva, a forma potencial e a forma espontânea:
学生と話さゆ。= (Eu) poderei falar com o estudante.
ボールを蹴らゆ。= (Eu) posso chutar a bola.
Na lição 33, tratamos dos auxiliares 「せる」e「させる」, bem como citamos suas versões clássicas 「す」e「さす」. Acontece que no Japonês Clássico havia mais um auxiliar que tinha as mesmas funções de 「す」e「さす」e que se perdeu no tempo. Trata-se de 「しむ」. Vejamos quais eram suas bases:
O que diferenciava 「しむ」de 「す」e「さす」é que 「しむ」não se restringia a verbos, podendo ser usado com Keiyoushi ou mesmo construções com Keiyoudoushi:
寿司を食べしむ。= Fazer comer sushi.
Na lição 17 tratamos da transitividade dos verbos e tentamos dar indícios de qual seria a origem de algumas formas aparentemente irregulares, isto é, com a anexação dos auxiliares à Bases inexistentes. Bom, agora que temos mais conhecimento acerca do Japonês Clássico, há algo interessante que G. B. Sansom afirma em seu livro “An Historical Grammar of Japanese”, página 166:
“No entanto, existem algumas exceções adicionais que são formadas a partir de verbos com base que não termina em -a. Essas são de interesse uma vez que mostram a origem de certas palavras antigas que existem inalteradas na língua moderna.” (destaques nossos)
E ele cita exemplos como:
なす → originado de ぬる = dormir
せす → originado de する = fazer
めす → originado de みる = ver
しろす → originado de しる = saber
Observando os verbos de origem, nota-se que a base à qual 「す」 era anexado sofria, em alguns casos, mudanças sonoras. Possivelmente, isso ocorria para não gerar verbos diferentes com pronúncia semelhante a outros já existentes. Tal fenômeno pode ser visto também com os demais auxiliares citados neste tópico como, por exemplo, 「きこゆ」.
59.6. UM OLHAR SOBRE「む」, 「べし」, 「じ」, 「まじ」E 「まし」
Na lição 37, abordamos o sufixo 「む」, como também vimos algo sobre 「まじ」e「じ」. Na lição 38, estudamos 「べき」, forma moderna de「べし」. Algo interessante é que, no Japonês Clássico, de alguma forma, tais construções tinham relações mais próximas do que atualmente.
Em seu livro “Classical Japanese – A Grammar”, págs. 127-128, Haruo Shirane afirma o seguinte:
“O especulativo negativo maji é uma versão mais forte do especulativo negativo ji, assim como o especulativo beshi é uma versão mais forte do especulativo mu.
Maji é também a versão negativa de beshi. As cinco funções básicas de maji – especulação negativa, intenção negativa, adequação negativa, potencial negativo e comando negativo – são as contrapartidas negativas das cinco funções básicas de beshi: especulação, intenção, adequação potencial e comando.
Ambos maji e beshi seguem a (base) Shuushikei, como também são conjugados como adjetivos (Keiyoushi): beshi segue o padrão Ku e Maji, o padrão Shiku”.
E elabora um interessante quadro:
No Japonês Clássico, o sufixo 「む」era usado com muito mais frequência, acompanhado de outros elementos, dando origem a diversas construções que, claro, não são vistas mais atualmente. Vejamos a origem de cada elemento clássico combinados e suas respectivas funções:
➩「けむ」: acredita-se que seja a versão abreviada de 「けらむ」, isto é, a base Mizenkei do auxiliar 「けり」 (tópico 1) + 「む」. Indicava suposição sobre o passado e conjectura sobre a causa de um evento passado, neste caso, geralmente precedido de uma palavra interrogativa. Assemelha-se a 「だったろう」e 「なぜ (...) したのだろう」:
(なぜ) 戦士が死にけむ。= (Por que) o guerreiro possivelmente morreu?
➩「らむ」 (1): provavelmente se origina da mudança sonora de 「あらむ」, isto é, o sufixo 「む」anexado à Base Mizenkei do verbo 「あり」. Indicava suposição sobre uma situação presente não visualizada pelo falante, e conjectura sobre a causa de um evento presente, neste caso, geralmente precedido de uma palavra interrogativa. Assemelha-se a 「いまごろ (...) だろう」e 「どうして (...) しているだろう」. Era anexado à Base Shuushikei, exceto quando se tratava de verbos Rahen. Nestes casos, seguia a Base Rentaikei:
(なぜ) (...) 水があるらむ。= (Por que) existe água?
➩「らむ」 (2): trata-se da combinação da Base Mizenkei do auxiliar 「り」com 「む」(por isso, anexado à Base Ren’youkei). Indicava especulação sobre determinado estado contínuo, assemelhando-se a 「ているだろう」. Não confunda com “「らむ」 (1)”:
寿司を食べらむ。= (Ela) está comendo sushi (possivelmente).
➩「むず」: é uma abreviação de 「~むとす」, isto é, um verbo na “Forma OU” inicial, por exemplo, 「あらむ」 + 「とす」, versão clássica de 「とする」 (lição 42). Tinha função de indicar intenção e suposição de uma maneira mais forte do que 「む」. Assemelha-se a 「きっと (...) (だろう)」;
水があらむず。= (Certamente) deve existir água.
