Ufa! Depois de duas lições seguidas a respeito dos Kanji, vamos abordar agora o último meio de expressão escrita da língua japonesa: o Roomaji, que com certeza será bem mais fácil de aprender.
6.1. O QUE É O ROOMAJI?
Como você viu nas cinco primeiras lições, o método usual de escrever o idioma japonês, usado pelos nativos em si, é uma mistura de Kanji, os caracteres chineses, e o Kana, os caracteres nativos que representam os sons da língua japonesa. Viu também que é possível escrever japonês completamente em Kana, embora isso raramente aconteça na prática.
O Roomaji (ローマ字), literalmente “letra romana”, é a aplicação do alfabeto latino para escrever o idioma japonês. Este método foi inventado por Yajiro (ou Anjiro) no século XVI e foi baseado na ortografia da língua portuguesa vigente da época.
Yajiro nasceu em Satsuma e pertencia às classes mais baixas dos samurais. Depois de cometer um assassinato, ele foge para a província de Goa na Índia, onde conhece São Francisco Xavier (1506-1552) e converte-se ao cristianismo. Retorna, então, ao Japão como um intérprete junto aos missionários jesuítas portugueses, já que sua visão única sobre os caminhos do Japão, fez com que despertasse o interesse dos missionários em Goa. Mais tarde, passa a ser conhecido como “Paulo de Santa Fé”.
O emprego do Roomaji por parte dos jesuítas em uma série de livros católicos impressos possibilitou que os missionários pudessem pregar e ensinar seus convertidos sem aprender a ler a escrita japonesa, já que isso era considerada uma grande barreira. Após a expulsão de cristãos do Japão no início do século XVII, o Roomaji caiu em desuso, e era apenas usado esporadicamente em textos estrangeiros até meados do século XIX, quando o Japão se abriu novamente.
Os sistemas utilizados atualmente foram todos desenvolvidos na segunda metade do século XIX. Há três métodos principais de romanização: Sistema Hepburn, Sistema Nippon e Sistema Kunrei.
No cotidiano, o Roomaji pode ser usado para escrever números e abreviaturas. Ele também é usado em dicionários e livros para estudantes estrangeiros de japonês. Para digitar em japonês nos computadores, a maioria das pessoas, sejam nativos ou não, usam Roomaji, que é convertido em Kanji, Hiragana, ou Katakana pelo software de entrada. Também é possível digitar em Hiragana ou Katakana se você tiver um teclado em japonês, mas poucas pessoas estão familiarizadas com este método.
6.2. O SISTEMA HEPBURN
Em 1885, o Roomajikai (ローマ字会), grupo de japoneses e estrangeiros que estavam interessados em desenvolver e promover a romanização da língua japonesa no lugar da combinação de Kanji e Kana, foi instituido. Um de seus membros, o Dr. James Hepburn (1815-1911), um médico e missionário americano da Filadélfia, utilizou o sistema do Roomajikai em seu dicionário japonês-inglês. Apesar de ser seu co-criador, o sistema de romanização levou seu nome: “Sistema Hepburn” (ヘボン式/). A principal característica deste sistema é que a sua ortografia baseia-se na fonologia da língua inglesa. Há muitas variantes do sistema Hepburn, mas há três estilos padrão:
I. Hepburn Tradicional: assim definido em várias edições do dicionário de Hepburn, cuja terceira edição (1886) é frequentemente considerada de sua autoria;
II. Hepburn Revisado: é uma versão revisada do Hepburn Tradicional e foi adotada pela Biblioteca do Congresso americano como um de seus ALA-LC, conjunto de padrões de romanização. É atualmente a versão mais comum desse sistema;
III. Hepburn Modificado: este estilo foi introduzido na terceira edição do “Kenkyusha's New Japanese-English Dictionary” (1954) e ainda é predominantemente conservado pelos linguísticos.
NOTA: o termo “Hepburn modificado” pode ser utilizado para se referir ao “Hepburn revisado”.
Agora, vamos comparar as três versões:
A) VOGAIS: nestes três estilos, algumas combinações de vogais merecem atenção. Vejamos:
I. Vogal Dupla A:
- No sistema Ttradicional, a vogal dupla “A”, é sempre escrita “AA”:
まあたらしい = MAATARASHII
おばあさん = OBAA-SAN
- Nos outros dois estilos, entretanto, é escrita “AA” somente se o segundo “A” pertencer à outra palavra em um termo composto:
真新しい = 真 + 新しい → ま + あたらしい = MAATARASHII
- Em outros casos, é escrita com um macro:
おばあさん = OBĀSAN
II. Vogal Dupla I:
- A vogal dupla “I”, é sempre escrita “II” nos três estilos:
おにいさん = ONIISAN
III. Vogal Dupla U:
- A vogal dupla “U” é escrita “UU” se o segundo “U” pertencer à outra palavra em um termo composto ou for a terminação de um verbo:
ぬう = NUU
- em outros casos, é escrita com um macro:
すうがく = SŪGAKU
IV. Vogal Dupla E:
- Nos três estilos, a vogal dupla “E” é escrita “EE” se o segundo “E” pertencer à outra palavra em um termo composto:
濡れ縁 = 濡れ + 縁 → ぬれ + えん = NUREEN
- Em outros casos, no estilo tradicional é escrito “E” ou “EE”, e no revisado, com o macro:
おねえさん = ONEESAN (Tradicional)
おねえさん = ONĒSAN (Revisado)
V. Vogal Dupla O:
- Nos estilos Tradicional e Revisado, a vogal dupla “O” é escrita “OO” se o segundo “O” pertencer à outra palavra em um termo composto:
小躍り= 小 + 躍り→ こお + どり= KOODORI
- Em outros casos é escrita com o macro:
おおさか = ŌSAKA
VI. Combinação O + U:
- Nos estilos Tradicional e Revisado, a combinação “O + U” é escrita “OU” se o “U” pertencer à outra palavra em um termo composto ou terminação verbal:
子馬 = 子 + 馬 →こ + うま= KOUMA
おう = OU
- Em outros casos é escrita com o macro acima do “O”:
とうきょう = TŌKYŌ
VII. Combinação E + I:
- Nos estilos Tradicional e Revisado, a combinação “E + I” é escrita “EI”:
がくせい = GAKUSEI
NOTAS:
1. Todos os demais agrupamentos com som de vogal são escritos com cada som individualmente. Por exemplo, かるい = KARUI;
2. No Hepburn Modificado, todas as vogais longas são indicadas duplicando-se a vogal. Por exemplo, “O” longo é "OO". "EI" só é usado quando as duas vogais têm sons distintos;
3. Para palavras emprestadas todas as vogais são alongadas com macros. Além disso, variações comuns existem para O + U. Essas variantes incluem "oh", "o", "ou", "oo" e "ô".
B) PARTÍCULAS:
C) SOM NASAL: no Sistema Hepburn tradicional, 「ン・ん」 são transcritos como [M] antes de sons de B, P ou M. Quando aparecem antes de uma vogal ou som de Y não contraído, são separados por um hífen:
しんばし = SHIMBASHI
ぐんま = GUMMA
じゅんいちろう = JUN-ICHIROU
しんよう = SHIN-YOU
きにゅう = KINYUU
No Sistema Hepburn Revisado, o [M] é substituído por [N] , e um apóstrofo é usado com ele em vez do hífen para separá-lo de um som de vogal ou som de Y não contraído:
しんばし = SHINBASHI
ぐんま = GUNMA
じゅんいちろう = JUN’ICHIRŌ
しんよう = SHIN’YŌ
きにゅう = KINY Ū
No Sistema Hepburn Modificado, sempre é usado “n” com um macro (n̄), da mesma forma que é usado para indicar vogais longas no Hepburn Revisado:
ぐんま = GU NN̄̄MA
しんばし = SHINN̄̄BASHI
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No Japão, apesar de o Sistema Hepburn não ser o padrão por lei, permanece como o padrão de fato. Considerando-se algumas variantes dominantes para cada caso, podemos dizer que praticamente todas as indicações oficiais (placas de ruas, avisos, informações, etc.) são romanizadas pelo sistema Hepburn. A Japan Railways e todos os outros sistemas de transporte (ônibus, metrô, outras companhias férreas, companhias aéreas, etc.) utilizam o sistema Hepburn. Ainda, placas e informações em prefeituras, delegacias de polícia, templos, pontos turísticos, jornais, canais de televisão, publicações do Ministério das Relações Exteriores e guias também utilizam o sistema Hepburn. Por fim, estudantes estrangeiros da língua japonesa quase sempre aprendem o sistema Hepburn.
6.3. O SISTEMA NIPPON
O Sistema Nippon foi inventado pelo professor de física da Universidade de Tóquio Aikitsu Tanakadate em 1885, sendo posterior ao Sistema Hepburn. A intenção de Tanakadate era substituir completamente o sistema tradicional de escrita japonesa baseado no Kanji e Kana por um sistema romanizado, pois ele acreditava que isso poderia tornar mais fácil a competição do povo japonês com os países ocidentais. Na época, vários textos japoneses foram publicados totalmente em roomaji, entretanto, não se conseguiu implementar a ideia, talvez devido ao grande número de homófonas que existem no japonês.
Já que o Sistema Nippon foi criado para que os japoneses escrevessem sua própria língua, segue a fonética japonesa e a ordem silábica rigidamente e é, portanto, o único grande sistema de romanização que permite a transcrição literal (sem perdas) de e para Kana. É provavelmente o menos usado dos três sistemas principais.
Comparemos a seguir as diferenças entre os sistemas Hepburn Revisado e Nippon:
Note como o Sistema Nippon é mais consistente foneticamente do que o Sistema Hepburn, que é mais intuitivo para os falantes da língua portuguesa, no que diz respeito à pronúncia real.