➩「まほし」: trata-se da forma clássica de 「ほしい」 (lição 41), isto é, 「ほし」anexada à base Mizenkei “arranjada” de 「む」e o sufixo nominalizador 「く」 (lição 42). Então, devido a mudanças sonoras, 「まくほし」se tornou 「まほし」. Indicava um desejo do falante, como o auxiliar「たい」faz atualmente ou ainda, uma situação desejada, assim como 「てほしい」expressa no Japonês Moderno:
ボールを蹴まほし。= (Eu) quero chutar a bola. / (Eu) quero que chutem a bola.
NOTA: Na língua moderna existe o Keiyoushi 「あらまほしい」(有らまほしい), que significa “desejável”, “ideal”. Claramente se origina da Base Mizenkei do verbo 「あり」com 「まほし」, que literalmente significa “quero que exista”.
➩「めり」: decidimos abordá-lo neste tópico, porque há gramáticos que afirmam que 「めり」 é uma abreviação de 「む」+ 「あり」. Contudo, o mais provável é que seja abreviação de 「みえあり」, isto é, a base Ren’youkei do verbo 「見える」com 「あり」. Indicava suposição baseada em uma evidência visual e também podia ser usado para se dizer algo de maneira indireta, vaga. Assemelha-se a 「ように見える」e 「らしい」. Era anexado à Base Shuushikei, exceto quando se tratava de verbos Rahen. Nestes casos, seguia a Base Rentaikei:
勉強をすめり。= Parece que (ele) estuda.
水があるめり。= Parece que existe água.
➩「なめり」: origina-se da combinação da Base Rentaikei da cópula clássica 「なり」com 「めり」→ 「なるめり」, que se tornou 「なめり」 devido a mudanças sonoras. Sua função era amenizar uma declaração, sendo parecido com 「であるようだ」:
夢なめり。= (Parece que) é um sonho.
➩「なむ」: há controvérsias quanto a sua origem, embora a maioria das fontes afirmem que 「なむ」se trata da junção da Base Mizenkei do auxiliar perfectivo 「ぬ」 com 「む」. Outras poucas fontes afirmam que 「なむ」se origina da junção da base Mizenkei do verbo arcaico「ぬ」, que significa “ser” com 「む」, o que é pouco provável. Tinha como função indicar forte intenção ou convicção sobre o futuro, bem como transmitir uma recomendação. Assemelha-se a 「きっと (...) だろう」e 「ほうがいい」(recomendação):
日本にきなむ。= (Eles) certamente virão ao Japão.
勉強をしなむ。= É melhor (você) estudar.
➩「てむ」: dava mais força às funções de 「べし」, exceto comando. Ou seja, tornava uma especulação, intenção, recomendação ou potência para algo mais fortes:
水がありてむ。= Deve existir água.
➩「にけむ」: trata-se da combinação da Base Ren’youkei do auxiliar perfectivo 「ぬ」e 「けむ」. Indicava suposição no passado, assemelhando-se a 「た (verbo na forma passada) だろう」:
水がありにけむ。= Possivelmente existiu água.
➩「ぬべし」: origina-se da combinação do auxiliar perfectivo 「ぬ」e 「べし」. Indicava uma suposição firme e uma suposição quanto à possibilidade de se fazer algo. Assemelha-se a 「きっと (...) だろう」e 「することができそうだ」:
日本にきぬべし。= Possivelmente (eles) virão ao Japão. / (Eles) poderão vir ao Japão.
➩「たらむ」: origina-se da combinação da Base Mizenkei do auxiliar 「たり」 e 「む」. Indicava uma suposição quanto ao presente ou ao passado, intenção e uma hipótese. No Japonês Moderno, podem ser usadas expressões como 「だろう」, 「た (verbo na forma passada) だろう」e 「た (verbo na forma passada) ようなら, それは...」:
水がありたらむ。= Deve existir água. / Possivelmente existiu água.
➩「べかなり」: trata-se da combinação da Base Rentaikei do conjunto「かり」 de 「べし」, isto é, 「べかる」 com o elemento de suposição 「なり」. Devido a mudanças sonoras, 「べかるなり」se tornou 「べかなり」. Era usado para se transmitir um boato de que algo se concretizaria, sendo semelhante a 「はずだそうだ」. Era anexado à Base Shuushikei, exceto quando se tratava de verbos Rahen. Nestes casos, seguia a Base Rentaikei:
勉強をすべかなり。= Ouvi que há possibilidade de (ele) estudar.
水があるべかなり。= Ouvi que há indícios que de exista água.
Vamos tratar agora de 「まし」 (não confundir com「まじ」), que se acredita de alguma forma ter se originado de 「む」. Vejamos suas bases, nas quais podemos notar um padrão irregular de conjugação:
A Base Mizenkei 「ませ」é mais antiga, sendo usada durante o Período Nara (710–794) e sobrevivendo nos períodos seguintes. Lá pelo Período Kamakura (1192-1333), 「む」e 「まし」pareciam ter funções iguais, porém, nem sempre foi assim. Originalmente, a principal diferença entre os dois sufixos estava no fato de que, enquanto 「む」podia expressar algo que estava relacionado ou não com a realidade, 「まし」tinha sempre um ar de contrariedade, seja de insatisfação, arrependimento ou hesitação quanto à realidade:
水があらまし。= Se apenas houvesse água (pois concretamente não há como ter).
寿司を食べまし。= Se apenas (eu) comesse sushi (pois concretamente não tenho condições para isso).
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