Outras particularidades são:
1. Quando 「へ」é usado como partícula, é escrito “he” e não “e”;
2. Quando 「は」é usado como partícula, é escrito “ha” e não “wa”;
3. Quando 「を」é usado como partícula, é escrito “wo” e não “o”;
4. Vogais longas são indicadas por um sinal de circunflexo, em vez do macro. Por exemplo, “O” longo é escrito “ô”, ao contrário de Hepburn, que utiliza um macro – “ō”;
5. O som nasal 「ん」é escrito como [n] antes de sons de consoantes, mas como [n'] antes de sons de vogais e Y.
6. Em consoantes geminadas, dobra-se a consoante seguinte ao sokuon, sem exceção.
6.4. O SISTEMA KUNREI
No período anterior à Segunda Grande Guerra, houve um conflito político entre partidários de romanização Hepburn e simpatizantes do Sistema Nippon. Em 1930, uma banca examinadora, sob assistência do Ministério da Educação, foi criada para determinar qual seria o sistema de romanização adequado. O governo japonês, por ordem do gabinete [「くんれい」(訓令)] anunciou em 21 de setembro de 1937 que uma forma modificada do sistema Nippon seria adotada oficialmente. A forma daquela época um pouco diferente a forma moderna. Originalmente, este sistema foi chamado de “Estilo Kokutei” (国定式), isto é, "oficialmente autorizado" pelo gabinete japonês.
Durante o período pós-guerra, vários educadores e estudiosos tentaram introduzir o Roomaji como um dispositivo de ensino e como uma possibilidade de ser uma substituição para o Kanji. No entanto, o Sistema Kokutei tinha associações com o militarismo japonês e as forças de ocupação dos Estados Unidos estavam relutantes em promovê-lo. Em 9 de dezembro de 1954, a partir de um pronunciamento do governo japonês, tal sistema de romanização foi reafirmado como sendo o oficial do Japão para todas as situações e teve seu nome alterado para “Sistema Kunrei” (訓令式).
Às vezes o Sistema Kunrei é citado como “Sistema Monbushō”. Tal nomenclatura veio à tona depois que o Monbukagakushō (Ministério da Educação, Cultura, Esporte e Tecnologia), acrescentou o seu aprendizado no currículo escolar, sendo ensinado às crianças japonesas no 4º ano.
Tecnicamente falando, o Sistema Kunrei é uma versão do Sistema Nippon ligeiramente alterada que elimina as diferenças entre a silábica do Kana e a pronúncia moderna. Vejamos as diferenças entre o Sistema Nippon e o Sistema Kunrei:
Outras particularidades são:
1. Quando「へ」é usado como partícula, é escrito “e” e não “he”;
2. Quando 「は」é usado como partícula, é escrito “wa” e não “ha”;
3. Quando 「を」é usado como partícula, é escrito “o” e não “wo”;
Atualmente, os principais usuários do Sistema Kunrei são falantes nativos de japonês (especialmente no Japão) e linguísticos que estudam japonês. Isso por que, apesar de seu reconhecimento oficial, o Sistema Kunrei não ganhou ampla aceitação dentro ou fora do Japão. Como mencionado anteriormente, o governo japonês geralmente usa o Sistema Hepburn, incluindo a romanização dos nomes japoneses nos passaportes, sinalização rodoviária e sinalização ferroviária. A grande maioria das publicações ocidentais e de todos os jornais de língua portuguesa também continua a usar o Sistema Hepburn.
Observe a seguir, o quadro no qual comparamos os três métodos principais de romanização:
6.5. OUTROS SISTEMAS DE ROMANIZAÇÃO
Além dos três sistemas de romanização mais conhecidos, existem outros menos conhecidos. Vejamos:
I. Nippo Jisho: o Nippo Jisho (日葡辞書) ou "Vocabvlario da lingoa de Iapam" foi um dicionário japonês-português publicado em 1603. O Kanji 「葡」aqui representa Portugal. Três ou quatro cópias do dicionário original ainda existem. A tabela a seguir mostra a romanização do japonês utilizado nele:
II. JSL: o JSL é o sistema de romanização usado na série de livros didáticos "Japanese: the Spoken Language", de Eleanor Harz Jorden. Ele é baseado no formato do Sistema Kunrei, com a diferença que as vogais longas são escritas pela sua duplicação, como "oo" ou "uu", ao invés do uso de macros ou sinais circunflexos, e a adição de informações sobre o acento tonal, usando acentos agudos, graves e circunflexos. A romanização JSL é destinada para ensino da língua e de seu estudo;
III. Sistema 99 (99式): foi criado pela “Sociedade para a Romanização do Alfabeto Japonês” (社団法人日本ローマ字会) e é uma forma de romanização desenvolvida a partir de uma visão de que o roomaji é uma forma de transliteração em vez de uma ortografia estrita. Como tal, permite a romanização de formas variantes do Kana que atualmente não têm uma forma romanizada. Ele não usa nem circunflexos nem macros;
IV. Romanização Easy-to-read: na prática, a romanização mais usada no Japão é uma variante sem nome do Sistema Hepburn, por vezes descrita como romanização “Easy-to-read” (fácil de ler). Nesta forma de romanização, vogais longas e a consoante nasal (ん) simplesmente não são indicadas. Este tipo de romanização é usado em estações de trem para indicar os nomes das estações, e é a forma de romanização que nos dá, por exemplo, “Tokyo” e “Kyoto” para as cidades japonesas.
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